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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

Feliz 2024 e este blog

31 dez

Difícil fazer um balanço positivo de 2023, esperava-se alguma reação positiva da humanidade no pós-pandemia onde muitos faleceram em decorrência do agravamento de doenças colaterais do coronavirus, esperava-se mais solidariedade e respeito a vida humana.

A Ucrânia iniciará o ano com um dia de luto devido ao maciço ataque feito pela Rússia que matou 39 pessoas e feriu outras  159, a maioria civis, a ONU se pronunciou considerando o ataque como “inaceitável” e os Estados Unidos admitem uma intervenção direta na guerra através de suas tropas, isto representaria na prática o início de uma 3ª. Guerra Mundial.

Além desta crise, há o flagelo da guerra na faixa de Gaza e a tensão entre Venezuela e Guiana.

Ainda não finalizou o ano e este mês o blog bateu seu record de acessos com mais de 32 mil e a nova linha onde aprofundamos a questão da noosfera, a partir de Teilhard Chardin que cunhou o termo, também a crise do pensamento (vemos que a filosofia vive também uma crise) e que é a origem da atual crise civilizatória e a Cibercultura, com aspectos éticos e sociais que são aprofundados em leituras tanto do aparecimento de novas tecnologias (ChatGPT, Bard, Azure, etc.) que entram na Era da IA Generativa, no modelo LLM (Large Language Model).

O cenário complexo requer leitura de uns poucos autores que detectam o fio de ouro da crise atual, o modelo idealista que vem do dualismo da Grécia Antiga (o ser é e o não ser não é), o modelo de estado centralizador e monopolizador (mesmo o modelo liberal que cresce em alguns países não deixa de ditar teorias e modelos centralizados) e cuja crise atinge o corpo social, a cultura e até mesmo a religião onde não faltam falsos profetas, adivinhos e apocalípticos, este apelo cresce em função da gravidade do momento.

Deixamos um alento de esperança, de certeza que é possível sair de uma crise com equilíbrio, responsabilidade e um olhar desapaixonado sobre os problemas, paixão pela vida sim, mas não a de fanáticos e salvadores da pátria que pouco ou nada colaboram com saídas humanitárias e responsável sobre o futuro humano.

 

Confiança e humildade

21 dez

Em filosofia moral há dois tipos de confiança: a confiança que se caracteriza pela relação interpessoal mais profunda, a qual envolve boa vontade e vulnerabilidade, e a fiabilidade, um tipo de confiança mais básica que se refere ao funcionamento do mundo e das coisas.

Não estabelece uma boa relação interpessoal sem o respeito, e o respeito exige humildade, simplicidade e relações verdadeiras, também a fiabilidade envolve humildade para aprender o funcionamento do mundo, das coisas e encontrar equilíbrio nas relações sociais.

Há um conceito epistemológico que trabalha a questão da confiança, envolve o testemunho, ele auxilia o conhecimento tanto nas relações pessoas quanto na fiabilidade.

As concepções interpessoais propõem um uso do conceito de confiança fundamentado em analogias, e pode ser aplicada aos debates epistemológicos sem negligenciar a questão moral.

É comum esta negligência por uma concepção excessivamente objetiva e até positivista que ainda influencia fortemente os enfoques epistêmicos, uma proposta interessante para ser analisada é a partir de Richard Foley (2001).

O uso de conceitos morais em epistemologia (LOCKE, 1975; CHISHOLM, 1966) trabalharam na filosofia moral para resolver questões epistêmicas, mas é questionável se a simples redução de conceitos epistêmicos a moral é válido, Firth (1978) defende a irredutibilidade de conceitos epistêmicos, dizendo que embora possam ser concebido de maneira análoga, podendo ser até similares, não são irredutíveis um ao outro, o que pode causar uma confusão teórica.

Então porque são análogos e relevantes, porque muitas das nossas crenças diárias (não são necessariamente os conceitos objetivamente científicos) são adquiridas pelos atos de fala de outros seres humanos nas relações do dia a dia, o problema então é justamente saber aceitar esses atos de fala como fontes epistêmicas, já que eles o são em diversas culturas e em larga escala social.

Foley utiliza o conceito de autoconfiança (self-trust), mas a relação que estabelecemos com nossas próprias faculdades é uma relação de fiabilidade (reliability). Se buscarmos as origens de ambos os conceitos, encontraremos diferenças consideráveis entre fiar-se (rely)e confiar (trust), porém usa-os como sinônimos e ignora as diferenças.

O equívoco de Foley é justamente por desconsiderar as características morais da confiança, e é importante de ser estudado por isto, no cotidiano esquecemos de confiança envolve aspectos morais, entre eles um fundamental que é a humildade em reconhecer a fala do Outro.

 

CHISHOLM, R. Theory of knowledge. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.

FIRTH, R. Are epistemic concepts reducible to ethical concepts? In: GOLDMAN, A. I.; KIM, J. Values and Morals. Dordrecht: D. Reidel, 1978.

FOLEY, R. Intellectual trust in oneself and others. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2001.

LOCKE, J. An essay concerning human understanding. Oxford: Clarendon Press, 1975.

 

Contemplar e o Ser

16 nov

Byung-Chul Han em seu ensaio sobre a contemplação, dá uma sentença cruel ao saber ocidental eurocêntrico: “o saber não consegue retratar inteiramente a vida. A vida inteiramente consciente é uma vida morta” (Han, 2023, p. 29) e se apoia em nada mais que Nietzsche no âmbito de um “novo esclarecimento”, aquele que para Heidegger abre uma clareira do Ser, embora em uma perspectiva diferente.

Citando Nietzsche escreve Han: “não é o bastante que compreendas em que tipo de ignorância seres humanos e animais vivem; precisas também ter vontade de não saber e aprendê-la. É-te necessário compreender que em esse tipo de ignorância a vida mesma seria impossível, sob a qual o vivente se conserva e floresce: um grande e sólido sino de ignorância deve estar ao seu redor” (citando Nietzsche, pag. 29-30).

Esclarece que o objetivo último de um “mestre” é “alcançar um estado no qual a vontade se resigna. O mestre se exercita de modo a eliminar a vontade.” (pag. 31)

Afirma na página seguinte cita uma parábola feita por Walter Benjamin “Não esqueça o melhor” no qual ele esboça a ideia de uma vida feliz, trata de um homem de negócios que sempre realizou sua vida com precisão e zelo, porém em certo momento joga seu relógio fora.

Então começa a chegar tarde e as coisas começam a se realizar sem sua intervenção, e o alegram, revela-se agora um “caminho para o céu”, as coisas acontecem agora quando menos esperava, “amigos o visitam quando menos eles pensavam nele” e lembra da lenda de um rapazinho pastor que é permitido em “um domingo” entrar na montanha com seus tesouros, com uma instrução enigmática: “não te esqueças do melhor” (pag. 33).

A parábola da inatividade de Benjamin termina com estas palavras: “Nessa época ele estava bastante bem. Concluía poucas coisas começadas, e não dava nada por concluído” (pag. 33).

A época da hiperinformação, do cansaço não é um tempo de busca da verdade do ser, daquilo que realmente somos cultural, social e espiritualmente; é um tempo da busca do nada, em tempos assim, surgiram profetas, oráculos, monges e sábios que fugiam deste vazio temporal, para se encontrarem numa totalidade infinita, aquela que contempla todo o ser.

Escreveu Byung-Chul Han: “quem é realmente inativo não se afirma. Ele descarta seu nome e se torna ninguém”, não é niilismo, é um reencontro com a verdade que todos procuram nas coisas e não as encontram se não olharem para si, para o seu vazio interior e sua inatividade.

Haverá um tempo em que todos estarão procurando a verdade, dirão está aqui ou ali e não mais a encontrarão, não será um fim, mas sim um “novo esclarecimento”.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Uma história da história

31 out

Este é o nome do primeiro capítulo do livro Terra-Pátria (Ed. Sulina, 1995) de Edgar Morin, a tentativa do autor era na época entender os diversos processos civilizatórios para encaminhar o mundo para um momento em que nos veríamos todos como cidadãos da mesma casa.

Escreve ali: “Mas, por diversas que tenham sido, constituíram um tipo fundamental e primário de sociedade de Homo sapiens. Durante várias dezenas de milénios, essa diáspora de sociedades arcaicas, ignorando-se umas às outras, constituiu a humanidade” (pag 15) e isto parece muito atual.

A história “impiedosa para com as civilizações históricas vencidas, foi atroz sem remissão face a tudo que é pré-histórico. Os fundadores da cultura e da sociedade do Homo sapiens são hoje vítimas definitivas de um genocídio perpetrado pela própria humanidade, que progrediu assim no parricídio” (pag. 15), pontua 10 mil anos na Mesopotâmia (os semitas), quatro mil anos no Egito, indo ao oriente “do Indo e no vale do Haung Po na China” (pg. 16) a 2.500 anos.

Esta história inicial é “o surgimento, o crescimento, a multiplicação e a luta até a morte dos Estados entre si; é a conquista, a invasão, a escravização, e também a resistência, a revolta, a insurreição; são batalhas, ruínas, golpes de Estado e conspirações […]” (pg. 16) e que parece se repetir nos dias atuais.

Depois esta história “começou a se tornar etnográfica, polidimensional. Hoje, o acontecimento e a eventualidade, que irromperam em toda parte nas ciências físicas e biológicas, aparecem nas ciências históricas”, nela aparece o que Edgar Morin chama de “homo sapiens-demens”.

Este “homo sapiens-demens. Deveria considerar as diversas formas de organização social surgidas no tempo histórico, desde o Egito faraónico, a Atenas de Péricles, até as democracias e os totalitarismos contemporâneos, como emergências de virtualidades antropo-sociais” (pg. 17), volto a esta reflexão porque o que deveria ser repensado, repete-se como ciclo cruel.

Coloca o autor: “Hoje, o destino da humanidade nos coloca com insistência extrema a questão chave: podemos sair dessa História? Essa aventura é nosso único devir?” (pg. 17).

O espírito sábio e profético de Morin anuncia: “Assim, uma fermentação múltipla, em diversos pontos do globo, prepara, anuncia, produz os instrumentos e as ideias do que será à era planetária” (pg. 18), mas com contornos graves e ameaças civilizatórios.

Fica sua pergunta essencial: “podemos sair dessa História?”, é preciso sabedoria e uma compreensão histórica que parece fugir das grandes lideranças mundiais.

MORIN, E. e Kern, A.B. Terra-Pátria. Trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.

 

Exercícios para a reflexão política

03 out

Quando ingressamos no maniqueísmo percebemos apenas forças opostas sem discernir com clareza onde está o mal e a ética, todo exercício filosófico sobre o mal é visto a partir da moral.

Entretanto o que é moral ficou confuso, justamente porque o poder se confundiu com a violência, e a reflexão de Hannah Arendt sobre isto é bastante esclarecedora: “Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausência (ARENDT, Entre o passado e o futuro: Oito exercícios para a reflexão política, 1961).

O argumento da filósofa é simples, difícil de ser entendido num mundo polarizado, mas diria é a primeira de suas reflexões sobre a política quando o poder é exercido de forma legítima, a violência é ausente. Isso significa que, em um sistema político saudável, o poder deve ser baseado no consentimento e na cooperação voluntária, em vez de recorrer à violência para impor a vontade de um grupo sobre outros, pois não há consentimento pelos outros.

Boa parte do raciocínio político hoje é exercer a violência contra os opostos, isto é sua própria negação, Arendt argumentava que liberdade e ação política são sinônimas, já que política não tem sentido enclausurada em si mesma, as famosas bolhas, ser livre é condição necessária para o exercício político, o exercício de cidadania, qualquer limitação torna-se violência.

A liberdade existe como condição plural do homem, em termos religiosos é o livre-arbítrio, em termos sociais é a possibilidade de agir livremente enquanto cidadão e ter proteção para tal, se esta condição é retirada não há outra definição ao sistema que não seja o autoritarismo.

Assim como nas artes: a música, a dança e o teatro a ação política é valorada como uma “virtude” todas teorias sérias desde Platão visavam esta participação na “polis”, mesmo o conceito amoral de virtú de Maquiavel, a performance necessita de uma “audiência” e de um espaço para que o espetáculo possa se realizar, na visão de Arendt, a pólis grega foi “uma espécie de anfiteatro onde a liberdade podia aparecer (ARENDT, 2001, p. 201).

Escutar o contraditório, permitir que ele se expresse é condição necessária para a política, o modelo de exclusão dos opositores não é senão um eufemismo para os ditadores.

Arendt não deixa de analisar a violência defendida por Marx, e retorna ao zoon politikon de Aristóteles e mal lido por leitores apressados: “… o qual pode ser difícil de perceber, mas do que Marx, que conhecia Aristóteles muito bem, deve ter sido cônscio” (ARENDT, 2001).

E continua: “A dupla definição aristotélica do homem como um zoon lógon ékhon, um ser que atinge sua possibilidade máxima na faculdade do discurso e na vida em uma pólis, destinava-se a distinguir os gregos dos bárbaros, e o homem livre do escravo. A distinção consistia em que os gregos” (Arendt, 2001, p.50), convivendo em uma polis […] conduziam suas ações por intermédio do discurso, através da persuasão, e não por meio da violência e através da coerção muda.

Para a filosofia teria sido uma contradição em termos “realizar a Filosofia” ou transformar o mundo em conformidade com a Filosofia sem que ela fosse precedida de uma interpretação, assim alertou Heidegger que a afirmação de Marx “os filósofos interpretaram o mundo, agora cabe transformá-lo” é contraditória, porque deve ser pensada qual transformação que se quer.

ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. 5.ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. (um resumo, pdf)

 

Desoneração da violência e ira

12 set

Não foram as religiões abramicas (islamismo, judaísmo e cristianismo) que desoneram a violência, assim pensou Peter Sloterdijk em Ira e Tempo (Sloterdijk, 2012), na verdade foi a ideia do Iluminismo que fez da violência e domínio, desde o princípio da expansão do mercantilismo e que depois tornou-se colonial-imperialismo, que era anticlerical e pouco religioso, e depois foi sacralizado no “absoluto” de Hegel, cuja imagem do poder e do Estado se justapõe ao poder e dominação e nada tem ligado a Deus.

Assim esse poder é a desoneração da violência e sua captura e tutela pelo estado, assim pode-se desenvolver o plano colonial e imperialista, fundo da crise civilizatória de hoje, é um estado prepotente militar e autocrático, de liberal só o nome, não pode dar em outra coisa: a ira.

A constatação de Sloterdijk sobre a leveza e alívio, é particularmente clara supondo que o progresso iria numa jornada progressiva, nós pensaríamos numa resposta mais trivial que ele estaria levando as pessoas em condições melhores que as anteriores, e isto não é verdade.

O autor também fala da dor, lembra que até 1940 a ideia da dor era normal nos tratamentos centros cirúrgicos, não cita mas lembro que cicatrizes nos rostos masculinos indicavam virilidade e algumas era feitas de propósito, antecessores das atuais tatuagens, o autor lembra que os analgésicos aparecem na década de 40 e depois aos poucos os antidepressivos e estimulantes e finalmente as cirurgias plásticas que corrigiam o que deve ser corrigido em nós.

Diz o autor que o pensamento a direita é a disciplina e a esquerda é a salvação dos pobres, a disciplina cai em sonhos e leva ao mundo da lua, enquanto a pobreza na sua condição de caído, de perseguido por um sistema injusto se vê sempre vitimizado o que nem sempre é real, assim ambas narrativas escapam de um conceito de justiça, de paz e de equilíbrio e nos vemos em narrativas que justificam a ira e o desprezo pelo Outro,  vão em direção a ira.

Se o ser deve ser leve é ser alguém que não é sério, assim a leveza do ser é insustentável, ele deve ser em ambas narrativas “pesado”, transformando-se em balões de gás que estão em voos a esmo, o próprio voo não é razoável, embora o desejo final seja tudo pode, mas nada é.

Diz o cancioneiro popular brasileiro diria: “não há pecado do lado debaixo do equador”, mas já era o que havia na Europa pós-renascentista, na “divina comédia” de Dante que se transforma na comédia humana de Balzac,  foi ali que se fez a circum-navegação (na foto a armada de Jacob Hashimoto), sim a terra é redonda, então os povos deviam ser dominados e colonizados,  novamente a esferologia de Sloterdijk faz sentido.

O acontecimento fundamental de nosso tempo é sair deste fardo pesado do dogmatismo, do stress perfeccionista da sociedade do cansaço, sair das batalhas físicas, discursivas, políticas, projetistas e espaciais, a tecnologia para o homem e não do homem, robôs são máquinas.

É a agonia do pesado que tinha e que não tem mais uma narrativa coerente. a esferologia, parte do princípio de que uma espécie de “hermenêutica da existência” deve formar arte de figuras, sentidos e vocabulários de uma existência leve, digamos, descarregada do ódio pelo Outro que não é nosso espelho, claro o caminho reverso está aí, ele leva a ira e a violência.

SLOTERDIJK, P. Ira e tempo: ensaio político-psicológico. Estação Liberdade, 2012.

 

Linguagem, verdade e erro

07 set

O mais comum é entender-se verdade como a tautologia lógica que deriva da concepção do empirismo científico e do silogismo matemático,

A filosofia moderna desenvolveu diversas concepções de verdade, atualmente busca-se a adequação da verdade aos sistemas ideológicos que vieram do Hegelianismo e de uma concepção da História, sobre estes equívocos está a elaboração de Hans-Georg Gadamer, que por sua vez vem da concepção de verdade enquanto Ser de Heidegger.

Do silogismo e do logicismo vem os conceitos idealistas de julgamento e o direito positivista.

A verdade é para Descartes: “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método), é assim oposta ao falso, muito próxima da verdade formal.

O pragmatismo utilitário de Stuart Mill é o extremo oposto disto (é ilógico), e está próximo a concepção de Hegel e Nietzsche, é a verdade relativista que dominam muitos discursos atuais.

Nietzsche também refaz o conceito hegeliano de verdade histórica para o conceito de existência, embora o conceito positivo pareça simples de ser refutado, a dificuldade é estabelecer o que é o verdade e real, que na realidade seriam a mesma coisa, mas o que é real? Muitas vezes esta adequação é feita de modo ideológico, assim surgem as narrativas.

É por causa desta dificuldade que surge o verdadeiro conjugado ao moral, ele tem sentido no contexto do realismo moral. Por exemplo, “A opressão e a exploração são malévolos” é uma verdade moral dentro de uma moralidade humanista, e “A impiedade é pecaminosa” é uma verdade moral numa moralidade religiosa e esta conjugação é resolvida em relação ao Ser e a linguagem, e pode-se retirar o véu, a ocultação através da a-lethéia, o desvelar.

A concepção ocidental de verdade, é assim difícil de ter uma única definição pode estar conjugada no caso ocidental de três raízes, a grega “aletheia” (a- não lethe oculto),  que vem do que vem da definição do que é o ser: “a linguagem é a casa do Ser” (Heidegger), Veritas, o conceito latino conjugado entre lógica/linguagem (verdadeiro e falso) e Emunah (o conceito ético-moral) verdade/fidelidade e sua negação infidelidade, Agostinho de Hipona: “no interior de todo ser habita a verdade”.

 

Uma outra crítica a Hegel

05 set

Já delineamos aqui diversas críticas ao hegelianismo, com seus vícios do idealismo alemão, que ao nosso ver atinge também o chamados jovens hegelianos como Marx, porém há uma outra releitura possível que é a de Sören Kieerkegaard (1813-1855) que é mais contemporâneo de Marx e talvez por isto pouco lido, já que os grandes embates filosóficos se davam no idealismo alemão deste período.

Porém é possível uma leitura hegeliana de Kierkegaard e quem me chamou a atenção para isto, é uma doutora “millenium” brasileira, Natália Mendes que além de fazer uma premiada tese de doutorado do autor, fala cm desenvoltura e propriedade do filósofo.

Primeiro é importante que ele escreve e estuda sobre a metafísica grega, e a autora chama a atenção para a questão de ser “pai do existencialismo”, rotulações que atrapalham o estudo e a percepção de grandes problemáticas que os filósofos trouxeram.

A autora vê a profundidade de Kierkegaard em três eixos fundamentais: o ontológico, o epistêmico e o psicológico sem negar e perceber a origem teológica de algumas de suas inquietações, esclarece o tema da angústia, que deve ser entendida como “angústia filosófica” que é ter as questões certas e para elas respostas certas.

Aqui exploro um ângulo pouco explorado e não secundário que é um pós-positivismo, e pós logicismo filosófico, talvez uma das grandes angústias de Kierkegaard sobre a teologia.

Antes de prosseguir, destaco uma frase do filosofo sobre a oração: “A função da oração não é influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora”, me parece profunda.

Voltando a lógica de Kierkegaard que acredito que seja própria para nosso milênio, além de não se considerar filósofo, que significaria passar por uma crítica severa autores que criticava, ele constrói sua própria perspectiva e nela não abandona a literatura, a psicologia e a teologia.

Para não fazer um tratado sobre sua verdade, faço duas citações suas: “Não há verdade verdadeira que não seja subjetiva, isto é apropriada” e outra: “Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é recusar a acreditar no que é verdade”.

Kierkegaard, S. Textos selecionados. Seleção e tradução por Ernani Reichmann. Curitiba: Editora Universidade Federal do Pará, 1886.

 

Religiao, Filosofia e Humanismo

01 set

Nem é religioso aquele que simplesmente proclama uma fé sem conhece-la, nem aquele que segue uma série de preceitos sem entender os fundamentos. No cristianismo o que é Amor, a filósofa Hannah Arendt, por exemplo, estudou como seu doutorado “O amor em Santo Agostinho” enquanto Edith Stein descobre a partir da filosofia e de Santa Tereza d´Ávila um caminho religioso e tornou-se freira e mártir (morreu em Auschwitz).

Há muita apologia a superstições e crendices no meio religioso, porém elas não eram desconhecidas por Jesus, é famosa a questão do sábado, que Jesus pergunta se é justo salvar alguém de uma doença no sábado (Mateus 12,10),  chama os fariseus de “sepulcros caiados” (1Jo,2,27) e por fim termina por último revelando aos apóstolos que deverá sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e mestres da lei (Mateus 16,21-22), ao que Pedro se assusta e pede que isto não aconteça, e Jesus o repreende e o chama dizendo que ele não tinha uma inspiração divina.

Assim não é o modelo de vida pública de muitos religiosos nominais, falsos profetas e gente com pouca profundidade de fé que podemos entender o que é religião, mas há um sentido antropológico, filosófico e claro teológico que dão base aos ensinamentos do amor, do suportar a cruz, de não construir ódio, vingança ou rancor a moda daqueles que não creem.

Agostinho superou o dualismo maniqueísta do bem contra o mal, trata-se do Amor que é muito superior a tudo e o mal é apenas sua ausência, Boécio e depois Tomás de Aquino instituíram a questão da pessoa e do Ser, que é parte da polis, mas inseparável dela.

A importância de Severino Boécio, venerado como santo pela igreja católica (sua data é 23 de outubro) para a história da ciência e da filosofia, da “querela dos universais” e da importância da razão, de Tomas de Aquino e de figuras atuais como Edith Stein não separam a fé do pensamento humano e do humanismo contemporâneo.

O humanismo antropocêntrico do período renascentista, a questão da perspectiva foi central na pintura e nas artes, mas é também deste período A Utopia de Thomas Morus.

Disto nasceu a modernidade e seus dualismos (objetivo x subjetivo, corpo x mente, espiritual x material) parte do dualismo ontológico: o ser é e o não ser não é, entretanto, há agora o princípio do terceiro incluído vindo de Stéphane  Lupasco e Barsarab Nicolescu, é físico e real.

É tempo de rever o humanismo e nenhuma face da realidade humana pode ficar sem uma necessária revisão: o que é o Ser, o que é a ideia (o eîdos grego ligado ao Ser) e o que significam os mitos e cosmogonias modernos diante de um olhar mais profundo ao sagrado com diálogo e profundidade.

 

Religião, antropologia e filosofia

30 ago

O iluminismo e a filosofia moderna no pressuposto de abolir toda “superstição” instaurar uma época do conhecimento e da razão, dividiu o sistema de conhecimento em sujeito e objetos, a filosofia medieval não era muito distante disto haviam realista e nominalistas e nenhum venceu, tudo se modificou, e tudo que era considerado “metafísico” incluindo o Ser ficou de lado.

Porém as ideias de conceitos, estruturas que deviam desenvolver o conhecimento já estava presente num autor pouco lido, mas importante: Boécio (400 – 524 d.C.), um filósofo, poeta, estadista e teólogo romano, cujas obras tiveram uma profunda influência na filosofia cristã do Medievo.

Sua obra principal é a “Consolação da Filosofia”, porém é dele a “roda da fortuna” e um fragmento encontra que ficou conhecido como “querela dos universais”, se os universais (conceitos seriam hoje) seriam hoje “se os universais são coisas ou meramente palavras”, daqui pode se entender a divisão entre realistas que veem as coisas e nominalistas que defenderam os “nomes”, as palavras.

Porém tanto Boécio, como mais tarde Tomas de Aquino que estudaram e traduziram as obras gregas, com interpretações próprias, a questão do Ser era presente e a questão da história e da verdade também.

Sua contribuição humanística está na concepção do que hoje chamamos de “dignidade humana”, para sua Antropologia Filosófica a pessoa humana no horizonte da racionalidade considerando o seu dado de singularidade, um novo humanismo não pode prescindir de seu prisma novo e ainda pouco entendido, para os cristãos Boécio foi defensor contundente da fé e para os humanistas sua De Consolationes  Philosophiae traz colaborações imprescindíveis.

Mesmo hoje suas ideias podem parecer polêmicas, ao defender que o homem é também natureza, mas dela deve subsistir e alcançar como extensão de “natureza”, diz em outra obra:

“Ou, se ‘pessoa’ não se iguala a ‘natureza’, mas se ‘pessoa’ subsiste sob o alcance e a extensão de ‘natureza’, é difícil dizer a que naturezas ela sempre ocorre, isto é, a quais naturezas convém conter ‘pessoa’ e quais delas não convém afastar do vocábulo ‘pessoa’. Com efeito, isto é manifesto: ‘natureza’ é subjacente a ‘pessoa’ e não se pode predicar ‘pessoa’ para além de ‘natureza’” (Boécio, Contra Êutiques e Nestório, 2005, p. 163).

Num momento em que o antropocentrismo é questionado e a relação com a natureza é revista é importante ler este filósofo, teólogo e humanista medievo.

BOÉCIO. Escritos (OPUSCULA SACRA). Tradução, introdução, estudos introdutórios e notas Juvenal Savian Filho. Prefácio de Marilena Chauí. São Paulo: Martins Fontes, 2005.