Arquivo para a ‘Real’ Categoria
Sociedade sem dor e a biblioteca da meia noite
Byung-Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa, a propósito não apenas da Pandemia, mas também e sobretudo da busca de um mundo sem dor, somos capazes até de sofrimentos e grandes esforços em função do narcisismo e da estética pessoal, aquilo que Peter Sloterdijk chamou de “a sociedade de exercícios”, porém uma ascese desespiritualizada.
O romance do escritor inglês Matt Haig: A biblioteca da meia noite, fala de uma mulher de 35 anos cheia de talentos e poucas conquistas, arrependida de suas más escolhas na vida, ela se pergunta se poderia ter vivido de modo diferente, ao perder o emprego e seu gato ser atropelado decide tirar a própria vida, no estágio entre a vida e a morte encontra a Biblioteca da Meia Noite (figura ilustração da capa), com as possibilidades de vidas que podia ter vivido.
Com ajuda de uma velha amiga decide mudar para a Austrália e reatar antiga relações, assim descobre que é possível rever a vida e desfazer algo que nos arrependemos, ter esperança.
Entre os dramas iniciais de Nora destaco o trecho que ela diz: “Eu fico com dor de cabeça olhando para… celulares”, não é só ela, é muita gente, isto tira a capacidade de reflexão e do silêncio que Byung-Chul Han reivindica, aquela que pode fazer refletir sobre a vida e nossos atos.
A sociedade paliativa, conforme Byung-Chul Han, nada tem a ver com a medicina paliativa, explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a carga da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2011).
Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim cada sofrimento social ou social deve preceder e anteceder a momentos de reflexão, ou como gosta Byung-Chul, de uma “Vida Contemplativa” outro ensaio do autor.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34), ou seja, a própria ausência de uma “hermenêutica” da dor pode levar ao fim do sentido da vida.
Esclarece também o sentido de homo sacer e via nua de Agamben: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, p. 34).
As angústias, as solidões e as depressões não tem apenas causas sociais, mas aquilo do que alimentamos nossas almas, na passagem bíblia que o profeta Isaías vai visitar Ezequiel que está acometido de uma doença mortal (Is 1,1-6) após as súplicas de Ezequias, através da palavra de Isaías Deus liberta-o não só da doença dando-lhe mais 15 anos de vida, mas também “vou libertar-te das mãos do Rei Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção” (Is 1,6).
Claro a solução social não é passe de mágica, mas encaramos melhor se nossa dor é entendida.
Haig, M. A biblioteca da meia noite. Tradução: Adriana Fidalgo, RJ: Editora Record, 2020.
Han, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
Um pouco de água fresca e comida quente
Enquanto poderosos lutam por domínios, colonizações e poder ignoram a vida de pessoas simples, de trabalhadores de serviços básicos que são necessários em qualquer país e cultura porque esqueceram de verdadeiros valores comunitários e morais.
Podem falar disto no dia a dia, porém suas mentes articulações e esforços estão em conquistas e poder, não a conquista de uma boa amizade, de algumas horas de alívio e prazer num dia a dia e numa sociedade que nos empurra a máxima eficiência e cansaço até o limite das forças.
Ao contratar alguns trabalhadores de serviços da construção civil, eles me disseram que gostaria que para trabalharem precisavam de uma boa água fresca e uma comida quente, as marmitas precisam ser requentadas e o suor é restaurado com uma simples água fresca.
Também são gratos com um tratamento de dignidade e um pouco de repouso após o almoço, é incrível que grande parte da sociedade abastada desconheça estas coisas simples e que podem trazer grande felicidade, equilíbrio e paz, a sociedade do cansaço ignora isto.
Os centros de poder são rodeados de pessoas ambiciosas e que sabem (ou pensam que sabem) como iludir o povo simples, mas desconhecem o dia-a-dia e a vida destas pessoas.
Vejo quando formam rodas de conversa, os assuntos e as preocupações, quase sempre também há também preocupações com as relações que se perdem, o uso de violência e produtos químicos que correm a vida familiar deles, na medida que os valores humanos desmoronam e caem também sobre eles as piores degradações e desumanidades.
Uma boa palavra, é também um pouco de água fresca agora num sentido figurado, mas não menos verdadeiro, verdadeiras culturas e religiões guardam esta “água fresca” em seus jarros térmicos e onde o alimento da alma pode ser digerido e dar disposição para o cotidiano.
A passagem bíblica na qual Jesus fala as multidões, e seus familiares o procuram, ele tem uma resposta surpreende Mt 12,49-50: “E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, não significa que ignore sua família, mas quer dar aquelas pessoas um pouco de bom alimento e água fresca.
Não se ignora o mundo que vivemos, aliás os donos do poder o ignoram, mas é bom trazer um pouco de paz e esperança as almas que sobrevivem numa sociedade do cansaço, do ódio e do descaso.
Resistência do espirito e pacifismo
Aquilo que Edgar Morin define como resistência do espírito, ele fez ontem 103 anos de idade (8/7), é além do pensamento e da força política, o que é espírito para a filosofia europeia é mediado pela ideia que formulamos sobre o mundo, e espírito aqui tem que ser além do pensamento atual cotidiano.
Os seres humanos são capazes em suas relações de pensar em paz, se cultua em sua interioridade, tema exaustivo na ontologia de Byung-Chul Han, e se aprofunda em valores como: humildade, fragilidade e a necessidade que temos uns dos outros, não vivemos isolados.
Enfim ter uma verdadeira alteridade, o medo da alteridade é quando há diferença e nos “pomos na defensiva”, aquilo por exemplo que é chamado de guerras preventivas, garantias de soberania sobre outros povos ou outras culturas, isto em geral iniciam as guerras e não as previnem como é o propósito dito.
A principal razão, dizem muitos autores, um que não é questionável por denunciar “as veias abertas da américa latina” é Eduardo Galeano, que disse que a grande razão é o roubo e a pilhéria dos povos a serem dominados, hoje além disto são também os impérios em choque.
O espírito de resistência e o pacifismo historicamente não é uma posição fácil ou “neutra”, é evitar a catástrofe humanitária que caracterizam todas as guerras, em uma escala mundial isto significa uma crise civilizatória sem precedentes, uma vez que o poderio bélico hoje é imenso.
É preciso um espírito bastante elevado, verdadeiramente altruísta e missionário, uma vez que as guerras atuais encontram aliados com facilidade, até mesmo na população simples, tanto a polarização quanto o uso das mídias para promover narrativas quase todas tendenciosas, são o que dão substância ao pensamento bélico e se difundem no tecido social.
Parabéns ao longevo Edgar Morin, sua resistência é visível pela idade, pela lucidez que ainda mantem e que suas palavras ecoem e a civilização encontre um caminho de resistência.
Visões liquidas
Analisando a visão “romântica” de William Dilthey (1833-1911) acerca da história, Hans-Georg Gadamer (1900-2002) enfatiza primeiro seu acerto que “o que chamamos de sentido da vida se constitui, muitas antes de toda objetivação científica, no interior de uma visão natural da vida sobre si mesma” (GADAMER, 2006, p. 31).
Porém vai criticar Dilthey, que “toda expressão de vida implica um saber que a forma a partir de seu interior”, e retomando a análise a partir de Hegel questiona sua visão de espírito objetivo, se o “meio ético em que ele vive e o qual compartilha com os outros constitui algo de “sólido” que lhe permite orientar-se a despeito das contingencias um tanto vagas de seus élans subjetivos” (Gadamer, 2006, p. 32), o destaque do sólido foi feito pelo autor.
O autor lembra de Dilthey o seu “Investigar as formas sólidas” (um dos temas da Coletânea de escritos), que implica que tanto a contemplação como a reflexão “implica sempre em experiência prática”, então contesta Gadamer: “aos olhos de Dilthey, a objetividade do conhecimento científico, não menos do que a reflexão meditativa da filosofia, seja um desdobramento das tendências naturais da vida” (GADAMER, 2006, pp. 32).
Na mesma coletânea, lembra Gadamer, Dilthey dizia que “nossa tarefa … será explicar como os valores relativos de uma época podem adquirir uma dimensão de algum modo absoluta” e apesar de ser uma preocupação com o absoluto, o caminho entre o relativismo e a totalidade é bem outro, uma vez que “ser conscientemente um ser condicionado” de Dilthey não é uma crítica explícita ao idealismo.
Toda esta filosofia diz Gadamer parte de certo intelectualismo diria, de visionário “líquido” e aponta para uma “motivação intelectualista da objeção ao relativismo, intelectualismo incompatível não só com a implicação última de sua filosofia de vida, mas, também com o ponto de partida por ele escolhido, ou seja, a imanência do saber á vida mesma” (GADAMER, 2006, p. 36).
Esclarece o ponto de vista de Dilthey “que exige que sua filosofia se estenda a todos os domínios em que a “consciência, por meio de uma atitude reflexiva e dubitativa, encontre-se liberta do domínio de dogmas autoritários e aspire a um saber verdadeiro” ‘ (Gadamer, 2006, p. 34) fazendo citações do próprio Dilthey entre aspas, de sua Coletânea de Escritos.
As questões do espírito na filosofia hegeliana permaneceram sempre no conceito vago do absoluto, e jamais compreendeu a questão da contemplação, de um saber além, a sua transcendência é aquela que vai do sujeito ao objeto sem qualquer plano divino ou superior.
Este foi o dilema de Tomé fazer a experiência, embora tenha convivido com Jesus após sua morte não consegue manter sua convicção precisando tocar nas chagas do mestre.
GADAMER, H-G. O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. RJ: Rio de Janeiro: FGV, 2006.
Catarse e moral limpa
O liberalismo político e moral não quer que o termo “estar limpo” seja utilizado, a maioria das pessoas que passaram por alguma dependência química, entretanto gostam de usar a palavra e o significado é mais profundo do que parece.
Sem uma força interior que nos ajude com frustrações e situações sociais complexas, não é possível entrar em um novo estado de espírito, em uma mudança de rota, isto significa que ocorre aquilo que os gregos chamam de catarse.
O termo vindo do grego “kátharsis” significa um estado de libertação psíquica (que também pode ser física e moral) em que o ser humano supera algum trauma, dependência ou medo que vem de uma perturbação psíquica.
Poucos percebem o valor de estar limpo moralmente, ao menos fazer um esforço para isto, o médico e psiquiatra Antony Daniels que escreveu diversos livros sobre a destruição da cultura, aquilo que de outra forma e análise Adorno chamou de “vida danificada” não é senão a constatação de um mal-estar na civilização, como analisou Freud ou o esquecimento do Ser.
Antony Daniels escreveu livros com o pseudônimo Theodore Dalrymple, em sua análise sobre o processo civilizatório esclarece: “A primeira exigência da civilização é que os homens estejam dispostos a reprimir seus instintos e apetites mais baixos: falhar nisso faz deles, precisamente porque são inteligentes, muito piores que meras bestas” e já chegamos a este ponto.
A ideia que estamos “libertando” as pessoas liberando seus instintos mais animalescos, não é outra coisa senão escraviza-la através de forma mais cruel que é a dependência, assim não é uma catarse, mas sim um caminho de difícil retorno, a dependência psíquica de algum apetite.
Na história, por ignorância, os portadores de hanseníase (lepra) eram considerados impuros, e eram excluídos socialmente, hoje esta impureza está relacionada aos vícios e a dependência moral ou química de instintos liberados e sem a necessária repressão.
Numa passagem bíblica do evangelho de Mateus um leproso se aproxima de Jesus e pede: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar”. Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero, fica limpo”. No mesmo instante, o homem ficou curado da lepra.
A narrativa e seu ocaso
O pensamento moderno carece de um modelo para o Todo, diria que carece até mesmo de um pensamento sistemática, Peter Sloterdijk chega a afirmar que não é um tempo próprio para o pensar, é um tempo de trendings ditadas por hashtags, Stories, blogs e reels (mecanismos de difusão em massa com uso da mídia social).
Byung-Chul Han afirma que apesar do “uso inflacionário de narrativas revela uma crise da narrativa”, paradoxal, porém “há um vácuo narrativa que se manifesta como um vazio de sentido e como desorientação” (Han, pg. 9), antes as narrações nos ancoravam: “nos atribuíam um lugar e transformavam o ser-no-mundo em um estar-em-casa, dando à vida significado, apoio e orientação, isto é a própria vida era um narrar …” (idem, pg. 9), é ao mesmo tempo a desterritorialização e o desenraizamento.
Porém o próprio Byung-Chul deixa escapar, através da leitura de O narrador de Walter Benjamin (falecido em 1940) que isto é anterior as novas mídias, cita-o como “o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre os acontecimentos próximos” (Han, p. 17 citando-o), o leitor pula de uma notícia a outra, não se demora ali, “o olhar longo, lento e demorado se perdeu. “(pg. 17).
Ainda citando Walter Benjamin, diferencia a informação mais claramente o que é conhecimento: “a informação só tem valor no instante em que é nova. Ela só vive nesse instante, precisa entregar-se inteiramente a ele e, sem perda de tempo, tem que se explicar nele” (Han, pg. 18), curiosamente um pensamento anterior a década de 40.
Vai adentrar ao conceito de informação, tão caro em certas áreas como a Ciência da Informação, dizendo que ela [hoje] é “o meio do repórter, que vasculha o mundo em busca de novidades” (pg. 19), não há a necessária distância do fato que o digere e o torna conhecimento, “as informações retidas, isto é, as explicações evitadas, aumentam a tensão narrativa” (pg. 19).
A crise da narrativa, assim não se deve as novas mídias que as potencializaram, mas ao fato “de que o mundo está inundado de informações. O espírito da narração está sendo sufocado pela enxurrada de informações” (pg. 20), mas o que é então a narração ? Han citando Walter Benjamin invoca Heródoto, narrando a derrota do rei egípcio Psamenit ao rei persa Cambises, após sua derrota.
O rei persa humilha-o fazendo ver a filha tornando-se criada e o filho sendo executado, mas o rei Egípcio permaneceu imóvel olhando para o chão, porém quando viu seus escravos como prisioneiros, “bateu em sua cabeça com os punhos e expressou profunda tristeza” (pg. 22), pois ao se lamentar pelos servos “destroem a tensão narrativa” (pg. 22).
Cita que para Benjamin, o primeiro sinal do declínio da narração é o surgimento do romance no início da época moderna (pg. 23), com sua condição de experiência e sabedoria a narração sabe aconselhar “sobre a vida” (pg. 24), a comunidade narrativa é uma “comunidade de ouvintes atentos” (pg. 25), há nela uma escuta cuidadosa.
As narrativas políticas e ideológicas modernas estão atrás de fatos curiosos, pitorescos e picantes, não há nela nada de sabedoria, move o público pelo impacto e pela pressa da informação “quente” e resumida, não há narração, não há escuta atenta e quando há é pelo êxtase ou pelo espetáculo promovido, é retirada do contexto de uma narração.
Aqueles que ainda existem em legalismos e moralismo, contraditoriamente com o cotidiano que vivem, presente na narrativa religiosa moderna, deveriam lembrar de fatos como o não julgamento da mulher adultera (que devia ser apedrejada pelo costume judaico da época) e Jesus “não a julga” (João 8,3), o testemunho do pecador que senta-se ao fundo enquanto o fariseu senta-se a frente e se sente orgulhoso porque “porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros” (Lucas 18,11-13), e ainda o desafio de Jesus ao curar um homem da mão seca em dia de sábado (Mc 2,4): “E perguntou-lhes: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Mas eles nada disseram”, a narrativa bíblica sempre faz deste distanciamento um modo de pensar e repensar valores, não é o maniqueísmo e o moralismo moderno.
Também são narrações as históricas de piratas e as histórias impressionantes dos Vikings, anteriores ao período das navegações e do mercantilismo e ainda dos paraísos fiscais em ilhas espalhadas por todo o globo, com a complacência de “estados legais e morais”, onde se depositam o dinheiro público roubado das nações e dos próprios povos por políticos.
Han, Byung-Chul. A crise da narração, trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Tragédia natural no sul do Brasil
Acompanhamos, geralmente nas segundas feiras a grave crise civilizatória que nada mais é que uma guerra mitigada entre as grandes potências, sempre com um risco de tornarem-se uma guerra total, três grandes impérios estão ali em conflito: o americano, o Chinês e o Russo.
Porém a tragédia natural com intensas chuvas no sul do Brasil nos lança um alerta solidário.
Os dados até a tarde do dia de ontem (05/05) são tristes e alarmantes: 334 municípios afetados, 16609 pessoas em abrigos, quase 90 mil desalojados, 780.725 pessoas afetadas, 155 feridos, 103 desaparecidos e 75 mortos confirmados (mais 6 investigados se sob ação das chuvas), além disto em 839 mil imóveis não há água e 421 mil residências estão sem luz, há 113 bloqueios em estradas.
Empresários, diversas organizações humanitárias, e a maioria dos órgãos de comunicação estão em campanhas de fundos e socorro aquela população, também o governador, os prefeitos e políticos do governo federal estão empenhados em mobilizar fundos para o socorro, houve quem comparasse esta ajuda emergencial como típica de uma guerra.
Os eventos sociais e esportivos foram adiados, embora tenha havido shows milionários no país onde sequer tiveram a sensibilidade de referir-se ao desastre natural (não darei publicidade), mas o povo brasileiro é solidário, se comove, chora junto com os gaúchos e se mobiliza.
Ainda há chuva nestes dias e os rios continuam subindo, a tragédia pode ser ainda maior, e depois o processo de reconstrução não será simples, temos uma chance de sermos mais unidos e solidários e não viver uma eterna polarização de ódios e incompreensões.
Felizmente os órgãos do país estão solidários e espero que permaneçam, seria bom também talvez uma nota de setores do judiciário, por exemplo, a OAB ou tribunais estaduais.
Despertar o espírito solidário neste momento pode representar uma boa tomada de consciência sobre as nossas dívidas com a sociedade e com o povo que está sempre em dificuldades, quem vive perto da população humilde percebe um momento grave.
Todo apoio humanitário ao povo gaúcho, serão confortados se sentirem todo nosso apoio.
Uma peça perigosa no xadrez da guerra
Desde a queda da monarquia no Irã, na época o xá Reza Pahlavi, que era tradicional aliado dos EUA, a república islâmica do Irã passou a ter hostilidade com os EUA, que impôs sanções por causa do beneficiamento de urânio indispensável para bombas nucleares, fazendo com que o Irã buscasse apoio e fizesse alianças com a Rússia.
Em 1º. de abril deste ano Israel lançou (não assumido) um ataque a Síria matando generais do Irã, que desde então promete uma retaliação e recentemente atacou com drones e mísseis o território de Israel, segundo o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz militar israelense: “o irá lançou mais de 300 ameaças, e 99% foram interceptadas”, e concluiu: “isso é um sucesso”.
Pouco antes da notícia do lançamento neste sábado (13/04), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu disse que “os sistemas defensivos” estão funcionando, e que a FDI (Força de Defesa de Israel), em uma represália que já era esperada, os bombardeiros continuaram no dia de ontem (14/04).
Como há conexões fortes com o Hezbollah e os houthis ao sul no Iêmen e o Hezbollah ao norte no Líbano também há notícias de ataques a Israel, tanto o comando militar de Israel, como o G7 e o conselho de segurança da ONU já convocaram uma reunião no dia de ontem.
A Itália e a Alemanha já se manifestaram contra o Irã condenando os ataques, os EUA e a França ajudaram a intercepção dos mísseis (há notícia que a Jordânia também ajudou a defesa), assim o Irã está isolado no Ocidente.
O objetivo no momento é impedir um ataque em escala maior ao Irã, que desencadearia uma escalada de guerra na região, Netanyahu deve atacar alguns pontualmente alvos no Irã.
A Rússia não se manifestou até o momento, mas é tradicional aliada do Irã, inclusive os drones usados no ataque a Israel são do mesmo tipo ao usado na guerra na Ucrânia.
Os ataques russos seguem em escalada na Ucrânia com objetivo principal de esgotar as fontes energéticas do país, a fragilidade progressiva da defesa das forças militares da Ucrânia, tornam a situação do país e de certa forma dos países da Otan, bastante dramática.
A paz sempre é possível, aquilo que as forças éticas chamam de responsabilidade poderá ter um papel decisivo para tomada de decisão, já que as lideranças envolvidas no conflito cada dia mais parecem não entender a gravidade de um conflito em meio a uma crise civilizatória.
Depois da II Guerra Mundial, as forças em conflito entenderam a necessidade de paz, agora o agravamento da crise, por paradoxo que seja, pode fazer os líderes serem chamados a paz.
O infinito não é só “acreditar”
Nem sempre que temos conceitos morais e religiosos significam que superamos o medo, a angústia e as dificuldades da vida, orações e pregações fervorosas podem encobrir a verdade, isto afasta muitas pessoas da crença na felicidade e vida eterna porque não leem isto na vida real de quem crê.
Quando algo do infinito nos toca na vida, não apenas descobrimos a verdade, não apenas uma crença em alguém (algo é coisificar o eterno) que faz parte desde já em nossa existência, isto nos revigora e torna capazes de ajudar o mundo da paz, da esperança e do verdadeiro Amor.
Sabemos em nosso íntimo que ninguém pode sondar e saber verdadeiramente de nossa alma, no entanto, alguém perscruta nosso interior, quando amamos e fazemos algo bom pelos outros, por nós mesmos e pela humanidade, algo bom invade nosso ser e nos dá serenidade.
Esta força que desperta interiormente levou grande sábios, mestres e santos a descobrirem algo novo que os fez progredir numa verdadeira ascese, foram capazes de atitudes heroicas, mas curiosamente com peso menor que seria para os homens que não conhecem esse Amor.
Quando vivemos de fato esta dimensão, até mesmo certo tipo de religiosidade rotineira e burocrática nos abandona, queremos ver o Outro crescer, queremos ouvi-lo e amá-lo como é.
Assim superamos o medo com atitudes positivas em relação ao mundo e as outras pessoas, assim o que é realmente Verdadeiro, ou seja, o bem humano e o divino em nós, se manifesta também fora e não há nisto nenhum medo, nenhuma angústia porque é um Bem Verdadeiro.
O contrário, a constante oposição ao Outro, o sentimento de sempre salientar a diferença e a arrogância de ser superior em algo que fazemos bem ou melhor que os outros, embora pareça verdadeiro, leva junto um sentimento que nos afasta do Outro e da humanidade, não é a paz.
Se olharmos para as guerras, veremos sempre este princípio, ver o outro inferior e menor que nós, assim não são dignos de viverem, “merecem” toda maldade que no fundo está no nosso interior e não nestas pessoas, a maioria inocentes, ainda que dentro de cada povo ou nação há pessoas que não seriam dignas do nosso bem querer, não é eliminando-as que construímos a paz.
A paz verdadeira entre os homens nasce do coração sereno, que entende o infinito, e que almeja ainda que num futuro distante, uma vida melhor para todos, sem injustiças e guerras.
Diferença ontológica e círculo hermenêutico
Antes do conceito ser explicado por Hans George Gadamer, o diálogo no círculo hermenêutico de Heidegger parecia construído sobre bases idealistas, embora não fosse exatamente isto, pois o conhecimento na hermenêutica não se dá pela re-velação do objeto ao sujeito, como foi visto por Kant, nem é mera projeção do objeto sobre o objeto, é na verdade uma “aparição”.
Sujeito e objeto tem horizontes próprio, a diferença ontológica os explica, embora ambos sejam dotados de historicidade, a realidade ôntica conforme explica em posts anterior tem uma verdade lógica, nela há uma crítica e superação da fenomenologia subjetivista (objetivista) de transcendental de Husserl, assim ali já foi superado o idealismo de base dogmática.
Assim a ontologia fundamental de Heidegger ganhou destaque na questão do sentido do ser é colocada como uma questão privilegiada, assim o ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 2002, p. 32), assim o Dasein (ser-aí, pré-sença) é o ente privilegiado que compreende o ser e tem acesso aos entes, é parte e condição essencial do ser humano.
Dito por Heidegger: “esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-senca.” (Heidegger, 2002, p. 33), mas não é subjetivo no sentido de ente (enti-dade), esta presença (ser-aí, dasein): “é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e comporta.” (HEIDEGGER, 2002, p.90).
O círculo hermenêutico é explicitado e melhor desenvolvido por Hans-Georg Gadamer na obra Verdade e Método II (1959) que fala de manter um olha mais profundo para as coisas elas mesmas (fundamento da fenomenologia moderna), até o momento de superar as errâncias que atingem o processo de interpretação, quem quiser compreender um texto deve seguir este processo do círculo hermenêutico.
O intérprete tem de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto, o primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um certo sentido. A compreensão do que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, o qual sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto (GADAMER, 2002, p. 75).
A abertura do ser-aí, ou seja, o ser deste ser-aí é a preocupação (cura, sorge), é uma luz que dá claridade da pre-sença, isto é, aquilo que torna “aberto” e também “claro” para si mesmo.
É a cura que funda toda abertura do pré e da temporalidade que o ilumina originariamente, Heidegger afirma que somente partindo do enraizamento da pré-sença na temporalidade que se consegue penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da pré-sença, fez-se conhecer como constituição fundamental (HEIDEGGER, 2002, p. 150).
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: Complementos e Índice. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I, Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.