Arquivo para a ‘Virtual’ Categoria
Vaidade e verdadeiros tesouros
Para muitos o mundo, a história e até mesmo a felicidade pessoal se desenvolve em torno de riqueza, falsos tesouros e algum reconhecimento público, na verdade, tudo é vaidade e nela se consomem grande parte das energias humanas, sem encontrarem verdadeira alegria, não aquela da euforia, do frenesi ou da catarse, mas aquela do gáudio e da paz interior.
Socialmente significa colaborar para que todo o bem a nossa volta se propague e todos possam estar felicidades não com grandes empreendimentos, festas vultuosas ou mesmo outroas alegrias passageiras, tudo isto é juntar tesouros falsos.
Há uma alegria nas verdadeiras perenes, aquela conforme diz um versículo bíblico “onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mt 6,19), mas aquelas que existem nos laços entre pessoas boas, como definia Aristóteles para o tipo de amizade verdadeira.
Acumular valores verdadeiros, amizades verdadeiras e bens verdadeiros que não são aqueles que só a riqueza material confere, significa mais que ter uma vida virtuosa, é uma estrada que leva a paz interior e a uma felicidade equilibrada que está além daquilo que passa e por isto tem gosto de eternidade.
Em tempos de guerras, ódios e falsas polarizações (não se tratam de polos entre aquilo que é verdadeiro e falso eternamente, mas sim rivalidades temporais), experimentam apenas o gosto de uma felicidade passageira, narcótica e se uma embriguez passageira e curta.
É melhor cultivar valores e sentimentos que tenham durabilidade, e eles precisam de amor e dedicação com asceses espirituais, do que apegar-se ao passageiro que depois exigirá um tipo de renúncia mais difícil e sofrida justamente porque não tem sabor de eterno.
Homens sábios, santos e grandes filósofos buscaram este tipo de gaudio (uma felicidade mais equilibrada e duradoura) porém é impossível consegui-la com apegos temporais: vaidades, ganâncias, opressões e sentimentos de baixa moralidade porque não podem ter durabilidade justamente pelo que representam: sua limitação em um lapso temporal.
Numa sociedade da performance, do ativismo e da baixa ou pouca capacidade de perceber, viver e contemplar o que realmente é belo e eterno, só os que vão além da vaidade e do prazer temporal, podem alcançar este tipo de gáudio, as jóias preciosas da vida eterna.
A amizade e a espiritualidade
A filosofia idealista coloca amgio e amizade em uma relaçãofilosófica ideal, Aristoteles no entanto adverte: “o amigo se faz rapidamente, já a amizade [e um fruto que amadurece lentamente”, o mesmo pode-se dizer da espiritualidade, reconhcer que temos uma parte espiritual e que ela é em parte humana, exige um exercício de espiritualidade.
Foi Sloterdijk, um dos grandes pensadores da Alemanha atual, que alertou que vivemos numa “sociedade de exercícios”, porém alerta que ela é desespiritualizada.
A alta espiritualidade antes de atingir o divino, deve passar por etapas anteriores na relação com o Outro, aquele que não é espelho, que não tem os mesmos valores que nós e esta relação pode evoluir ou obstruir, sendo mais difícil quando há uma obstrução manter uma relação de respeito e de cordialidade, pois a amizade e o amor ficam mais distantes.
É possível amar quem a tudo obstrui, sim é possível primeiro manter o respeito, depois separar aquilo que são valores e exercícios reais de espiritualidade e o que é só interesse.
Neste ponto a amizade tem uma relação muito próxima ao espiritual, pode-se dizer que há além da amizade, a reciprocidade, um fluxo contínuo de relação entre pessoas boas, aquilo que Aristóteles definiu como amizade verdadeira, ela só existe entre homens bons (e justos).
Somente com homens bons a sociedade se salva, diz uma curiosa passagem bíblica sobre Sodoma (Gn 18,20-32) na qual Abraão pergunta a Deus se com um número pequeno de homens justos a sociedade se salvaria, e vai reduzindo o número porque sabe que alí há poucos.
Não há sociedade justa sem homens justos, não há amigos sem exercícios de amizade, e só a partir de uma verdadeira reciprocidade uma amizade pode chegar ao nível do espiritual.
Para quem crè diz o versículo bíblico, explica o mestre diante desta questão (Lc 1,5-8): “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: ‘Amigo, empresta-me três pães, 6porque um amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer’, e se o outro responder lá de dentro: ‘Não me incomodes! Já tranquei a porta, e meus filhos e eu já estamos deitados; não me posso levantar para te dar os pães’; 8eu vos declaro: mesmo que o outro não se levante para dá-los porque é seu amigo, vai levantar-se ao menos por causa da impertinência dele e lhe dará quanto for necessário”.
Se alguém quer atingir a reciprocidade deve dar passos em respeito e amizade primeiro e o nível mais alto de espiritualidade é respeitar e amar os inimigos.
A amizade e conceitos
Já postamos e exploramos os conceitos de amizade em Aristóteles por prazer, por interesse e as amizades verdadeiras, também destacamos a diferença entre o sócio e o próximo (o texto de Paul Ricoeur) onde no primeiro caso há apenas interesse e uma vez terminado a amizade se encerra ou diminue.
O que queremos explorar um pouco agora é o que significa num mundo individualista onde o interesse impera qual é o conceito de migo e da amizade.
Numa outra perspectiva, na qual Deleuze e Guattari chegam a dizer que o amigo e a amizade são preocupações “ausentes” no pensamento filosófico, e fala como uma rara exceção o livro “A amizade de Maurice Blachot”, porém já há na base deste discurso uma clara distinção entre amigo e amizade.
Assim o filósfo é “amigo” da sabedoria (philos- amigo e sophia- sabedoria), porém há uma obrigação compulsória devido a “amizade” ser objeto desta relação, e assim só estes amigos poderiam participar da amizade, ou seja, há uma exigência de sabedoria.
A base deste conceito está no “olhar” de uma pretenso “sábio”, assim são conceitos dentro de cada um, são os olhos ou olhar de cada um sobre outra pessoa, mas este olhar é uma sensação que não vem dos olhos dos sentidos ou dos sentimentos pessoais, assim são um olhar de ninguém, uma exigência de observação, um selfie que deve ser visto por outro.
Mas como se pode ser amigo não sendo ninguém? Esta indagação faz mais sentido quando se trata de uma dimensão num plano altamente diferenciável, e assim pode ser vista em determinados contextos históricos, políticos e até religiosos, onde cada pensador é tomado individualmente como sendo portador de um “olhar” de sábio, ou de pretensa sabedoria.
Pode-se ilustar com o próprio Guattari e Deleuze, e assim podemos dividir a amizade em conceitos de contextos diferentes: a grega, a nietzscheana, a heideggeriana e a foucaultiana.
Tal indagação visa a explorar o território da amizade como conceito, pois se, como afirmávamos, trata-se de uma dimensão ou plano altamente diferenciável, então, pode-se detectá-la em certos períodos históricos ou mesmo em cada pensador tomado individualmente. Procuraremos, em seguida, definir e ilustrar, a partir dos elementos que acabamos de emprestar a Deleuze e Guattari, de modo apropriado à extensão do presente artigo, quatro tipos de amizade do conceito, a grega, a nietzscheana, a heideggeriana e a foucaultiana, mas é só um exercício retórico.
Pode valer a pena como exercício de pensamento, a amizade é simples e pode haver e há, entre pessoas simples e de pouca cultura livresca, e pode não haver entre “cultos”.
Arrisco dizer que há mais amizade verdadeira entre pessoas simples, que o diga Heidegger em seu Caminho da Floresta no qual convive com pessoas muito simples.
Guerra nas estrelas e as primeiras imagens do James Webb
A Rússia está desenvolvendo uma estação orbital capaz de destruir satélites em órbita, é uma referencia clara ao StarLink de Elon Musk e outros satélites que transmitem sinais e imagens-alvo no solo.
Em novembro do ano passado a Rússia testou com sucesso, a destruição de seu próprio aparelho espacial inoperante “Tselina-D” que estava em orbita desde 1982, o míssil foi lançado do solo.
De acordo com o general David Thompson, vice-líder de operações da Força Espacial dos EUA, em declaração ao Washington Post, os satélites americanos sofrem ataques da China e da Rússia “todos os dias”, assim a guerra já extrapola o planeta, enquanto as guerras em solo se prolongam.
Por outro lado, hoje é dia das primeiras fotos observadas pelo telescópio James Webb, às 11 horas do Brasil, uma delas será a nebulosa Carina (foto feita pelo Hubble acima), localizada a 7.600 anos-luz, onde o objetivo e entender o nascimento dos sóis, que nesta nebulosa são imensos e em quantidade.
De um lado o nascimento e de outro a morte de estrelas, outra imagem do James Webb será a da nebulosa do Anel do Sul, uma imensa nuvem de gás que cerca uma estrela moribunda e está a cerca de 2.000 anos-luz da Terra.
Um terceiro alvo é histórico, é o Quinteto de Stephan, primeiro grupo compacto de galáxias que foi descoberto em 1787, um período ainda com telescópios limitados e que se encontra na constelação de Pegasus.
Usando uma técnica especial de espectroscopia, que permite ver a composição química de um objeto distante, um planeta gigante chamado de WASP-96 b, descoberto em 2014 e que está a 1.150 anos-luz do nosso planeta.
O quinto alvo, não necessariamente nesta ordem, será a utilização de um aglomerado de galáxias, o SMACS 0713, que funciona como se fosse uma lupa cósmica e permite enxergar outras galáxias atrás, e que será para os astrônomos a experiência mais fantástica.
De um lado aprisionados e em guerra em nosso minúsculo planeta com ameaças de guerra, e outro um olhar para o infinito que deveria nos fazer abrir a mente e a alma para um futuro promissor.
Consciência, verdade e clareira
Pode-se classificar consciência de diversas maneiras, porém ela distante do todo ao qual pertence o ente (identificado como realidade material na modernidade) ela esquece o ser, assim permanece oculto o que de fato é consciência e fica mais próxima da senticiência a qual se referem as a inteligência artificial e que poderia ser chamada de consciência maquínica.
A clareira que emerge do ser, já foi postado neste blog aqui, é aquela que está contida no contexto de um todo, e dela emerge o ser, e esta crítica pode ser estendida a toda modernidade, onde há uma fragmentação e tudo se refere a parte, muitas vezes até oposta ao todo ao qual pertence o ente, e dele emerge a questão do ser, conforme pretendia Heidegger.
Este todo é também reivindicado por Edgar Morin, que completa no dia de hoje 101 anos, e junto do Lima de Freitas e Barsarab Nicolescu escreverem na “Carta da Transdisciplinaridade” de Arrábida (1994) como “a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva a ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrábida, 1994).
Este tipo de consciência formal leva também uma noção não só de saber, mas também de cultura e até de religião a um desvio longe da clareira do Ser e sujeito a regras e preceitos formais, de Lei e saber em uma lógica aparentemente rigorosa, mas desumana e que oculta o Ser.
Na cultura significa limitar a concepção a um tipo particular de cultura, de uma única cosmovisão, que é válida, mas que não pode ser imposta a outras visões de mundo em especial, às originárias.
Aos cristãos a passagem bíblica que esclarece esta falsa consciência é a que Jesus é questionado por um mestre da Lei, especialistas em consciência formal, pergunta ao mestre o que precisa fazer para conquistar o reino divino, e Jesus diz numa linguagem moderna respeita o Outro e admite o Ser Divino por excelência, aquele que está é o Todo em uma cosmovisão monoteísta (Deus).
Porém a parábola do Bom Samaritano é dita logo em seguida e torna clara a consciência formal, diz a parábola que um homem foi assaltado e maltratado por assaltando e ficou a beira do caminho, passou um sacerdote e um levita (tribo de onde saiam religiosos daquele tempo) e se desviaram do problema, passou um samaritano (que era um povo sem religião e que não gostava dos judeus) e ofereceu ajuda, colocou óleo e vinho nas feridas, colocou em seu animal e levou-o a uma pensão pagando sua estadia e caso se prolongasse pagaria na volta.
Somente o samaritano teve uma atitude de consciência verdadeira com o homem, então Jesus disse aos que perguntavam como conquistar o reino divino “Vai e faze a mesma coisa” (Mt 10,37).
Inverno pode ser terrível para a guerra
Em videoconferência com o G7 nesta segunda-feira (27/06) o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky pediu que a guerra cesse até o inverno, sempre um período mais duro para tropas e para regiões em guerra, isto indica duas preocupações: uma intensificação das batalhas no outono (no hemisfério sul é a primavera, de setembro a novembro) e possíveis dificuldades de fornecimento de gás e dos alimentos no período.
Do lado russo o corte no fornecimento de gás, que tem um sacrifício financeiro evidente, pode significar um colapso nos sistemas de aquecimento, uso doméstico e industrial na região.
A reunião do G7 começou domingo (26/06) com os países: EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, Canadá, França e Japão, e a videoconferência foi realizada na 2ª. Feira (27/06), o presidente também denunciou o ataque russo a um shopping lotado na região de Cremenchuk, com mais de mil pessoas.
As batalhas seguem duras na região de Dombass embora haja avanço russo, o custo em tropas, armamentos e moral tem sido elevada para ambos lados, enfim é um ódio crescente e uma possibilidade de paz cada vez mais distante.
Num esforço político, o presidente da Rússia fará a primeira viagem ao exterior visitando dois ex-estados soviéticos: o Turcomenistão e o Tadjiquistão, e depois ainda se encontrará com o presidente indonésio Joko Widodo, não há declarações sobre o assunto das conversas, porém com certeza trata-se de assuntos geopolíticos (veja o mapa).
Porém por trás desta viagem há um objetivo mais preocupante, a preocupação de Putin com as fronteiras, neste caso com os países da Ásia, indica tanto o saudosismo da antiga União Soviética como uma preocupação bélica de longo prazo, isto tem um contorno sombrio para o futuro da humanidade.
É claro que não há um belicismo de um único lado, também a resposta da OTAN tem sido dura como a entrega oficial de pedido da Suécia e da Finlândia de entrada na OTAN, também a Moldávia prepara sua entrada, enquanto a Ucrânia vive a espera de uma entrada tardia.
O cenário é extremamente preocupante para o outono no leste europeu, que é a primavera no hemisfério sul, uma preocupação crescente com o abastecimento de alimentos e de petróleo agita todo o mundo, porém o pesadelo maior é a própria guerra e seus contornos.
Poucas e heroicas vozes (veja o post de 21/06) se unem pela paz, a preocupação com a polarização é agora mundial.
O Ser e o caminho
Mesmo que tenha lido Heidegger, poucos leram pelo menos na integra O ser e o tempo, ou outra obra que julgo importante A origem da obra de arte, e a mais polêmica (pelo menos atualmente) que é Cartas sobre o humanismo, não apenas porque Sloterdijk a refugou, mas porque pensar o que é o humanismo hoje é a tarefa mais importante para tentar salvar a civilização.
Basta olhar ao redor, da pandemia a guerra, a extrema e as vezes irracional politização política, e não só tudo isto, mas principalmente o olhar e o pensar aguçado que via além das aparência.
Existem duas biografias boas de Heidegger, uma de Hugo Ott, que li pedaços e outra que li e passei para tantos amigos que é a de Rudiger Safranski, as duas merecem ser lidas e não são Heidegger.
No caminho da floresta, o tempo que Heidegger passou ao redor da fogueira, onde fumava cachimbo com os camponeses e lenhadores da Floresta Negra, se conta que em silêncio, talvez diga mais de Heidegger do que sua filosofia, diga algo da poesia que não escreveu, mas viveu.
Foi lá numa entrevista que Heidegger concedeu a Der Spiegel que ele disse (não num tom religioso e sim num tom de descrença) falou a frase: “Só um Deus poderá salvar-nos”, e tinha razão.
A cabana rústica e simples que Heidegger habitou durante o tempo que escreveu o Ser e o Tempo, também foi o seu refúgio no tempo do Caminho da Floresta, e de um curto escrito pouco conhecido que “Paisagem Criativa: por que perpassemos na província”, que não é um elogio a província, mas a necessidade de uma contemplação que a vida urbana tinha perdido, um caminho parecido com aquele que um filosofo mais jovem Byung-Chul Han escreveu em A sociedade do cansaço.
Está escrito em “Paisagem criativa”: “O habitante da cidade acha que “se mistura com o povo” assim que se digna a ter uma longa conversa com um camponês. À noite, num intervalo de trabalho, quando me sento junto à lareira com os camponeses, ou à mesa no Herrgott swinkel5 , então, na maioria das vezes, não falamos nada. Fumamos nossos cachimbos em silêncio”, a nota esclarece que Herrgottswinkel é um estabelecimento no campo.
Assim não se trata de isolamento ou provincianismo, mas uma pausa para retomar o caminho.
HEIDEGGER, M. Paisagem Criativa: Por que permanecemos na província , in: Idéia. Campinas (SP)|n. 9, 2014.
O Ser e o Imperecível
Foi Justino Santo e Mártir cristão do século II, que encontrando-se com um Ancião, que está no seu livro diálogo com Trifão, que ele entendeu que era desejo de Deus que a alma fosse imortal e isto a separava do platonismo, caminho filosófico que havia percorrido depois dos estóicos.
Justino é o primeiro no cristianismo a tratar os problemas da filosofia num caminho contemplativo e filosófico, sua obra não foi sistemática (Apologia I e II), mas fundamental para um percurso filosófico do pensamento cristão, e influenciou muitos pensadores da patrística dos primeiros tempos cristãos.
Por sua fé cristã, Justino foi denunciado e morto decapitado.
Assim algo imperecível habita o Ser e lhe é essencial, a simples contemplação e ascese que não contém esta premissa é incompleta, entretanto o acesso a esta verdade depende de um estágio de bem aventuranças, aquelas que estão em Mateus 5, destaco 4 que são contextualmente importantes (Mt 5,5-9): Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra, Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos, Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia, Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus, Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
Porém tudo isto não é imperativo para alcançar um acesso imediato ao divino, a eternidade é atemporal e nela o tempo é diferenciado, é um Kairós, ou um tempo no relógio divino.
E tudo isto não se separa da vida cotidiana, que contem um “Aroma do Tempo” como propõe Byung Chul Han, um divino humanamente vivido em cada ação e assim não está separado da contemplação, mas tem uma cadência diferente do ativismo puro e simples.
O seguimento cristão é mais profundo pois exige uma renuncia, não basta encontrar Jesus ou o Divino, em Lc 9,23, o próprio mestre ensinou: “Depois Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”.
E esta é a lição mais dura e a definitiva.
O ser e a ação
Ser não é inatividade, porque é o ser que determina sua ação, porém o puro projeto sobre a ação esvazia o ser, é o ativismo ou a “vita activa”, aquele que Husserl, Heidegger, Hannah Arendt, e mais recentemente Byung Chul Han questionam sobre a ausência de vita contemplativa, o interior.
Não se trata de subjetividade, porque é justamente a separação entre o ser objetivo e subjetivo o primeiro grande impulso para o esvaziamento do ser, não se trata também do ser social, ele é o que está projetado na consciência do homem, na intenção que se dirige ao objeto, à vida exterior.
A vita activa foi assim expressa por Hanna Arendt: “A expressão vita activa, compreendendo todas as atividades humanas e definida do ponto de vista da absoluta quietude da contemplação, corresponde, portanto, mais à askholia grega (ocupação, desassossego) com a qual Aristóteles [define] toda atividade, que ao bio politikos dos gregos. A expressão vita activa é perpassada e sobrecarregada de tradição. É tão velha quanto nossa tradição de pensamento político, mas não mais velha que ela. A própria expressão que, na filosofia medieval, é a tradução consagrada do bios politikos de Aristóteles, já ocorre em Agostinho onde, como vita negotiosa ou actuosa, reflete ainda o seu significado original: uma vida dedicada aos assuntos públicos e políticos” (Arendt, 2007, p.23), nesta explicação de Arendt está também uma completa tradução do animal político.
O que é a ação para Arendt, não é aquela do ativismo ou voluntarismo, mas a que ocorre “entre” os homens, depende da intersubjetividade (a relação de interioridades), dita por ela assim: “or fim, o último dos elementos da vita activa abordado por Arendt é a ação. A ação é o elemento da interpessoalidade e o ambiente da intersubjetividade, ou seja, ocorre entre os homens. Logo, em razão de ser desenvolvida entre pessoas, a ação é observada de forma destacada do labor e do trabalho, tais elementos não influenciam na mesma.
Então o que considera a condição humana da ação é a pluralidade, diz textualmente: “Considerando que a ação é uma atividade dos homens livres na esfera pública, ela é uma expressão da pluralidade humana. A sua concretização depende da convivência entre indivíduos diferentes. Todavia, visto que a ação exige uma diversidade interativa, ela particulariza os homens. Ela promove a aparição de individualidades e possibilita a construção de identidades. Ora, o homem jamais poderá manifestar a sua singularidade no isolamento. Ninguém mostra o que é na esfera pessoal da intimidade. Somente quando está com os outros o homem pode revelar o que é” (ARENDT, 2007, p.189).
Mas Hannah Arendt considera a modernidade em crise somente a partir do início do totalitarismo e os eventos das duas guerras mundiais, e ao nosso ver o problema surge já no pensamento racionalista/idealista.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
O espírito e a religião
Um dos traços importantes como ponto de partida no pensamento hegeliano é o conceito de religião, e nela a etapa final da construção do pensamento subjetivo do idealismo, que depois de se deslocar do sujeito para o objeto, cria uma ideia de representação em si e para si.
Já dissemos que um fio condutor é a ideia da suprassunção, que representa a consciência do movimento daquilo que contrapõe o objeto e a necessidade de algo de si e para si “ideal”, lembrando do post anterior que a suprassunção é uma interação entre tese e antítese.
O conceito de si, que vai do sujeito ao objeto e o para si que faz a transcendência deste caminho não contem o “outro”, a alteridade, conforme pensou na ontologia cristã:
“A presença de um objeto, é presença de um outro, determinado como o ser não divino, o mundo finito, a consciência finita. Essa finitude do outro articula-se na natureza em si ou no espirito em si, ou então na consciência ou no espírito para um outro”. (AQUINO, 1989, p.242).
Portanto a contradição já se apresenta anterior a questão de um “espírito” divino, Santo como pressupõe o cristianismo, está na consciência de si, e a questão da representação do objeto.
O para-si não um para-além, mas um retorno ao em-si transcendente, um fechamento em si, por isto não contém o outro, assim a ideia de sujeito é o diferencia da religião é a questão do Ser, um Ser que é Outro, e não um para-si que volta-se ao em-si.
Assim tendo observado essa junção que se refere a presença de um objeto e de um outro, ambos estabelecem uma relação com a consciência, porém a consciência em si é só interioridade enquanto a para-si se admite um além, já que do grego este sufixo significa isto, como paralaxe (além da posição), paradoxo (além da opinião), etc.
Em termos de representação, a consciência está em relação tanto com o mundo, tanto quanto com outra consciência, ainda permanecem no mundo, porém um para-si significa além do mundo, além da realidade sensível e palpável, não apenas na ideia, mas enquanto Ser.
Um espírito assim pensado, transcende ao ser e ao ser-com-Outro, tornando outro-Ser, que para muito religiões é o mundo espiritual, no qual há um Ser por excelência.
A relação trinitária cristã é um para-si-Além-do-Ser, ou um Ser por excelência, por isto um Espírito Santo, o qual se relaciona com o Ser-no-Mundo que é consubstanciado com o puro-Ser divino.
Está então além da suprassunção, não há tese e antítese, mas cada Ser é no Outro, no raciocínio trinitário: Jesus é consubstanciado no Pai, gerado pelo Espírito Santo, que é relação com o Ser.
A relação trinitária cristão é pericorética, ou seja, cada um ser “interpenetra” o outro e há comunhão, não havendo contradição.
Jesus revela aos apóstolos esta relação pericorética Jo (20:21-22(: “Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo””, a realidade divina na alma humana.
AQUINO, M. F. O conceito de religião em Hegel. São Paulo: Loyola, 1989.