Arquivo para a ‘Filosofia da Informação’ Categoria
O aroma e a significação
Assim como a arte, o aroma requer apreciação e sensibilidade, mas isto mais tempo do que significação, isto nos diz Byung-Chul Han: “o mundo está carregado de sentido. Os deuses não são mais do que portadores de sentido”. (HAN, 2016, p. 25).
Penetra no significado verdadeiro da narrativa, do oral primitivo e contemporâneo: “a narrativa cria o mundo do nada” (p. 25), mas não a deixa de liga-la a imagem: “o mundo pode se ler como uma imagem” (idem).
Sem citá-las Han parece penetrar na arte rupestre, ao desvelar a relação: “aqui tudo que tem sentido é a eterna repetição do mesmo, a reprodução do já sido, da verdade imperecível. É assim que o homem pré-histórico vive num presente que perdura.” (HAN, 2016, p. 26)
A cosmogonia de Han penetra no escatológico: “distingue de qualquer forma do tempo histórico que promete progresso … o eskáton indica o fim dos tempos … o tempo escatológico não admite ação alguma, projeto algum.” (HAN, 2016, p. 27).
Desvela também o sentido mais profundo da pós-verdade, “o tempo será desfactizado (defaktiziert) e, ao mesmo tempo, desnaturalizado (entnaturalisier)” (pag. 28), ao apontá-la já nas Luzes (o iluminismo): “a revolução refere-se a um tempo desfactizado. Livre de todo ser/estar lançado, de qualquer força natural ou teológica, o mundo, como um colosso a vapor, solta-se em direção ao futuro, onde espera encontrar a salvação” (pag. 29).
Cita Robespierre falando na cerimônia constitucional de 1793: “Les progrès de la raíson humaine ont préparé cette grande révolution, et c´est à vous que´est spécialement imposé le devoir le l´accélérer” (citado na página 29), era o triunfo da razão, também comenta a mesma experiência em “A morte de Danton” escrito por Büchner, ao citar Camille: “As ideias fixas comuns que passam por ser o senso comum são insuportavelmente aborrecidas.” (cit. P. 29).
Byung-Chul separa o tempo oral do histórico ao compreender “o mítico que funciona como uma imagem”, e vê a história da galáxia de Gutenberg como aquela que “cede lugar às informações” (p. 30), para dar a estas uma definição inédita: “na realidade, a informação apresenta um outro paradigma. No seu interior, habita outra temporalidade muito diferente. É uma manifestação do tempo atomizado, de um tempo de pontos (Punkt-Zeit).” (pag. 31).
Volto a página anterior para entender seu conceito de aroma: “A história ilumina … impõe uma trajetória narrativa linear … não tem aroma” (HAN, 2016, p. 30).
Contra a tese de Baudrillard, “a informação não se relaciona com a história como a simulação sempre perfeita do original ou da origem” (pag. 31), dirá por isto é um novo paradigma.
Dirá ao final deste capítulo que o tempo “precipita-se, apinha-se para equilibrar uma falta do Ser essencial”, fazendo que “a falta do Ser se torne ainda mais penetrante” (p. 32).
HAN, Byung-Chul. O Aroma do Tempo: um ensaio Filosófico sobre a Arte da Demora, Lisboa. Relógio d´Água, 2016.
Porque é preciso pensar?
Sonhava em escrever um livro de filosofia, não o escreverei mais, talvez faça considerações, como as que farei aqui, mas ao encontrar inesperadamente o autor Thomas Nagel em: “Que quer dizer tudo isto? Uma introdução à filosofia” em sua 5ª. edição (Gradiva, 2018) penso que ele fez o trivial: apresentar questões fundamentais em palavras do cotidiano.
Assim, farei apenas comentários, não é um resumo, são apenas apontamentos, e talvez seja interessante dizer como o encontrei, foi até de outra obra: Como é ser um morcego? (The Philosophical Review LXXXIII, pp. 435-50, 1974), onde diz que esta pergunta pode fazer sentido, mas não faz sentido perguntar como é ser um tostadeira, atualizando para os dias de hoje como é ser a Robô Sophia, embora hajam pessoas fazendo esta pergunta.
Não é esta questão que responde diretamente, mas questões atuais que estão no pensamento cotidiano, ou seja: Como sabemos seja o que for, o que são as outras mentes, o significado das palavras, a liberdade (o livre arbítrio), a morte e o sentido da vida.
A filosofia parece não tratar disto, mas trata só que em diálogo com outros pensadores, esclarece o autor logo no início do livro: “a filosofia é diferente da ciência e da matemática … não se assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento.” (p. 8).
Todos nós pensamos, é equivocado pensar que só filósofos e cientistas pensam, a questão da filosofia é; “questionarmos e compreendermos ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensar nelas” (p. 8), e ao fazermos isto somos levados “na onda” para onde ela queira nos levar, em tempos de crise e profundas mudanças isto pode ser fatal.
Explica o autor, entre outras coisas duas perguntas que considero essenciais: “Um físico perguntará de que são constituídos os átomos ou o que explica a gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer coisa fora das nossas mentes” (p. 9),
Isto é essencial porque esta é a pergunta idealista contemporânea, e o idealismo é a grande filosofia de nosso tempo, ele é a base do que convencionou-se chamar de modernidade.
NAGEL, T. Que quer dizer tudo isto? Uma iniciação a filosofia. 5a. ed., Lisboa: Gradiva, 2018.
Simplicidade e Sabedoria
Simplificar não é reduzir conceitos ou coisas que são naturalmente profundas, entre elas, o amor, a sabedoria e o próprio conhecimento são difíceis de serem tratados de modo simples, e não devem ser vistos com simplismos e pouca sabedoria, porém é possível com a vida e com exemplos do dia a dia muito concretos mostrar e demonstrar o que é o conhecer humano.
Porém em tempos de pós-verdades e de acesso livro a produção e difusão do conhecimento, os equívocos do simplismo e da cultura rasa podem ter efeitos devastados, o que não significa confundir e tornar complexo desnecessariamente aquilo que se explica ou que se demonstra.
Assim como o conhecimento reduzido de determinado assunto ou objeto de estudo pode e em geral leva a um reducionismo, termo usado em termos científicos para dizer que a redução da complexidade não explicou o fenômeno que se propunha estudar, é uma das maiores causas do empobrecimento cultural contemporâneo, ao qual a Web é apenas um “meio” de difusão.
Estudos que levam a uma melhor estruturação do conhecimento como as Ontologias, a Web Semântica e agora um novo alvorecer da Inteligência artificial, levam sem dúvida a um maior progresso do pensamento humano e do conhecimento científico.
É preciso, volta-se a enfatizar não complicar além do necessário e também não reduzir além do possível para a essência de um fenômeno ou objeto de estudo não seja perdida ao estudá-la.
Em termos sociais, geralmente se impõe pela autoridade muito mais pela forma que de fato pelo conteúdo, a pompa que tem determinados conhecimentos não significa necessariamente a sabedoria ou profundidade de conhecimento, muitas vezes troca-se a forma pelo conteúdo.
Assim, se alguma divindade ou suprema sabedoria estivesse entre nós dificilmente seria reconhecida, como na cultura cristã a passagem bíblica de Marcos 6,3 reflete: ´Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?´ E ficaram escandalizados por causa dele.”
Não se escandalizem pela simplicidade, mas justamente pela ausência dela entre aqueles que se arrogam conhecimento e sabedoria.
Unidade, complexidade e simplicidade
Aparentemente irreconciliáveis, há quem diga que o paradigma do mundo contemporâneo, a complexidade se opõe ao da simplicidade, mas analisemos bem melhor esta interpretação do pensamento de Edgar Morin, ao afirmar “… parte dos fenômenos, ao mesmo tempo, complementares, concorrentes e antagonistas, respeita as coerências diversas que se unem em dialógicas e polilógicas e, com isso enfrenta a contradição por várias vias. Assim sendo, utiliza o conceito básico de ´sistema auto-organizado complexo” (Morin, 2000, p. 387) que remete a ideia de unidade como uma noção chave.
Esta complexidade necessidade de novas estratégias e modos coerente de dialogar para penetrar nos mistérios, observa Morin: “ (…) a necessidade, na sua coerência e no seu antagonismo as nações de ordem, de desordem e de organização obriga-nos a respeitar a complexidade física, biológica, humana” (Morin 2000, p. 180-181).
Compreendendo a complexidade da cultura que para ele envolve: juvenilização, cerebralização, Culturalização, o que está explicado em um de seus livros básicos O paradigma perdido e a natureza humana, cuja edição portuguesa é de 1973.
Embora hajam outras ideias de complexidade, Morin afirma que a palavra complexidade: “nos empurra para que exploremos tudo e o pensamento complexo é o pensamento que, armado dos princípios de ordem, leis, algoritmos, certezas, ideias claras, patrulha no nevoeiro o incerto, o confuso, o Indizível” (MORIN, 2000, p. 180-181).
A ideia que complexidade não pode conviver com a simplicidade é a incompreensão não só da dialógica, mas da polilógica, que consubstancia e une os dois conceitos: “distinguir e fazer comunicar, em vez de isolar e de disjuntar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de liga-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais, a conceber a unidade-multiplicidade …” (MORIN, 2000, p. 354).
Esta alternativa de unidade na diversidade, é explicada pelo autor recorrendo a exemplos no campo biológico, que é na prática o exercício da simplicidade, onde a diversidade da natureza compõe a vida.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.
História do algoritmo
A ideia que podemos resolver problemas propondo um número finito de interações entre diversas tarefas (ou comandos como são chamados em linguagens de computação) para diversos problemas tem origem na Aritmética.
Ainda que a máquina de Charles Babbage (1791-1871), e a Álgebra de Boole (1815-1864) tenham uma enorme contribuição para os modernos computadores, a maioria dos lógicos e historiadores do nascimento do mundo digital, concorda que o problema de fato foi levantado pelo segundo problema de David Hilbert (1962-1943), numa conferência de 1900, em Paris.
Entre 23 problemas para a matemática resolver, alguns resolvidos recentemente como o Conjectura de Goldbach (veja nosso post), e outros a resolver, o segundo problema se propunha a provar que a aritmética é consistente, livre de qualquer contradição interna.
Nos anos de 1930, dois lógicos matemáticos, Kurt Gödel (1906-1975) e Gerhard Gentzen (1909-1945) provaram dois resultados que chamavam de novo atenção ao problema proposto, ambos se referiam a Hilbert, então de fato, ali está a origem da questão, grosso modo, se um problema enumerável é resolvido por um conjunto finito de passos.
Na verdade, a solução de Gentzen era uma prova da consistência dos axiomas de Peano, publicada em 1936, mostrava que a prova de consistência pode ser obtida em um sistema mais fraco do que a teoria de Zermelo-Fraenkel, usava axiomas da aritmética primitiva recursiva, não sendo portanto uma prova geral.
Já a prova da inconsistência da aritmética, chamada de segundo teorema da incompletude de Gödel, é mais completa e mostra que não é possível alguma prova da consistência dos axiomas de Peano ser desenvolvida sem essa própria aritmética.
Esse teorema afirma: se os únicos procedimentos de prova aceitáveis são aqueles que podem ser formalizados dentro da aritmética, então o problema de Hilbert não pode ser resolvido, dito de outra forma mais direta, se ou o sistema é completo ou consistente.
Há polêmicas levantadas sobre estes resultados, como Kreisel (1976) que afirmou que as provas eram sintáticas para problemas semânticos, Detlefsen(1990) que diz que o teorema não proíbe a existência de uma prova de consistência, e Dawson(2006) que afirmou que a prova da consistência é errônea usando a prova dada por Gentzen e do próprio Gödel em trabalho de 1958.
Polêmicas a parte, a participação de Kurt Gödel no importante circulo de Viena na década de 20 antes da guerra explodir, e as posteriores discussões de seus teorema por Alain Turing (1912-1954) e Claude Shannon (1916-2001) atentam sua importância para a história dos algoritmos e dos modernos computadores digitais.
Desconstrução não é destruição
Sobre a escrita da história não significa que não possa ser realizada para nos informar a leitura de Balzac ajuda a entender a França revolucionária e o pensamento antimonárquico, assim como sobre o passado e as culturas míticas que antecederam as atuais, parte do pensamento estruturalista ajudou a compreender melhor o que se seguiu ao pensamento da modernidade, .
Então mesmo no pensamento anglo-saxônico a desconstrução é uma maneira de refletir sobre o trabalho historiográfico, sobre o processo de transformação de evidências e informações do passado em história, porém é agora inevitável o questionamento histórico, o trabalho atual dos historiadores de entenderem e explicarem o passado através de fatos das evidências, ajudará a construir o futuro.
Se há uma demanda clara por mudança, há uma necessidade clara de mudança de mentalidade e de pensamento sobre a própria maneira de indagar a história, de reler a literatura, e principalmente, de apontar novos caminhos sólidos para a mudança, a compreensão da desconstrução como destruindo a cultura e o favorecimento a desinformação geral é parte da barbárie e não semente da mudança em curso.
O ser em esferas e o ser-de-si
Sem dúvida alguma o maior mal de nossos temos junto com a exclusão econômica e social, é a exclusão por características humanas específicas: doenças, tipo físico e até mesmo intelectual.
Já destacamos em nossos posts, a importância da tríade das Esferas de Petr Sloterdijk: Esferas, na qual descreve diversos aspectos de uma sociedade isolada em “bolhas” (nome do primeiro livro, já com tradução para o português) “Esferas I: bolhas” (Estação Liberdade, 2016).
Trata-se de um lugar, a esfera, onde se pode proteger, não é lugar de conforto mas de segurança, que no tratamento dado por Sloterdijk é a tradição do pensamento, que aparece como um lugar de proteção de uma humanidade que, para se proteger, se mura de pedras, armas, canções e ideias, e não seria de esperar de modo diferente para o mundo cibernético.
No conceito de Sloterdijk, que é diferente daquele tratado como “identidade” pois as esferas tem identidade que são fugazes, trata o problema humano onde estamos quando estamos no mundo? Por isso é uma consequência do pensamento de Heidegger o “ser-no-mundo”.
A sociedade atual dissolveu suas relações protetoras de intimidade em relações cinzentas formais, a questão se transfigura: onde estamos quando estamos no descomunal, na falta de abrigo da exterioridade absoluta, portanto é um problema maior que o enfoque de Domenico de Mais, não se trata apenas a perda de projetos sociológicos, mas de uma ruptura humana.
Não é também apenas o mal estar da modernidade, de fundo puramente psicológico como o tratado por Freud, o sentido que Sloterdijk dá para a “bolha” é o que se pensa por “espírito” ou “alma” é apenas o “ar” da vida insuflado em um espaço partilhado
Isto é claro já no pensar o espaço interior, início de seu livro, quando Sloterdijk demonstra a pendência de sua microesferologia com relação à psicologia contemporânea, aquilo que a filosofia chama de si (Hegel usa esta categoria para diferenciar o em-si), de si e passou a permitir se pensar o surrealismo da espacialidade humana, a saber, de ser conteúdo e continente, assim quando se fala de produção de conteúdo dever-se-ia falar do continente.
A crença religiosa na fusão mística e no encantamento fisiológico dos casos descritos por Sloterdijk, que fala do coração e da alma de figuras como Catarina de Sena e Raimundo de Cápua, que fala da troca do próprio coração com o de Vristo, revelavam o caráter relacional dos corpos humanos e que encontra até mesmo no Banquete de Platão e que foram anulados pelo “individualismo anatômico”, segundo o autor, quando se começa a dissecação de cadáveres, nos séculos XVI e XVII.
Apesar de uma linguagem que vai do poético ao mordaz, a crítica que Sloterdijk faz ao nosso tempo para ser fundamental, que poderia ser grosso modo dita como “ser-em-esferas”.
A crise planetária e suas origens
Edgar Morin em seu livro Terra-Pátria explica que o crescimento desta era se deu na modernidade, começou com as navegações pelo globo, que fez Cristóvão Colombo chegar a América e Vasco da Gama fazer o caminho pela costa da África para as índias, mas isto foi uma forma de mudar a rota terrestre que passava pela Índia e pela China, historicamente o desprezo pelos “bárbaros civilizados”.
Escreveu Morin: “Desde os começos da era planetária, os temas do “bom selvagem” e do “homem natural” foram antídotos, muito fracos, é verdade, à arrogância e ao desprezo dos bárbaros civilizados. No século XVIII, o humanismo das Luzes atribui a todo ser humano um espírito apto à razão e lhe confere uma igualdade de direitos.” (MORIN, 2003, p. 26)
A ideia de que a Europa, primeiro Londres depois Paris, e atualmente a Alemanha, seriam as culturas mais avançadas levaram a: “ música de Beethoven, o pensamento de Marx, a mensagem de Victor Hugo e de Tolstoi se dirigem a toda a humanidade. O progresso parece ser a grande lei da evolução e da história humanas” (idem), mas será que isto envolvia de fato o globo, ou foi uma época de guerras coloniais, depois duas grandes guerras e hoje ainda um processo de desenvolvimento duvidoso.
Damos um salto e no pós-guerra, reapareceu a confiança e: “Imensas esperanças num mundo novo, de paz e de justiça, ganharam corpo com a destruição do nazismo, no esquecimento ou na ignorância de que o Exército Vermelho trazia não a libertação, mas uma outra servidão, e de que o colonialismo havia retomado sua ação na África e na Ásia.” (MORIN, 2003, p. 32).
Citando a Guerra do Golfo e do Kwait (1990 e 1991), mostraram que: “o desmoronamento do totalitarismo do Leste não ocultará por muito tempo os problemas de economia, de sociedade e de civilização no Oeste, não reduzirá em nada os problemas do terceiro mundo transformado em Mundo Sul, e não produzirá naturalmente uma ordem mundial pacífica.” (Morin, 2003, p. 32), mostrando uma linha de fratura no oriente médio e mundo árabe, o livro é anterior mas pode-se citar a questão da Síria e da Coreia do Norte, fraturas atuais.
Morin aporta para o futuro agora cheio de problemas: “Mas o certo é que a história mundial retomou sua marcha turbulenta, correndo a um futuro desconhecido, ao mesmo tempo em que retorna a um passado desaparecido” (Morin,2003, p. 33), chama esta fase de democleana: “em 1945, a bomba de Hiroshima fez a idade de ferro planetária entrar numa fase damocleana.” (idem).
Apontava bem antes da crise mundial de retorno ao nacionalismo nas eleições, que isto já estava em curso: “Numa dialógica tornada mundial entre as forças de integração e de desintegração culturais, civilizacionais, psíquicas, sociais, políticas, a própria economia se mundializou cada vez mais e se fragilizou cada vez mais; assim, a crise econômica surgida em 1973 de uma escassez de petróleo passa por diversos avatares sem estar realmente resolvida.” (Morin, 2003, p. 34)
E mostra o lado perverso da crise atual: “A mundialização económica unifica e divide, iguala e desiguala. Os desenvolvimentos económicos do mundo ocidental e do Leste asiático tendem a reduzir nessas regiões as desigualdades, mas a desigualdade aumenta em escala global, entre “desenvolvidos” (em que 20% da população consomem 80% dos produtos) e subdesenvolvidos.” (MORIN, 2003, p. 34)
Como dar um fundo mais panorâmico sobre a crise atual e qual seriam as respostas possíveis para esta crise ?
Referência:
MORIN,E. e KERN, A.B. Terra-Pátria. Traduzido do francês por Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.
Arte Ideal, representação e re-vel-ação
Para ver uma coisa é preciso ver além do aparente, isto é, aquilo que Rancière que já chamou (ver no post anterior) de visão dupla, que significa ver duas coisas ao mesmo tempo, não é “uma questão de trompe l´oeil* ou de efeitos especiais. É um problema de relações entre superfície de exposição das formas e superfície de inscrição das palavras” (Ranciére, 2003, p. 89) não podendo, portanto ser um jogo de ilusões, ou ainda uma pintura idealista que busca o ideal das formas sob o imediatismo da presença, aquele estilo de “natureza morta” ou de “cenas de costumes” que são comuns em muitas casas.
Esta arte que pretendeu a re-presentação ou ainda a re-velação, note-se bem a a etimologia destas palavras que dão a elas próprias um sentido mais correto, qual seja, o de renovar a presença e a outra, de renovar o véu que cobre a imagem, ver, portanto não é a “mediação das palavras que se configura o regime dos ´imediaticismos’ da presença.” (RANCIÈRE, 2003, p. 89).
O imaginário, o lúdico e o espiritual escaparam por um longo tempo dela, mas recomeçou um renascimento com Kandinski, Henri Matisse e outros mais contemporâneos Pablo Picasso, Miró, um exemplo clássico foi a Dança II de Matisse (ilustração ao lado), cuja ideia do quadro teria surgido de uma dança da roda chamada “A Sardana” do sul da França, e foi encomendado por seu patrono russo Sergei Schukin, para ser exposto no Palácio de Trubetskoy ao lado de outra obra de Matisse “A Música”.
A dança sinuosa em que o movimento se transporta para os corpos e pernas é intencional para afirmar o envolvimento das dançarinas, e esta representação em círculo tornar-se uma eterna presentação e a re-velação se transforma num desvelar, ou seja, retirar o véu do que está oculto e por isso a nudez dos corpos, que o patrono Sergei teria discordado de início, porém depois de ver o esboço teria mudado de início, ou seja, não se trata da nudez porém da significação que tem a dança que é o envolvimento harmônico das dançarinas.
O ideal da forma transforma-se em formas dos ideais, aquilo que o próprio Matisse disse procurar em sua arte: “O meu sono é realizar uma arte do equilíbrio, de pureza e serenidade”.
A perfeita interação entre estas dançarinas não é um idealismo, mas a busca da interação entre pessoas, povos e culturas, o sonho de Matisse.
O quadro A dança II parece desvelar em uma imagem o sonho do autor, os corpos interagem numa “comunhão”.
Vive-se um tempo de cegueira, não apenas no mundo da cultura e por consequência da arte, mas também a cegueira social, política e até religiosa, aquilo que José Saramago que descreve em seu “Ensaio sobre a cegueira” através de um motorista que subitamente fica cego parado em um sinal, neste o autor procura nos lembrar “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”.
A arte é uma maravilhosa forma de nos fazer enxergar e nos fazer recuperar a lucidez, a serenidade e o equilíbrio que faltam a nos dias de hoje, sem deixar de ser ousada e propositiva.
* Significa ao pé da letra “engana o olho“, porém é uma técnica para criar ilusão tridimensional.
RANCIÈRE, J. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.
Informar, conhecer e saber
Em tempos de crise cultural, a informação é abundante e nem sempre verdadeira, o conhecimento é limitado e a sabedoria escassa.
Embora seja do senso comum que para conhecimento é necessário informar, pouco se sabe sobre o que é informação, e o pouco conhecimento tempo pouca chance em tornar-se sabedoria, então transbordam as “máximas” (frases feitas deslocadas de contexto), a autoajuda (nome impróprio para o autoconhecimento) e o fundamentalismo, miséria da filosofia.
Há muitas possibilidades para a informação, mas se a considerarmos como presente na vida dos seres, então uma definição encontrada no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa que remete a origem da palavra no latim informatio (delinear ou conceber ideia) entende-se como dar forma ou moldar na mente, onde ela se in-forma, passando a informação a ser ontológica (exemplo acima).
Porém este formato seja na língua, linguagem ou em alguma forma de signos esta informação já existe, e esta relação está tem uma raiz semiótica dado por Beyno-Davies onde o conceito multifacetado de informação é explicado em termos de sinais e de sistemas de signos-sinais.
Para ele há quatro níveis interdependentes, ou camadas da semiótica: a programática, a semântica, a sintaxe e o empírico (ou experimental que prefiro pois não é empirismo).
Enquanto a Pragmática está preocupada com o propósito de comunicação, a Semântica se preocupa com o significado de uma mensagem transmitida em um ato comunicativo (que gera uma ontologia) e a Sintaxe está preocupada com o formalismo utilizado para representar uma mensagem.
A publicação da dissertação de Claude Shannon, em 1948, intitulada A Mathematical Theory of Communication é uma das fundações da teoria da informação onde a informação não somente tem um significado técnico mas também de medida, podendo ser chamada de sinal apenas.
Foi Michael Reddy que observou que “‘sinais’ da teoria matemática são “padrões que podem ser trocados”, neste sentido são códigos, onde a mensagem contida no sinal deve expressar a capacidade de “escolher dentre um conjunto de mensagens possíveis”, não tendo significado único, pois precisa ser “decodificada” entre as possibilidades que existem.
Deve ter certa quantidade de sinais para poder superar a incerteza do sinal transmitido, será conhecimento se a relação entre sinal e ruído (presente na codificação e transmissão do sinal) for relevante e o grau de entropia não tiver destruído o sinal transmitido.
A teoria da comunicação analisa a medida numérica da incerteza de um resultado, por isso tende a usar o conceito de entropia da informação, geralmente atribuído a Claude Shannon.
O conhecimento é aquilo que se obtém da informação quando ela transmitida pode ser retida de alguma forma na mente humana, a informação que permite isto é ontológica.