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Posts Tagged ‘Deus’

Narrativas, Palestina e Israel

12 dez

A oralidade primária, período anterior a escrita impressa, era a forma de transmitir histórias e a cultura e tradição dos povos através da narração, vivemos na modernidade a cultura impressa e agora emerge uma cultura chamada por Byung Chul Han de “pós-narrativa”.

Diz Han: “hoje todo mundo fala em narrativa. O paradoxal é que o uso inflacionário das narrativas revela uma crise da própria narração”, diz no início de seu livro “A crise da narração”, estabelecendo uma oposição entre narrativas e narração.

Profetas e oráculos eram os responsáveis por narrativas no período anterior ao da escrita, é bom lembrar que os escribas e as tabletas de barro estavam presentes em culturas arcaicas, entretanto, foi a narrativa que sustentou tradições nas culturas orais, incluindo as originárias.

Uma interpretação moderna, feita por Walter Ong, discípulo de Marshal McLuhan, é que os mitos foram usados como um processo mneumotécnico, ou seja, “ganchos” para que a narrativa não se desviasse da narrativa inicial, mantendo culturas e tradições, assim grandes obras da cultura ocidental como Ilíada e Odisseia podem ser relidas neste aspecto.

Os profetas não se diferenciam destes aspectos cultuais, tem a pretensão ou de fato podem ser revelações divinas, já que inúmeros fatos nestas narrativas revelam a intervenção divina, a saída de Abrão (só depois será chamado Canaã) da região da Caldéia, dando origem ao povo hebreu, que significava do outro lado do rio, até a chegada a região onde nascerá seu filho Isaque, mas também terá um filho com a escrava Hagar, chamado Ismael, e só depois terá um filho com Sara, Isaque o qual terá dois filhos Esaú e Jacó (depois chamado de Israel, aquele que lutou com Deus).

Já no ventre da mãe os dois lutavam e diz a narrativa bíblica, Genesis 25:23: E o Senhor lhe disse: Duas nações  no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor”.

Desde a concepção a narrativa bíblica revela dois povos em luta, Rebeca era estéril e quando gerou os gêmeos, Esaú nasce primeiro por alguns minutos e deveria herdar as tribos, mas Jacó usando uma artimanha de se passar pelo irmão que era peludo, vai ao pai que está quase cego e pede que o abençoe, o que é feito, mas depois vendo que teria que lutar com o irmão, diz a narrativa, numa região chamada vau Jaboque (afluente do Jordão) ele luta com um anjo para Deus o abençoar, e a partir daí é chamado de Israel, que significando aquele que luta com Deus.

Porém os ismaelitas continuarão a existir e não se confundem com os Palestinos, que vem dos antigos povos chamados filisteus, inicialmente estavam na costa sudoeste de Canaã, formando a Filístia, apesar de terem adotado a cultura local Cananéia, estudos apontam uma origem indo europeia por inúmeras palavras e também nas primeiras guerra já sabiam fazer o aço, enquanto os israelitas dominavam ainda o bronze (na foto o mapa de 830 a.C.).

 «Origem dos filisteus pode ser finalmente revelada por DNA antigo». National Geographic. 15 de julho de 2019

 

O beato Duns Scotus

08 dez

A sabedoria e profundidade dos ensinamentos deste frade franciscano do século XIII, no entanto, levou 9 séculos para ser reconhecido e venerado pela Igreja Católica, somente no Pontificado de João Paulo II é que ele foi beatificado e reconhecido como santo.

O Papa Francisco em recente homilia exaltou as qualidades de Scotus afirmando: “Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura (…), mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo (…). O essencial permaneceu escondido! (…)”.

Dotado de uma inteligência brilhante e levado a especulação, essa inteligência pela qual mereceu o título de Doctor subtilis “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido a fazer estudos de filosofia e teologia nas célebres universidades de Oxford e Paris e sua obra

Dotado de uma inteligência brilhante e levada à especulação – essa inteligência pela qual mereceu da tradição o título de Doctor subtilis, “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido aos estudos de filosofia e de teologia nas célebres universidades de Oxford, Cambridge e de Paris, e assim suas obras receberam os títulos de Opus Oxoniense (Oxford), Reportatio Cambrigensis (Cambridge), Reportata Parisiensia (Paris).  

Entre suas obras místicas se encontram fez estudos sobre a encarnação, na Reportata Parisiense escreveu: “Pensar que Deus teria renunciado a esta obra se Adão não tivesse pecado seria totalmente irracional. Digo, portanto, que a queda não foi a causa da predestinação de Cristo, e que, ainda que ninguém tivesse caído, nem o anjo, nem o homem, nesta hipótese Cristo teria estado ainda predestinado da mesma forma” (in III Sent, d. 7,4).

Duns Scotus, ainda consciente de que, na realidade, por causa do pecado original, Cristo nos redimiu com sua Paixão, Morte e Ressurreição, reafirma que a Encarnação é a maior e mais bela obra de toda a história da salvação e que esta não está condicionada por nenhum fato contingente, mas é a ideia original de Deus de unir finalmente todo o criado consigo mesmo na pessoa e na carne do Filho.

Também o papa Paulo VI declarou esta visão da encarnação afirmada em Scotus: “fortemente “cristocêntrica”, abre-nos à contemplação, ao estupor e à gratidão: Cristo é o centro da história e do cosmos, é Aquele que dá sentido, dignidade e valor à nossa vida.” (homilia de 19 de novembro de 1970).

Não somente o papel de Cristo na história da salvação, mas também o de Maria é objeto da reflexão do Doctor subtilis. Na época de Duns Scotus, a maior parte dos teólogos opunha uma objeção, que parecia insuperável, à doutrina segundo a qual Maria Santíssima esteve isenta do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção: o dogma da Imaculada concepção de Maria, defendido por Scotus séculos antes da igreja católica declará-lo.

Tamanha a convicção de Scotus deste dogma, que foi enterrado em igreja da Imaculada Conceição da Virgem Maria (foto), em Colônia, na Alemanha, onde morreu em 8 de novembro de 1308.

 

Entre a imortalidade e a eternidade

05 dez

Não é apenas um tema espiritual como parece, o Vita Activa de Hannah Arendt cita por Byung-Chul é uma correção de rota, de nos retirar da simples temporalidade mortal, para o “tempo que é próprio aos deuses, que não morrem e não envelhecem, e do cosmos imortal” (Han, 2023, p. 145), onde diferencia imortalidade de eternidade.

A busca da imortalidade é, novamente Han citando Arendt, “a fonte e o centro da vita activa”. Segundo o autor, o “ser humano conquista sua imortalidade no palco do político.  Em contrapartida, o objetivo da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, 2023, p. 145), em outras palavras, imortalidade é a busca insensata do palco político, enquanto eternidade é a busca da experiência de eternidade já aqui e agora.

Mas alerta o autor que o ser humano não consegue demorar-se na experiência do eterno, “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem), ao compará-la com o pensador, ele logo que começa a escrever abandona a experiência do eterno, assim se entrega a vida activa, e é nela que espera alcançar a imortalidade, Arendt admira Sócrates que não escreve, embora a própria Arendt pensou e registrou seus pensamentos com a intenção da imortalidade (Han, 2023, p. 146), mas a escrita pode ser uma contemplação diz o autor.

Na visão de Byung-Chul a maneira que Arendt vê o mito da caverna de Platão, na verdade é uma história completamente diferente, ela é de um filósofo que liberta da corrente os seus companheiros às sombras que oscilam diante deles, as quais eles consideram a única realidade (pag. 147-8), Platão pede a Glauco imaginar: o que aconteceria com os filósofos se depois de ter visto a verdade voltasse a ela e tentasse libertar os preços das ilusões?  (pag. 148).

A “parrehesia” (abertura da verdade) é uma situação de risco, “o filósofo age, quando apesar do perigo de morte, retorna a caverna” a fim de convencê-los da verdade, assim a ação antecede o conhecimento da verdade, enquanto a contemplação é o caminho do conhecimento para a verdade, que precede a ação (pag. 149).

Afinal a própria polis grega e o pensamento de Platão tiveram origem nos diálogos de Sócrates escritos pelo próprio Platão, este sim uma verdade contemplativa e discursiva (diria dialogal, mas o termo pode ter interpretações dúbias), assim a ação precede o pensamento em Platão.

Segundo a crítica de Hans, a ideia de que a perda da capacidade contemplativa levou a vitória do “animal laborans” que submete tudo ao trabalho com a consequente perda da capacidade contemplativa e sua reintegração a natureza e ao planeta.

Han cita Santo Gregório, um mestre da Vita Contemplativa: “quando um bom programa de vida exige que se passe da vida ativa à contemplativa, é frequentemente útil que a alma retorne da vida contemplativa à ativa, de tal modo que a chama da contemplação desperta no coração entregue toda sua plenitude de atividade” (pag. 151), assim se vive a eternidade terrena.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A sociedade que vem

01 dez

Este é o título do último capítulo do livro de Chul Han “Vita contemplativa”, nele analise a crise religiosa e suas consequências para a cultura, o ser e a sociedade atual.

Inicia afirmando: “a atual crise da religião não se pode deixar reduzir simplesmente a que perdemos a fé em Deus ou que nos tornamos desconfiados de certos dogmas” (pg. 153), ela reside no fato que perdemos a capacidade contemplativa, uma crescente coação tanto da comunicação como da produção dificulta o “demorar contemplativo”, não há como “parar”.

Cita Malebranche (1638- 1715) que dizia que a atenção é como uma “prece natural da alma”, a nossa hiperatividade pode ser responsabilizada pela religiosa, “a crise da religião é uma crise da atenção” (pg. 154), e o pior que o autor não aponta, o fanatismo dominou a “atenção”.

Diz o autor “escutar é o verbo para religião”, mas também é para meditação, estudo, contemplação e reflexão, seja qual for o princípio do limiar de um pensamento ele requer uma parada, uma inatividade. 

No pensamento atual do romantismo, “a liberdade é desacoplada do si mesmo”, a ação dá lugar ao escutar: “somente a tendência a intuição, quando direcionada ao infinito, põe em mente a liberdade ilimitada” (pag. 159) diz o autor agora citando Schleiermacher.

Ainda citando Schleiermacher, escreve que as lágrimas interrompem o “feitiço que o sujeito coloca na natureza” (pag. 160), dissolvido em lágrimas, o sujeito se entrega à Terra.

Agora citando Agamben em “A comunidade que vem” afirma sobre o reino vindouro do Messias que Walter Benjamim teria contado a Ernest Block e está citando em Han:

“um rabino, um verdadeiro cabalista, disse uma vez: para instaurar o reino da paz, não é necessário destruir tudo e dar início a um mundo completamente novo; bastaria deslocar um pouquinho essa taça ou esse arbusto ou aquela pedra, e do mesmo modo todas as coisas. Mas esse pouquinho é tão difícil de realizar e a sua medida tão difícil de encontrar que, no que diz respeito ao mundo, os homens não o conseguem e é necessário que chegue o messias” (Aganbem apud Han, 2023, pg. 171).

É esta chegada, chamada parusia (uma nova vinda para os cristãos) que também se celebra no Natal (na segunda semana do advento).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A parábola das virgens prudentes

10 nov

A parábola é uma parábola, portanto não deve ser vista ao pé da letra, pode parecer referente a sexualidade, o fato que 5 virgens tem óleo para a noite toda e outras 5 não tem óleo suficiente, indica que devemos nos preparar bem quando o “noivo” chegar, no caso bíblico é o encontro com Deus, e o óleo significa o “hábito” que desenvolvemos na vida para chegar lá.

Discorremos vários aspectos da prudência, e diferenciamos uma “boa vida” (felicidade num sentido mais amplo) da felicidade passageira (eudaimonia) que não mantém as lâmpadas acesas, e aqui não só para a vida eterna, mas para o decorrer de nossas vidas.

De certa forma tem algo haver já que é prudente entender que deve haver prudência também neste ponto, relações tóxicas, machistas, sexistas, etc., porque também estas podem nos preparar para uma vida futura, mesmo que ainda terrena, equilibrada e sensata, lembra-se que tanto Aristóteles quanto Tomás de Aquino, veem também motivos racionais para o exercício da prudência.

Assim uma sociedade que age pelo impulso, pelo domínio das paixões sobre a razão, e uma longa e duradoura boa vida (no sentido grego) depende do exercício das virtudes, e evitar muitas situações de risco e irracionalidade depende do exercício de virtudes.

Para quem não conhece, a parábola das virgens prudentes é esta, onde o noivo é o encontro com a vida eterna (Mt 25,1-7):

“O Reino dos Céus é como a história das dez jovens que pegaram suas lâmpadas de óleo e saíram ao encontro do noivo. Cinco delas eram imprevidentes e as outras cinco eram previdentes. As imprevidentes pegaram as suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. As previdentes, porém, levaram vasilhas com óleo junto com as lâmpadas.  O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormindo. No meio da noite, ouviu-se um grito: ‘O noivo está chegando. Ide ao seu encontro!’  Então as dez jovens se levantaram e prepararam as lâmpadas”.

A prudência não limita nossa felicidade, mas nos prepara para a vida futura, já aqui no plano terreno.

 

Os vossos pais rejeitaram os profetas

20 out

Terminado o período dos Juízes, que foi um período realmente teocrático, o povo de Israel começa a pedir Reis (Samuel 8,6-8), os reis governaram de 928 a.C. até a destruição do primeiro templo de Jerusalém (586 a.C.), porém o povo já havia ido para o cativeiro da Babilônia em 722 a.C., mais de 100 anos depois foi destruído o reino de Judá.

Já no último período dos juízes, Samuel que foi também profeta, via o povo se desviando, e até mesmo seus filhos não seguiam mais as leis divinas, a própria divisão entre Israel e Judá (é preciso dizer que é aí que aparecem o nome de judeus), e foi o segundo rei de Israel, Davi que uniu os dois reinos e nomeia a capital Jerusalém, ali seu filho Salomão, fará o primeiro templo.

Foi o profeta Ezequiel que viveu no exílio babilônico, entre 593 a.C. a 571 a.C. que profetizou a destruição do templo e falava das infidelidades do povo hebreu, também o profeta Isaías havia pregando que o pecado chegara de tal modo a Israel e Judá, que a maldição atingiria o povo hebreu, a maior delas é claro, foi o exílio da Babilônia.

Quando Ciro se torna rei da Pérsia e toma Babilônia em 538 a.C. permite ao povo hebreu retornar à sua terra e a possibilidade de reconstruírem o seu templo, o segundo, porém os desvios do povo continuam a ocorrer até o último e maior dos profetas João Batista, aquele que Herodes pediu a cabeça em troca da dança de Salomé, que pede por sugestão da mãe.

Jesus era rejeitado por contestar os fariseus e mestres da lei de seu tempo, também haviam aquele que queriam uma posição de líder na guerra contra o império romano, após a morte e ressurreição de Jesus no ano 70 d.C., o segundo templo foi destruído pelo general romano Tito e dele restou somente o muro das lamentações (foto).

Jerusalém foi incendiada e o povo judeu disperso, os judeus que se estabeleceram no leste europeu foram chamados de Ashkenazi e os da Península Ibérica de Sefarditas.

A posição de Jesus sobre o império romano era clara, uma vez que os romanos também o temiam, Herodes especialmente, e Pilatos lavou as mãos em sua crucificação, quando os fariseus preparam uma cilada perguntando se era justo pagar impostos, Jesus pega uma moeda e ao ver a figura de Cesar sentencia: “Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,34-40) esta cilada permanece no meio religioso até os dias de hoje.

 

Então o que é crer ?

25 ago

Já acreditamos em muitas coisas que não eram verdadeiras, o sol não é o centro  do nossa galáxia, no centro está um Buraco Negro, e tanto a matéria como a energia escura parecem desafiar as leis atuais chamada de Física Padrão, um cientista disse que Deus fez a divisão por 0 e tudo pode ter surgido milagrosamente do Nada.

Se examinamos de perto as crenças, em todas existe a regra de ouro: não faças ao outro o que não gostaria que fosse feito a você, em especial disse Jesus sobre o maior mandamento(Mt 22, 37-40): “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

Sem isto caímos no olho por olho dente por dente, disse o filósofo Byung Chul Han sobre um dos livros inaugurais de nossa era, o poema Ilíada (séc. VIII a.C.) (na imagem acima de Pablo Delgado), sua primeira palavra é “menin, a saber a cólera [Zorn]: “cantem, deusas, a cólera de Aquiles filho de Peleus” (pg. 22), assim a cultura humana, em especial a ocidental está fundada na violência e o filósofo aponta que ‘a desintegração da sociedade de hoje não deixa de existir a energia épica da cólera.” (pg. 23).

A oposição divina do pacifismo não é apenas uma inversão história, é neste momento de crise civilizatória a possibilidade real que o processo avance e a que a humanidade não se massacre.

É verdade que nem mesmo sobre o Deus Homo Jesus existe uma visão correta, não era um guerreiro, um fazedor de milagres e se os fazia pedia sempre discrição, jamais o fez por um ato exibicionista ou triunfalista, não estimulou nenhum tipo de cólera, ainda que a falsidade de muitos religiosos o irritasse, e sempre pergunta aos discípulos: “quem dizem que Eu sou”.

Em Mateus 16, 14 após indagar isto: eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.

E depois perguntam a eles, porque só os verdadeiros discípulos reconhecem o Homo Deus amor e misericórdia (Mt 16,16) e Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.

Como no tempo de Jesus e em toda história sempre houveram falsos profetas e discípulos, porém Jesus alerta é só da boa árvore que brotam bons frutos, então a distinção é simples.

HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital”, trad. Lucas Machado, Petrópolis: Vozes, 2018.

 

Deus e o tempo não existem

24 ago

Nem bem explicamos direitos a física quântica e a relatividade geral e a física parece estar em crise, filósofos e físicos parecem ter encontrado paradigmas e fenômenos estranhos em observações do universo e da física das partículas, qual a relação com Deus, mas há algo além do espaço-tempo e Deus é (existir é no espaço-tempo).

Não se trata da descoberta da partícula de Higgs ou partícula de Deus, comprovada sua existência, mas de uma especulação ontológica que agora se leva a sério, sempre afirmamos um princípio da dualidade, ou seja, A é falso ou Verdadeiro e não podendo ser os dois ao mesmo tempo e também se formos de A para B devemos passar por B intermediário, esta é a ontologia tradicional.

Assim desde os pré-socráticos até Kant o tempo era absoluto e esta física se comprovava, entretanto da descoberta física do terceiro incluído, este chamado “nível de realidade” traz o questionamento contemporâneo do questionamento do que é existência e Ser, uma nova abordagem científica, social e espiritual sob um método chamado de Transdisciplinaridade.

Não foram religiosos que o proclamaram, mas físico como Barsarab Nicolescu, educadores e filósofos como Edgar Morin e artistas como Lima de Freitas, um serigrafista e pintor português, que assinaram a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.

Para teólogos e místicos que estão de acordo com este princípio, Deus existe uma vez que entrou na história através do “Deus Homo” Jesus, Deus é através do Ser divino eterno e Deus é comunicação através do Espírito Santo, a hipótese trinitária parece perfeita.

Se existiram manifestações divinas, Teofanias quase sempre sujeitas a contestação apesar de inúmeras contestações, tanto teoricamente quanto praticamente parece cada vez mais perto um momento de grande abertura da “clareira” de uma consciência geral.

Claro que há falsificadores, como sempre houveram na filosofia, nas ciências e nas religiões, onde a fantasia e o imaginário podem ter asas, porém há gente séria e que sabe que o fenômeno existe pelo menos na consciência de bilhões de crentes no mundo todo, em todas culturas e também cientistas, filósofos e psicólogos sérios tem suas crenças.

A realidade presente ao mesmo tempo que aumentaram falsificadores e falsos profetas, parece aproximar-se daquele momento em que o Homo Deus histórico Jesus afirmou (Jo 1,51): E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”, que era como Jesus curiosamente se referia a sua própria existência para dizer que se fez homem.

Os eventos em vários aspectos parecem convergir para isto e é grande esperança para uma humanidade confusa, uma civilização em crise e uma realidade dura.

 

A eclipse de Deus

23 ago

O livro de Martin Buber com este nome trata como podemos encontrar na filosofia e na história da religião, desde os filósofos pré-socráticos até pensadores do século XX uma interpretação das crenças ocidentais, com ênfase na relação entre religião e filosofia, com a ética e a psicologia junguiana, o que valeu uma réplica de Jung e uma tréplica de Buber.

Vivemos como diz Buber num tempo da eclipse de Deus, como ao ver a Lua passar na frente do Sol, parece que ele não existe mais, quando de fato está encoberto, isto é curioso, porque a polêmica com Jung é causada por uma pergunta em uma entrevista sobre a existência de Deus, Jung respondeu: “Eu não preciso acreditar, eu sei” (Jung, 1977, p. 428).

Isto causou furor na época e até hoje livros como Deus: um Delírio (o titulo em inglês é The God delusion) encontramos uma citação na página 51, num livro que mostra as desilusões de Dawkins mais que os delírios dos que creem, principalmente aquilo que na filosofia se refere ao Absoluto, cujo auge da elaboração ocidental é o conceito abstrato do absoluto de Hegel.

O absoluto de Hegel que é uma articulação entre o objetivo e subjetivo dualista do idealismo, é uma singularidade de uma potência substancial, própria da subjetividade e do conceito como havendo uma substância universal, que através da abstração se efetiva na consciência de si e torna-se igual a essência, uma espécie eu eu-mesmo essencial.

O comentário posterior de Jung, expresso principalmente em uma carta a uma amiga que foi publicada, ele explica: “o que quer que eu percebo de fora ou de dentro é uma representação ou imagem … causada, como eu com ou sem razão suponho, por um objeto “real” correspondente. Mas eu tenho que admitir que a minha imagem subjetiva só é grosso modo idêntica ao objeto … nossas imagens são, em regra, de alguma coisa … a imagem-Deus é a expressão de uma experiência subjacente de algo que não posso alcançar por meios intelectuais …” (Jung, 1959).

A resposta de Jung, sem que a articule de modo implicitamente filosófico é uma resposta ao subjetivismo idealista, ela não se alcança por meio da razão, é um objeto de fé, de crença e quem a tem a possui dentro e fora sendo ao mesmo tempo subjetiva e objetiva.

A passagem bíblica que melhor ilustra este sentimento é aquela (Jo 15, 45-46): “O Reino dos Céus também é como um comprador que procura perolas preciosas. Quando encontra uma perola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela perola”.

Jung, C.G. The Face do Face entrevista in C.G. Jung Speaking: Interviews and Encounters, Princeton, Belligen paperbacks, 1977, p. 424-439.

Jung, C.G. (1959), Letter to Valentine Brooke in C.G. Jung Letters, Volume 2, 1951-1961, edited by Gerhard Adler, (London: Routledge and Kegan Paul), pp. 525-526, 1959.

 

A clareira, o desvelar e Ser

04 ago

A clareira é um pequeno espaço com luz que se abre no meio da floresta, Heidegger faz a definição no sentido filosófico assim: “O destino se apropria como a clareira do ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do dar lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimentar e assumir esse morar” (Heidegger, 1979), neste sentido o ser se apropria de um “morar” verdadeiro e eterno.

A clareira é então o lugar do desvelar do Ser, em sua temporalidade de ex-sistente ele experimenta, por sua condição finita, um morar agradável e sensível, quase eterno, no entanto temporário como ente.

Então a clareira parte da condição humana, e não é apenas a Teofania divina, entretanto a narrativa bíblica dá ao Jesus humano e temporal em um momento específico no monte Tabor, já postamos algo sobre o tema, mas no sentido da ascese da alma, aqui deseja-se completá-la num desvelar.  

Conforme postamos anteriormente, é possível tanto um revelar quanto um desvelar humano, no primeiro caso uma compreensão temporária que se re-vela (esclarece, mas permanecem dúvidas novas) e o desvelar, muitas vezes parcialmente incompreensível ao ser humano por sua finitude cognitiva ou uma ascese mística cujos detalhes são muitas vezes de difícil comunicação pela ausência de palavras ou metáforas apropriadas, como uma obra de arte.

Na narrativa bíblica é no Monte Tabor onde ocorre uma Teofania, não foi no batismo de Jesus e nem nos milagres que ela aconteceu, ao subir o monte Jesus leva três discípulos mais próximos: João, Pedro e Tiago e diante dos olhos deles se transfigura e aparece ao lado de Moisés e Elias, diz a narrativa (Mt 17. 2-3):

“E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus”. 

Os apóstolos sentem a “clareira” e querem ficar ali e construir três tendas, depois uma nuvem os cobrem, como no tabernáculo de Moisés, ouvem uma locução divina e prostram o rosto por terra, Jesus os acalma e quando levantam os olhos veem apenas Jesus e descem a montanha.

Para os que não creem a narrativa bíblica é imaginária, mas ajuda a entender o desvelar.

 

HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.