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Ser, clareira e desvelamento
Toda questão material, humana e substancial desenvolvida no humanismo iluminista provocou um velamento do Ser, nele são as questões externas mais importantes e pensadas que as interiores, mesmo que e Kant a Hegel a questão do espírito tenha sido tratada, sempre resultou num dualismo entre a vida ativa (exterior) e a vida contemplativa (interior), esta traduzida como subjetividade (que é do sujeito) e aquela como objetividade.
Para Heidegger ela vai além, porque toca a questão profunda da verdade, é nela que foi decidido e desenvolvido o pensamento metafísico ocidental, para isto o pensador retomou a questão que os gregos chamavam “alétheia”, comumente traduzida apenas como verdade, mas o sufixo a-léthea, indica negação, assim, não-velada ou como Heidegger preferiu traduziu: desvelada.
O velamento está ligado a “presença” o [ón), que é a presença e a luz, sintetizada na questão que é motriz para o pensamento de Platão no mito da caverna, vir a luz, sair da caverna, em tempos de escuridão, significa encontrar a clareira e o desvelar.
A presença da luz, sintetizada na questão do Eidos, que foi traduzida no ocidente pela palavra ideia, não se pode esquecer que para os gregos a grande questão é o permanecer na luz, ou sair do dualismo objetivo/subjetivo que é ter a luz do Ser, não apenas interior, mas nos atos exteriores.
Ao questionar o fim da filosofia como tarefa do pensamento, o ato de questionar enquanto pensar torna-se pura interpretação de “dados”, não é mais a questão do “[on” (presença) e sim o que está presente apenas como coisa, que para Heidegger a partir da fenomenologia é adjetivo da “luz”, enquanto o pensar é um “livre aberto”, que nada possui de comum, nem do ponto de vista da linguagem, escreveu neste questionamento: “ claro, no sentido de livre aberto, não possui “nada” de comum, nem do ponto de vista linguístico, nem no atinente a coisa que é expressa com o adjetivo “luminoso”, que significa claro” (HEIDEGGER, 1979, p. 79).
Não se trata de abolir a tradição, ela teve um papel na história, mas desvela-la, trazer à luz.
Trata-se, portanto, do pensar livre sobre o mundo, em exercício permanente da visão de mundo.
HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.
Dualismo ontológico e Espírito em Hegel
Em oposição à ontologia clássica Ser e Nada, em Hegel não se excluem em absoluta afirmação ou negação, nele se integram dentro de um discurso racional, assim o “ser” pode ser totalmente vazio e se identifica com o nada, com isso sua primeira determinação lógica é o Devir.
Seguindo esta lógica, que vem de Kant e mais longe de Parmênides, Ser é e não Ser não é, cria a ideia de espírito absoluto que é a identidade eternamente em si, que conhece por si mesmo, e assim a substância infinita é una e universal, não enquanto particular e finita, sendo dividida por meio do juízo em si mesma, em um saber o qual ela exista tal.
Para os sofistas também o conhecimento deve estar relacionado aos prazeres e a vida boa, o discurso está em Filebo de Platão, que tem a intervenção de Sócrates que dará sentido ao Ser.
Tanto para a arte, para a religião como para a filosofia possuem para Hegel, níveis diferentes de realidade, estes correspondem aos significados de natureza, espírito e ideia, todas são manifestações do espírito absoluto.
Assim como o idealismo clássico permite a separação e sujeito e objeto, o idealismo ontológico de Hegel permite o espírito absoluto levado ao nível de religião, que nada tem a ver com as religiões clássicas, ou ao materialismo dialético, assim se diferenciaram os velhos e novos hegelianos.
A religião em Hegel, pode ser caracterizada como algo que se parte do sujeito pertencente a ele o espírito absoluto, isto é, sua subjetividade, diz em sua obra:
“A consciência subjetiva do espírito absoluto é essencialmente, em si, processo; cuja unidade imediata e substancial é a fé no testemunho do espírito enquanto a certeza da verdade objetiva. A fé, que contém ao mesmo tempo essa unidade imediata, essa unidade enquanto a relação daquelas determinações diferentes passou na devoção, no culto implícito ou explícito. Para o processo de suprassumir [aufhebn] em libertação espiritual a oposição de confirmar por essa mediação aquela primeira certeza, e em ganhar a determinação concreta daquela certeza, isto é, a reconciliação, a efetividade do espírito”. (HEGEL, 1995, p.340).
Para aqueles que desejam uma compreensão mais profunda sobre a religião em Hegel, chamada por ele de “religião absoluta” em referência ao espírito absoluto, a obra Fenomenologia do Espírito é indicada.
HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas Em Compêndio. Tradução Paulo Meneses e José Machado. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1995.
* aufheben é usado por Hegel para explicar o que acontece quando uma tese e antítese interagem e, nesse sentido, é traduzido principalmente como “suprassunção”.
O Espírito e a ontologia dualista
Desde o pensamento de Permênides e Heráclito, a filosofia ocidental oscila entre o Ser e o Devir, sem que hajam em ambos uma resposta a questão clara do espírito, ou caímos no subjetivismo da Alma que vem dos neoplatônicos como Plotino, que dizia que só a Alma é Una, ou caímos numa visão dialética moderna: tese, síntese e antítese, que é resultado do Devir.
Entre os autores que tentaram romper com este dualismo está Bergson, que introduz a questão do espírito em seu pensamento, tentando desconstruir a ontologia delineada a partir do séc. XVII atacando a velha teoria do conhecimento, que elabora conceitos e propriedades sustentados na negação do tempo e no conceito de duração ligado ao Ser.
O pensamento de Bergson, grosso modo, é uma metafísica tradicional partindo das opções dos pré-socráticos entre Ser e Devir, e escolhe a substancialidade (permanência) e a ideia (fixidez) como pilares do seu pensamento, então “procurar a realidade das coisas cima do tempo, além do que se move” (BERGSON, 1959, p. 1259).
Pode-se dizer que o problema na reflexão de Bergson está na análise genética da representação, e esta por sua vez está vinculada ao embate do próprio dualismo na tradição filosófica, em especial a moderna, qual seja, a crítica da oposição entre “realismo x idealismo”.
Depois de discorrer sobre a questão da Memória e da Matéria, ponto alto de sua filosofia, cai na armadilha do pensamento ocidental definindo os termos do problema em termos de “imagens” (para alguns autores seria o meio do caminho entre a coisa e a sua percepção no “ente”), e pretende com isto incapaz dos excessos da “coisa material” a “representação espiritual” (o cone na figura).
Assim a imagem é uma presença nos sentidos permitindo a descrição ingênua e direta da experiência (ou da percepção) da matéria, pode-se dizer que o novo dualismo está preso ao significado da representação espiritual, e assim poder-se-ia romper com o dualismo corpo e alma (ou mente).
A questão da representação permeia seu pensamento, assim espírito é apenas um recurso para ela, em seu Ensaio isto fica claro pela divisão dos capítulos: se o primeiro trata da “Seleção” para a representação, o segundo e terceiro vão analisar o “reconhecimento” enquanto o quarto vai tratar da concepção metafísica da matéria, ao defini-la como totalidade e continuidade extensa (lembra a res-extensa cartesiana) e apresenta-a como solução do problema do dualismo a “delimitação e fixação das imagens”.
Assim a transcendência entre sujeito e objeto de Kant é apenas recolocada de outra forma, então a questão do Espírito é apenas um artifício engenhoso, porém não resolve o dualismo idealista.
BERGSON, H. Oeuvres Édition du Centenaire. Paris: PUF, 1959.
A ascensão humana e divina
Muitos são os exercícios e as formas que prometem ascese, formas de manter as energias físicas e mentais são úteis e importantes, porém a ascensão espiritual que é fonte de uma ascese verdadeira requer um treino moral, ético, pessoal e coletivo que nos coloque em um círculo virtuoso.
Ao criticar a sociedade moderna, como sociedade do cansaço, Byung-Chul Han lembra que a vida ativa deve ser complementada com uma vida contemplativa, que não significa ficar olhando para o infinito ou para o céu, é a meditação e o exercício coletivo de incluir o Outro, saber escutar a partir de um vazio interior, ou como pensa a filosofia um epoché fenomenológico.
Introduz a contemplação como: “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo” (HAN,2015) e depois a define como: ”A dúvida moderna cartesiana dissolve o espanto. A capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao ser imperecível. Justamente o oscilante, o inaparente ou o fugidio só se abrem a uma atenção profunda, contemplativa” (idem), portanto não é um exercício racional, mas um “espanto”.
Dizemos que é fenomenológico pelo que segue a definição: “No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas”, isso lembra Husserl “volta as coisas mesmas” sem predefinições ou pré-conceitos, um verdadeiro epoché.
Depois do espanto o repouso: “Sem esse recolhimento contemplativo, o olhar perambula inquieto de cá para lá e não traz nada a se manifestar. Mas a arte é uma “ação expressiva” (Ibidem), e sem ele nossa civilização, afirma citando Nietzsche: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto”.
Esta inquietação prova as guerras, as disputas políticas mais atrozes, a zombaria em vez do diálogo e a análise atenta das propostas e necessidades sociais, não há “repouso” para que isto seja feito.
A ascensão divina, depois da ascese cristã que chega a paixão e morte, nossa civilização parece passar por isto como um todo, aparecem anjos que perguntam aos discípulos que ficam olhando para o céu (Atos 1, 10-11): “… continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”, pararam um instante antes do “espanto” e do “repouso”.
A barbárie da pandemia, da guerra e uma escassez de alimentos que se anuncia exige “espanto”, aceitar que o mistério existe e o universo teve uma origem.
HAN, B.-C. A Sociedade do Cansaço (Burnout Society). Brazil, Petrópolis: Vozes, 2015. (pdf)
Ascese e espiritualidade
Não por acaso, Peter Sloterdijk apreende a modernidade como uma forma de secularização e coletivização da vida da exercitação, deslocando as asceses transmitidas desde a Antiguidade de seus respectivos contextos espirituais e dissolvendo-as no fluido espumoso das atuais comunidades biopolíticas (ou psicopolíticas) dedicadas ao treinamento e ao empresariamento da subjetividade.
Não é por acaso que um filósofo atual veja a modernidade como uma forma de secularizar e coletivar a vida de exercícios, deslocando as asceses transmitidas desde a antiguidade, em diversas culturas, para os contextos atuais dedicados a treinar e a comercializar a partir da prática cotidiana de exercícios através de memes, retóricas e de um treino coletivo de ideias (no sentido do idealismo).
A base de sua ascetologia é possível perceber como a educação desde a infância até os adultos está numa cadeia histórica de adestramentos através de procedimentos imunológicos e antropotécnicos seletivos, que anunciada por Sloterdijk a muito tempo tornaram-se escancaradas com a Pandemia, visam arrancar o sujeito de sua comunidade.
Fabricam-se assim os “atletas do Estados” ou as “empresas domésticas” na direção destes exercícios, o que ele chama de drama esferológico, e onde a infância tem que pagar um preço pela ausência das camadas protetoras, isto é, quando explodem os círculos mágicos, as bolhas de sabão sopradas pelos olhos extasiados das crianças, o que Sloterdijk escreve em Esferas I: Bolhas.
Esta espécie de ascese não tem nada de espiritualidade ou de uma verdadeira ascensão (de onde vem a raíz ascese) assim as bolhas de sabão são a metáfora deste universo efêmero, cujo exercício reforça o habitus, mas não constrói uma verdadeira ascese espiritual.
O autor não chega a desenvolvê-la, apenas a denuncia como uma ascese desespiritualizada, pois ele próprio não crê numa realidade superior, de verdadeira ascensão, como a que é descrita no livro de Byung Chul Han em sua “Sociedade do Cansaço”, onde vê como dois polos do Ser a vida ativa e a vida contemplativa, e recorre ao monge São Gregório.
Seu termo espiritualidade vem da análise de Foucault das formas radicais de governos dominantes de “governo de infância” a qual interpõe: “interpõe entre a experiência e a linguagem constitutiva da história e formadora do espírito”, é assim só uma subjetividade.
Byung Chul Han, provavelmente por sua influência oriental, vai noutro caminho de uma vida contemplativa efetiva, que está mais claramente expressa em sua obra: “O aroma do tempo” ( ), onde afirma: “A maior felicidade brota do demorar-se contemplativo na beleza, antigamente chamada theoria. Seu sentido temporal é a duração. Ocupa-se das coisas eternas e imutáveis, que descansam em si mesmas. Nem a virtude nem a sabedoria, só a entrega contemplativa à verdade aproxima o homem aos deuses” (HAN, 2016).
Na obra de Chul Han é possível entender uma ascese espiritualizada numa ascensão divina.
HAN, B.-C. O aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora. Lisboa: Relógio d´água, 2016.
Guerra em fase de propaganda
Rússia anuncia conquistas em Mariupol e ataque a quartel de treinamento no Norte da Ucrânia, Zelensky fala em Davos e é aplaudido, mas a guerra fica cada vez mais longe do fim.
Novidade mesmo no caminho da paz é um novo caminho trilhado pela Alemanha e muito criticado porque não tão duro com a Rússia, longe de dar sinal de qualquer adesão, a Alemanha busca uma via de negociação onde se possa pensar na paz, falando a um canal de notícias no Fórum Mundial em Davos, Robert Habeck, vice-chanceler da Alemanha insistiu que “nada é inevitável, somos seres humanos e podemos mudar o curso da história”, vendo que pode eclodir uma guerra mundial.
No caminho oposto, a China ameaça invadir Taiwan, que possui um dos maiores exércitos per capita do mundo, com submarinos e robôs militares de última geração, um exército de mais de 300 mil homens e uma base aérea de 600 caças, incluindo 141 F-16V Block 70 na Base de Chiayi.
É pequeno se pensada a força e a dimensão continental da China em caso de uma guerra, porém na última semana os Estados Unidos declararam uma defesa incondicional de Taiwan em caso de guerra com a China, enfim mais lenha na fogueira do tenso ambiente mundial.
A China tem um pessoal da ativa militar passando de 2 milhões, com mais de 3 mil aeronaves se destacando 120 Xian X-6, versão do Tupolev Tu-16 e 388 Chengdu J-7 versão do MIG-21.
Porém o principal caça é a versão chinesa do SU-27, 450 Shenyang J-11, além dos Sukhoi russos.
Assim uma guerra com a China faria a guerra da Rússia parecer pequena pela proporção e forças envolvidas, porém as ameaças com treinamentos e exercícios militares tem se intensificado.
O mundo parece a beira de um caos generalizado e terrível, porém como disse o chanceler alemão: “somos humanos e podemos mudar o curso da história”, a partir da defesa da paz.
Os mapuches, a ontologia e a paz
Um dos povos originários mais resilientes da colonização das Américas é o povo Mapuche, são mais de um milhão de pessoas e se estudem pelo sul do Chile e Argentina, e se veem mais uma vez traídos por governos que prometem liberdade para viverem como nação e serem respeitados.
Porém a interpretação mais verdadeira, que remete a uma espécie de ontologia originária, é Mapúmche, que significa todos os seres que habitam o cosmos: os seres vivos, as árvores, as pedras, a água, o vento etc. é provável que a chegada dos espanhóis reduziu a palavra para Mapuche, que significa apenas povos da terra.
Li com tristeza que o novo governo Boric que prometeu em campanha suspender as medidas restritivas na região que recebe o nome colonizado de “La araucanía” (nome dado pelos colonizadores espanhóis) voltou a ser militarizada por causa das reivindicações de terras indígenas.
Disse a ministro do Interior, Izkia Siches, ao enviar militares a região: “Decidimos fazer uso de todas as ferramentas para fornecer segurança” à região e o longa saga dos mapuches continua.
Os mapuches sempre souberam que a língua os unifica, diz a ontologia ocidental que a linguagem é morada do ser, e rejeitavam o nome araucanos, que lembra as araucárias e os transformam em povos aborígenes, também a exótica ideia que mapuche seria derivada do grego, de um historiador Kilapan Lonko, que escreveu “El origen greco de los Araucanos”, uma falsificação da história.
Muitas palavras Mapuches entraram na língua chilena, choclo (milho), huacho (filho ilegítimo), laucha (rato pequeno), quiltro (cachorro), ruca (casa), etc. e uma interpretação popular de mapuche é mapu (terra), che (gente no sentido de povo), assim vários locais e cidades do chile possuem o prefixo hue: Carahue, Colhue, Pencahue e outras.
O extrato do documentário “Los araucanos”, intitulado “Mapuches: idioma o espelho da alma” de 1978, que equivocadamente os chama de povos araucanos, mostra a importância do idioma que os mapuches sempre tiveram que remete a ontologia dos povos originários.
Também o historiador e professor pela Universidade do Chile, o mapuche Rodrigo Huenchún explica que a cultura tem sido cada vez mais apropriada como manifestação política, desde a ditadura de Pinochet, além dele outros nomes conhecidos na cultuar são os de David Aniñir, Roxana Miranda e Elisa Loncon e muitos outros.
O reconhecimento da cultura dos povos, se suas raízes originárias estão na raiz da paz verdadeira, este é o drama do homem moderno, do esquecimento do ser, de suas vivências e de suas raízes.
(18) Mapuches no Chile: idioma, o espelho da alma – YouTube
Guerra avança sem perspectiva de paz
Finlândia e Suécia já pediram adesão a OTAN e a Rússia ameaça com retaliações, já tendo cortado o fornecimento de energia para a Finlândia, cresce o temor de um conflito na fronteira dos países.
Vários esforços foram feitos de negociações, o presidente da Finlândia Sauli Niinistö falou com Putin, também o chanceler da Alemanha Olaf Scholz, ambos sem resultado prático algum.
Já o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin conversou com o ministro chinês de Defesa Nacional, general Wei Fenghe, na quarta feita de abril, a primeira ligação feito no governo Biden, e o general chinês afirmou que ninguém pode negar que Taiwan pertencia a China, as relações também são tensas com a China.
As possibilidades de paz na Ucrânia são pequenas, tanto a Ucrânia como os países aliados da OTAN não aceitam a anexação da Criméia e não há possibilidade de aceitar a separação a região do Donbass da Ucrânia.
Internamente a Ucrânia retomou a região de Kharkiv e chegou a fronteira, agora os combates seguem em direção a Izium que é próximo a Donbass e assim atacam a retaguarda russa na região.
Por outro lado, as forças russas praticamente controlam a região de Mariupol, restando a última resistência na siderúrgica Azostal onde se tentava a retirada de civis e combatentes feridos (na noite de ontem foi feito), além de Odessa que se torna o próximo objetivo de guerra, isolando a Ucrânia de acesso ao mar.
Também vários graneleiros russos se apropriaram de grãos da Ucrânia e é importante lembrar que um dos maiores produtores de grãos do mundo é a Ucrânia e isto aperta mais a situação de crise na distribuição de grãos pelo mundo, o cenário aponta para uma alta também de grãos, além do impacto que já está acontecendo nos combustíveis.
A esperança de paz é sempre renovada, apesar do cenário tenso, e há forças lutando pela paz.
Não violência e ágape
A história contada até nossos dias é uma história de poder, onde a falta de respeito impera e por isso o amor agápe parece algo altruísta e heróico, e o é, porém é mais que isto é a segurança de uma humanidade mais pacífica, mais segura onde as nações e povos podem expressar sua cultura livremente.
Lembra Byung-Chul Han que a primeira palavra da Ilíada de homem é menin (cólera): “a primeira palavra da Ilíada é menin, a saber cólera, [Z o r n] . ´Cantem, deusas, a cólera de Aquiles, filho de Peleus´, assim começa a primeira narrativa da cultura ocidental” (HAN, 2018, p. 22)
Lembra logo de início que somente o respeito é simétrico (recíproco): “O poder é uma relação assimétrica. Ele se fundamenta numa relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica.” (Han , 2018, p. 18), assim somente poderá haver ágape, uma reciprocidade de amor sem interesses e sem condicionamentos, se for aprendido o respeito e o amor sem interesses.
De modo análogo o Ulysses de Joyce começa com “Buck” Mulligan e Stephen Dedalus na torre do Martello (foto) ao amanhecer do dia 16 de junho de 1906, o assunto é Haines o hospede de Mulligan e incômodo para Stephen, discutem nas entrelinhas, isto passa desapercebido para muitos interpretes, a filosofia protestante dos unionistas (os que querem a Irlanda unida a Inglaterra) e os católicos que querem a Irlanda independente, que Stephen se alinha.
Mulligan o chama ironicamente de jesuíta, e está logo no início da parte I: “Elevou o vaso (de barbear) e entoou: – Introibo ad altere dei. Parando, prescrutou a escura escada espiral e chamou asperamente: – Suba, Kinch, Suba, jesuíta execrável” (Joyce, 1983, p. 6)
O filósofo Han começa seu livro sobre o que é a cultura de massas de hoje, a cultura do “shitstorm”, um bullying de massas, ou literalmente: “O respeito está ligado aos nomes. Anonimato e respeito se excluem mutuamente. A comunicação anônima que é fornecida pela mídia digital desconstrói enormemente o respeito. Também o Shitstorm é anonimo” (HAN, 2018, p. 14).
Byung-Chul Han acredita que uma sociedade do futuro é possível a partir desta massificação atual onde ainda a ideia da guerra e do ódio estão presentes, mas se modificarão: “A sociedade do futuro terá que contar com um poder, o poder das massas.” (Han , 2018, p. 25).
Um poder das massas deve ser pacífico e solidário, as guerras são disputas de poderes verticais.
Não se trata de definir uma superestrutura de poder e uma lógica de estado e sim um novo e verdadeiro humanismo agápico, aquele que pode ser definido como o amor divino do “novo mandamento cristão (Jo 13, 33-34): “Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. 34Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: perspectivas do digital. São Paulo: Trad. Lucas Machado. Ed, Vozes, 2018.
JOYCE, J. Ulysses. Trad. Antonio Houaiss, Portugal: Difel, 1983. pdf
Uma leitura do Ulysses de Joyce
Pode parecer complicado para um leitor desavisado a leitura de Ulysses de James Joyce, primeiro a sua divisão que pretende ter conexões com o Ulysses de Homero, assim por exemplo a Telemaquia (parte 1, capítulos 1 a 3) tem como foco os personagens (Telêmaco era filho de Ulysses) e Odisséia (parte II, capítulos 4 a 15) é o desenvolvimento da ação que se passa toda ela no dia 16 de junho de 1904, como já postamos depois de uma festa de amigos com Joyce tornou-se o Bloomsday.
Na parte I, são oito horas da manhã na torre Martelo, onde Stephen (filho de Bloom) mora com “Buck” Molligan, um inglês Haines amigo de Mulligan está presente, eles discutem a arte, que é o pano de fundo para posições éticas dos dois: a tensão entre os dois é porque Stephen de uma arte integra e que despreza as concessões (sociais) para o reconhecimento, enquanto Mulligan vê uma arte que cede a pressão social apoiado por Haines que pretende estudar o renascimento na Liteatura Irlandesa e admira o folclore, porém revela-se anti-semita, parte da xenofobia que os Blooms sofrem pela origem do pai Leopold Bloom, que é judeu-húngaro migrado.
Stephen vê em Haines o colonizador uma vez que o unionismo de Irlanda e Inglaterra domina o cenário irlandês conservador do início do século, enquanto Stephen defende a independência embora veja o provincianismo irlandês como pequeno e critica também seu catolicismo.
Proteus (deus dos mares e filho de Oceano na mitologia grega) revela a reflexão de Stephen sobre o visível e o invisível, o mundo objetivo como sinais que exigem interpretação (e contextualização), a transformação de tudo no tempo e no espaço, na própria mente. Desenvolve aqui de modo subliminar os temas da mãe, da mulher e da fertilidade, o Amor Filia.
Em Calipso o romance vai para a rua Eccles, n. 7 onde Leopold Bloom toma seu café da manhã e o prepara para si, para a mulher e para o gato, resolve comer rim de porco e vai ao açougue paa comprar, no caminho vê uma mulher que desperta devaneios, volta para casa recolhe a correspondência e vê uma carta da filha Milly, outra de Blazes Boylan endereçada a Molly.
Blazes havia organizado uma turnê de concertos para Molly e desconfia que a mulher o trai com Blazes, come o rim tostado, vai ao banheiro e fora da casa lê um jornal. Este capítulo prepara uma encarnação e Odisseu, pai espiritual de Stephen, o monólogo interior prevalece, mas agora o devaneio vai para os problemas do sionismo e o erotismo, no todo, é um espaço do Amor Eros.
Bloom lê uma carta endereçada a Henry Flower, seu pseudônimo, o nome remete a florescência ao desejo sexual que aflora (a correspondência direta em Homero é com os lotófagos, o povo que come Lótus (figura) e que são uma região de perigo na Odisséia), enfim revela a tensão moral de Bloom.
No final deste tópico está Molly na cama, refletindo sobre o marido, o encontro com Boylan, o passado, as esperanças, também ela suspeita de uma amante do marido, aspira grande futuro, é interrompida duas vezes pelo apito do trem (uma espécie de tempo passando) e outra por um início de menstruação, pensa no médico, nos filhos Stephen e o falecido, lembra o primeiro sexo feito com Bloom.
Há preocupações éticas e estéticas, especialmente com Stephen no livro, que traça o cenário da Irlanda do início do século, porém há uma ausência de o Amor Ágape, exceto na concepção de arte de Stephen, e esta é a ligação que James Joyce tenta fazer entre o seu Ulysses e o de Homero.
JOYCE, J. Ulysses, Trad. António Houaiss. Portugal: Difel, 1983. (pdf)