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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

O amor em Santo Agostinho

20 out

Esta foi a tese de doutorado de Hannah Arendt com influências diretas de Edmund Husserl, Martin Heidegger, inicialmente seu orientador, que depois passou a orientação a Karl Jaspers devido seu envolvimento pessoal com Arendt, assim é necessária alguma compreensão da fenomenologia e da ontologia existencial.

Terminamos a semana passada fazendo uma reflexão sobre a política e religião justamente a partir da compilação das Obras Póstumas da própria Arendt, e o que desejamos apontar é a possibilidade de uma civilização fundada nos princípios do Amor, no sentido da caridade (virtude teologal) e como Agostinho a via.

Longe de ser uma apologia dessa forma elevada de Amor, ela vê contradições e vai desenvolver a questão do amor a Deus, amor ao próximo e a si mesmo, e usa a fenomenologia para aprofundar este tema, mas é uma conclusão apressada dizer que a fenomenologia se opõe ou mesmo favorece estes sentimentos, que em si, são sim contraditórios, por exemplo, o amor ao próximo e a si mesmo tem nuances diferentes para a grande maioria das pessoas.

Sua conclusão é que não é possível forma uma sociedade humana fundamentada apenas no amor caritas (lembrando sempre que trata-se de uma virtude teológica e não de simples generosidade) e o ponto central é analisar Agostinho apenas do ponto de vista filosófico, já que Arendt não tinha interesse nos aspectos teológicos.

Arendt por dividir sua dissertação em três partes se deve a uma vontade de fazer justiça a pensamentos e teorias agostinianas que correm em paralelo. Assim cada parte “servirá para mostrar três contextos conceituais nos quais o problema do amor tem papel decisivo” (esta citação é tirada de uma tradução para o inglês que a própria Hannah Arendt trabalho e tem diferenças com a portuguesa).

A primeira parte Arendt vai analisar “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), na segunda parte discute a relação entre a criatura e o criador, ela intitula o capítulo “Criatura e Criador: o passado rememorado”, e na terceira parte discute

Na primeira parte a autora descobre que Deus é a quintessência de seu eu interior, Deus é a essência de sua existência, e ao encontrar Deus em si o homem acha aquilo que lhe faltava: sua essência eterna. Aqui, o amor por Deus pode se relacionar com o amor próprio, pois o homem pode amar a si mesmo da maneira correta amando sua própria essência.

No final segunda parte vai discutir a relação com o próximo, como deve amá-lo como criação de Deus: “ […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo.”

Na terceira parte da dissertação, intitulada “Vida Social”, que Arendt dedica ao que ela chama de “caritas social”13, a relevância do vizinho, e o amor ao próximo ganham nova justificativa, vai discutir o princípio adâmico do pecado e vai dizer que este é o princípio que nos ligará a Cristo, que vem para nos redimir deste pecado.

Aqui aparece a contradição com Agostinho: “É porque todos os homens compartilham este passado que eles devem se amar: “a razão pela qual se deve amar ao seu próximo é porque seu próximo é fundamentalmente seu igual e ambos compartilham o mesmo passado pecador”, assim não é o fundamento do Amor, mas do pecado que nos torna iguais aos outros próximos.”

Por escolha o homem deve renegar o mundo e fundar uma nova sociedade em Cristo. “Essa defesa é a fundação da nova cidade, a cidade de Deus. […] Essa nova vida social, que é baseada em Cristo, é definida pelo amor mútuo (diligire invicem)”, há uma obra de Agostinho dedicada a isto: “cidade de Deus”, e a tese que é somente filosófica assim concentra-se apenas na relação mundana (ou humana, como queiram), não vê o homem como tendo uma origem divina e feito para o Amor.

Para Arent o que nos torna irmãos e eu posso amá-los em caritas, no amor verdadeiro, e isto é expresso em Agostinho, segundo Arendt, concilia o isolamento gerado pelo mandamento de amar a Deus com o mandamento que diz para amar ao próximo, encerrando a dissertação.

Segundo Kurt Blumenfeld, amigo de Arendt que teve grande importância em seu envolvimento com o judaísmo e a política, a resposta para a questão era o sionismo e um retorno à Palestina, mas a emigração para lá nunca foi parte dos planos de Arendt, buscava na vita socialis sua resposta sobre o Amor, não entendeu totalmente o caritas.

ARENDT, Hannah. O conceito de Amor em Santo Agostinho. Tese de doutorado 1929. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 

 

O que é política ?

13 out

A política tornou-se um imperativo absoluto, mesmo em tempos de pandemia em que a saúde e as questões sanitárias deveriam ocupar o topo das preocupações, elas não cedem, e a polarização já grave a alguns anos torna-se ainda mais dramática, polarizando até temas que deveriam ter unanimidade, como a saúde.

Hannah Arendt tem um ensaio instigante, publicado como obras póstumas, e organizadas e compiladas por Ursula Lutz, e datado de 1950, teve uma publicação no Brasil em 1998.

Preocupada com os dramas de seu tempo, duas guerras, parece apontar também para nosso cenário atual: “o sentido positivo da “coisa política” parte de duas experiências básicas de nosso século, que ofuscaram esse sentido e transformaram-no em seu oposto: o surgimento de sistemas totalitários na forma do nazismo e do comunismo, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos, na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, toda espécie de política”, descreveu o prefaciador Kurt Sontheimer,  da versão alemã de 1992.

Arendt no Fragmento 1, elabora sete pressupostos e discorre sobre eles: 1. A política baseia-se na pluralidade dos homens, 2. A política trata da convivência entre diferentes, 3. Quando se vê na família mais do que a participação, ou seja, a participação ativa na pluralidade, começa-se a bancar Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo natural, do princípio da diversidade. Ao invés de se gerar um homem, tenta-se criar o homem na imagem de si mesmo (alonguei este de propósito), 4. O homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe — ou se realiza — na política apenas no tocante aos direitos iguais que os mais diferentes garantem a si próprios.

Diria que estes são quase proto-princípios, porém são nos 3 seguintes que fundamenta seu pensamento sobre a filosofia.

O quinto terá subtópicos. A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar onde surge a política. A primeira é: a) Zoon politikon:* como se no homem houvesse algo político que pertencesse à sua essência, neste a autora contesta Aristóteles dizendo que a política é “entre os homens”, b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido criado.

O sexto: torna-se difícil compreender que devemos ser livres de fato num campo, ou seja, nem movidos por nós mesmos nem dependentes do material dado. Só existe liberdade no âmbito particular do conceito intra da política. Nós nos salvamos dessa liberdade justo na “necessidade” da História. Um absurdo abominável.

O sétimo: Pode ser que a tarefa da política seja construir um mundo tão transparente para a verdade como a criação de Deus. No sentido do mito judaico-cristão, isso significaria: ao homem, criado à imagem de Deus, foi dada capacidade genética para organizar os homens à imagem da criação divina. Provavelmente, um absurdo — mas seria a única demonstração e justificativa possível à ideia da lei da Natureza.

É só a partir daí que a autora inicia sua introdução sobre a questão do que é política, em tempos de polarização o tema é urgente.

ARENDT, Hannah, “O que é política” (1950), obras póstumas 1992, compiladas por Ursula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

 

 

A festa e os convidados

09 out

A festa de Babette é uma alegoria a uma festa divina, e a misteriosa cozinheira que humildemente vai trabalhar durante muito tempo em uma casa até poder anunciar e realizar a festa, os convidados apesar de desconfiados aceitam e sentem suas vidas renovadas.

O que vivemos em tempos de pandemia é a ausência da festa, mas a verdadeira festa para a qual todos fomos convidados a da fraternidade para todos e de um maior equilíbrio na distribuição de rendas, no tratamento das diversas culturas e do respeito a dignidade humana está longe de ser uma festa.

Quem foram os convidados, primeiramente aqueles que dizem ter estes princípios e que nem sempre são os praticados, ou seja, participam mais das festas das riquezas, do poder e de suas benesses do que promovem a festa que todos poderiam participar.

A pandemia deveria ser uma tomada de consciência, privados da festa, deveríamos pensar naqueles que sempre foram privados, e não procurar promover mesmo na pandemia nossa festa particular onde os amigos participam.

A parábola bíblica (Mt 22, 1-14) da festa de casamento na qual um rei chama os convidados e eles dão desculpas para não comparecerem, é uma boa explicação para o que acontece aos que foram convidados e não foram e aos excluídos que são chamados para a festa e eles vão, é diríamos uma última tomada de consciência.

Os convidados, diríamos em termos bíblicos os eleitos, não foram, então o rei manda seus empregados irem as praças, as encruzilhadas dos caminhos e chamarem a quantos encontrarem para a festa, porém na festa nota ainda alguém que não está com trajes adequados (na foto gravura de Jan Luyken).

A alegoria bíblica é para dizer que também entre os não convidados há aqueles que também não são dignos de participar da divina festa.

 

A festa de Babette

08 out

A festa de Babette, é um dos contos mais célebres de Karen Blixen (1885 –1962), narra a história de duas senhoras puritanas, filhas de um pastor protestante, que vivem uma vida muito opressiva até que o pai morre, o conto ficou famoso depois de ser filmado pelo diretor dinamarquês, sendo o primeiro filme de Blixen a ser filmado pelo Danish Film Institute, e o primeiro a ganhar um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O roteiro foi adaptado por Just Betzer, Bo Christensen e Benni Korzen, nele Filippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte Federspiel) são filhas do rigoroso pastor luterano, que após sua morte, surge no vilarejo Babette (Stéphane Audran), uma parisiense que se oferece para ser a cozinheira e faxineira da família.

Muitos anos depois de trabalhar na casa, ela recebe a notícia que ganhou um grande prêmio na loteria e se oferece para preparar um jantar francês de gala em comemoração ao centésimo aniversário do pastor, os paroquianos inicialmente temerosos, aceitam o banquete de Babette.

O simbolismo do filme é forte, os tons de azul ligeiramente contrastados, estão na fronteira entre o céu e a terra é quase imperceptível, em meio a paisagem cinzenta da Dinamarca, uma primeira imagem prenuncia uma comunhão diferente num lugar entre coisas terrenas e celestes.

Outro aspecto da simbologia é o peixe, muito influente no cristianismo primitivo, porém é a mesa que foi capaz de re-ligar aquelas pessoas com um verdadeiro eu, e despertar-lhes novamente um sentido pela vida que há algum tempo tinham perdido.

A dança dos participantes ao redor do povo (foto), também uma simbologia religiosa, é um ponto alto desta retomada de sentido da vida daquelas pessoas.

O que a arte de Babette, a comida feita com amor e arte fez, foi criar na mesa uma “espécie de envolvimento amoroso”, mas “num envolvimento amoroso daquela categoria nobre e romântica na qual a pessoa não mais distingue entre o apetite ou a saciedade, corporal e espiritual!”, assim como descreve a própria autora da peça original, Blixen exprime assim o mais profundo de sua expressão neste conto.

 

Eça de Queirós e a mesa

06 out

Estando em Portugal em 2018, e sendo a Uab (Universidade Aberta) muito próxima a Confeitaria Cister, onde Eça de Queiroz frequentava, há inclusive um desenho do canto que ele gostava de ficar e ali escrever (foto), lembro da mesa portuguesa lembrando deste canto de Lisboa, e os escritos de Eça sobre a mesa de refeição.

Um dos textos mais comuns sobre o tema é um artigo conhecido como “cozinha Arqueológica”, publicado em 1893, na Gazeta de Notícias, de Lisboa, Portugal. Nele Eça afirmou: “a mesa constituiu sempre um dos fortes, se não o mais forte alicerce das sociedades humanas” e ainda “o caráter de uma raça pode ser deduzido simplesmente de seu método de assar a carne” (III, p. 1226)

Eça antecipou as reflexões de historiadores como Jean François-Revel (1996) e Massimo Montanari (2004), para quem os valores do sistema alimentar são resultado da representação dos processos culturais e as relações se desenvolvem de acordo com critérios econômicos, nutricionais e simbólicos.

O autor não apenas propôs observações da cozinha nas sociedades clássicas, como também considerou que a gastronomia possui um arqué, um elemento básico das representações da sociedade portuguesa, o que foi notado por vários de seus leitores e críticos, a comida despertou, por exemplo, a atenção de Machado de Assis já em 1878.

A moda brasileira, Machado de Assis viu aí em Eça uma fartura desnecessária, o argumento sobre este tipo de excesso se contrapõe o da coerência gastronômica que se constitui ao longo da obra, a comida está relacionada ao próprio excesso deste escola literária, se Eça não tivesse continuado a ser cuidadoso com este tema, o cuidado deveria aumentar tanto em quantidade como em qualidade nas obras e versões seguintes, reforçando por exemplo que o autor de “Os Maias” pode ter encontrado na cozinha os elementos fundamentais de seu projeto de representar Portugal através de seus traços mais característicos.

O certo é que a mesa se expande aos valores culturais e sociais, assim como os tempos, as épocas de desenvolvimento das sociedades e até das escolas literárias as refletem.

ASSIS, Machado. Eça de Queirós: O Primo Basílio. In: Obra Completa. V. III. Rio de Janeiro: Aguillar, 1997.

 

O banquete de Platão

06 out

Nos banquetes, as mesas e o compartilhamento de alimento se celebram muitas coisas, inclusive o diálogo sobre temas essenciais.

Ocorrido por volta de 380 a.C. é um diálogo, e há alguns que preferem a tradução do grego como Simpósio (no grego antigo sympotein significa “beber junto), e o tema central é o Amor, entre o eros e o ágape, e o personagem central como na maioria dos seus diálogos é Sócrates.

Também estão no diálogo Aristófanes e Ágaton (ou Agatão), na casa dele ocorrera um banquete anterior em comemoração ao prêmio literário que ele havia ganhado, neste banquete Sócrates e outros participantes discursaram sobre o “amor”, estavam nele Apolodoro e Glaucon, Aristodemo e o próprio Ágaton.

Glaucon considera Apolodoro como doido porque despreza o material, Ágaton significa “bom” em grego, coisas boas e o amor levam à prática do bem e do belo, e se soubéssemos a prática do amor o bem que faz, os homens fariam um exército de amantes, lembrando o exército de banos, cuja frente estava Pelópidas e Epaminondas em 371 a.C.

O discurso de Fedro é que o amor cultuado pelos homens revela-os mais virtuosos e felizes durante a vida e após a morte, mas é na cosmogonia que os discursos vão se contrapor, enquanto Fedro vê a origem de Eros como um deus muito antigo, sem menção de progenitores, teve seu nascimento junto a Geia (terra) após o Caos.

Pausânias o segundo a discursar, contrariando Fedro, existem vários Eros, era filho de Afrodite, e duas Afrodites, uma filha de Urano e outra de Zeus, a de Zeus gera um eros vulgar e a de Urano um Eros celeste.

Eriximaco aprova a distinção de Pausânias sobre a duplicidade do Amor e, universalista, o amplia a todo cosmo: “grande e admirável, e a tudo se estende  ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas”, sendo médico afirma que o amor e a concórdia provem a harmonia, combinando opostos (o sadio e o mórbido) que se estendo por todo universo: “deve-se conservar um e outro amor …”.

Aristófanes insistirá no poder que o amor possui sobre a natureza histórica, com o uso do mito dos andróginos, legimitima a homoafetividade e a desenfreada busca pelo que hoje chamamos de “almas gêmeas”, que é uma busca pelo perfeccionismo e de certa forma pelo narcisismo.

Sócrates elogia o fato de Ágaton ter principiado a mostrar a natureza e quais são as obras do Amor, mas depois segue seu clássico método da Pergunta: “é de tal natureza o Amor que é Amor de algo ou de nada?”, Ágaton confirma que o Amor é Amor de algo. De qual “algo” é o Amor e segue com a indagação: “Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não ?” e segue o banquete a moda dos clássicos gregos.

O banquete, a mesa a qual todos sentam é o importante deste diálogo, parece tão clássico e tão presente, mas acrescentaríamos uma questão e Francisco de Assis, lembrado estes dias, afirmava ele com convicção: “O Amor não é amado”, assim antes de ser instrumento como afirma Agaton é ele próprio algo a ser usado como instrumento, em momento de tanta dor na humanidade, ou então a maneira socrática perguntar: “É o Amor amado ?”.

Platão, O Banquete, ou, Do Amor – trad. José Cavalcante de Souza, Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.

 

A importância dos elos fracos

29 set

Em teoria de redes os elos fracos são importantes, não são nas mídias de redes como facebook, Instagram ou outra mídia, as redes são formas de relações interpessoais vinculadas a determinados interesses e grupos (hubs) que são importantes e poderiam ser mais se fossem intendidas sujas funcionalidades e modos operacionais.

O laço fraco de uma rede, alguém que está na periferia dela e com pouco contato com o grupo central (os hubs) são na verdade os grandes potencializadores destas redes, na vida social, na ciência e até mesmo na política foram pessoas com pouca ligação com os grupos de poder que fizeram a diferença.

Li de Alan Turing, criador do modelo do computador digital moderno, que são “as vezes das pessoas que ninguém espera nada que fazem coisas que ninguém pode imaginar”, ele participou de um projeto secreto na Bell Laboratories que desvendou o segredo da máquina Enigma, de codificação de mensagens dos nazistas durante a 2ª. guerra mundial.

Einstein passou por várias escolas, e não é verdade que foi mal aluno, ele detestou todas elas. seus pais e professores achavam que tinha limitação mental, quando na verdade a escola não o inspirava nada, considerava-as fracas.

Também Stevie Jobs pouco se interessou pelos estudos e era um aluno displicente em sala de aula, numa sala de aula do primário quando uma professora perguntou se eles entendiam o universo, ouviu a resposta dele que não entendia “é porque estávamos tão falidos”.

Muitos são as pessoas simples que apontam para um período de grande dificuldades, apenas pensadores midiáticos, de redes de interesses com públicos que querem ouvir determinadas respostas a conjuntura atual é que fazem sucesso, em geral dizem que a pandemia não é nada, que quando passar vamos estar felizes, sendo assim não são apenas políticos a olharem para uma realidade complexa com respostas simplistas e pouco elaboradas.

No final da semana que passou falamos que os “últimos serão os primeiros”, agora dizemos algo além disto, são eles que podem fazer a diferença, em especial no quadro de gravidade social e sanitária que podemos aqui olhar os elos fracos, na “teoria das redes sociais”.

Mark Granovetter que estudou o assunto explica que por estarem distantes, são estes laços fracos que são capazes de levar a mensagem para ser “compartilhada” com pessoas e grupos de outros círculos, expandindo a rede.

GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. In: American Journal of Sociology, University, 1973.

 

Assim os últimos serão os primeiros

25 set

Não importa que você demonstre que faz bem as coisas, que mantenha as aparências, que esteja sempre num lugar de destaque, mesmo na política e nos cultos e festas religiosas, a verdadeira consciência é que liga-se a intenção, e a intencionalidade é a consciência dirigida a “algo”, diz a fenomenologia.

Assim é que a nova normalidade, não a da pós-pandemia, mas a da pós crise civilizatória e tudo indica que ela está a caminho, poderá inverter a lógica da perversidade dos poderosos, dos opressores e dos fariseus, somente a verdadeira solidariedade contará, somente ela poderá dar sustento ao novo rumo, que poderá advir não de uma nova normalidade, porque ela já era distante antes da pandemia, basta ler a literatura séria, que não é a dos midiáticos.

Os frágeis e os indefesos ficaram ainda mais frágeis na pandemia, mas a lógica do poder se inverterá por uma fenomenologia aórgica, aquela que vem do inorgânico sobre o orgânico, vem da natureza para o humano, e do cosmos para o planeta, assim como afirma Morin em sua “introdução a complexidade” o todo está na parte, o cosmos e a natureza em cada indivíduo, como a parte está no todo, somos responsáveis por tudo que acontece na Natureza.

Está na cosmologia e não na visão sistêmica, está no holismo aórgico e não no holismo cartesiano, está na mística e não no farisaísmo ou na ideologia atrelada a religião, que é outro tipo de religião sem ascese, a mudança vem de uma longa noite da humanidade, mas poderá concentrar numa noite visível.

O poeta Hörderling afirmava “onde há medo há salvação”, e o momento de apreensão da humanidade a espera de uma vacina deve pensar numa vacina que tire a venda dos olhos da cegueira do pensamento, Edgar Morin preconizou esta noite, e Peter Sloterdijk afirmou que não é um tempo propício ao exercício do pensamento, estamos petrificados em lógica sistêmica e doutrinais que não nos permite perceber um novo ao largo do horizonte.

É por isto que os últimos serão os primeiros, as pessoas simples tem a intuição desta possível mudança, os verdadeiros sábios a desejam, não como o querem os poderosos, mas como sonham os flagelados da pandemia social, do doutrinismo irracional e fechado em suas bolhas.

Os que blasfemam contra as religiões afirmam como dizia o profeta Ezequiel no antigo testamento (Ez. 18,25): “Vós andais dizendo: a conduta do Senhor não é correta. Ouvi, vós da casa de Israel. É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta?“, os humildes entendem.

É assim que os últimos serão os primeiros, e que serão os operários da última hora, como diz a parábola bíblica aqueles que chamados ao fim do dia foram ao trabalho e receberam o mesmo pagamento dos que chegaram no início do dia, e não haviam ido apenas porque não haviam sido chamados (Mt 21,28-32).

 

O inesperado e a ação

23 set

Entre muitos pensamentos que me causaram impacto no quase centenário Edgar Morin, a sua relação com o inesperado é a mais interessante e sábia, disse esta relação “torna-nos prudentes”, e disse isto referindo-se a ciência.

O vírus nos pegou de surpresa, mas a arrogância de muitos senhores midiáticos não deixou de analisar a pré pandemia, a própria pandemia e o pós-pandemia, não há mistérios na vida para eles, porém o que vemos ainda é muito mistério.

Diz Morin, “por mais que se saiba que tudo o que se passou e importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continua  agir-se como se nada de inesperado tivesse doravante a acontecer”,  e é muito provável que mais coisas inesperadas aconteçam se conhecemos algumas leis da teoria da complexidade ou do caos.

É verdade indica o pensador, “a complexidade necessita de alguma estratégia”, gostaríamos de ter “segmentos programados para sequencias onde não intervém o aleatório”, mas esta é uma situação que  pilotagem automática não é recomendada, diz o pensador: “o pensamento simples resolve os problemas simples sem pensamento”, não é o caso.

Já o pensamento complexo é “dar a cada um, um memorando, uma marca, que lembre: não esqueça que o novo pode surgir e, de qualquer modo vai surgir”, encontrei o que queria porque minha intuição diz isto, algo novo vai acontecer.

É neste ponto de partida que Morin aponta para “uma ação mais rica, menos mutiladora”, o que seria, diz “quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos”, mas muitos não pensam, ignoram o futuro.

Anormal e simplificador seria se depois de um ano absolutamente anormal na história da humanidade, tudo voltasse ao cotidiano ou a “trivialidade” que alguns pensamentos mutiladores insistem em dizer, e o próprio termo “nova normalidade” é também mutilador, pois a questão é se haverá normalidade depois deste ano.

A ação possível e que deve ser pensada por cada um em particular, mas por todos como sociedade é como minimizar as perdas, como reorganizar a vida, como superar as dores ou ao menos suportá-la, e ajudar aqueles que não as suportam.

Será preciso de uma anormal fraternidade, aquela que ainda poucos viveram, e os que as pregam as vivam de verdade.

MORIN, Edgar. Preparar-se para o inesperado. In: MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto  Piaget, 2008. p.120-122.

 

Pressupostos da intenção

22 set

O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de

Toda consciência é consciência de algo. Intencionalidade. Objeto é sempre objeto para a consciência. Captar a vivência dos objetos como se apresentam á consciência do homem.

Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.

Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.

Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:

“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)

Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.

Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.

Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.

A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.

Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.

O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.