Ontologia e Poder
Não os aspectos externos que evidenciam que tipo de poder alimentamos e defendemos no dia a dia, mas aqueles que concretamente colocamos no interior do nosso Ser e praticamos como consequência daquilo que temos dentro.
Assim como os vícios, as virtudes também podem ter um círculo virtuoso, podem se tornar hábitos, e diante de cada fenômeno ou coisa, tomamos uma atitude que tem uma intenção boa ou má.
O poder é força, capacidade e, ao mesmo tempo, autoridade, mas existe a autoridade do testemunho e do reconhecimento público, que é um poder que se impõe pelo respeito, a única relação que pode dar-lhe simetria (igualdade diante do Outro), e existe o poder da força, aquele que leva a opressão e em última análise, as guerras.
Encontramos isto na filosofia do Idealismo, que levou a uma concepção de Absoluto e de Estado, cujo auge foi o idealismo hegeliano, e podemos encontra-la no dia-a-dia em teorias de autoestima, de autovalorização em detrimento do Outro e literatura que enfatizam o “Eu”.
A ontologia que é o estudo mais profundo do Ser e do Ente, ao contrário vai em busca das raízes mais profundas deste Ser e da realização individual sem esquecer a relação com o Outro e com as coisas, se há uma ênfase nas “coisas” hoje (ver Não-coisas de Byung Chul Han), as relações concretas com a natureza, com os alimentos e com o dinheiro diz algo do que somos.
Nesta filosofia a essência é tratada como elemento característico do ser em alguém, como a racionalidade, que faz o homem, para santo Tomás de Aquino, esta essência é “quididade” (a coisa em-si) ou a “natureza” que abrange tudo que está expresso na definição da coisa, tanto na sua forma com a sua matéria.
Não há conceitos em Ontologia e sim uma conceitualização que é relação com Ser nas linguagens, hoje a chamada virada linguística vê o conceito assim.
Esta filosofia embora metafísica é considerada realismo, em oposição ao nominalismo onde o dar nome as coisas e conceitua-la é mais forte que a essência daquilo que é, observamos isto em todos campos da filosofia e da vida humana, somos um “rótulo” e não aquilo que somos interiormente e essencialmente.
A autoridade de quem expulsa aquilo que é mau para a essência da vida humana, do processo civilizatório deve ser analisada a luz destas categorias e não apenas na perspectiva do poder.
A essência da autoridade de Cristo, que dá base a sua “cultura” era um tipo de Autoridade em essência, diz a leitura: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava com quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22) e até expulsava “demônios”.
Mudança de rota e poder
Hoje é dia da cidade de São Paulo, e também é comemorado por boa parte dos cristãos o dia do apóstolo Paulo, não coincidência pois o nome da cidade foi dado devido ao apóstolo, ainda no tempo da colonização portuguesa no Brasil.
Era chamado Saulo de Tarso, cidade da Cilicia onde nasceu ano 5 d.C. e era um judeu muito instruído que combatia o cristianismo como uma seita cristã, sendo um dos responsáveis inclusive pela morte de Estevão, o primeiro mártir cristão.
Aconteceu que no caminho de Damasco (foto) através de um tombo do cavalo, figura usada até hoje para indicar pessoas que mudam de mentalidade e de rota, ele tem uma revelação mística e fica cego, e nesta visão ele é indicado a ir ao encontro de Ananias, e tem a vista restaurada.
A partir daí é chamado de Paulo e será responsável para levar seu apostolado até os gentios, como eram chamados o que não eram judeus, visto que este era o povo escolhido por Deus, então o cristianismo sai de seus limites judaicos e chega até gregos, romanos e outros povos que viviam no Império Romano.
Sua elaboração do pensamento irá então extrapolar os limites dos costumes judaicos, embora com algumas controvérsias como a necessidade de circuncisão, ele será o primeiro e importante teólogo do cristianismo, tendo influenciado pensadores como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, importantes para o cristianismo, mas também para a filosofia.
Paulo entenderá que não se trata de uma luta pelo poder humano e nem um combate contra os domínios do poder temporal, e sim o combate a mentalidade terrena que não alcança valores além do poder, da riqueza e das paixões humanas.
Sem Paulo, provavelmente o cristianismo não teria saído dos domínios judaicos, nem chegaria a Grécia, a Roma e a todo império romano e depois ao mundo todo, apesar da perseguição dos poderes locais ele se expandia no mundo dos povos e se enraizava dentro das culturas.
A rota civilizatória e humana não pode almejar somente a tomada do poder e a submissão aos valores deste poder, sem uma base humana sólida, com valores atemporais, o poder fica confinado a dimensão das armas e da opressão.
A paz, a harmonia entre os povos, o respeito a diversidade cultural não pode estar submetido ao poder das armas e da opressão, da falta de liberdade e ausência de diálogo e respeito.
Pensamento do Estado
O modelo de estado, conforme visto em posts anteriores, vindo da antiguidade clássica, foi profundamente transformado pelo contratualismo (Hobbes, Locke e Rousseau) e pelo pensamento de estado de Hegel, cria categorias como Filosofia do Espírito e um complexo pensamento baseado na tríade que desenvolve um caminho cíclico, passando por contradição de opostos (tese e antítese) e síntese que gera novos opostos.
Supõe que o Estado possui ética e lei superiores que se só se objetiva se for cumprida, por ser apenas formal (ou seja, permanece idealista) e a Constituição resulta supostamente do espírito do povo e deve ser pensada como em constante formação.
O Estado, na sua suposição teórica, existe para si em virtude de uma necessidade natural, que para ele é “divina”, pois esta necessidade, para se fundar, não tem necessidade do consentimento dos indivíduos, nem de nenhum contrato, enfim, é um Absoluto poder.
Sua teoria tem a pretensão de representar um pensamento acabado, que tem por fim de ser o limite da própria filosofia, dá aqui para entender a frase paradoxal de Marx (um hegeliano) que afirma que os filósofos agora devem mudar a realidade, criando o estado “puro” sonhado por Hegel, seria um fim da filosofia, sistema que sem dúvida se iniciou com Platão e tinha como objetivo a política (a formação dos cidadãos para a polis).
Este pensamento último, afirma Hegel “essa ciência é a unidade da arte e da religião. Por conseguinte, a filosofia se determina de modo a ser um conhecimento da necessidade do conteúdo da representação absoluta” (HEGEL, 1995, p. 351).
Em seus escritos de juventude Hegel escreveu seu tema central sobre a problemática teológica, isso porque o futuro professor de Berlim formulou inúmeras reflexões acerca do cristianismo, sempre tendo a cultura grega como base para o ideal de organização política, chegando a comparar Jesus a Sócrates, assim estas teorias são mais antigas do que se pensa.
No terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, ensaia o que aprofundará depois em sua publicação da Filosofia do Direito, em 1821, um estudo do Estado (eticidade) que se diferencia da época porque retoma uma concepção teleológica da relação entre universal- particular, sua filosofia e elaboração na medida em que usa o Direito não deixa de ser ideal.
Sendo um de seus seguidores Hegel foi fortemente influenciado por Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854), que tenta estabelecer uma relação entre o real-ideal da concepção política, Marx fará uma crítica a estes filósofos “mais idealistas” se autodenominando neo-Hegeliano, uma filosofia da terra “para o céu”, ou seja, um idealismo invertido, mas ainda é.
A ideia que esta teoria política poderia se aproximar da ontologia, vem de um simplismo onde o Ser é confundido com o pensar (lembremos que isto é cartesiano: Penso logo existo) e assim sua ontologia seria que o Ser, compreendido pela dimensão do pensamento, identidade absoluta, busca a superação do objeto-sujeito, ser-pensar e nesta última relação é preciso ver não um dualismo, mas uma separação, já que na ontologia clássica se estuda o ser como são e não com suas propriedades particulares e fatos, é retornar a sua essência metafísica.
HEGEL, G. W. F. 1995. Enciclopédia das Ciências Filosóficas V. III. São Paulo: ed. Loyola.
O sofisma moderno
Além da crise do pensamento, da crise social que não conseguimos resolver em mais de um século de um espetacular desenvolvimento das forças e tecnologias que interferem na natureza e deveriam ajudar o homem e não destruir a natureza, talvez a crise civilizatória mais comum esteja na política, uso talvez porque o pensamento que dá base a ela se perdeu.
O modelo da sociedade moderna começou na Grécia antiga e Platão se refere a este modelo principalmente em sua obra “A república”, porém o embate inicial é contra aquilo que era usado como forma de poder de seu tempo: o pensamento sofista.
É preciso definir o sofista para que ele não seja confundido com o filósofo ou com o político, Platão parte do pressuposto de que a nenhum homem é dado o poder de conhecer todas as coisas, o que o tornaria um deus, e na propaganda enganosa do sofista, ele poderia ensinar tão somente uma aparência de ciência universal, e aqui se encontrar a dificuldade de estabelecer o que é a falsidade e a verdade de um discurso enganador, assim está presente em qualquer discurso.
Esta dificuldade entre a verdade e a falsidade é aquela que fomenta uma discussão ontológica, se estabelece assim uma arte da ilusão, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros que assim a delimitam e o que propicia esse poder de ilusão, além de determinar qual o seu objeto e sua relação com o que é imitado, assim o sofista não é um leigo, ele possui sim uma arte que deve ser justificada como ilusória e prejudicial quando se pretende formular uma crítica e estabelecer o princípio ou norma ideal para se educar.
Este é o sofisma moderno, o que é educar, agora não se tratam apenas de correntes de Piaget, Skinner, Construtivista, Vygotsky ou qualquer uma das “modernas” teorias da aprendizagem, e sim o problema da fragmentação e vulgarização do conhecimento, onde até questões básicas de matemática, geografia ou literatura, por exemplo, são completamente ignoradas no ensino.
Dois sofismas modernos, só para dar um exemplo, de argumentos aparentemente lógicas que levam a conclusões equivocadas: “Quem não trabalha tem muito tempo livre”, a ideia de usar a força do conhecimento da multidão levou muitas pessoas a investirem o “tempo ocioso” em atividades de mídias sociais, jogos virtuais que são caça níqueis etc., outra espiritual é aquela que imagina um Deus ou uma energia criadora de fortunas e resolução automáticas de coisas complexas da vida, a lógica é “Se Deus é amor e eu amo a Deus minha vida está resolvida”, o esforço, a dedicação e o trabalho pessoal deve vir junto a esta atitude e isto sim significa ter atitudes compatíveis com uma vida digna religiosa: honestidade, fraternidade com os que dependem de nós e resiliência em momentos de dificuldades, que são normais na vida.
Platão ao elaborar a República não esqueceu as virtudes do homem público e toda filosofia trabalhou neste sentido, porém os equívocos no pensamento (filosofia) e na sociedade (ou na política) são decorrentes do desenvolvimento do pensamento antigo em uma direção sempre verdadeira, apesar de lógica, pois a lógica instrumentalizada pode ser um sofisma em certos contextos.
Guerra no Baluchistão
Creio que a maioria das pessoas ignora a existência desta região que chega a ser 44% do território do Paquistão, ela foi bombardeada pelo Irã na semana passada (16/01), em resposta o Paquistão bombardeou o Irã iniciando um conflito que pode escalar entre os países, na mesma semana que bombardeou alvos na Síria e Iraque.
Segundo o Paquistão os mísseis da quinta-feira (18/1) tiveram como alvo “esconderijos terroristas” e mataram 9 pessoas, tudo isto significa que o exercito da Guarda Revolucionária Islâmica se pôs em ação, assim como crescem as tensões entre Houthis e EUA no mar vermelho.
Algo pouco divulgado, mas que é estratégico na economia mundial é a rota econômica que se inicia em Gwadar no Baluchistão até Kashgar (China), a China tem investido em rotas terrestres.
A região do Baluchistão (mapa) tem mais de 12 milhões de habitantes, é rica em minério de ouro e é considerada uma espécie de “terra sem lei”, porém mais que o interesse econômico, o que a guerra ali desperta é o alerta e a prontidão da Guarda Revolucionária Islâmica que sinaliza contra Israel em tensão na faixa de Gaza.
A guerra da Ucrânia também piora as tensões, a retórica dura do governo francês de Macron, que afirmou que “a Rússia não pode ganhar a guerra” endurece as tensões da Otan com os duros ataques a diversas cidades Ucranianas provocando um caos no país.
As narrativas procuram justificar à direita ou à esquerda aquilo que é óbvio, sofre a população civil, numa escala maior a população mundial se uma recessão vier, pioram as relações desde as econômicas até as sociais e a paz fica cada vez mais distantes.
Não há justificativas para uma “guerra justa”, se no passado as rígidas divisões territoriais e a “riqueza das nações” (um clássico de Adam Smith, que Marx leu para escrever o Capital) eram uma realidade, hoje só a justificativa do poder e da ganância justificam um neocolonialismo.
Rompe-se com a verdade, com o bom-senso e até mesmo com a razão, para poder justificar uma lógica de poder, já na antiguidade afirmava Platão: “Se surgisse uma cidade de homens bons, é provável que nela se lutasse para fugir do poder, como agora se luta para obtê-lo, e tornar-se-ia evidente que, na verdade, o governante autêntico não deve visar ao seu próprio interesse, mas ao do governado” (Platão, A República).
O tempo da clareira
Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, impróprios para valores humanos e morais, significa que também é um tempo de clareira, é um tempo que muitas consciências e homens poderão despertar e enxergar e encontrar a clareira.
É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, política, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os profetas foram mortos e ignorados justamente por gente “religiosa”.
O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.
Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que julga proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro devem ter.
Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam como desvelar.
Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.
Na passagem bíblica de Marcos 1,1-19, Jesus esclarece que a morte de João Batista é este sinal da clareira, que Herodes pediu a cabeça numa bandeja para a esposa depois que a filha Herodíade dançou para o rei, a morte do último e maior profeta inicia um novo tempo.
Diz a leitura (Mc 1,15): “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei- vos e crede no Evangelho”, e para os que creem na clareira bíblica, é o tempo da mudança.
Tempo de recuperar e viver verdadeiros valores humanitários, ainda que não sejam cristãos, o desejo de paz, de olhar para o Outro com a dignidade que cada um tem e de viver a justiça.
O idealismo e a vivência real
A grande descoberta da vida real (ou redescoberta se tomamos como base a ontologia clássica e medieval) é uma crítica radical ao idealismo, que separa o sujeito da vida com o mundo real, o que é prometido na vida projetada sobre as coisas e as não-coisas (nossos posts da semana passada) é a catástrofe da vida real que não se traduz em valores reais e concretos.
A fenomenologia retoma a vida real através do Lebenswelt (mundo da vida) que foi retomado pelo filósofo Husserl e que é tocado e citado por Habermas, sem desenvolvê-lo realmente.
O objetivo desta filosofia é mostrar que deve ser o ser humano o centro do processo de conhecimento, a consciência humana é doadora de significado ao mundo das coisas, ou dos fenômenos deste mundo, de onde vem o nome fenomenologia, não-coisas também podem readquirir sentido se penetrarmos nesta razão humana (que o idealismo chama subjetividade).
Com isto a consciência humana readquire significado e sentido aos fenômenos e coisas do mundo, direciona ao que é cada coisa em essência, num caminho sempre intencional e com isto doador de sentido.
Husserl na sua obra “Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia transcendental”, é onde este conceito aparece de forma clara e aprofundada, porque estabelece uma relação entre a epistemologia (a sistematização do conhecimento) e a filosofia e redescobre a ascese.
Assim, uma verdadeira ascese não separa o mundo das coisas e não-coisas apenas mostrando que haveria uma irrealidade em um destes mundos, como ele não está separado da vida, é lá que se verifica que nos deslocamos do mundo concreto da vida para um caminho cujo evolução destrói a base do humano e do real, as guerras e as decadências pessoais são isto.
Em Habermas o mundo da vida é trabalhado como algo que está imediatamente disponível para os atores sociais sob a forma de significado e/ou representações disponíveis a todos, já para Husserl a fundamentação fenomenológica remete a uma ética para a ciência e a técnica do mundo, dado que a ciência não conseguiu alcançar este patamar como discurso sobre a ação na qual é ausência a vida da reflexão, e dentro da ciência, o que faz o criticismo de Kant.
Sloterdijk desenvolveu algo próximo a este conceito como uma ascese desespiritualizada, ou seja, apesar de trabalhar o conceito de “fenomenologia do espírito” eles ficam no campo abstrato e sua real atualização no mundo da vida não acontece, porque não é claro que tipo de exercício é este.
Assim realizamos uma série de “exercícios”, somos a sociedade dos exercícios físicos e mentais, mas sua tradução no mundo da vida não leva a atos sociais e morais concretos.
HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
O terceiro incluído da física e o pensamento
O fato que estamos presos ao dualismo, A e não-A, o Ser é e o Não Ser não é, e agora transformado em pensamento político como se a natureza e a sociedade houvesse apenas sempre duas opções em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) é um pensamento desatualizado se olhamos o paradoxo lógico desenvolvido pelo físico Barsarab Nicolescu que encontra paralelo não só na física quântica (foto), mas também no pensamento social e ontológico: a terceira opção (figura).
Tanto que isto é verdade que o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança uma saída do centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que rompe dualismos e paradoxos.
Tanto a carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, como outros pensadores como Edgar Morin e outros perceberam uma crise na modernidade com raiz no pensamento e na educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”.
Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizada e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar será necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos e não apenas o que é conveniente ao poder.
A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”
A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.
A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, neste epoché (a visão grega do vazio) pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.
O mau gosto está se tornando comum
A palavra não é minha, e sim nada mais nada menos do que o escritor nordestino Ariano Suassuna, em uma palestra que alguém teve a feliz ideia de transformar em um short post do youtube, ele complementa: “a capacidade de se indignar com o que é feio, disse, eu vejo novela, acho que a novela coisa importante que a gente tem que ver, estava passando uma novela era até boa, mas na música de entrada tem um verso repare que coisa, minha pedra é ametista, minha cor é o amarelo, mas sou sincero preciso ir com urgência ao cientista” … o publico riu … e ele complementou: “tenha paciência isso é ruim demais” (trecho de palestra de Ariano Suassuna).
Theodore Dalrymple, é o pseudônimo do psicanalista inglês Anthony Daniels, que resolveu escrever ensaios e transformou 26 ensaios em um livro Nossa Cultura ou o que restou dela, e agora trabalhando como voluntário em uma obra que reeduca adictos e entendi mais a fundo o que o autor queria dizer, não se trata de sentimentalismo ou simplesmente dar a receita: “a sociedade fez isto com ele”, em parte é verdade, mas por decisão própria estas pessoas podem mudar suas vidas (entrevista com Danilo Gentili).
A decisão é individual e pode mudar vidas e realidades, é possível devolver esperança a pessoas que a vida o colocou a margem, sem fazer demagogia ou tratar com preconceito estas pessoas, ajuda-los a enfrentar de frente a realidade própria, e depois a social, mas a decisão é um primeiro passo pessoal (entrevista com Danilo Gentili).
O gosto pelo feio, antiético e imoral não é opção final, pode ser reversível, mas a receita do sucesso é enfrentar a realidade pessoal e social, sem fugir das responsabilidades dela e disposto a ver alternativas de educação, respeito e ética que nem sempre são as tomadas.
Dar uma esmola, um prato de comida pode ser uma medida imediata, mas a preventiva exige uma mudança de perspectiva de vida, de uma metanóia muitas vezes complexa que desmonta valores antissociais adotados, e o psicanalista Anthony Daniels fala com propriedade, porque tratou de muitos destes casos extremos em presídios e no seu consultório.
Adotou o pseudônimo provavelmente para demonstrar que não se tratam apenas de casos e distúrbios psíquicos, mas de vícios e atitudes antissociais que se transformam em pensamentos e ações destrutivas e negativas.
O livro na primeira parte trata de artes e letras e a segunda parte de sociedade e política, mas o autor não deixa de tratar do futuro nas duas partes, para onde estávamos indo e já estamos quase chegando: a ladeira abaixo na qual entramos e se é possível reverter este processo.
Além de críticas ao modo de pensar eurocêntrico, idealista e da cobrança pela eficácia, ele que é europeu mostra caminhos parecidos aos que buscam tirar pessoas do caminho da degradação.
Quem assiste estes influencers que oferecem recompensa por aí, perguntas básicas, como a primeira capital do Brasil, a capital de algum Estado que não seja São Paulo ou Rio Grande do Sul, os outros parecem desconhecidos, perguntas de matemática então beiram a ignorância.
Perguntas como quanto é 10 elevado a 0 de matemática, frutas que começam com P (Pera, Pitanga, Ponkan, etc.), enfim perguntas muito simples e que poucas pessoas respondem.
Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela”. E Realizações. São Paulo. 2015.
Um novo front de guerra
O medo que a guerra entre o Hamas e Israel incendiasse a região do oriente médio aos poucos vai se confirmando e escalado, os bombardeios realizados por forças ocidentais (EUA, Reino Unido e Holanda) na região do Yêmen, onde o movimento extremista Houthi tem suas bases.
O grupo é alinhando ao Irã, e a região é uma das mais pobres do planeta, e os Houthis mantem o controle sobre navios de bandeira internacional que navegam pelo mar Vermelho, local estratégico para forças militares na região (veja o mapa).
No passado distante chegou a fazer parte do Reino de Sabá, a mais de mil anos, sendo mencionado inclusive no Genesis, e também no Alcorão, mais recentemente por ter chuvas mais que outras regiões dos países árabes tinha uma boa agricultura, cuja plantações de cafés é de onde vem o tipo de café arábico, e chegou a ser chamada de Arábia Feliz juntamente com Omã no período em que tribos sedentárias desenvolveram uma economia agrícola.
Chegou a dividir-se em Yêmen do Norte e do Sul, período em que uma região tornou-se de domínio comunista, porém voltou a se reunificar e no período da primavera Árabe o país entrou em uma grande instabilidade política e social, mergulhando em uma sangrenta guerra civil, que segundo dados da ONU deixou 22 milhões pessoas em situação de vulnerabilidade.
As incursões militares dos EUA e Reino Unido na região eleva a tensão com os países árabes e pode provocar uma escalada militar ainda maior na região.
Outro polo de tensão foi a eleição em Taiwan do candidato do Partido Democrático Progressista (PDP), Lai Ching-te, de 64 anos, ele alcançou 40,1% dos votos contra Hou Yu-ih (Koumintang, KMT) com 33,5% e Ko Wen-je (Partido do Povo de Taiwan, PPT) com 26,5%, sua eleição representa a aprovação de uma política nacionalista contrária a China, Lai era vice da atual presidente.
Segue a escalada da guerra na Ucrânia, onde o inverno favorece o “general do inverno”, devido a dificuldade de movimentação e manutenção de tropas pela Ucrânia em regiões frias, a Rússia tem feito intensos bombardeios em diversas cidades usando a força aérea.
A crise em Israel que completou 100 dias deste o atentado do dia 7 de outubro pelo Hamas, e se volta agora por ataques do Hezbollah que são apoiados pelo Irã, que se pronunciou como não tendo participação nos atentados que deram início ao conflito.
O quadro de beligerância em todo planeta se intensifica, as eleições americanas se realizarão este ano em novembro e os partidos já utilizam as situações de guerra como campanha.