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A tendência do Machine Learning
Até a chegada do século XXI a Inteligência Artificial vivia uma grande crise, conseguia fazer uma grande quantidade de raciocínios lógicos, tratar e racionalizar equações, fazer inferências, mas o volume de dados “humanos” em jogo era pequeno, o surgimento da Web e a adesão de bilhões de pessoas a ela, possibilitou um novo cenário: o Big Data, uma grande quantidade de dados humanos.
Estes dados amplos e complexos podem ser processados com resultados precisos em grande escala, com isto é possível tratá-los por máquina, de modo que a máquina “aprenda” tendências, esta aprendizagem de (não por) máquina é chamada “Machine Learning”.
Com isto é possível identificar oportunidades e evitar erros tais como, insistir em discursos “lógicos” porém fora das tendências, não se trata de ir na moda, mas justamente identifica-la para corrigi-la ou propor outras alternativas, e isto são as oportunidades reais.
O big data identifica padrões de dados, cria e analisa as conexões entre eles e torna a execução de determinada também mais inteligente, podendo contar ou não com a supervisão humana.
Nestes dois tipos, a supervisionada e não supervisionada, a “aprendizagem” de máquina será sempre essencial, na supervisionada há interação humana controlando a entrada e saída de dados e com isso interfere diretamente no treinamento de máquina, enquanto na não supervisionada, os algoritmos utilizam deep learning (aprendizagem profunda) para tratar e resolver tarefas complexas sem intervenção humana.
Um algoritmo importante para buscas semânticas foi feito por uma equipe do GitHut: Hamel Husain. Ho-Hsiang Wu e Tiferet Gazit, e dois pesquisadores da Microsoft: Miltiadis Allamanis e Marc Brockschmidt, que avalia o estado a evolução de algoritmos de busca semântica e inclusive disponibilizam o código pelo site GitHub.
https://arxiv.org/pdf/1909.09436v1.pdf
A ira e as questões sociais
Um dos argumentos fortes para a ira é a questão social, antes econômica, agora cultural, étnica e de genero.
O livro do americano John Steinbeck, causou um grande mal-estar na sociedade, foi citado com certa reverência quando ganhou o premio Nobel de Literatura em 1962 embora o livro seja de 1939, o livro foi bem recebido no leste europeu soviético da época e nos países escandinavos.
Na época o livro chegou a queimado em praça pública e banido das escolas, foi o inicio da guerra fria e do macartismo (perseguição aos comunistas nos EUA), embora o autor nunca teve afiliação.
O livro começa com Tom Joad, o personagem central do livro, pedindo uma carona após 7 anos de prisão que foi sua sentença por ter assassinado uma pessoa em decorrência de uma briga de bar, mesmo tendo sido em sua autodefesa acabou sendo declarado culpado.
Não encontra nada em sua antiga casa e acaba descobrindo que tinham vendido todos os pertences e indo para a casa do Tio John e chegando lá percebe que todos estão preparados para sair e descobrem que as grandes empresas e as fazendas estão fechadas e os agricultores indo embora para a Califórnia para procurar trabalho.
É período da grande depressão americana, e as questões sociais são emergentes, o livro mostra as condições de trabalho e exploração nos campos de plantações de frutas na Califórnia, Steinbeck é da região de Salinas, onde se passa o romance que embora ficção tem ligação com a região.
O questionamento é até onde podem ir os limites deste tipo de revolta, é justo violências e lutas ideológicas quando estas condições se apresentam, quais são as alternativas para os problemas, é provável que entremos em nova recessão, além do risco da guerra, o livro de Steinbeck nos dá um cenário parecido (recessão e guerra) e podem nos apontar não um retorno ao passado, mas numa nova possibilidade para o futuro sombrio que nos aguarda.
STEINBECK, J. As vinhas da ira. Trad. Herbert Caro e Ernesto Vanhaes. 10ª. Ed. SP: Record, 2012.
Guerra e paz
Li um comentário recente sobre Leon Tolstói (1828-1910) que outro escritor russo Ivan Turguêniev afirmou que conhecer e ler Tolstói é melhor que do que se lêssemos centenas de obras de etnografia e de história” para conhecer o caráter e temperamento do povo russo, conservadores como a Alexander Soljenitsin (1918-2008) que chegou a ser considerado seu sucessor, e Vladimir Lenin líder da revolução soviética que o considerava um dos maiores escritores russos.
Muitos de seus livros foram para o cinema, recentemente (2012) Anna Karenina foi reescrito para o cinema, sob a direção de Joe Wright, e concorreu ao Oscar e ganhou o de melhor figurino, porém uma obra prima de Tolstoi é o livro Guerra e Paz.
De Guerra e Paz lembro impressões e algumas frases soltas, e do contexto do livro que fala das guerras czaristas de seu contexto e tempo, porém que é revelador do pensamento russo sobre a guerra, e que não se ignoram os seus flagelos.
O livro trata da vida de 5 famílias aristocráticas, no período que vai de 1805 a 1820, em meio a marcha de tropas napoleônicas e seu impacto brutal sobre a vida de centenas de personagens.
Ali destacam-se figuras como os irmãos Natacha e Nikolai Rostóv, do príncipe Andrei Bolkónski e de Pierre Bezúkhov, filho ilegítivo de um conde cuja busca espiritual serve como uma espécie de fio condutor do romance e transforma-o num personagem complexo e intrigante do século XIX, e cuja busca será um complemento para a paz em meio a guerra.
Uma espécie de refúgio parecido ao da Menina que rouba livros, que neste caso é no contexto da Alemanha nazista e ela vai encontrar nos livros um refúgio para o ambiente sombrio da ascensão do nazismo na Alemanha.
Vejo um traço comum nestes dois livros que é este “refúgio”, algo entre o espiritual e o de leitor, porém ambos conseguem criar num ambiente sufocantemente odioso, lacunas e espaços de paz e de elevação espiritual.
Se a guerra vier, qual será nosso refúgio, em que patamar de vida espiritual e de conhecimento desejamos colocar nossas vidas que estarão em risco, creio que são leituras contemporâneas.
TOLSTÓI, L. Guerra e Paz, trad.Rubens Figueiredo, São Paulo: Cia das Letras, 2017. (Vol 2 pdf)
A ascensão humana e divina
Muitos são os exercícios e as formas que prometem ascese, formas de manter as energias físicas e mentais são úteis e importantes, porém a ascensão espiritual que é fonte de uma ascese verdadeira requer um treino moral, ético, pessoal e coletivo que nos coloque em um círculo virtuoso.
Ao criticar a sociedade moderna, como sociedade do cansaço, Byung-Chul Han lembra que a vida ativa deve ser complementada com uma vida contemplativa, que não significa ficar olhando para o infinito ou para o céu, é a meditação e o exercício coletivo de incluir o Outro, saber escutar a partir de um vazio interior, ou como pensa a filosofia um epoché fenomenológico.
Introduz a contemplação como: “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo” (HAN,2015) e depois a define como: ”A dúvida moderna cartesiana dissolve o espanto. A capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao ser imperecível. Justamente o oscilante, o inaparente ou o fugidio só se abrem a uma atenção profunda, contemplativa” (idem), portanto não é um exercício racional, mas um “espanto”.
Dizemos que é fenomenológico pelo que segue a definição: “No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas”, isso lembra Husserl “volta as coisas mesmas” sem predefinições ou pré-conceitos, um verdadeiro epoché.
Depois do espanto o repouso: “Sem esse recolhimento contemplativo, o olhar perambula inquieto de cá para lá e não traz nada a se manifestar. Mas a arte é uma “ação expressiva” (Ibidem), e sem ele nossa civilização, afirma citando Nietzsche: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto”.
Esta inquietação prova as guerras, as disputas políticas mais atrozes, a zombaria em vez do diálogo e a análise atenta das propostas e necessidades sociais, não há “repouso” para que isto seja feito.
A ascensão divina, depois da ascese cristã que chega a paixão e morte, nossa civilização parece passar por isto como um todo, aparecem anjos que perguntam aos discípulos que ficam olhando para o céu (Atos 1, 10-11): “… continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”, pararam um instante antes do “espanto” e do “repouso”.
A barbárie da pandemia, da guerra e uma escassez de alimentos que se anuncia exige “espanto”, aceitar que o mistério existe e o universo teve uma origem.
HAN, B.-C. A Sociedade do Cansaço (Burnout Society). Brazil, Petrópolis: Vozes, 2015. (pdf)
Não violência e ágape
A história contada até nossos dias é uma história de poder, onde a falta de respeito impera e por isso o amor agápe parece algo altruísta e heróico, e o é, porém é mais que isto é a segurança de uma humanidade mais pacífica, mais segura onde as nações e povos podem expressar sua cultura livremente.
Lembra Byung-Chul Han que a primeira palavra da Ilíada de homem é menin (cólera): “a primeira palavra da Ilíada é menin, a saber cólera, [Z o r n] . ´Cantem, deusas, a cólera de Aquiles, filho de Peleus´, assim começa a primeira narrativa da cultura ocidental” (HAN, 2018, p. 22)
Lembra logo de início que somente o respeito é simétrico (recíproco): “O poder é uma relação assimétrica. Ele se fundamenta numa relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica.” (Han , 2018, p. 18), assim somente poderá haver ágape, uma reciprocidade de amor sem interesses e sem condicionamentos, se for aprendido o respeito e o amor sem interesses.
De modo análogo o Ulysses de Joyce começa com “Buck” Mulligan e Stephen Dedalus na torre do Martello (foto) ao amanhecer do dia 16 de junho de 1906, o assunto é Haines o hospede de Mulligan e incômodo para Stephen, discutem nas entrelinhas, isto passa desapercebido para muitos interpretes, a filosofia protestante dos unionistas (os que querem a Irlanda unida a Inglaterra) e os católicos que querem a Irlanda independente, que Stephen se alinha.
Mulligan o chama ironicamente de jesuíta, e está logo no início da parte I: “Elevou o vaso (de barbear) e entoou: – Introibo ad altere dei. Parando, prescrutou a escura escada espiral e chamou asperamente: – Suba, Kinch, Suba, jesuíta execrável” (Joyce, 1983, p. 6)
O filósofo Han começa seu livro sobre o que é a cultura de massas de hoje, a cultura do “shitstorm”, um bullying de massas, ou literalmente: “O respeito está ligado aos nomes. Anonimato e respeito se excluem mutuamente. A comunicação anônima que é fornecida pela mídia digital desconstrói enormemente o respeito. Também o Shitstorm é anonimo” (HAN, 2018, p. 14).
Byung-Chul Han acredita que uma sociedade do futuro é possível a partir desta massificação atual onde ainda a ideia da guerra e do ódio estão presentes, mas se modificarão: “A sociedade do futuro terá que contar com um poder, o poder das massas.” (Han , 2018, p. 25).
Um poder das massas deve ser pacífico e solidário, as guerras são disputas de poderes verticais.
Não se trata de definir uma superestrutura de poder e uma lógica de estado e sim um novo e verdadeiro humanismo agápico, aquele que pode ser definido como o amor divino do “novo mandamento cristão (Jo 13, 33-34): “Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. 34Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: perspectivas do digital. São Paulo: Trad. Lucas Machado. Ed, Vozes, 2018.
JOYCE, J. Ulysses. Trad. Antonio Houaiss, Portugal: Difel, 1983. pdf
Uma leitura do Ulysses de Joyce
Pode parecer complicado para um leitor desavisado a leitura de Ulysses de James Joyce, primeiro a sua divisão que pretende ter conexões com o Ulysses de Homero, assim por exemplo a Telemaquia (parte 1, capítulos 1 a 3) tem como foco os personagens (Telêmaco era filho de Ulysses) e Odisséia (parte II, capítulos 4 a 15) é o desenvolvimento da ação que se passa toda ela no dia 16 de junho de 1904, como já postamos depois de uma festa de amigos com Joyce tornou-se o Bloomsday.
Na parte I, são oito horas da manhã na torre Martelo, onde Stephen (filho de Bloom) mora com “Buck” Molligan, um inglês Haines amigo de Mulligan está presente, eles discutem a arte, que é o pano de fundo para posições éticas dos dois: a tensão entre os dois é porque Stephen de uma arte integra e que despreza as concessões (sociais) para o reconhecimento, enquanto Mulligan vê uma arte que cede a pressão social apoiado por Haines que pretende estudar o renascimento na Liteatura Irlandesa e admira o folclore, porém revela-se anti-semita, parte da xenofobia que os Blooms sofrem pela origem do pai Leopold Bloom, que é judeu-húngaro migrado.
Stephen vê em Haines o colonizador uma vez que o unionismo de Irlanda e Inglaterra domina o cenário irlandês conservador do início do século, enquanto Stephen defende a independência embora veja o provincianismo irlandês como pequeno e critica também seu catolicismo.
Proteus (deus dos mares e filho de Oceano na mitologia grega) revela a reflexão de Stephen sobre o visível e o invisível, o mundo objetivo como sinais que exigem interpretação (e contextualização), a transformação de tudo no tempo e no espaço, na própria mente. Desenvolve aqui de modo subliminar os temas da mãe, da mulher e da fertilidade, o Amor Filia.
Em Calipso o romance vai para a rua Eccles, n. 7 onde Leopold Bloom toma seu café da manhã e o prepara para si, para a mulher e para o gato, resolve comer rim de porco e vai ao açougue paa comprar, no caminho vê uma mulher que desperta devaneios, volta para casa recolhe a correspondência e vê uma carta da filha Milly, outra de Blazes Boylan endereçada a Molly.
Blazes havia organizado uma turnê de concertos para Molly e desconfia que a mulher o trai com Blazes, come o rim tostado, vai ao banheiro e fora da casa lê um jornal. Este capítulo prepara uma encarnação e Odisseu, pai espiritual de Stephen, o monólogo interior prevalece, mas agora o devaneio vai para os problemas do sionismo e o erotismo, no todo, é um espaço do Amor Eros.
Bloom lê uma carta endereçada a Henry Flower, seu pseudônimo, o nome remete a florescência ao desejo sexual que aflora (a correspondência direta em Homero é com os lotófagos, o povo que come Lótus (figura) e que são uma região de perigo na Odisséia), enfim revela a tensão moral de Bloom.
No final deste tópico está Molly na cama, refletindo sobre o marido, o encontro com Boylan, o passado, as esperanças, também ela suspeita de uma amante do marido, aspira grande futuro, é interrompida duas vezes pelo apito do trem (uma espécie de tempo passando) e outra por um início de menstruação, pensa no médico, nos filhos Stephen e o falecido, lembra o primeiro sexo feito com Bloom.
Há preocupações éticas e estéticas, especialmente com Stephen no livro, que traça o cenário da Irlanda do início do século, porém há uma ausência de o Amor Ágape, exceto na concepção de arte de Stephen, e esta é a ligação que James Joyce tenta fazer entre o seu Ulysses e o de Homero.
JOYCE, J. Ulysses, Trad. António Houaiss. Portugal: Difel, 1983. (pdf)
Injustiça e poder
Aqueles que praticam injustiças precisam desviar a vida de seu curso natural, precisam mudar o humanismo para transformá-lo em algo perverso, é preciso influenciar a cultura, retirar dela o que tem de belo e aprazível, desrespeitar os pobres e desamparados e confundir a alma com desejos de poder e avareza.
Poucos homens procuram desviar-se destas ciladas, com isto a ideia que uma pessoa “bem-sucedida” significa que teve sorte, foi abençoada ou lutou bastante domina o senso comum, porém ignoram pessoas e estruturas perversas que os favorecem, e talvez a maioria delas seja a estrutura de poder, por isto ele é fonte de polarização.
Ao longo da história somente os vencedores contaram suas glórias, “ao Vencedor as batatas” diz o personagem Quincas Borba (figura) no romance de Machado de Assis com o mesmo nome, onde ele desenvolve a ideia do humanitas, que enxerga a guerra como uma forma de seleção dos mais aptos, assim justifica a opressão e o empobrecimento dos injustiçados.
O personagem Quincas Borba é uma espécie de filósofo ateu, que tornou-se rico ao herdar os bens de um velho tio, morador de Barbacena, Estado de Minas Gerais, onde permanece um tempo nesta cidade antes de morrer.
Quem irá desfrutar da fortuna deixada por Quincas Borba será Rubião, um modesto habitante do interior de Minas Gerais, que recebe sua fortuna e decide ir viver no Rio de Janeiro, assim fala da migração do interior para as grandes cidades, não na perspectiva dos pobres que vão a busca de trabalho, mas dos ricos que vão em busca de boa vida.
Rubião vai para a cidade e tentará aplicar a filosofia do Humanitas desenvolvida por Quincas Borba e esta é na verdade o tema do livro.
Além do aspecto literário e histórico do romance, característico da época (o romance Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891), Rubião ao mesmo tempo que desfruta de uma fortuna fácil, é vítima de sua credulidade provinciana da qual seus amigos que o acolhem na “cidade grande” vão desfrutar.
O tema é universal, mesmo que pintado com cores históricas brasileiras, além das injustiças com pobre e desamparados, as artimanhas e maquinações que tiram também as posses de pessoas que por terem conquistado dinheiro fácil, não sabem como utilizá-lo bem e se perdem nas armadilhas preparadas por falsos amigos avarentos.
Entre as bem-aventuranças cristãs está aquela dedicada aos que tem fome e sede de justiça, “porque serão saciados” (Mt 5,6).
Três livros (ou 4) para ler
Sempre me proponho ler alguns livros no ano que inicia, de modo diferente este ano me sinto mais estimulado pelo romance-ficção que deu inspiração para o filme “O céu da meia-noite” o livro que está sendo traduzido para o português de Lily Brooks-Dalton, é uma releitura de uma terra em colapso já apareceu em outras ficções como o Interestelar (2014), Gravidade (2014) e o épico Blade Runner 2049 (2017) e Ad Astra (2019).
O segundo livro é “Louvor a Terra” de Byung Chul Han, explora seu caráter oriental quase de amor as plantas, do esmero, do louvor e da gratidão, trata-se de um jardim que foi cedido ao autor para este cuidar dando a conhecer uma outra face de escritor, a relação sintética e realista com a natureza.
Ele explora os ritmos e relações de aromas com a natureza, explorando a sutileza das plantas e flores, que é um convite à contemplação.
O terceiro livro é de Peter Sloterdijk (já encomendei o livro) Tens de mudar sua vida, cuja edição em português é da editora portuguesa Relógio d´Água.
Peter Sloterdijk desenvolveu uma filosofia a partir do livro Regras para o parque humano, aprofundado em Crítica a Razão Cínica e nos 3 volumes de suas esferas (li apenas o primeiro, os outros não tem versão em português), no qual trava uma batalha contra um humanismo falido.
Nesta obra Tens de mudar sua vida (na Alemanha foi lançada em 2009, em Portugal no ano passado) o filósofo retoma a questão em que busca uma antropologia em uma dimensão não literária ou iluminista do contexto da vida, em uma entrevista ao Fronteiras do Pensamento, em 2016, afirmou sobre sua antropotécnica (o tema central deste livro), ele define o ser humano não como criatividade, mas como repetição da criatividade.
Afirmou na entrevista: “a palavra francesa répétition exprime ao mesmo tempo a repetição, o repor em cena ações que já produzimos, e o exercício que prepara uma performance, um desempenho. Pensemos numa repetição musical ou artística, fazer e repetir são termos que em francês – diversamente do que ocorre em alemão – convergem. E é exatamente sobre esta convergência que se concentra o trabalho da antropotécnica”.
A logoterapia está em alta e o livro de Viktor Frankl Em busca de sentido está entre um dos mais lidos, não sei se vou ler, mas cito como uma quarta possibilidade.
A festa de Babette
A festa de Babette, é um dos contos mais célebres de Karen Blixen (1885 –1962), narra a história de duas senhoras puritanas, filhas de um pastor protestante, que vivem uma vida muito opressiva até que o pai morre, o conto ficou famoso depois de ser filmado pelo diretor dinamarquês, sendo o primeiro filme de Blixen a ser filmado pelo Danish Film Institute, e o primeiro a ganhar um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O roteiro foi adaptado por Just Betzer, Bo Christensen e Benni Korzen, nele Filippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte Federspiel) são filhas do rigoroso pastor luterano, que após sua morte, surge no vilarejo Babette (Stéphane Audran), uma parisiense que se oferece para ser a cozinheira e faxineira da família.
Muitos anos depois de trabalhar na casa, ela recebe a notícia que ganhou um grande prêmio na loteria e se oferece para preparar um jantar francês de gala em comemoração ao centésimo aniversário do pastor, os paroquianos inicialmente temerosos, aceitam o banquete de Babette.
O simbolismo do filme é forte, os tons de azul ligeiramente contrastados, estão na fronteira entre o céu e a terra é quase imperceptível, em meio a paisagem cinzenta da Dinamarca, uma primeira imagem prenuncia uma comunhão diferente num lugar entre coisas terrenas e celestes.
Outro aspecto da simbologia é o peixe, muito influente no cristianismo primitivo, porém é a mesa que foi capaz de re-ligar aquelas pessoas com um verdadeiro eu, e despertar-lhes novamente um sentido pela vida que há algum tempo tinham perdido.
A dança dos participantes ao redor do povo (foto), também uma simbologia religiosa, é um ponto alto desta retomada de sentido da vida daquelas pessoas.
O que a arte de Babette, a comida feita com amor e arte fez, foi criar na mesa uma “espécie de envolvimento amoroso”, mas “num envolvimento amoroso daquela categoria nobre e romântica na qual a pessoa não mais distingue entre o apetite ou a saciedade, corporal e espiritual!”, assim como descreve a própria autora da peça original, Blixen exprime assim o mais profundo de sua expressão neste conto.
O livro dourado
Escrito em 1962 e considerado um dos grandes romances do século XX o Livro Dourado (Caderno Dourado em espanhol, na foto), conta a história de Anna Wulf, uma escritora imersa em uma crise pessoal que decide contar sua história, a partir do livro negro para sua vida literária quando morou na África do Sul, o livro vermelho sobre sua militância política de esquerda, o amarelo sua vida emocional e azul seu cotidiano.
Doris Lessing que ganhou o Nobel de Literatura aos 85 anos (2007) quando não esperava mais nada, ela própria fez uma piada sobre isto, porém o reconhecimento foi merecido e pouco se sabe hoje desta feminista consequente e que se recusou a aderir a modas e conjunturas seguia sua luta.
Temas como amizade, maternidade e sexualidade tem tons e contornos bem mais profundos nesta autora, em romances como por exemplo “As avós” (2007) onde a velhice é vista por um outro prisma, em especial para as mulheres, ou sobre política no seu livro “O sonho mais doce” que ela sugere como autobiográfico, e que faz reflexões profundas sobre sua visão humanitária.
Mas se tivesse que destacar um romance dela, meu preferido da juventude “Prisões que escolhemos para viver” (1987), ataca de modo sutil e extraordinário a questão da retórica política (ou o que resolveu-se chamar de politicamente correto) onde instiga os indivíduos a saírem das coerções sociais e a construir um mundo melhor, de fato e acima da moda cotidiana.
Não deixa de atacar neste romance a ignorância e a falta de responsabilidade pessoal no desejo de aplausos e mera repetição de lemas, quanta atualidade no seu discurso, diria antecipando os tempos, pois foi justamente pelo excesso de retórica e ausência de atos concretos que caímos em ciladas e ajudamos a ignorância e demagogia contemporâneas.
Sua frase que parece resumir este seu pensamento era: “Não posso e não vou ferir minha consciência só para aderir a moda do dia”, e dizia isto não para conservadores, mas para as posições aparentemente avançadas de seu tempo que não se dirigiam a atitudes concretas.
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