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Arquivo para a ‘Cognição’ Categoria

Reificação, objetos e sujeitos

22 set

Se por um lado é verdadeiro que há na mentalidade idealista/iluminista dominante uma completa reificação da vida (a vida que se projeta sobre a coisa, res-coisa), por outro lado a separação sujeito e objetos, cria um dualismo no qual a natureza e os objetos que fazem parte da vida são ignorados.

O assim chamado dualismo sujeito objeto é explicitado por Edgar Morin da seguinte forma: “o conceito de sistema só pode ser construído na e pala transacção objeto/sujeito, e não na eliminação de um pelo outro.” (MORIN, 1977, p. 136).

Morin vai explicar que tanto o “realismo ingênuo” como o “nominalismo ingênuo” (correntes antagônicas desde o período medieval) eliminam o sujeito, no nominalismo o sistema ideal é aquele que não tem o sujeito, e no realismo o objeto ideal é o sistema.

Mas o objeto “quer seja ´real´ ou ideal, é também um objeto que depende dum sujeito” (Morin, idem), e pela via sistêmica “o observador, excluído da ciência clássica, o sujeito, despido e lançado para as latas do lixo da metafísica, regressam ao fulcro da physis” (MORIN, ibidem).

Morin observa que observador e a physis (a Natureza, com N) ficam confinados em termos de um sistema, e propõe uma nova totalidade sistêmica “se constitui associando o sistema-observador e i observador-sistema pode, a partir daí, tornar-se um metassistema em relação a um e outro, se for possível encontrar o metaponto de vista, que permita observar o conjunto constituído pelo observador e sua observação” (MORIN, 1977, p. 137).

Explica que pode-se numa visão simplificadora máxima, reduzir tanto a importância do observador como a da physis, “criando um suprassistema, cuja teoria revela os sistemas fenomênicos autônomos”, é bom esclarecere aqui que não se trata da fenomenologia e sim de um “suprassistema” que tem característica de um fenômeno autônomo, não é a redução eidética.

O segundo sentido do metaponto de vista, “acentua-se o caráter ideológico, cultural e social do sistema teórico (a teoria dos sistemas) onde se inscrever a concepção dum sistema físico” (idem).

Não podemos fugir nesta elaboração do problema epistemológico-chave: “a articulação sistêmica que se estabelece entre o universo antropossocial e o universo físico, via conceito de sistema, sugere-nos que um carácter organizacional é fundamentalmente comum a todos sistemas” (MORIN, 1977, p. 137).

Embora se fale da vida vinculada aos objetos, em filosofia da reificação (ou coisificação) da vida, a mentalidade dualista de separação entre sujeitos e objetos cristaliza e vivificada isto no dia-a-dia.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977

 

A maiêutica e parir o conhecimento

11 ago

O método socrático era que o filósofo acreditava que ninguém tinha respostas definitivas para suas perguntas e desse modo andava pelas ruas de Atenas fazendo questões que considerava básicas sobre política, moralidade e a verdade, a jovem democracia estava se corrompendo.

Assim fazia que cada pessoa pudesse “parir” respostas, e a cada respostas fazia novas perguntas, assim definia-se como “parteiro de ideias”, procurava assim instruir os “cidadãos”.

Seus adversários eram os sofistas que se baseavam apenas na arte da persuasão, e objetivo era bajular os governantes e dar respostas que as pessoas queriam ouvir.

Mas muitas pessoas, especialmente os jovens, eram envolvidos por sua sabedoria e ensinamentos, entre eles estava o discípulo Platão que é quem descreve os diversos diálogos socráticos.

Assim seu método era oposto aos dos sofistas baseados na retórica e na arte da persuasão, suas teses eram as mais diversas, Górgias por exemplo, defendia que “nada existe”, Protágoras que “o homem é a medida de todas as coisas”, além disto cobravam pelas aulas.

Aristóteles vai defini-lo como “a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real”, mas ela não desapareceu por completo, foi ao longo da história mudando de forma e de discurso, porém essencialmente é a retórica, hoje por exemplo, pensadores performáticos e autorreferenciais.

A grande oposição de Sócrates aos sofistas era que eles, com recurso da persuasão e retórica, proclamavam apenas “opinião” chamadas de doxa e Platão, discípulo e divulgador de Sócrates, vai organizar a “episteme”, o conhecimento deve ser organização a partir dos seus “cortornos, limites, de seus aspectos e de sua aparência”, descritos como sua “dialética”.

Também Bachelard em nosso tempo critica a opinião como não científica: “A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se absolutamente à opinião” em sua obra: A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento.

Sócrates, acusado de subverter os jovens e não prestar cultos aos deuses do estado, foi condenado a morte, Platão desenvolverá seu método e criará uma escola de pensamento.

 

Ter consciência de Ser e viver com o essencial

07 jul

A frase do filósofo Sócrates “a vida que não se examina não vale a pena ser vivida” não faria grande sucesso hoje, a frivolidade fez crescer aquilo que não é essencial como falsa necessidade de felicidade e um ambiente de dor e resiliência entra em choque com esta mentalidade.

Deve-se examinar neste contexto o que é consciência, e como pede a hermenêutica não existe consciência, a não ser a consciência de algo, a consciência fenomenológica não há dualismo entre sujeito e objeto, Ser é buscar examinar a consciência de algo, seja ele concreto ou abstrato.

A vida social requer alguma forma de mutualismo, estar bem e o Ser não negar sua sociabilidade, a vida pessoal requer exame do Ser, o equilíbrio com a natureza, também com sua própria implica a saúde, o equilíbrio e isto não está separado de interioridade e capacidade de reflexão pessoal.

A pura exterioridade leva ao não essencial, a performance, a imagem pública e a autovalorização pessoal são formas de exterioridade que podem levar ao consumismo e ao individualismo exagerado.

Ter consciência do todo é complexo, porém viver com no essencial torna a vida simples.

O essencial para se viver requer poucas coisas: vestimentas, alimentos e posses modestas podem levar a uma vida equilibrada e feliz, o contrário pode levar a um excesso de preocupação e stress.

No outro extremo não ter o essencial pode levar também ao desespero, aí estão as maiores e injustas situações sociais, uma sociedade que não se preocupa com isto está em desiquilíbrio e leva todos ao desiquilíbrio, também os que acumulam e tornam-se egoístas e consumistas.

A consciência do Ser na visão hegeliana estaria ligada ao Ser-em-si e para-si fica apenas na forma de percepção, fica na imaginação, a intencionalidade dos fenômenos que é negadora de outros objetos (externos) ou de si mesmo (internos) e por isto esta forma de consciência está relacionada ao nada.

A consciência não se consegue sem se identificar com nenhum ser-em-si (algo na fenomenologia) é nela que se aproxima em relação com outra consciência, isto ocorre porque uma ação ou escolha enquanto consciência percebe nesta relação a contingência e gratuidade da existência.

Assim esta consciência leva a reciprocidade, ao mutualismo e a uma existência que vale a pena, no dizer do filósofo Sócrates “porque ela se examina” e isto a vivifica e caminha para a plenitude.

A pura exterioridade é voluntarismo e a pura interioridade é falso essencialidade, e pode ser fuga.

 

A trindade e os filósofos contemporâneos cristãos

27 mai

Obras sobre a trindade na patrística cristã destacam-se a obra De Trinitate de Agostinho, os padres capadócios: São Basílio e São Gregório de Nazianzeno (imagem), João Damasceno e Tomás de Aquino, estes da Antiguidade até a Idade Média, que trabalharam a pericorese na Trindade.

Começo por uma referência que considero importante pela adoção do pensamento fenomenológico e hermenêutico, a obra L´Idole et la distance (1977) de Jean Luc Marion, ele como outros partem de Santo Agostinho, mas como bom hermenêutica deseja apenas fazer “o jogo trinitário [i.e., a pericorese trinitária]” que ela assuma as desolações incluindo a metafísica, e nos levem a paciência, o trabalho e a humildade.

Refere-se a pericorese com uma “dança” e as desolações são as críticas filosóficas que surgiram a partir do século XIX, em particular Nietzsche, fez a religião, especialmente à ideia de Deus, vai identificar que a ideia de que a morte de Deus traria ao homem a luz, se olharmos a realidade, veremos que não aconteceu, vemos um homem sem humanismo, agora nos horrores de uma pandemia que não cede e o perigo de uma crise civilizatória.

A hermenêutica por sua estrutura interpretativa, a transmissão e a mediação “não se referem apenas à anunciação, à comunicação de Deus com o homem, definem a vida íntima do próprio Deus, que, por essa razão, se não pode pensar nos termos de uma plenitude metafísica imutável” (na obra de Gianni Vattimo: Etica de la interpretación, 1991).

Longe do idealismo absoluto de Hegel, e avançando a ideia da ontologia trinitária, que tem início nos primórdios do século XX, autores como Pavel Florenskij, Sergei Boulgarov, mais recentemente John Zizioulas e vários italianos como Massimo Cacciari, Bruno Forte, Piero Coda e na Alemanha Joseph Ratzinger e Klaus Hemmerle, na França já citamos Jean-Luc Marion e Michel Henry.

Piero Coda utiliza uma categoria da fundadora do Movimento dos Focolares, iniciado por Chiara Lubich, que é a figura de Jesus Abandonado para tornar sua “dança trinitária” uma relação cotidiana com todos os seres e assim recria a ontologia trinitária, que é capaz de estabelecer uma relação entre o Logos expresso em Jesus, e plenamente realizado na sua figura quando já desfalecido e entregue as dores e sofrimentos da cruz, não chama mais Deus de Pai, mas apenas de Deus: “Meu Deus, meu Deus porque me Abandonastes” diz o relato bíblico, parece parodoxo, uma pericorese com o homem.

Afirma Coda: “de alguma forma a circulação eterna do amor dos Três é comunicada a nós na história … sua abertura para a história dos homens” (Dio uno e trino, Edizione San Paolo, 1993, p. 141).

Houve uma compreensão desta realidade, porém a interpretação hermenêutica ainda não houve.

 

 

Clareira e iluminação

21 mai

O que acontece de fato se encontramos a clareira, se por um processo de mudança de consciência, de auto-iluminação abandonamos velhas teorias e maquinações e nos “vemos”.

A resposta está no próprio Heidegger em sua principal obra Ser e tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alétheia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e tempo)”.

Já postamos sobre a diferença entre alétheia e verdade, porém agora pode-se a partir do texto acima desvelar um pouco mais profundo, o percurso da iluminação nos conduz a uma posse que dá sentido ao que somos e do que recebemos para ser.  Na iluminação há um sentido do ser e realiza um percurso ontológico e não meramente temporal ou espacial, esta ligação ao temporário oculta o sentido originário de todo espaço e tempo, de toda época e de toda relação com o mundo, está é a iluminação.

Não é definição minha, outros leitores de Heidegger fazem um raciocínio muito prático e parecido ao que é feito aqui, por exemplo, o texto de Manuel de Castro encontrado na Web, que afirma que “na iluminação o sentido de ser acontece em nós”, não é obra do acaso e há muitas outras possibilidades desta iluminação, todas as religiões por exemplo, procuram esta iluminação, os filósofos em sua maioria, acreditam tê-la encontrado, mas o que é ela de fato.

Lanço o recurso das religiões, em especial a cristã que professo, mas não deixo de imaginar que o mesmo seja possível em outras, há algo que pode ser chamado de “sementes do verbo” e que de alguma forma estão presentes nas grandes religiões, na cristã é a ação do “Espírito Santo”.

Este nodo que pode nos unir a uma iluminação, é aquele que nos “une a todos”, é aquele pensamento que Edgar Morin dizia: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, portanto viver em unidade com os outros diferentes.

A palavra que fala desta ação através de um dom especial do Espirito Santo que fazia a todos que ouviam compreenderem em sua própria língua (pode-se pensar numa metáfora conforme o entendimento possível de cada), diz a passagem (At 2,4-6):

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava. Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua”, em algum momento da nossa história isto pode acontecer.

O que se espera é um mundo mais fraterno onde o diferente possa viver em sua dignidade e ser entendido em sua própria língua.

 

CASTRO, Manuel Antônio de. “O ser e a aparência”. www.travessiapoetica.blogspot.com

 

Dicionário de Poética e Pensamento (ufrj.br)

Dicionário de Poética e Pensamento (ufrj.br)

 

A crise civilizatória e o terceiro excluído

25 mar

O fato que estamos presos ao dualismo, agora transformado em polarização política como se na natureza e na sociedade houvesse sempre apenas dois polos em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) parece não ter sentido com o paradoxo lógico desenvolvido por Barsarab Nicolescu e encontre paralelo apenas nas física quântica (foto).

Não é verdade, o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança o centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que penetra em dualismos e paradoxos.

A carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, Edgar Morin também pede e outros perceberam uma crise na modernidade como pensamento e educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”. 

Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizar e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar seria necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos.

A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”

A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.

A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, pois é no vazio, no epoché onde pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.

 

A noosfera: da matéria primária ao pensamento

04 mar

Teilhard Chardin descreve assim a complexificação a partir dos primeiros desenvolvimentos da vida, a passagem crítica da vida das células para uma vida ultracomplexa:

“Provavelmente jamais descobriremos (a não ser que, por sorte, a ciência de amanhã consiga reproduzir o fenômeno no laboratório) – a História por si só, em todo o caso, jamais descobrirá diretamente os vestígios materiais desta emersão – aparição – do microscópico para fora do molecular; do orgânico para fora do químico, do vivo para fora do pré-vivo.” (Chardin, 1965, p. 63)

Embora possa parecer que a natureza teria feito esta preparação sozinha, chama a atenção a originalidade essencial da célula produzindo algo inteiramente novo, e compondo uma multiplicidade orgânica num mínimo espaço, embora o processo possa ter levado anos, cada célula foi longamente prepara para ser algo original.

Será através de discretas, mas decisivas mutações que ocorreram durante milhares e milhões de anos, que a complexidade de células e seres vivos foram se formando sendo possível perceber “os irresistíveis desenvolvimentos que se ocultam nas mais frouxas lentidões, a extrema agitação que se dissimula sob o véu de repouso, o inteiramente novo que se insinua no íntimo da repetição monótona das mesmas coisas” (Chardin, 1965, p. 8).

Foi pela complexificação da vida que surgiu o humano, na origem Deus o fez de matérias inorgânicas, metaforicamente a Bíblia diz do barro, porém é certo que o universo nasceu antes.

Assim o mundo da physis (Chardin vê sua física no sentido grego da palavra) estaria ligada a biologia, e pensa:

“Poderíamos hesitar um só momento em reconhecer o parentesco evidente que liga, na sua composição e nos seus aspectos, o mundo dos proto-vivos ao mundo da física-química ? Quer dizer, não estaremos ainda, neste primeiro escalão da vida, senão no âmago, pelo menos na própria orla da ´matéria´?” (Chardin, 1965, p. 66)

Ao nascimento da vida humana, após bilhões de anos depois da formação do universo, uma grande e decisiva mutação ocorrerá, o nascimento do pensamento e da consciência, e do que Chardin chama de interiorização, que em termos religiosos significa a alma individual que é também ligada ao coletivo, o princípio da associação desde as primeiras células.

Ao pensamento e à consciência desenvolve-se a noção de pessoa, esta experiência foi dada graças ao desenvolvimento cerebral do homem, e aos desenvolvimentos do que Chardin chama de Noosfera, a última etapa depois da Biosfera, a criação e desenvolvimento da vida.

Desenvolver e explicar a cosmogênese chardaniana é um longo processo que nem mesmo em vida ele desenvolveu completamente, muitos avanços da astrofísica atual (muitas descobertas tentam explicar a origem da vida) ajudam a compreensão, o que importa é ressaltar que o panorama de evolução do próprio cosmos, não apenas a Terra, está ligado ao desenvolvimento da consciência e da capacidade humana de ligar-se a harmonia da vida.

CHARDIN, T. O fenômeno humano. BR, São Paulo : Herder, 1965.

 

A porta larga dos equívocos modernos

16 fev

Um grande número de enunciados, proposições e teorias científicas ou não emergem em meio ao período de pouca luz na cultura ocidental, crescem teorias apocalípticas e uma visão cada vez mais maniqueísta da realidade, a visão de uma lógica dualista e sem terceira hipótese.

Ao mesmo tempo descoberta como a física quântica, a holografia, e uma nova cosmovisão do universo emergem, porém há quem acredite que a terra é plana e que nunca fomos a Lua.

São demasiados problemas específicos para serem tratados, mas a filosofia de um modo geral contemporânea mais que neoliberal, este é seu aspecto pragmático econômico, ela é idealista e mesmo filosofo-youtubers que discursam sobre filosofia a seguem.

Kant é complexo, mas seu ponto central é a dicotomia entre sujeito e objeto, como elas não podem ser separadas, ao menos em termos de teoria do conhecimento, ele criou os juízos analíticos e sintéticos.  Quem curamos a doença ou o doente, para Kant seria a doença, com olhar “de fora”.

O juízo analítico é aquele que o predicado está dentro do sujeito, e assim é ele que especifica sua lógica, e esta lógica vem de uma visão físico-matemática do conhecimento na modernidade.

Exemplifica usando figuras geométricas como o triângulo e o quadrado, claro este tem quatro lados, mas isto não é uma dedução e sim uma tautológica, definições circulares.

Já o juízo sintético ao contrário não pode estar contido no sujeito, assim acrescenta um raciocínio como algo completamente novo, ou seja, a novidade é o predicado.

Está muito simplificado, mas essencialmente desenvolve-se uma lógica onde Ser e Ente são coisas confusas e desmonta a possibilidade de uma ontologia, mesmo que seja parcial, e imaginava com isto jogar toda as “superstições” fora, o famoso “Sapere audi”, ousar saber.

Como a razão por si só não bastava, foi necessário introduzir a ideia do empirismo, que vinha das argumentações de David Hume (1711-1776, assim os juízos podem a priori, que já existem no sujeito, e a posteriori, adquirido experimentalmente.

Moritz Schlick (1882-1936), que fundou a escola neologicista do Circulo de Viena, criticou a base idealista de um conhecimento a priori, afirmando que uma vez que os enunciados têm uma verdade lógica, eles não são nem analíticos nem sintéticos, tal como argumentava Kant, pois era paradoxal; e que se a verdade depende do conteúdo factual, os enunciados são, portanto a posteriori e não a priori, uma vez que os fatos devem acontecer, Schlick foi assassinado pelo nazismo.

No círculo de Viena estiveram presentes Kurt Gòdel, Karl Popper, Hans Kelsen e outros.

Uma mesma proposição pode ser conhecida por agentes cognitivos tanto a priori como a posteriori, usando o mesmo exemplo de Kant, uma criação só sabe que o quadrado tem 4 lados depois que aprende a contar, enquanto para um adulto parece “indutivo”.

Assim o conhecimento é uma relação entre agentes cognitivos e as proposições, que primitivamente não são nem a priori nem a posterior, poderão ser conhecidas por fatos.

Em 1936 Husserl escreve sobre a “Crise dsa ciências europeias e a fenomenologia transcedental”, o conhecimento estava em plena crise, em meio a II guerra mundial.

O vídeo abaixo elucida o pensamento de Kant, com comentários de  Antonio Joaquim Severino;

 

É hora de mudarmos de via

11 fev

Não é proposta minha, mas o nome do último livro de Edgar Morin (Ed. Bertrand do Brasil, 2020), o quase centenário filósofo francês mostra as lições do coronavírus que resistimos em aprender, também é muito parecido ao nome do livro de Peter Sloterdijk: Tens de mudar de vida (editora Relógio d´Água, 2018), este bem antes do coronavírus.

Antes de passar a algumas lições de Morin, quero dizer que TODOS precisamos mudar de vida, o planeta se esgotou, as palavras se esgotaram, a política polarizadora nos esgota, e infelizmente as palavras adocicadas como “fraternidade”, “solidariedade”, “compaixão” e tantas outras parecem só uma vontade de alguns que os outros mudem, sem, contudo, que cada um mude primeiro a si.

O preâmbulo é uma retrospectiva histórica desde a gripe espanhola até maio de 68 e a crise ecológica atual, as lições do coronavírus no capítulo 1 comento-as no final.

Começo pelo fim para afirmar que Morin que também compartilha de valores de fraternidade, de uma cidadania planetária, da superação de desigualdades etc., tem em seu livro ama proposta bem clara, depois de demonstrar que a crise é anterior ao coronavírus que só a agravou, na página 4 sentencia “… são duas as exigências inseparáveis para a renovação política: sair do neoliberalismo, reformar o Estado” (pag. 46), que vai dar os meios no capítulo 3.

Este é na verdade seu segundo ponto do cap. 2 Desafios pós-corona, o desafio da crise política, dos nove desafios que aponta nas crises atuais: o desafio existencial, apontado também na Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco, os desafios das crises: da globalização, da democracia, do digital, da proteção ecológica, da crise econômica, das incertezas e o perigo de um grande retrocesso (pags. 44 a 53).

As 15 lições do coronavírus: sobre a nossa existência, o isolamento mostra-nos como vivem aqueles que não “tiveram acesso ao supérfluo e ao frívolo e merecem atingir o estágio em que se tem o supérfluo” (pag. 23), sobre a condição humana lembra o relatório Meadows, que apontava para os limites do crescimento, a lição sobre a incerteza de nossa vida, a lição de nossa relação com a morte, a lição sobre a nossa civilização (a vida voltada para fora, sem vida interior, a vida dos shoppings e happy hours), o despertar da solidariedade, a desigualdade e o isolamento social, a diversidade de situações e de gestão da epidemia, a natureza de uma crise, as 9 lições iniciais.

A lição sobre a ciência e a medicina, será que entendemos “que a ciência não é um repertório de verdades absolutas (diferentemente da religião” (pag. 33), a crise da inteligência, que ele divide sabiamente em “complexidades invisíveis” o modo de conhecimento “das realidades humanas (taxa de crescimento, PIB, pesquisas de opinião, etc.” (pag. 35), o ponto 2. é a ecologia da ação, alerta que a ação pode “percorrer o sentido contrário ao esperado e voltar como um bumerangue para a cabeça de quem a decidiu” (pag. 35), quantas ações e discursos caíram nesta vala.

A decima segunda lição é a ineficiência do estado, que além da política neoliberal cede “a pressões e interesses que paralisam todas as reformas” (pag. 38), enquanto a polarização se aprofunda.

A decima terceira lição é a deslocalização e dependência nacional, e lamenta “que o problema nacional seja tão mal formulado e sempre reduzido à oposição entre soberania e globalização” (pag. 39), note-se pelos discursos que polarizam e não saem deste círculo vicioso.

A décima quarta lição é a crise da Europa, lembro do livro de Sloterdijk “Se a Europa despertasse”, e Morin abre a ferida: “sobre o choque da epidemia, a União Europeia partiu-se em fragmentos nacionais” (pag. 40).

A  décima quinta lição é o planeta em crise, cita o prof. Thomas Michiels, biólogo e especialistas na transmissão de vírus: “Não há duvida de que a globalização tem efeito sobre as epidemias e favorece a propagação do vírus. Quando se observa a evolução as epidemias do passado, há exemplos notórios em que se nota que as epidemias seguem ferrovias e deslocamentos humanos. Não resta dúvida, a circulação dos indivíduos agrava a epidemia” (pag. 41).

MORIN, E. É hora de mudarmos de via: lições do coronavírus, trad. Ivone Castilho Benedetti, colaboração Sabah Abouessalam. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2020.

 

Existência, repetição e Ser

09 fev

Na filosofia pode-se ter forma (morphé) e matéria (hilé) e todos seres tem morphé-forma e hilé-matéria, mas a in-formação depende do pensamento, depende da disponibilidade ao ato de pensar e não apenas o de repetir, aqui encontramos este segundo tópico, que o repetir não significa apenas tornar-se redundante, o problema civilizatório permanece se não avançamos.

Em palestra em 2016, no Salão de Atos da UFRGS Sloterdijk já sentenciava: “Penso que a realidade hoje se assemelha a como estávamos em 1915 – comentou ele, comparando o atual panorama com uma época no século passado em que a I Guerra recém havia começado e não haviam se sucedido…”, este quadro só se agravou, a pandemia poderia ser uma pausa, mas não foi.

A repetição pode ser vista como submissão as regras, as leis da natureza, da sociedade enfim de um conjunto de situações que te aprisiona, como pode ser uma tomada de consciência de quem você efetivamente é, aquilo que é sua verdadeira natureza, então repetir é a possibilidade de ser no presente e projetar-se no futuro, então entra-se na existência.
O acesso a existência humana num novo tipo de registro implica uma articulação de sentido para o Ser e para a vida, o caminho percorrido de Husserl a Heidegger, e depois com Gadamer é o que liga a hermenêutica a ontologia, e em Gadamer é explicitado o método do círculo hermenêutico.
Pode ser assim descrito seguindo o raciocínio de Gadamer: não deve ser degradado a um círculo vicioso, mesmo que esteja seja tolerado, nele vela uma possibilidade positiva do conhecimento originário, que, evidentemente, só será compreendido de modo adequado quando a interpretação compreender sua tarefa primeira.
Esta tarefa primeira constante e última permanece sendo a de não receber de antemão, por meio de uma “ideia feliz” ou por meio de conceitos populares, nem a posição prévia, nem a visão prévia, mas em assegurar o tema científica na elaboração desses conceitos a partir da coisa mesma. (GADAMER, 1998, p. 401).
Visto o método voltamos a questão essencial do Ser, que é o esquecimento na filosofia ocidental deste conceito, desde Platão até Nietzsche, e assim temos uma metafísica ou sua negação, ambas de forma incompleta porque um conceito tão essencial não foi abordado.
É o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche.
Na sua obra “Que é metafísica” (escrita em 1929), o Heidegger definições assim a existência: “A palavra existência designa um modo de ser e, sem dúvida, do ser daquele ente que está aberto para a abertura do ser, na qual se situa, enquanto a sustenta” (1989b, p.59).
Sem esta categoria essencial a discussão e o pensamento fica preso ao “ente”, que Tomás de Aquino a define assim: “De onde se segue que a essência, pela qual uma coisa se denomina ‘ente’, não é apenas a forma, nem apenas a matéria, mas ambas, embora à sua maneira apenas a forma seja a causa desse ser” (Aquino, 2008, p. 10), nesta linha ontológica não há separação entre o Ser e o Ente.
Assim temos além do Ser, sua categoria agregada do ente, que lhe é inseparável.

AQUINO, T. O Ente e a Essência, Universidade da Beira Interior. LusoSofia.Press, Covilhã, PT, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1989.
GADAMER, H.G. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.