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Arquivo para a ‘Real’ Categoria

O sofisma moderno

23 jan

Além da crise do pensamento, da crise social que não conseguimos resolver em mais de um século de um espetacular desenvolvimento das forças e tecnologias que interferem na natureza e deveriam ajudar o homem e não destruir a natureza, talvez a crise civilizatória mais comum esteja na política, uso talvez porque o pensamento que dá base a ela se perdeu.

O modelo da sociedade moderna começou na Grécia antiga e Platão se refere a este modelo principalmente em sua obra “A república”, porém o embate inicial é contra aquilo que era usado como forma de poder de seu tempo: o pensamento sofista.

É preciso definir o sofista para que ele não seja confundido com o filósofo ou com o político, Platão parte do pressuposto de que a nenhum homem é dado o poder de conhecer todas as coisas, o que o tornaria um deus, e na propaganda enganosa do sofista, ele poderia ensinar tão somente uma aparência de ciência universal, e aqui se encontrar a dificuldade de estabelecer o que é a falsidade e a verdade de um discurso enganador, assim está presente em qualquer discurso.

Esta dificuldade entre a verdade e a falsidade é aquela que fomenta uma discussão ontológica, se estabelece assim uma arte da ilusão, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros que assim a delimitam e o que propicia esse poder de ilusão, além de determinar qual o seu objeto e sua relação com o que é imitado, assim o sofista não é um leigo, ele possui sim uma arte que deve ser justificada como ilusória e prejudicial quando se pretende formular uma crítica e estabelecer o princípio ou norma ideal para se educar.

Este é o sofisma moderno, o que é educar, agora não se tratam apenas de correntes de Piaget, Skinner, Construtivista, Vygotsky ou qualquer uma das “modernas” teorias da aprendizagem, e sim o problema da fragmentação e vulgarização do conhecimento, onde até questões básicas de matemática, geografia ou literatura, por exemplo, são completamente ignoradas no ensino.

Dois sofismas modernos, só para dar um exemplo, de argumentos aparentemente lógicas que levam a conclusões equivocadas: “Quem não trabalha tem muito tempo livre”, a ideia de usar a força do conhecimento da multidão levou muitas pessoas a investirem o “tempo ocioso” em atividades de mídias sociais, jogos virtuais que são caça níqueis etc., outra espiritual é aquela que imagina um Deus ou uma energia criadora de fortunas e resolução automáticas de coisas complexas da vida, a lógica é “Se Deus é amor e eu amo a Deus minha vida está resolvida”, o esforço, a dedicação e o trabalho pessoal deve vir junto a esta atitude e isto sim significa ter atitudes compatíveis com uma vida digna religiosa: honestidade, fraternidade com os que dependem de nós e resiliência em momentos de dificuldades, que são normais na vida.

Platão ao elaborar a República não esqueceu as virtudes do homem público e toda filosofia trabalhou neste sentido, porém os equívocos no pensamento (filosofia) e na sociedade (ou na política) são decorrentes do desenvolvimento do pensamento antigo em uma direção sempre verdadeira, apesar de lógica, pois a lógica instrumentalizada pode ser um sofisma em certos contextos.

 

O idealismo e a vivência real

18 jan

A grande descoberta da vida real (ou redescoberta se tomamos como base a ontologia clássica e medieval) é uma crítica radical ao idealismo, que separa o sujeito da vida com o mundo real, o que é prometido na vida projetada sobre as coisas e as não-coisas (nossos posts da semana passada) é a catástrofe da vida real que não se traduz em valores reais e concretos.

A fenomenologia retoma a vida real através do Lebenswelt (mundo da vida) que foi retomado pelo filósofo Husserl e que é tocado e citado por Habermas, sem desenvolvê-lo realmente.

O objetivo desta filosofia é mostrar que deve ser o ser humano o centro do processo de conhecimento, a consciência humana é doadora de significado ao mundo das coisas, ou dos fenômenos deste mundo, de onde vem o nome fenomenologia, não-coisas também podem readquirir sentido se penetrarmos nesta razão humana (que o idealismo chama subjetividade).

Com isto a consciência humana readquire significado e sentido aos fenômenos e coisas do mundo, direciona ao que é cada coisa em essência, num caminho sempre intencional e com isto doador de sentido.

Husserl na sua obra “Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia transcendental”, é onde este conceito aparece de forma clara e aprofundada, porque estabelece uma relação entre a epistemologia (a sistematização do conhecimento) e a filosofia e redescobre a ascese.

Assim, uma verdadeira ascese não separa o mundo das coisas e não-coisas apenas mostrando que haveria uma irrealidade em um destes mundos, como ele não está separado da vida, é lá que se verifica que nos deslocamos do mundo concreto da vida para um caminho cujo evolução destrói a base do humano e do real, as guerras e as decadências pessoais são isto.

Em Habermas o mundo da vida é trabalhado como algo que está imediatamente disponível para os atores sociais sob a forma de significado e/ou representações disponíveis a todos, já para Husserl a fundamentação fenomenológica remete a uma ética para a ciência e a técnica do mundo, dado que a ciência não conseguiu alcançar este patamar como discurso sobre a ação na qual é ausência a vida da reflexão, e dentro da ciência, o que faz o criticismo de Kant.

Sloterdijk desenvolveu algo próximo a este conceito como uma ascese desespiritualizada, ou seja, apesar de trabalhar o conceito de “fenomenologia do espírito” eles ficam no campo abstrato e sua real atualização no mundo da vida não acontece, porque não é claro que tipo de exercício é este.

Assim realizamos uma série de “exercícios”, somos a sociedade dos exercícios físicos e mentais, mas sua tradução no mundo da vida não leva a atos sociais e morais concretos.

HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

 

O terceiro incluído da física e o pensamento

17 jan

O fato que estamos presos ao dualismo, A e não-A, o Ser é e o Não Ser não é, e agora transformado em pensamento político como se a natureza e a sociedade houvesse apenas sempre duas opções em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) é um pensamento desatualizado se olhamos o paradoxo lógico desenvolvido pelo físico Barsarab Nicolescu que encontra paralelo não só na física quântica (foto), mas também no pensamento social e ontológico: a terceira opção (figura).

Tanto que isto é verdade que o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança uma saída do centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que rompe dualismos e paradoxos.

Tanto a carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, como outros pensadores como Edgar Morin e outros perceberam uma crise na modernidade com raiz no pensamento e na educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”. 

Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizada e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar será necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos e não apenas o que é conveniente ao poder.

A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”

A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.

A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, neste epoché (a visão grega do vazio) pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.

 

Da narração a informação.

02 jan

O título é propositalmente o inverso do primeiro capítulo do livro de Byung Chul Han sobre a crise da narração, embora ele cite Walter Benjamin que cita a experiência de narração num período anterior a internet, porém o filósofo coreano-alemão não vê claramente esta crise anterior a internet, e assim ele próprio cai naquilo que condena, a ausência da análise no tempo.

Se é verdade que a Internet e sua ferramenta para disponibilizar a informação aos leigos que é a Web (nasceu nos anos 90, mais de 20 anos após a internet) não apenas fez uma profusão de meios de divulgar a informação e suas narrativas, como também criou a possibilidade da sua profusão em áudio e vídeo, que dá origem a uma nova possibilidade de narração gravada os podcasts e vídeos.

Claro, não quer dizer que aquela narrativa primitiva anterior a escrita e a imprensa, própria da oralidade primária tenha retornada, ela subsiste em culturas originárias e também algumas culturas e crenças ocidentais, por exemplo, entre os curdos existem os “çîrokbê” que se fosse traduzido literalmente seria o que entendemos na cultura ocidental por “história”.

A sentença de Byung Chul Han sobre o universo digital é clara: “A digitalização descoisifica e desincorpora o mundo. Ela também elimina as memórias” (Han, 2022) em parte é verdade, porém a própria mídia digital uma vez gravada se coisifica, e uma vez que é feita uma narração, só por exemplo, de narradores curdos, a informação (no sentido de Chul Han) se volta a narração, ou seja, é possível o processo reverso.

Seu erro, do ponto de vista filosófica, é uma questão antiga sobre o que é (ou o que são) as coisas, a relação entre sujeito e objeto é fruto do dualismo ocidental desde Parmênides, e só uma visão não dual pode entender que a coisa é em si também não coisa, uma vez narrada.

Assim a informação será sempre paradoxal, é narrada quando é e não narrada depois que se tornou informação-narrada e que está sujeita a um distanciamento histórico, porém se vista do ponto de vista da física quântica é mais complexo ainda, porque ali é as duas coisas, de onde surge a questão de alguns físicos que o tempo não existe, difícil para a cultura atual.

Esta questão do tempo surgiu em 2012 num TedTalk do italiano Carlo Roveli: “O Tempo Não Existe e Te Provo Isso em 15 Minutos”, mas ganhou popularidade agora porque o mega-telescópio James Webb propõe diversos novos paradigmas ao olhar mais profundamente o universo, estamos no fim da era copernicana, o centro de nossa galáxia é um buraco negro e eles já começaram a dizer o que são, também a matéria escura e energia escura começam a ser desvendadas.

Quem dá a história desta idéia é o físico teórico Michio Kaku, “Em A equação de Deus“ (Record, 224 pp, trad.: Alexandre Cherman), e ali faz uma narração escrita da física de hoje.

 

HAN, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.

 

Feliz 2024 e este blog

31 dez

Difícil fazer um balanço positivo de 2023, esperava-se alguma reação positiva da humanidade no pós-pandemia onde muitos faleceram em decorrência do agravamento de doenças colaterais do coronavirus, esperava-se mais solidariedade e respeito a vida humana.

A Ucrânia iniciará o ano com um dia de luto devido ao maciço ataque feito pela Rússia que matou 39 pessoas e feriu outras  159, a maioria civis, a ONU se pronunciou considerando o ataque como “inaceitável” e os Estados Unidos admitem uma intervenção direta na guerra através de suas tropas, isto representaria na prática o início de uma 3ª. Guerra Mundial.

Além desta crise, há o flagelo da guerra na faixa de Gaza e a tensão entre Venezuela e Guiana.

Ainda não finalizou o ano e este mês o blog bateu seu record de acessos com mais de 32 mil e a nova linha onde aprofundamos a questão da noosfera, a partir de Teilhard Chardin que cunhou o termo, também a crise do pensamento (vemos que a filosofia vive também uma crise) e que é a origem da atual crise civilizatória e a Cibercultura, com aspectos éticos e sociais que são aprofundados em leituras tanto do aparecimento de novas tecnologias (ChatGPT, Bard, Azure, etc.) que entram na Era da IA Generativa, no modelo LLM (Large Language Model).

O cenário complexo requer leitura de uns poucos autores que detectam o fio de ouro da crise atual, o modelo idealista que vem do dualismo da Grécia Antiga (o ser é e o não ser não é), o modelo de estado centralizador e monopolizador (mesmo o modelo liberal que cresce em alguns países não deixa de ditar teorias e modelos centralizados) e cuja crise atinge o corpo social, a cultura e até mesmo a religião onde não faltam falsos profetas, adivinhos e apocalípticos, este apelo cresce em função da gravidade do momento.

Deixamos um alento de esperança, de certeza que é possível sair de uma crise com equilíbrio, responsabilidade e um olhar desapaixonado sobre os problemas, paixão pela vida sim, mas não a de fanáticos e salvadores da pátria que pouco ou nada colaboram com saídas humanitárias e responsável sobre o futuro humano.

 

Visão universal de Chardin

28 dez

Durante um certo tempo a visão de um universo formado a partir de uma intenção divina, a sua evolução dentro de uma geosfera, depois uma biosfera e finalmente a etapa atual que é uma noosfera (noon – espírito) de Chardin foi considerada herética, mas aos poucos foi se modificando, muitos filósofos e teólogos passaram a estuda-lo, suas obras foram sendo publicadas e aceitação da igreja foi sendo considerada, a ponto de pensarem até em sua beatificação.

Pode-se pensar nas polêmicas atuais, sem sentido sério doutrinal ao meu ver, que isto se deve a uma certa “modernização” herética da igreja, porém os mais diversos pensamentos teológicos dentro da igreja refletem sobre a validade desta visão que atualiza o pensamento cristão e dá uma grande abertura àquilo que o homem moderno descobriu e continua descobrindo sobre a vida humana na terra e o cosmos.

Numa homilia do papa Bento XVI,  em 24 de julho de 2009, numa homilia em Aosta, Bento XVI cita Teilhard de Chardin, como uma iluminação positiva: «A função do sacerdócio é a de consagrar o mundo para que ele se torne hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não passe ao lado da realidade do mundo, mas que o mundo ele mesmo se torne hóstia viva, se torne liturgia. Esta é a grande visão que foi mais tarde também a de Teilhard de Chardin: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica em que o cosmos se torna hóstia viva.»

E isto não é doutrina nova, embora Chardin a tenha aproximado da Ciência, o Concílio do Vaticano II na Constituição Gaudium et Spes (nº 5), com efeito, declara: «Em suma, o género humano passa duma noção basicamente estática da ordem das coisas a uma concepção mais dinâmica e evolutiva: daí nasce uma problemática nova enorme que obriga a novas análises e a novas sínteses.» E no Catecismo da Igreja Católica (n. 310), lemos: «Deus quis livremente criar um mundo “em estado de caminhada” em direção à sua perfeição última e Jesus virá em sua glória, após guerras, pestes e outras dificuldades civilizatórias, para salvá-lo, diz a escatologia.

Assim não apenas o pecado original, a expulsão do paraíso e o futuro humano se abre a uma perspectiva nova e coerente com a doutrina, como esclarece pontos polêmicos historicamente, diríamos em função da revolução copernicana, o homem e o mundo nem é geocêntrico, nem heliocêntrico, no centro da galáxia está um buraco negro, então poderíamos dizer que ele é noocêntrico (foto do centro da galáxia).

 

GRONCHI, Pe. Maurizio. No pensamento de Pierre Teilhard de Chardin. « J’étudie la matière et je trouve l’esprit. », L’Osservatore Romano, 29 dezembro 2013.

 

Aplainar os caminhos

15 dez

Toda a realidade parece uma enorme confusão, e de fato o é sem um olhar de meditação (a vita contemplativa que postamos na semana passada) e sem uma visão profética que vai além da realidade factual que quase sempre é dualista porque enxerga só por um víeis pessoal.

Acontecerão guerras, revoluções, povos contra povos, tudo o que assoberba os falsos profetas, adivinhos de plantão e maus leitores bíblicos, anunciadores de si próprios e não da realidade divina.

Sim a leitura bíblica é esta Mt 24,7-8: “Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores” sim, mas isto “não será o fim” e a leitura não para aí: “levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos”.  

Embora vivamos uma grande crise civilizatória, a bíblia fala na “grande tribulação”, tudo isto é na realidade um “aplainar dos caminhos”, como fazia João Batista no período da vinda de jesus.

Perguntavam a ele se o messias ou Elias (Jo 1,22-24): “Perguntaram então: ´Quem és afinal afinal? Temos uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?’ Então João declarou: “Eu Sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” conforme disse o profeta Isaías”, que profetizou que Deus enviaria luz e alegria por meio de uma criança, e que quebraria o “jugo da sua carga” (Isaías 9:4) e seria chamado de “Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz” (versículo 6).

É de fato uma crise civilizatória, modelos de sociedade em choque, perigos de guerras em limites e proporções jamais imaginados, porém tudo isto é também “aplainar os caminhos do Senhor”, a vinda de uma Nova Civilização, não aquela das falsas profecias, mas o reino da paz.

Cuidado com falsos profetas, com promessas de paraísos que não se realizam, eles também se alimentam das crises, das crueldades e das guerras, mas não constroem a paz e a justiça.

 

O que era felicidade para os gregos

09 nov

Os gregos definiam felicidade como Eudaimonia sobre as diversas condições humanas: para quem tem fome, a felicidade é comer, para quem tem frio, roupas aquecidas, para quem é ambicioso, dinheiro, para o vaidoso, honrarias, para quem está doente, a saúde, etc.

Por isto como definimos anteriormente uma felicidade racional era chamada de “boa vida”, e se assim for, não como sustentar que a felicidade seja o bem para os homens, uma vez que ela deve trazer consigo que sejam comuns a todos e a possibilidade real de vida para todos.

A finalidade da vida para cada homem pode variar muito de pessoa a pessoa, existem os que relacionam a felicidade ao agradável, ao prazer, ao gozo, sem nenhuma dor, porém é preciso reconhecer a finitude e a limitação destes valores e entender que a vida plena exige equilíbrio, dai as virtudes necessárias, em grego o arethé, Aristóteles não recusava os prazeres, porém alertou que este tipo de vida visa apenas o imediato e é preciso que olhar o que permanece.

A felicidade é autossuficiente, isto é, não é desejável por causa de outra coisa, e ela é desejável em si, assim ao longo da vida, devemos desviar o olhar do exterior para o interior e olharmos dentro de nós aqueles apegos e apegos em coisas temporárias que são apenas prazeres temporais.

Foi a partir da análise das virtudes e do exercício prático da ética, Aristóteles conclui que a felicidade é uma atividade, daí não poder encontrar-se em potência no homem, ela não é considerada uma virtude, embora não ocorra sem ela, existe esta potencialidade em nós.

 

Prudência e felicidade

08 nov

Quebrar regras ou sair da caixinha, há até livros incentivando jogar tudo para o alto, é diferente do que pensavam os gregos, claro uma vida que vai mal precisa ser analisada.

Usei a palavra felicidade, porque a palavra usada pelos gregos é “Boa vida”, que na conotação atual significa comer, beber, gastar e dormir, mas não era a concepção de Aristóteles e outros filósofos da antiguidade.

Na Ética a Nicômaco, o filósofo demonstrar que para se alcançar a “boa vida” devemos levar em conta nosso instinto, sensibilidade e inteligência e, através da conjunção destes três elementos cultivarmos nossa melhor parte, porque, por exemplo, instinto pode ser um traço de personalidade que não leva ao equilíbrio, aí entra a ideia da prudência.

No livro X da Ética a Nicômaco, o filósofo de Estagira, acredita que somos possuidores de uma centelha divina (os deuses gregos não são os cristãos), que é a inteligência, de onde se desprendem duas energias: a sabedoria (sophia), que rege a ciência, e a prudência (phónesis) que rege a ética, entretanto os gregos acreditava numa ciência absoluta, capaz de conhecer a estrutura mais profunda do Ser.

Tal núcleo é eterno, imutável, absoluto, e a ética que é consequência disto é ciência prática.

Nela a prudência rege a temperança que é aquilo que irá reger nossos instintos, é ela que determina o bom exercício da temperança, o sábio nas decisões éticas é aquele capaz de encontrar o meio termo (ne quid nimis: nada em excesso), isto é uma das práticas.

Nela está a virtude (arethé) e na alma há três tipos de funções: as irracionais (nutrição, crescimento, etc.), as motivacionais (geradoras das ações) e as racionais (ligadas à nossa capacidade cognitiva que nos torna capazes de alcançar a verdade).

Só para dar um exemplo prático, quem controla as finanças pessoais poderia incluir um campo de descrição em entradas e saídas, uma explicação do Motivo do gasto ou obtenção do recurso.

Para Aristóteles a virtude é algo que se dá na alma, ou seja, nossa interioridade, então divide as virtudes entre éticas (coragem, generosidade, amizade, justiça, etc.) e dianoéticas (sabedoria, temperança, inteligência, etc.).

Assim podemos mudar um ditado e agora afirmar que “o hábito faz o monge”, agora não como veste exterior, mas com veste interior, as virtudes criam em nós “círculos virtuosos”.

 

O que é o Amor afinal

27 out

Embora a obra de Hannah Arendt não seja definitiva quanto ao amor, o próprio orientador Karl Jaspers manifestou isto, desenvolveu e se apropriou de algumas categorias fundamentais em sua tese de doutorado “O amor em Santo Agostinho”.

Segundo o autor George McKenna, em resenha de sua dissertação, Arendt teria tentado incluir em sua “A condição humana” uma revisão, porém não fica muito claro no livro of Arendt, que apesar disto é ótimo.

Se podemos também manifestar expressão deste amor na literatura grega antiga, como o amor ágape, aquele que se diferencia do eros e do philia nesta literatura, do ponto de vista cristão o melhor desenvolvimento feito é de fato o de Santo Agostinho.

Primeiro porque ele separou este conceito do maniqueísmo bem x mal, dualismo ainda presente em quase toda filosofia ocidental devido ao idealismo e ao puritanismo, depois porque foi de fato arrebatado ao descobrir o amor divino, escreveu: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” (Confissões de Santo Agostinho).

Depois o homem deve amar o seu próximo como criação de Deus: […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo (ARENDT, 1996, p. 93).

O homem pode amar ao próximo como criação ao realizar o retorno à sua origem: “É apenas onde eu pude ter certeza do meu próprio ser que eu posso amar meu vizinho em seu ser verdadeiro, que é em sua criação (createdness).” (ARENDT, 1996, p. 95)

Neste tipo de amor, o homem ama a essência divina que existe em si, no outro, no mundo, o homem “ama Deus neles” (ARENDT, 1996, 95).

Também a leitura bíblica sintetiza a lei e os profetas cristãos assim (Mt 22, 38-40): “Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

O amor contém todas as virtudes: não se envaidece, sabe ver onde se encontram os verdadeiros sinais de felicidade, equilíbrio e esperança.

ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.