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O que é espírito e transcendência hegelianos
Já fizemos vários posts para explicar que a transcendência de Kant nada mais é que a separação de sujeitos e objetos, porém Hegel completa e sistematiza toda esta filosofia em Fenomenologia do Espírito, obra que influenciou profundamente as filosofias do direito, da história, da estética e da religião, o próprio Marx e muitas correntes que daí derivam, não escaparam disto.
Também já fizemos posts sobre a questão da consciência histórica de Gadamer, crítica as ideias principalmente de Dilthey sobre a história, agora analisemos o “espírito” em Hegel.
Primeiro como o nome diz é uma fenomenologia, portanto não um conjunto de fatos ou mesmo de realidades tangíveis, mas um conjunto de fenômenos colocados sob um certo esquema (veja ao lado).
Hegel entende a história, a arte, a religião e a própria filosofia como fenômeno objetivo, e como tal (ou seja, um objeto) está direcionado ao espírito para um autoconhecimento.
Sua capacidade de síntese, fará que sua história da filosofia, com esquemas e elementos específicos sobre a transcendência e a metafísica na filosofia, deem força ao seu pensamento, e a Fenomenologia do Espírito é central para este esquema.
Para entender o que ele pensava como fenômeno, é preciso entender o que ele chama de “consciência natural” que era o que abria caminho para o conhecimento filosófico, e é por ela que vai fazer uma leitura da história da filosofia e assim elaborar o que é conhecimento.
Só para fazer um contraponto, por isso Husserl vai dizer ao contrário, que só existe consciência de “algo”, enquanto Hegel constrói esta categoria como sendo “natural” e nela está a objetividade.
Mas o “natural” de Hegel não é só natural e sim histórico, portanto, sua introdução a um sistema de filosofia, é construído no percurso histórico do pensamento, parece “natural”, mas é sua ideia de filosofia da história.
O que está escondido por trás deste esquema é o que Nietzsche vai chamar de genealogia da moral, mas depois surgiram outras genealogias a viragem linguística a partir de Wittgenstein por exemplo, vai ver os objetos na sua relação com os outros: “também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros” (Wittgenstein, Tractatus, 2.0121).
Para entender o que é Espírito em Hegel, e que influencia profundamente as concepções de artes, história e religião de hoje, são as formas correlacionadas a uma ideia de subjetividade absoluta, portanto “fora” do objeto, e relacionada a ela por um tipo especial de lógica essencial que leve ao conhecimento da realidade, por isto não é um realismo fenomenológico como vê Husserl, está separado da existência na “ontologia” de Hegel (ramo superior do esquema acima).
O espiritual e transcendente em Hegel é “o mais interior, do qual toda a construção do mundo espiritual ascende”, era aquilo que Marx chamava do “céu para a terra” e que ele (Marx) a inverteria, construindo assim uma história da filosofia, e dizia que se tratava de “colocar em ação” a filosofia, porém, a separação de sujeito e objeto permanecerá, assim espiritual é um tipo de Espírito Absoluto da Religião (veja também no esquema).
O pós-pandemia e a espiritualidade
A vida feita de exercícios que nos levou a “Sociedade do Cansaço” (Byung Chul Han) apesar da pandemia e da quarentena em muitos lugares não parou, acostumados ao ritmo frenético da sociedade moderna, continua-se atrás da ação, da agitação e de preencher o vazio com nada.
Apressados já há os que prognosticam uma sociedade mais fechada em fronteiras, fortalecendo o nacionalismo e o protecionismo nos negócios, os que proclamam uma “nova ordem mundial” (uma nova teoria da conspiração) e os sempre prontos a defender as ideologias: é nossa vez.
Porém assim como a pandemia ninguém previu o que virá está fora das grandes teorias e uma novidade será uma busca de refugio em forças além do humano para suportar as novas e reais novidades que já aconteceram: maior recolhimento em casa e tempo para inspiração e contemplação, uma vida mais pobre ou ao menos mais austera, e, as novas formas de convívio.
Os que apocalípticos da sociedade em rede, redescobriram as novas mídias, porém devido ao atraso ainda o uso é irregular e mais curioso que frutuoso, mas com o tempo amadurecerá, há um hiato sem dúvida que é a educação online e pouco se pensou e se planejou sobre isto.
Porém uma coisa já mudou, algo fizemos com nosso “tempo livre”, fazer a comida da casa, dividir as tarefas cotidianas, olhar com olhos novos as pessoas do convívio próximo e para muitos um novo olhar sobre a natureza e a nossa própria natureza: o complexo fenômeno humano.
Se fizemos grandes teorias do diálogo, agora temos que praticá-la ou ficaremos presos a nossas relações mais próximos, pois ao sair delas enfrentamos um Outro diferente e impensado.
Os que sobreviveram a pandemia, e ela poderá inclusive retornar, a Espanha e a China apresentam novos casos preocupantes, vai requerer de cada e da sociedade uma lição nova: repensar tudo o que tem sido os fundamentos de nossas vidas, inclusive a religiosa, podemos acordar ou não.
Aos convictos do futuro próximo lembro que não previam a pandemia, talvez uma guerra ou uma profecia, ou um caminho histórico irrevogável, um vírus invisível e desconhecido balançou a vida.
Entre a essência e o Ser
Como o dualismo permanece presente hoje, se concebe a essência por analogia ao Ser, e esta também era a doutrina tomista, ela permaneceu como uma onto-teologia até o século XX, foi preciso todo um percurso da fenomenologia para encontro o Outro, o não-Ser não como contradição, que o fim do dualismo entre Ser e essência iniciasse.
A longa discussão do período medieval entre realistas e nominalistas, tinha como base um termo hoje desconhecido que era a quididade, que significa que coisa a coisa é, desde a hylé grega até os modelos modernos da metafísica de Heidegger, onde a coisa que pode ser material ou não, e também o que pensamos sobre ela, na linha de Husserl só existe consciência de algo, ou da coisa.
Mas existiu um filósofo na idade média, Duns Scotto (1266-1308) que não fazia distinção entre a coisa que existe (si est) e o que ela é (quid est), e teologicamente era complicado pois a tese de Tomás de Aquino (1225-1274) era pela analogia, ou seja, o significado de semelhança entre coisas ou fatos (dicionário Houaiss, 2009, p. 117), e os religiosos sempre apressados cuidado porque no século XX Duns Scotto foi aceito dentro da doutrina cristã católica, tornando—se beato (João Paulo II o declarou).
A sua teoria do conhecimento usava as duas distinções conhecidas distinctio realis (distinção real) e existe entre dois seres da natureza, e a distinctio rationalis (distinção de razão) que se dá entre dois seres, mas na mente do sujeito que conhece, mas rompe o dualismo ao criar uma terceira possibilidade a distinctio formalis (distinção formal) que se dá no ente percebido e não é nem real e nem na mente.
Assim além de seu discípulo William de Ockham, famoso pelo princípio a simplificação chamado Navalha de Ockham, mas de certa forma Descartes, Leibniz, Hobbes e Kant tiveram sua influência.
Porém a recuperação de Duns Scotto é fundamental para superar o dualismo nominalismo/ realismo e a superação do puro realismo pelo hermenêutica filosófica, e assim também o correspondente moderno do nominalismo que é a viragem linguística faz sentido e abre diálogo.
Não é, portanto, a afirmação do realismo nem do nominalismo, mas o fato que podem dialogar dentro de um círculo hermenêutico é que importa, a recuperação filosófica do nominalismo na viragem linguística, e na fé cristã do nominalismo de Duns Scotto não é sua verdade, mas sua importância para o diálogo filosófico.
Em tempos de pandemia seria muito mais importante a fraternidade de socorrer vítimas, que o debate ainda incerto da ciência e das “crenças” que este ou aquele procedimento é certo, em ambientes hostis quem venceu foi a morte, assim dogmáticos e autoritários só atrapalharam.
A fenomenologia e as hermenêuticas históricas
Qualquer leitura por mais simples ou complexa que seja envolve uma interpretação, e em qualquer que seja a cultura do interpretante ela está fundamentada na linguagem, em especial a escrita para povos que ultrapassaram a linguagem oral, assim se fala da interpretação de textos.
É claro que o imaginário e as diversas linguagens, por exemplo, agora as midiáticas, tem uma influência diferenciadora, porém ainda estarão fundadas naquela escolarização primários dos diversos interpretantes e ainda é na escola primária a interpretação de textos.
Já dissemos no post anterior que ela começa com a maiêutica (ato de parir ideias) de Sócrates, não por acaso o nascimento da escola como conhecemos hoje, depois vieram a acadêmica platônica e o liceu aristotélico, o longo período chamado de “translatio studiorum” da baixa e alta idade média, até chegar a prensa de Gutenberg e a escola moderna, vinculada ao iluminismo moderno.
A hermenêutica contemporânea, cujo ponto de partida para diversos autores é Schleiermacher (1768-1834) foi contemporâneo de Hegel, porém com influencia direta de Kant e Fichte, não optou pelo subjetivismo idealista, e como religioso luterano, também fugiu da ortodoxia católica.
Porém a hermenêutica vai encontrar outro solo em Franz Brentano, que até romper com a visão escolástica católica (ele foi inclusive um clérigo), em 1871, ele faz uma reinterpretação da intencionalidade escolástica-aristotélica “a in-existência intencional” (a referência é de Safranski) distinguindo dois modos de ser: o esse naturale, ser natural ou real situado fora independente do sujeito que o percebe, e o esse intentionale, o ser mental ou intencional dos objetos que existem imanente ao sujeito que o conhece.
Esta digressão filosófica é importante para entender que em Franz Brentano e depois em Husserl, a hermenêutica passou por uma mudança profunda, conservando sua raiz ontológica, mantendo assim a relação a um conteúdo, porém mergulha na questão mental ou psicológica.
Husserl aluno de Franz Brentano vai provocar outra mudança na hermenêutica agora na direção da crise epistemológica da ciência em meados no início do século XX, Husserl responde com uma ruptura ao dualismo kantiano entre o objeto e o sujeito cognoscente, com uma pergunta: “eu existo, logo todo o não eu é simples fenômeno e se dissolve em nexos fenomenais?” (HUSSERL, 1992, p. 43).
A evolução deste pensamento passará por Heidegger, aluno de Husserl, que em o Ser e Tempo (1986), explicando que estas elaborações desde Platão e Aristóteles estavam presas aos fenômenos naturais: “A representação dominante no Ocidente da totalidade da natureza (o mundo) foi, até ao século XVII, determinada pela filosofia platónica e aristotélica …” (pag. 86) e que agora a questão do Ser deveria ser retomada, é assim um passo grande na hermenêutica filosófica.
A maturidade deste pensamento, elaborando o método do círculo hermenêutico é desenvolvida por Gadamer, para quem interpretar “… não é tomar conhecimento do que se compreendeu, mas elaborar possibilidades projetadas na compreensão”, é assim uma abertura nos pré-conceitos.
Referências
GADAMER, H.-G. Verdade e Método. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. São Paulo: Vozes, 1986.
HEIDEGGER, M. Que é uma coisa? Lisboa: Edições 70, 1987. (pdf em inglês)
HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Ediçoes 70, 1992
Pandemia e poder
Uma situação de catástrofe se enfrenta com solidariedade, compaixão com os que a sofrem diretamente, apoio aos que devem enfrenta-la de frente e principalmente com todo apoio daqueles que podem e devem dar condições para o enfrentamento da catástrofe.
É também uma situação nova, que exige que todos revejam ações, conceitos e o próprio estilo de vida pode e deve mudar, aqueles que se comportam tentando evitar a nova rotina, atrapalham o enfrentamento da catástrofe e a pioram pessoal e socialmente.
Tudo isto envolve poder, os poderes centrais e os micro-poderes, o filósofo Foucault desenvolveu o conceito de biopoder, ou seja, o controle dos fenômenos coletivos a partir dos processos de natalidade, longevidade, mortalidade e fecundidade, já em filosofia recente Byung Chul Han criou o conceito de psicopoder, aquele que através das mídias e da comunicação controla o meio social.
A pandemia parece ter conjugado os dois, e ainda mais aprofundado a antropologia humana no seu retorno a casa, usa tanto a questão do controle da mortalidade como a comunicação, em especial a digital, para tarefas, compras e trabalho em casa, assim como o controle pelo poder.
As instituições do estado são mobilizadas, assim o Estado Moderno entra em cena, para solidarizar ou para abrir suas contradições ao meio social, hospitais, instituições de ensino e meios de comunicação de massas são todos mobilizadas pelas forças do poder.
Aparecem as faces mais fraternas e mais hostis do modelo idealista, na ânsia de substituir a saúde e o poder da solidariedade intrinsicamente fraterna da família, da espiritualidade e do bem-comum social ele poderá apontar para uma saída ou colocar o conjunto da vida em xeque.
O poder religioso também está em xeque, com os templos fechados ou dão respostas sérias e concentras ou ficam no subjetivismo espiritual de frases e chavões conhecidos que não explicam nem resolvem nada, o dualismo subjetivismo/objetivismo desmorona e pedem um transcendente.
Na leitura cristã de João (Jo 15,15) pode se ler: “Já não vos chamo de servos, mas de amigos pois o servo não sabe o que faz o seu Senhor”, e isto é fundamental numa pandemia, e gera solidariedade.
E para aqueles que vão além da amizade e geram o amor fraterno, há uma promessa divina que consola e nos fortalece neste momento (Jo 14,21): “Ora, quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”, e terão paz interior para enfrentar a guerra exterior que a pandemia gerou.
A sociedade em momento transiente
A vida mudou em todo planeta, certamente não serão permanentes as limitações impostas, mas algumas preocupações que nasceram com a saúde, com os invisíveis e com as novas tecnologias serão permanentes quanto a importância e transformadas quando ao leva-las mais em conta.
O transiente observa ainda as dicotomias idealistas sujeitos e objetos, ou a subjetividade vista como um modelo falso do sujeito, que ele é desprovido de materialidade ou de substancialidade, a doença é uma prova deste erro, ou de uma falsa objetividade, nossas certezas sobre nossos objetos empíricos falharam e continuam a falhar em previsões e modelos, a já antiga era da incerteza, antiga porque já é uma “teoria” desde o século passado, agora tornou-se narrativa em meio a pandemia.
As velhas teorias idealistas, que a história as tornou ideologias fundamentalistas, tem como o seu epicentro a ideia que devemos nos desenvolver e avançar os modelos econômicos (no fundo sempre é a ideia de “mais produção”) até um esgotamento ainda maior, antes da natureza e agora da própria vida no planeta colocada em risco pandêmico.
Sloterdijk alerta em entrevista ao El País “a vida atual não convida a pensar”, e a razão que tenho um relativo otimismo sobre o distanciamento social (prefiro que isolamento, pois o conjunto da sociedade funciona em rede), está no raciocínio que ele faz na mesma entrevista: “Para Husserl e sua fenomenologia era preciso sair do tempo impetuoso da vida, o dispositivo mais elementar era sempre dar um passo atrás. Essa ação permite que você se transforme em observador.”
E este é o pressuposto básico da incerteza, que o observador faz parte do fenômeno, a ideia da ciência que podemos repetir o experimento observando o fenômeno, deve levar em conta que o observador é parte do fenômeno, em tempos de pandemia, se não me previno afeto o outro e a pandemia.
O conjunto desta mudança de época, já seu prenuncio vinha desde as duas grandes guerras, que não por acaso vinham da pior pandemia que a humanidade enfrentou que foi a gripe espanhola, que é um bom exemplo quando não há distanciamento social, que durou 2 anos ( janeiro de 1918 a dezembro de 1920), infectou um quarto do planeta (500 milhões de pessoas) e matou entre 20 e 50 milhões de pessoas.
Duas inverdades existem sobre esta pandemia, ela prova que o distanciamento social é bom e a que ela não mudou nada, ela aconteceu logo ao final da 1ª. guerra mundial (de 1914 a novembro de 1918) que havia deteriorado as condições sanitárias da Europa e recursos econômicos, mas é quando surge o modelo da Liga das Nações (instalada em janeiro de 1919, logo após o tratado de Versalhes), ainda que tenha sido insuficiente para evitar a 2ª. guerra mundial, deu início a discussão dos princípios básicos dos direitos sociais.
Também as velhas verdades sobre a mão invisível do mercado, o laissez faire, começou a se modificar, surgindo o estado providente, e depois da 2ª. guerra mundial a ONU com departamentos importantes como FAO, a UNICEF e a própria OMS, organização de larga influencia agora na Saúde Mundial e que dá diretrizes para enfrentar a pandemia.
Assim, depois desta guerra que é uma guerra agora de todos, contra um inimigo invisível e pode-se ainda dizer imprevisível, haverá mudanças e deverão ser pensadas globalmente, mas estamos num transiente em que as velhas ideias ainda resistem buscando a normalidade anterior de um consumismo e uma sociedade do cansaço desumana para todos.
Midias, redes e isolamento social
Os três fatores agora se conjugam e desvelam a realidade que muitos “teóricos” apontavam da mundialização, enquanto neo-teóricos ficam em filosofias abstratas que mal interpretam a realidade pandêmica ou que nada dizem sobre ela.
Um que anteviu a realidade, Manuel Castells que escreveu a Sociedade em Rede, explica porque não conseguimos antever o vírus, sua potência e violência não eram biologicamente possível de conhecer, mas a necessidade de uma política de saúde séria e uma educação para o futuro não só ele apontou, como também Sloterdijk, Edgar Morin e muitos outros.
Sobre a crise atual Castells diz que é preciso entender o aplauso das sacadas dos prédios aos médicos, enfermeiros e profissionais da saúde e levam a saúde mais a sério, isto podia ter sido previsto e estaríamos noutra etapa, defensor da tecnologia culpa também uma idolatria dela.
Afirmou que a supervalorização da tecnologia no caso da saúde atrasou o sistema como um todo, e ao mesmo tempo a desvalorização e incompreensão de sua aplicação em educação e no trabalho levou a um atraso que agora tenta-se superar mas com certa defasagem.
As redes sociais, cujas mídias potencializam, mas não são a mesma coisa, como é o caso da tele- medicina como uma possibilidade secundária agora, pois o paciente com covid precisa de lugar físico e ser assistido presencialmente, ainda que decisões e conferências online sejam úteis.
O isolamento social potencializou o uso das mídias nos lares e influenciou agora mais a fundo o mundo do trabalho, compras e serviços online, e a educação corre atrás do tempo perdido, a descoberta mais óbvia é que educação online não é simples e não é o mesmo que a presencial.
A mudança global deverá ser feita se desejamos combater com eficiência o vírus, deixar os avisões em terra e proibir as pessoas de viajar, é possível temporariamente, e o pior favorece a visão neo- nacionalista que levou muitos países a crise pandêmica, pensava-se o problema é na China.
Afirmou Castells, em entrevista recente: “um sistema global interdependente requer uma governação global, não necessariamente um governo global. Mas os Estados-Nações resistem a perder seu poder e cada um utiliza mecanismos de governança supostamente globais para defender seus interesses nacionais”, apesar das barreiras diria que o vírus não sabe que existem fronteiras construídas, mesmo com os “isolamentos” nacionais por barreiras protetoras.
O que precisamos diz Sloterdijk é um “escudo global”, a co-imunidade, agora com investimentos sérios, como co-governanças globais e levando a sério a saúde, o trabalho e a educação em uma nova normalidade, podemos voltar a frivolidade anterior, mas seremos irresponsáveis com o futuro que pode vir, ou uma nova onda deste vírus ou sua mutação, ou outro que é certo virá.
Equilíbrio e calma em tempos de crise
Visto o agravamento da crise pandêmica no Brasil e alguns países das Américas, a chegada do frio neste hemisfério e o esgotamento do Sistema de Saúde, sem o #LockOut preventivo, teremos que fazer agora uma intervenção emergencial, com as consequências que ela traz.
É preciso nesta situação uma disciplina que culturalmente não temos, uma consciência que nem sempre se entende bem o que é, só há a consciência de algo, e neste caso é a saúde pública e os cuidados extremamente necessários e urgentes para que a curva inicie um processo de recuo.
Aquelas pessoas que têm alguma espiritualidade, que conseguem nesta situação equilíbrio precisam ajudar o conjunto da população, defender os médicos, enfermeiros e pessoal de apoio que trabalham na saúde (motoristas, secretários, socorristas etc.) para ter condições de trabalho.
Existem diversas formas de encontrar o equilíbrio pessoal, exercícios físicos e respiratórios, leitura, música e relaxamento, porém o estado da alma é que conta mais, e na turbulência do perigo de uma pandemia, é essencial encontrar uma forma de espiritualidade, de pensamentos e de Ser.
Para os cristãos que creem na existência de um Deus onipotente e soberano sobre todas as coisas que regem suas vidas, sabe que a atitude interior é de passividade, de tolerância e de um profundo Amor a todos que o cercam, e nesta pandemia ter atitudes de proteção a todos.
O consolo de suas almas, para espiritualidades cristãs verdadeiras, é a crença no Amor de Deus.
Está escrito pelo evangelista João (Jo 14,1-2): “não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também [Jesus]. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”, e sua morada terrena agora é refúgio.
O caminho de Emaús: da inteligência ao coração
A parte 2 de Como Viver em tempo de crise, é escrita por Patrick Viveret e além de um olhar de admiração pela obra de Morin, o coautor, ele tem um olhar ainda mais generoso sobre a humanidade, apesar da pergunta grave do título do capítulo: O que faremos com a nossa vida?.
Viveret vai ligar a sabedoria ao amor, citando Martin Luther King: “Devemos nos preparar para viver como irmãos e irmãs, ou nos preparar para morrer como imbecis” (p. 55), e a completa com a inteligência emocional “coletiva” (é um diferencial importante) que é não é psicologismo.
O autor afirma “se não tratarmos a relação entre razão e coração, das razões do coração de que falava Pascal, a inteligência puramente mental, a famosa ciência sem consciência que não passa de ´ruína da alma’ como dizia Rebelais, pode construir piores monstruosidades” (pag. 55-56).
Afirmava sobre a crise anterior o que é muito mais próprio para a crise atual: “a humanidade corre o risco de acabar prematuramente com sua própria história, mas também pode aproveitar esse momento crucial para viver um salto qualitativo. “(p. 56)
Não podemos olhar para milhões de mortes e dizer, ainda bem que não foi comigo, ou um pouco mais humanamente, não podemos nem chorar os entes perdidos.
Números desfilam friamente sem que autoridades se toquem, serão provavelmente 3 mil mortos no pico da curva em São Paulo, mas podemos pensar em abrir o comércio aos poucos.
Em Wuhan onde a crise começou esperaram não ter nenhuma morte para abrir, mas aqui pensamos que não há como salvar vidas, dizem o custo econômico pode ser alto, mas quanto custa uma vida ? E a imprudência poderá custar mais ainda.
A crise pode ser pior que imaginamos, ontem alguns pacientes de Wuhan voltaram a dar positivo no teste, penso que não sairemos desta crise se não dermos aquilo que Morin disse e Viveret reafirmou: “Só poderemos chegar a isso se enfrentarmos a questão da barbárie interior” (p. 57), aquilo que Peter Sloterijk usou como metáfora falando de co-imunidade, é agora uma personificação, estamos prontos a ajudar o Outro para proteger a nós mesmos ?
Precisamos produzir riquezas mesmo que isto custe vidas, e antes não era exatamente uma parábola e, no entanto, foi assim que aconteceu na história, mas agora é exatamente uma personificação, (figura de linguagem como parábolas e metonímias) que significa dar ao que era “objeto” o atributo do Ser.
A passagem bíblica que Jesus usa a personificação é o caminho de Emaús, quando caminha a noite inteira aparentemente falando metáforas, e estes só descobrirão a personificação ouvindo o coração que finalmenre lhes despertou a inteligência (Lc 24,31-33): “Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros”, a cegueira fora superada.
Não se trata de uma apologia da religião, apenas pensar que muitas vezes não ouvimos o que nos é dito da maneira mais clara possível, porque a nossa inteligência não está ligada ao coração e vice-versa.
O que é o meio divino
Em tempos de crise profetas, oráculos, “sábios” de Platão e todo tipo de falsa sabedoria vem a tona, como é importante e muitos buscam um sinal “divino”, vale a questão o que é o meio “divino” para os que não creem e para os que buscam na fé um motivo para ter esperança.
Para quem crê, cabe bem a passagem de João 3:13-1: “Se não acreditais, quando vos falo das coisas da terra, como acreditareis se vos falar das coisas do céu? E ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna”.
As “coisas da terra” assim não estão então tão distantes, afirma a leitura ninguém subiu ao céu, exceto aquele que desceu, o Jesus filho de Deus e aos que não acreditam o Jesus terreno, homem histórico, que depois foi levantado numa cruz, para finalmente re-aparecer ressuscitado.
Voltemos a terra, explicando justamente o Meio Divino (Chardin, s/d), Chardin que escreveu: “no seu esforço em direção à vida mística, os Homens cederam muitas vezes à ilusão de oporem brutalmente o espírito e a carne, o corpo e a alma, como se tratasse do Bem e do Mal. Apesar de certas expressões correntse, esta tendência maniqueísta nunca foi aprovada pela igreja… “ (p. 117).
Assim entender a complexificação da vida humana, a concentração em grandes centros urbanos, a agitação, o excesso de ruído e principalmente a visão meramente econômica da vida levaram ao pensamento “natural” do idealismo, da visão puramente econômica e da onipotência do estado.
Assim olhai as coisas do alto, não significa “sair do mundo”, ainda que haja ordens puramente contemplativas e sejam sérias, ao falar da Cruz, Chardin mostra que “todo homem persuadido de que perante a imensa agitação humana [escreve isto na década de 30 já o dissemos] abre caminho em direção a uma saída, e que este caminho é subir” (p. 113), o destaque é do autor.
Aponta este caminho de subir, a escolha de princípios fundamentais, neste caso é a vida, e estão entre corajosos que triunfarão afirma o autor, e os zombadores que fracassam, pois não se elevam nem mesmo na vida concreta.
Assim o autor afirmará a realidade do Cristo histórico, que nos mostra como uma vida “no mundo” pode ser uma subida mística e concreta, “a apaixonante e insondável realidade do Cristo histórico” da qual tiramos muitos exemplos, e assim é a vida humana de um Ser Divino.
Assim, em tempos de pandemia, não só o gesto de se prevenir usando as condições de higiene, como os gestos sociais de auxílio aos que não tem emprego e aos idosos e familiares de contaminados pelo covid-19, assim como ajuda na família são exemplos de vida divina concreta.
E meio nesta noite de crise deixam sua lição de Amor mais profunda, dar sua Vida pelos homens.