Fenomenologia e o outro
O Outro não é uma categoria contemporânea, entretanto como que ela se realiza a partir da fenomenologia husserliana é algo inteiramente novo, não por acaso Heidegger, aluno e discípulo de Husserl pensou a ipseidade pensou o enraizamento da alteridade na própria “ipseidade” (Selbstheit) (o que diferencia um ser do outro, recusando-se a pensar o “si-mesmo” (Selbst) segundo as categorias da substância e da “identidade” (Identität), assim sua ontologia do Outro é inteiramente nova (dentro da filosofia).
Se queremos tratar da identidade, categoria própria de um período do individualismo e de pretensas totalidades finitas, podemos dizer que numa antropologia moderna mais atual, a “teoria” da identidade deve ser vista como dando ao Outro o aspecto “semelhante” enquanto “ser humano”, mas definido como “diverso” e “desigual” no conjunto de relações interétnicas, interculturais ou interreligiosas.
É este contato entre diversas culturas, religiões e até mesmo posições identitárias ideológicas, que está em jogo o processo civilizacional, não faltam “influencers” e grupos a incentivar um tipo de cultura em repulsa a outro, tratar o desigual e o diferente como “inimigo” e isto nem quer dizer que eles inexistam, numa guerra por exemplo, mas a negação do Outro.
Não faltam filósofos que trataram o tema, aquilo destacamos a fenomenologia de Husserl e suas influências: Heidegger, Edith Stein, destaco Paul Ricoeur (O si-mesmo como um outro) e Emmanuel Lévinas (Ética e infinito) e Hans-Georg Gadamer (Verdade e Método).
Mas também Habermas (O discurso filosófico da Modernidade e A inclusão do Outro) e Byung-Chul Han (A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje) que são muito bons para análise da comunicação e sociedade nos dias de hoje, mas sem uma visão clara do Ser enquanto Ser como na ontologia heidegeriana.
Reconhecer o Outro como tendo uma dignidade e merecendo o respeito, mesmo que em posições diferentes da nossa é o remédio para a falta de empatia nos dias de hoje.
Esperança de paz e armas táticas
Em meio a tentativas internacionais de intermediar a guerra na Ucrânia, vários países africanos liderados pela África do Sul através de seu presidente, visitaram no final da semana passada a Ucrânia e a Rússia, os resultados não são esperançosos, mas cada tentativa de paz é um novo alento e cresce a opinião pública internacional por uma paz negociada e diplomática.
A missão além do presidente da Africa do Sul Ramaphosa, estavam também os presidentes do Senegal Macky Sall, da Zâmbia Hakainde e de Camores Azali Assoumani, além de altos representantes congolenses, ugandeses e egípcios.
Na Ucrânia além de conversas com o presidente Zelensky, visitaram o cemitério onde estão centenas de civis da cidade de Bucha, uns dos maiores massacres promovido pela invasão russa e lá depositaram flores.
No fim da semana visitaram Putin e ouviram a tradicional retórica que a Rússia não tinha outra saída para sua segurança, e que a negociação deve incluir os territórios conquistados na guerra.
A preocupação principal dos países africanos é a entrega de grãos tanto da Ucrânia quanto da Rússia e que uma crise internacional pode afetar a segurança alimentar, em especial, dos países mais pobres, o que inclui a África.
A Rússia concretizou o envio de armas “táticas” para a Bielorrússia, seu tradicional aliado nesta guerra, afirmando que o objetivo não é utilizá-las, mas tem o objetivo “tático” de defender as fronteiras incluindo a de seu Aliado.
O envio de caças e tanques para a guerra é um combustível a mais para a Ucrânia, e já mudou o cenário nuclear, países que optavam por desarmamento e politicas “verdes” abandonam esta perspectiva, um exemplo é a Alemanha que aumentou pela premira vez desde a segunda guerra mundial, seu orçamento militar.
Porém a propaganda interna de Estado, que domina praticamente todos meios de comunicação, é que com armas nucleares a Rússia é mais forte poderá usá-las se necessário.
O conflito já ultrapassou todas as fronteiras, poucos são os países que não se posicionaram, no entanto, a formação de um bloco que deseja a paz é fundamental para uma saída mediada.
Por onde resolver a crise civilizatória
Desenvolvemos durante esta semana a ideia que entre tantas sombras, ainda a luz e sal para dar sentido e vida ao processo civilizatório, é possível superar a cólera da guerra e o ódio das diferenças de opinião se introduzirmos na sociedade elementos novos de vida saudável.
Desde ONGs e voluntários que trabalham em campos de guerra, até pessoas que trabalham com determinação e autocontrole num cotidiano cada vez mais difícil e intolerante.
Não há regra geral, é preciso acelerar o processo diplomático para entendimento e superação de guerra, é preciso avançar um processo de educação de um homem integral que saiba lidar com diferentes fatores da vida social, incluindo as diferenças étnicas, políticas e religiosas.
O crescimento do círculo egocêntrico devido a ideologias e bolhas de círculos fechados, eles reforçam o pensamento individualista e grupal, pode ser alterado alargando os círculos de convivência e permitindo e dando pertencimento a grupos e pessoas excluídas.
Mas é preciso sobretudo fortalecer o tecido saudável, a pouca luz e o pouco sal que mesmo sendo pouco pode fazer a diferença e mudar ambientes, grupos e até nações inteiras lhes devolvendo a autoestima ao mesmo tempo que desenvolve a tolerância com outros povos.
O cenário trágico que se desenha pode ter seu curso alterado, porém é preciso primeiro salvar aquele tecido sadio onde ainda se respira o respeito, a tolerância e a paz social.
As religiões e os grupos sociais mais pacíficos e responsável, o descontrole preso ao ego é infantil como desenvolveu Freud, pode ceder lugar a relações maduras entre pessoas, grupos e povos.
Na passagem bíblica em que Jesus observa que as multidões estavam “como ovelhas sem pastor” (Mc 1,15) ele não apenas estimula os discípulos a ajuda-las, mas também lembra que que primeiro: “6Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!” e diga que o “Reino dos céus está próximo” e ele não virá pela mão de poderosos e narcisistas, e sim da vida e da palavra destes seus seguidores.
Afastar o medo, sair do mal-estar civilizatório
Pode parecer adocicado ou até mesmo infantil, Freud diz o contrário, que adotemos atitudes mais reflexivas e tolerantes diante de dificuldades.
Os gregos sabiam que sem autodomínio os homens podiam se entregar a dois polos paralisantes: deimos e phobos (terror e medo), por outro lado é difícil refrear a reação imediata aguda, se não fomos educados para a decepção, a frustração e o diálogo.
Adam Smith, cujo pensamento influenciou a economia moderna incluindo Marx, também escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, que o autodomínio é fundamental diante de uma situação aterradora, e estabelece dois modos de autodomínio.
Teoriza que o “agir de acordo com os ditames da prudência, da justiça e da beneficência apropriada, parece não ter grande mérito se não existe a tentação de agir de outra forma”.
Deveríamos ser educados para a capacidade de empreendermos autodomínio diante dos pathós (afecções da alma) onde devemos pôr em relevo nossas maiores virtudes, ou sucumbiremos aos processos vexatórios e odiosos vícios, e por incrível que pareça, já domina a maioria das mídias sociais, chegando até as mais altas cortes do país.
Segundo o autor o segundo grupo das paixões sobre as quais convém que exerçamos autodomínio, levam ao contexto do “o amor ao sossego, ao prazer, ao aplauso e a muitas outras satisfações egoístas”.
Assim se compararmos as do primeiro com as do segundo grupo, podia parecer mais fácil dominá-las, pois essas inclinações nos concedem algum tempo mínimo de reflexão; ao menos, mais do que quando somos assaltados pelo medo e pela cólera (primeiro grupo), entretanto vivemos o contexto de reações imediatas ou paralisia, sem perceber que estes extremos se tocam.
Se cedemos a todos impulsos, se damos pouco tempo ou espaço a reflexão, ao silêncio e até mesmo ao cultivo da interioridade, o que externamos é quase sempre pouco empático, e no extremo oposto sobram a cólera e a barbárie.
A Inteligência emocional, desenvolveu métodos que sugerem como controlar suas emoções e ajuda a reconhecer mais facilmente quando ela melhora suas relações e empatia.
SMITH, Adam. The Theory of Moral Semtiments, 1ª. Ed. 1759.
Promover o bem e a paz
As convicções e teorias que levam os homens tanto ao processo civilizatório como ao seu oposto, a barbárie, partem de motivações interiores e elas tiveram diferentes contextos em momentos da história, acompanhado a reflexão de Freud em sua análise do “mal-estar” diz:
“vemos que esse sentimento do Eu que tem o adulto não pode ter sido o mesmo desde o princípio. Deve ter passado por uma evolução que compreensivelmente não pode ser demonstrada, mas podemos construir com certo grau de probabilidade” (FREUD, 2010, P. 12).
Mas antes de fazer uma análise histórica, ele parte da vida intrauterina, aquilo que também Peter Sloterdijck vê como esfera primordial, ele ainda não separa o Eu do mundo exterior, mas aprende a fazê-lo aos poucos, “em resposta a estímulos diversos”, mas parte de um interior.
Assinala Freud: “É assim que ao Eu se contrapõe inicialmente um “objeto”, como algo que se acha “fora” e somente através de uma ação particular é obrigado a aparecer. Um outro incentivo para que o Eu se desprenda da massa de sensações, para que reconheça um “fora”, um mundo exterior, é dado pelas frequentes, variadas, inevitáveis sensações de dor e desprazer que, em sua ilimitada vigência, o princípio do prazer busca eliminar e evitar”. (FREUD, 2010, os. 12-13).
Explicará assim o seu isolamento e egocentrismo, porém se não avança para a idade adulta e não sabe conviver com contradições e desprezares, permanecerá neste circulo “infantil”, na bolha onde tudo parece girar ao seu redor e feito para seu prazer.
E continua: “As fronteiras desse primitivo Eu-de-prazer não podem escapar à retificação mediante a experiência” (p. 13), senão surgirá a tendência de se isolar e nisto consiste a dificuldade de promover o bem e a paz social, que inclui o outro, a sociedade e os povos.
Assim são mais adultos, mais maduros aqueles que promovem a paz, o bem-estar e o diálogo social, e mais infantis aqueles que promovem a guerra, o ódio e a intolerância.
O fato que desde a educação familiar até a adulta não se imponha as dificuldades e ensine a conviver com eles, com o desprezar e as perdas criou um círculo vicioso e egocêntrico de bolhas, onde os povos e as culturas não podem conviver sem a guerra e sem a tolerância.
Continuam haver instituições, ONGs e pessoas que promovem o diálogo, a paz e se opõe de modo claro a guerra, a falta de liberdade de expressão, às ditaduras e culturas autocráticas.
Felizes os que promovem a paz, os que promovem o bem-estar social e cultuam a empatia.
A cultura e mal estar civilizatório
Em análise do livro mal estar da civilização, Freud analisa corretamente aquilo que é instintivo de querer dominar sobre o outro, em sua análise psicológica é com o id que prevalece na infância e é possível demonstrar que todo processo civilizatório de alguma forma privou a satisfação dos seres humanos e dos povos de alguma forma.
Esclarece no início de sua obra: “é difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida” (Freud, 210, p. 10), esclarecendo a seguir que deve se evitar a generalização.
Ainda que negue de início um juízo sobre a religião, em um suposto diálogo de cartas com algum interlocutor, ele descreve o que “gostaria de denominar a sensação de ´eternidade’, “um sentimento de algo ilimitado, sem barreiras, como que ‘oceânico’. Seria um fato puramente subjetivo, não um artigo de fé; não traz qualquer garantia de sobrevida pessoal, mas seria a fonte de energia religiosa de que as diferentes igrejas e sistemas de religião se apoderam, conduzem por determinados canais e também dissipam, sem dúvida” (idem).
O autor faz uma constatação antropológica, sociológica e até certo ponto clínica que demonstra tanto a natureza construtiva como destrutiva do homem em função das pulsões de vida e de morte, escrita no período entre guerras (1918-1939), revela o esforço para evitar que os ímpetos hostis a espécie humana ultrapassassem a barrira do superego da civilização.
Freud expressava assim o medo da guerra em seu tempo: “[…] os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes [seria] difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem” (FREUD, 1930, 2010, p. 79), assim o sistematizador da psicanálise parecida enxergar além de seu tempo, vendo os limites do horror em nossos dias.
De fato, o desejo humanizador civilizacional não é específico desta ou daquela religião, mas quando o cristianismo chama homens e mulheres a serem “Sal da terra e luz do mundo” é para que além do poder, da capacidade destruidora que povos e nações tem, estas forças sejam usadas para o progresso de toda a humanidade e não de determinado grupo ou visão social.
As tecnologias e forças vitais retiradas da natureza não podem servir a outro intuito que não seja o de propiciar o bem-estar ao maior número de pessoas possíveis, este é o sentido da vida e nela se fundamentam o sal que dá gosto ao alimento e a luz que ilumina os povos (na foto o sal do Himalaia).
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930 – 1936). Obras completas volume 18. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Guerra e ações humanitárias
A explosão da barragem na região de Nova Kakhovka, região de Kherson, despertou um sentimento humanitário mais forte devido ao desastre que é também ambiental e que afeta todos os moradores daquela região, incluindo a Criméia que é domínio russo.
Apesar de ser um desafio enorme e perigoso, a Ucrânia é vitima de bombardeios quase todos os dias, muitas organizações humanitárias ajudam as pessoas que vivem lá ou que estão retornando (é grande o número que resolveu correr o risco), segundo a ONG Zoa, a ajuda de diversas ONGs já atingiram cerca de 5,5 milhões de pessoas.
Uma das regiões destruídas ao norte, que faz fronteira com a Rússia e a Bielorrússia é Cherniguive ou Chernigov, lá a ONG Zoa ajuda a reconstruir a vida e dá assistência às pessoas, isto é um modo de encorajar as pessoas a continuarem vivendo lá (foto créditos da ZOA).
A Islândia rompeu relações diplomáticas com a Rússia devido a guerra, Putin promete retaliar.
Certamente a vida na Ucrânia nunca mais será a mesma, e gerações lembrarão deste horror como lembram do Holodomor (1932-1933) no período stalinista, um dos motivos que separa povos que do ponto de vista étnico são próximos.
A guerra entra num período de possibilidade de escalar para outros países e explodir numa nova catástrofe mundial de uma guerra global, a Rússia já deslocou armas nucleares “táticas” para a Bielorrússia, uma ameaça clara aos países que ajudam a Ucrânia.
As tentativas de estabelecer a paz ou um cessar fogo são cada vez mais desesperadas e com poucas chances de sucesso, porém elas continuam acontecendo, neste momento são heroicas.
A etapa dolorosa e perigosa que representa a contraofensiva ucraniana e as ameaças russas, representam os limites de uma guerra total ainda mais cruel e perigosa, muitos países já se posicionam por uma intervenção possível e apoio a um dos lados nesta guerra insana.
O apelo deve ser ao bom senso, aos verdadeiros valores humanitários e ao perigo de uma crise civilizatória sem precedentes.
Dialogo e diversidade
O choque entre duas concepções hegelianas de estado e a ausência de diálogo e novos horizontes estão entre as causas da crise civilizatória.
Tanto os velhos hegelianos modernistas quanto os novos revolucionários apontam uma visão de estado com um discurso único, ausência de diálogo e tolerância, esta é a raiz da crise.
O que notamos é a superficialidade deste problema de fundo, cada qual criando verdade que pensam ser universais e as vezes são até mesmo bizarras, como elas estão apenas no nível das ideias e não correspondem ao real não contribuem para uma saída real da crise civilizatória.
Todo dia despontam “sábios” de algum tipo que já tem a saída para grandes problemas que envolvem lideres, nações e culturais que se desenvolveram, em general já criaram raízes e tem grande dificuldade de dialogar com outras visões de mundo.
A convivência na diversidade é fundamental para uma sociedade democrática, quando só uma visão de mundo e uma forma de administrar o estado é imposta uma parte da população está fora deste diálogo e não verá oura saída a não ser a rebelião, ao nível do estado significa guerra.
Vivemos duas guerras mundiais fruto de uma concepção colonialista de estado, entretanto a atual é mais grave porque se trata de uma visão de hegemonia imperialista de forças opostas.
É verdade que há forças sociais se esforçando para abrir um caminho de diálogo, porém no campo diplomático ela tem fracassado, não por falta de propostas, mas por alinharem-se de modo discreto a um dos lados em conflito.
No campo religioso isto também ocorre, a visão farisaica que não é possível dialogar e ver como importante a convivência com “pecadores” e “cobradores de impostos” (os que gerem mal o estado ou se corrompem hoje) está descrita em Mateus 9,11-13:
“Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” Jesus ouviu a pergunta e respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício.’ De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”.
O sacrifício de milhões de inocentes ocorre numa guerra porque não há força que dialogue com o pecado do conflito, do ódio e da guerra sem limites humanos e morais (na foto a explosão da barragem em Nova Kakhovka, região de Kherson).
Sem tolerância e diálogo nenhuma paz é possível, e neste momento a civilização vive a crise.
Dualismo e unidade
O dualismo vem do idealismo de Parmênides e chega até Hegel, já postamos em suas categorias em-si, de-si e para-si, sendo para-si um certo retorno ao em si (posts da semana passada).
Existem dois tipos de dualismo: o dualismo de substância e o dualismo de propriedades.
Enquanto o dualismo de substância (ou dualismo cartesiano) argumenta que a mente é uma substância que existe de forma independente, já o de propriedade descreve uma categoria de posições em filosofia da mente que advogam que, apesar de o mundo ser constituído por apenas um tipo de substância, do tipo físico, existem dois tipos distintos de propriedades: propriedades físicas e propriedades mentais.
Esta briga no interior do dualismo continua em separação substância e mente, seja como substância ou propriedade.
A unidade é possível se pensarmos além da ontologia lógica de Parmênides onde o Ser é e o não ser não é, há um Ser que não é, que está presente na alma, e que no sentido trinitária é um Ser-para-si, isto é um para no sentido de além de, neste caso além da substância, e se pensarmos em Deus Absoluto (usando a categoria Hegeliana) o para-si é substância e se concretiza no “filho” da Trindade que é Jesus, ser-em -si homem e ser-para-si Deus.
Assim Deus entra na história e na substância como mente e propriedade, aquilo que o teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin chama de noosfera, que é subtítulo deste blog.
Deus mente e propriedade entra na história e se eterniza como substância no corpo e sangue, com as substâncias pão e vinho, que são artefatos humanos, o trigo feito pão pelo homem e a uva feito vinho pelo homem, assim substância humana, divinizada e eternizada na ceia de Jesus, esta é a festa do Corpo de Cristo realizada hoje por boa parte dos cristãos.
No raciocínio chardaniano Deus retirou o universo de sua sub-instância que também é Deus, do corpo de Cristo, assim todo universo é cristocêntrico e penetrado por sua divindade.
A tentativa humana de criar um “ser” inteligente e além-do-humano, é uma ex-machina incapaz do para-si.
Assim é que se realiza a unidade trinitária e humana, é preciso passar através do não-Ser que é Ser, é preciso superar contradições e ir além de si, entrar num para-si divino e eterno.
Círculo hermenêutico e diálogo
Antes do diálogo o círculo hermenêutico de Heidegger é construído um conceito de fusão dos horizontes, parece idealista, mas é justo o oposto, o conhecimento não se dá pela revelação do objeto ao sujeito, como entendia Kant, não é mera projeção do sujeito sobre o objeto como pensava o idealismo de Kant.
Sujeito e objeto possuem horizontes próprios, pois ambos são dotados de historicidade, exemplifico com um exemplo muito presente: a guerra, não basta olhar sobre os sujeitos em guerra nos dois lados de uma disputa, há a guerra como instrumento de ódio e opressão, e ela própria tem sua historicidade, claro os sujeitos em guerra também.
O conhecimento então se dá a partir da fusão dos horizontes dos sujeitos, daí se falar da superação do esquema sujeito-objeto, ele é dualista e nele o diálogo fica segmentado.
Ao perceber um objeto o sujeito sempre contribui com sua pré-compreensão, sua interpretação é parcial, assim é preciso entender a outra pré-compreensão, na hermenêutica filosófica embora sejam chamados de pré-conceitos, ela tem um aspecto positivo, o ponto de partida do diálogo e o passo seguinte é a fusão de horizontes.
Se ambos desejam a paz, e isto não pode ser só uma retórica, é preciso saber o preconceito.
Gadamer critica a historicidade romântica de Dilthey e esclarece: “[…] a ideia de uma razão absoluta não é uma possibilidade da humanidade histórica. Para nós a razão somente existe como real e histórica, isto significa simplesmente: a razão não é dona de si mesma, pois está sempre referida ao dado no qual se exerce.” (GADAMER, 1998).
Kant proporcionou a superação do paradigma objetal, com sua visão espiritual foi para a filosofia da subjetividade, no entanto hoje, com os estudos pertinentes à virada linguística já há uma visão de superação da subjetividade pela intersubjetividade, manifestada na linguagem como condição de possibilidade do conhecimento e não apenas como uma terceira coisa entre sujeito e objeto ou a simples oposição e confronto.
A hermenêutica filosófica está pautada não na dualidade de significados, mas na sua ampla e plural visão de significados possíveis, a possibilidade criada pela compreensão que se dá na fusão de horizonte que não é “qualquer coisa sobre qualquer coisa”, e sim penetrar naquilo que a fenomenologia de Husserl chamava de “a coisa em si”, aquela do Ser do ente.
O diálogo de posições em confronto não é senão outra forma de guerra, não há uma análise que vá ao fundo de cada pré-compreensão dos sujeitos e daquilo que estão nos objetos.
Uma dialogia sincera é necessária para um novo passo civilizatório, um “outro” diálogo.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.