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Viragem da virada: 2023
Para onde iremos depende de nós, de um ambiente mais saudável, mais fraterno e onde os homens desejem e construam a paz.
Não apenas pena pandemia, pela economia e pelas guerras o ambiente social torna-se tóxico, é nas micro-relações, na propaganda cultural e até mesmo falsamente espiritual, que o novo se constrói ou se destrói.
Falamos da violência, indicamos algumas leituras para compreender aspectos culturais (indicamos Zizek e Darlymple), tecnológicos com a brevíssima introdução de Margarete A. Boden e espirituais (indicamos Anselm Grün), porém há muitos outros autores sérios (é preciso separar supersticiosos, fatalistas e adivinhos neste campo), muitos que indicam um perigo civilizatório grande a cada ano que se inicia.
Anselm Grün cita em seu livro Aristóteles: “A alegria é uma expressão da vida plena” e diz ela é própria “daquelas cujas atividades não são bloqueadas por fatores internos ou externos” (Grün, 2014, p. 15) e assim encontramos também alegria em tempo de tensões e ira, e damos espaço para as esperanças que só podem brotar da vida plena e de seu exercício social.
Zizek num pensamento mais amplo, muitas vezes defende a violência de modo, afirma de uma maneira mais consciente que: “Nem no campo da política devemos aspirar a sistemas que explicam tudo e a projetos de emancipação global; a imposição violenta de grandes soluções deve dar lugar a formas específicas de intervenção e resistência”, disse também em uma entrevista que “Não precisamos de profetas, mas de líderes que nos incentivem a usar a liberdade”.
No campo da tecnologia, que está sujeito a crítica sim e muitas vezes citamos o lúcido e crítico das mídias digitais Byung Chul Han, há muito devaneio e tentativas de explicações de ensaístas (que é o que de fato são) que escrevem sobre tecnologia, mas por não conhecerem suas entranhas navegam por problemas e questões que não são nem desmistificadoras nem esclarecedoras e fazem aquilo que mais criticam que é o fanatismo político e religioso, por ignorância tecnológica.
O texto de Margarete A. Bodan proposto (Inteligência Artificial – uma brevíssima introdução), embora seja histórico e pouco profundo (no aspecto tecnológico) é esclarecedor e pode ajudar aos críticos.
Por ultimo apontamos um texto que pode nos ajudar a detectar de modo melhor o problema que vivemos de uma crise civilizatória, abordando os aspectos sociais e psicológicos (Theodore Dalrymple é na vedade o médico e psiquiatra Anthony Daniels) e indicamos seu livro “A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” mostra o fundo cultural e psicológico deste momento social.
Tudo isto não é por causa da pandemia e da crise econômica, que são só novos elementos nocivos, mas principalmente porque não introduzimos na vida pessoal e social mais empatia, mais alegria.
Feliz 2023, segunda tenho nova operação da visão e ficaremos alguns dias sem acesso aos meios e dispositivos digitais, é um bom começo com esta pausa forçada.
GRÜN, A. Viva com Alegria. Trad. Luiz de Lucca. Petrópolis: Vozes, 2014.
Ira e poder
Toda literatura ocidental contemporânea desemboca na leitura de duas coisas que aparentemente não são opostas, mas se opõe frontalmente: amor e poder.
A violência é tema comum desde que o homem é homem, o confronto visava inicialmente como os animais o domínio de um território, a demarcação de países, nem sempre significa nação e sua cultura, é imposta pelo poder dominador, assim nasceu os primeiros impérios babilônico, persa, romano sua etapa de decadência, as monarquias medievais, o império mongol e depois o turco-otomano.
Desde as discussões de Thomas Hobbes, David Hume e John Locke, e Jean Jacques Rousseau, os chamados contratualistas, que divergiam sobre a origem violenta do homem: o homem é mau, o homem é bom e é a sociedade que o corrompe e o homem natural é bom, o chamado bom selvagem, o certo é que o estado moderno, diferente da polis grega, é aquele que tem direito a violência.
Na República de Platão não era assim, a ideia desta escola filosófica era educar o homem para ser político, deveria ter sabedoria e virtudes (aretê), sendo a sabedoria a maior das virtudes, porém é preciso lembrar a polaridade entre Athenas, cidade dos sábios e Esparta, cidade dos guerreiros, assim a ideia da violência permanecia no cotidiano, e Aristóteles não só caminha nesta direção como se torna preceptor de Alexandre, o grande, imperador da Macedônia.
Assim a Ideia de Platão permanecia influente na Grécia, e a tentativa de aliança entre gregos e macedônicos para derrotar o império persa não aconteceu, mesmo assim o império se estende por toda Asia Menor chegando a Índia, mas não a conquista, sem herdeiros e com disputas entre seus generais o império se divide e enfraquece, logo no período seguinte o Império Romano começa a se formar.
A violência moderna antes das guerras concentrou-se na divisão dos reinados, com a reforma protestante e também a anglicana no Reino Unido, até estabelecer-se a Paz de Vestefália.
A grande teoria sobre o Estado moderno e o poder será elaborada por Hegel, ela é dominante hoje independente de posições ideológicas, afinal Karl Marx era também hegeliano (novos, com ele se denominava), porém é o estado moderno o detentor do poder para causar a Paz, a Pax Eterna como pretendia Kant, mas que resultou em duas guerras e estamos a beira de uma terceira, que esperamos não aconteça.
Porém olhando a literatura atual, boa parte dela trata do barbarismo, os dois livros que indiquei e lerei no próximo ano vão nesta direção, embora com tendências políticas opostas, Zizek e Dalrymple se debruçaram sobre o tema, mas há muitos outros: “Ira e tempo” de Peter Sloterdijk, “Violência” de Slavov Zizek e “Comunicação não violenta” de Marshall Rosemberg entre outros.
De Byung Chul Han lembro a citação do seu livro No enxame, que analise a violência das novas mídias, onde afirma que só o respeito é simétrico, ou seja, os dois lados são não violentos.
O romance/ficção de Gabriel Garcia Márquez “O amor nos tempos do cólera” ele arriscou um happy end, diferente de outros livros ele quis tornar a felicidade possível, criar uma espécie de fábula moderna ou uma esperança desesperada, onde “uma utopia de vida, onde o amor de fato seja verdadeiro e a felicidade possível” (Márquez, 2005).
Márquez, Gabriel Garcia. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro, Record, 2005.
Reflexões para 2023
Sempre faço um propósito de algumas leituras no final do ano, as vezes abandono alguma e sempre anexo outras, por dever do ofício de professor e pelo surgimento de fatos novos, como foram o caso da pandemia em 2020 e da guerra da Ucrânia no último ano.
Entre outros, quatro livros já encomendados, que pretendo ler no ano de 2023 estão: “A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” de Theodore Dalrymple (pseudônimo do médico, psiquiatra e ensaísta britânico Anthony Daniels, de 72 anos), embora de 2016 teve vários acertos da conjuntura, o segundo livro é de Slavov Zizek: “O ano que sonhamos perigosamente” (2012), o terceiro é sobre tecnologia, muitas coisas bizarras são escritas sobre a tecnologia e seus avanços, já citamos Jean Michel Ganascia: “O Mito da singularidade”, agora queremos reler a Inteligência Artificial a partir da autora da área porém sobre coisas básicas e sobre os dilemas da IA: “Inteligência artificial: uma brevíssima introdução”, básica mas conhecedora do tema, uma leitura mais profunda exige estudo e especialização na área.
Não poderia faltar na lista um livro de cunho espiritual, o livro de Anselm Grum, que é um monge beneditino alemão com 77 anos, e que muitos de seus livros impactaram as diferentes conjunturas, e agora quer dar uma resposta a ansiedade, depressão e desesperança que atinge boa parte da humanidade pandêmica.
De Dalrymple já postamos sobre o livro “Nossa cultura ou o que fizemos dela” onde a análise cultural precede a econômica e converge com a social, sobre Slavov Zikek tivemos algumas citações e já temos algumas reflexões sobre sua visão atualizada do socialismo, mas cujo aspecto de violência não é descartado.
Na visão de Zizek a superação do estado social ou do welfare state o estado hoje é a administração de uma crise social permanente, e neste livro ainda por ler, as releases e leituras permitidas online que pude ler ele desvenda o apreço dos intelectuais (diria especialmente dos grupos editoriais vigentes e suas narrativas) pela catástrofe, e diria em desacordo com Zizek que ele também está neste processo só que pelo aspecto do uso da violência expresso em diversos livros seus, o indicado porém mostra o aspecto renovador e de verdadeira mudança que os movimentos de 2011 eram marcados, mas foram consumidos pela cultura atual.
Embora tenha esta discordância de fundo ideológico com Zizek, sua análise de 2011 deve ser bastante interessante lembremos da Primavera Árabe, dos movimentos de ocupação como “Occupy Wall Street”, na praça Tahir, em Londres e em Atenas houveram movimentos fortes, houve sonhos obscuros, e certamente um evento que Zizek não lembra, mas é importante: a catástrofe de Fukushima, o problema nuclear, foi em 11 de março de 2011.
Muita literatura com pouco fundamento se aventura na área, onde o problema maior não é nem a mistificação nem os problemas éticos, mas o conhecimento dos elementos básicos e futuras possibilidades da área, a especialista Margaret A. Boden que pesquisa na área e compreende as dúvidas sobre o tema, faz uma brevíssima introdução capaz de elucidar os leigos já confusos pela literatura obscura e crítica da questão.
Talvez falte uma literatura nacional, latina ou africana, um livro que vi e não tenho opinião formada, é: “Guimarães Rosa: Dimensões da narrativa” me chama atenção, não tenho conhecimento das autoras Maria Célia Leonel e Edna Maria F. dos santos, vou pesquisar, a sinopse parece interessante ao abordar autores como Gérard Genette e Ernest Cassirer, entre outros.
Entre o que se diz e o que se fala
Em tempo forte de narrativas, o que se falanada ou pouco tem a ver com as atitudes de fato dos homens, vale para a política, para a cultura e para a religião, assim nem todos os que apontam desejar fazer socorro aos mais humildes de fato fazem, nem todos que se dizem religiosos estão de fato ligados aos valores e à mensagem divina, seja de qualquer religião ou denominação cristã.
Há coisas bem simples para serem identificadas: boa árvore dá bons frutos, palavras corretas devem indicar uma vida reta, porém o discurso filosófico ou teológico muitas vezes se confunde e neste caso é preciso se orientar por atitudes também simples de serem observadas e que dizem muito: não haver a soberba do poder temporal de qualquer tipo que ele seja, desde um chefe de departamento aos governos e autoridades constituídas, a história passada e recente está cheia destes exemplos.
A razão pela qual vivemos num tempo que as verdades não são bem vindas, é mais que a construção de narrativas e elas não faltam a criatividade humana, é principalmente pelo fato que é difícil dizer que as coisas vão mal, apesar de todos sentirem um mal estar, não faltam falsos profetas a fazer promessas irrealizáveis, consolos de autoajudas e até aqueles que receitam a felicidade como uma bula de remédio.
O mal estar civilizatório detectado por Freud (livro da década de 30) mais do que apenas aspectos psicológicos falava de impulsos pulsionais (fizemos alguns post sobre isto) e a vazão inadequada para eles.
Claro que isto vai para a política, e da política para aspectos sociais: economia, saúde, educação e o cada vez mais grave problema ambiental, porém a profundidade desta crise requer outra análise: a guerra.
Como dizemos um pouco atrás a soberba das autoridades constituídas e a adesão coletiva raivosa, não estou falando de nenhuma corrente específica e sim de quase todas, estimula o ódio e a violência, e o caminho e desaguadouro desta corrente não há outro senão o mar da violência humana: a guerra.
A mensagem positiva neste aspecto é fazer o que se problema, e muitas nem vezes nem proclamar, mas dar o exemplo daquilo que é justo e sensato, diz a sabedoria popular: o exemplo arrasta.
O que fizeram com a cultura
Theodore Dalrymple, é o pseudônimo do psicanalista inglês Anthony Daniels, que trabalhou em prisões inglesas com criminosos de alta periculosidade, e viu neles não apenas aspectos de pobreza e exclusão, mas também o desenvolvimento de uma cultura de tolerância a atos de arrogância, furtos e imoralidades.
Em um livro composto de 26 ensaios ele descreve a nossa cultura atual o que restou dela (foto).
Escreveu em uma de suas obras: “Para o sentimentalista, não existe criminoso, mas apenas um ambiente que não lhe deu o que devia”, e assim aqueles que diziam em voz alta que sofriam muito em situações triviais da vida, que muitas pessoas passam e nem por isto caem na delinquência, é claro isto não quer dizer que não seja necessário reeducação, mas a educação preventiva é melhor que o remédio.
Não se trata de um setor exclusivo da sociedade, ou apenas uma questão ideológica como muitos autores apontam, e sim uma questão de influência cultural, em especial de rádio, televisão e cinema, quando todos passam a justificar a violência, o ódio e a crueldade, lembro de frases do filme Coringa que foram repetidas em tom cult, por exemplo, “frio, sarcástico e sem coração. Foi no que me transformei e agradeço à sociedade”, a pergunta é qual sociedade ele escolhe: a da eficiência ou a da solidariedade.
Não quero dar popularidade e nem fazer o papel da indústria cultural que condeno, e ela sim é a verdadeira produtora de valores estranhos e sem perspectiva humanística, como aponta o psicanalista em seus livros, os valores penetram na sociedade pela cultura editorial seletiva que é altamente permissiva em valores e costumes.
A verdadeira solidariedade não condena apenas, há casos que a condenação é necessária para reprimir a violência e o ódio, mas educação, dá dignidade e reergue as pessoas que sucumbiram a uma sociedade da eficiência e da arrogância, lembro aqui outro livro de sucesso, que li até a décima página: “A Sutil arte de ligar o f**” (em inglês a palavra também começa com f), sim é verdade que há no livro um grito contra o perfeccionismo e a cultura do eficientíssimo em fotos e textos nas “mídias” de redes sociais, mas é importante lembrar que o autor é americano e lá isto é uma cultura geral e não apenas nas mídias.
Se na semana passada postamos sobre os “caminhos” e as “veredas”, queremos agora salientar a micro-cultura, o dia a dia com mais empatia, mais respeito e menos ódio, e se possível mais polido.
Não há como encontrar caminhos solidários e de paz na sociedade se a grande maioria optou por combater com armas iguais àquelas que os odiosos combatem.
DARLRYMPLE, Theodore. Nossa Cultura ou o que restou dela. E Realizações. São Paulo. 2015.
Mudanças na terra e no céu
Pouco se analisa as grandes mudanças sociais na história da terra e na vida humana, a terra veio muito antes da vida humana, também representaram a visão do homem sobre o universo e seus mistérios, e assim há uma correspondência entre mudanças terrenas e sua correspondente cosmogonia, se isto é só uma coincidência ou uma providência divina depende da própria cosmovisão, mas ela se alterou é certo.
Assim a visão d cosmos no início da Antiguidade Clássica é tão evidente quanto o nascimento da polis grega e suas consequenciais para o mundo moderno, Aristarco de Samos (310 a.C. — 230 a.C.) chegou a calcular o raio da Terra muito antes da circo navegação (Fernão de Magalhães 1512), e também no final da Idade média a Ideia do Geocentrismo ptolomaico cedeu ao heliocentrismo copernicano e a mudança do feudalismo para o liberalismo moderno pode ser vinculada a esta mudança de visão astronômica.
Em tempos atuais inicialmente o Hubble e agora o James Webb tem feito o homem olhar para os confins do universo e já se inicia até mesmo uma mudança na modernidade teoria da relatividade, os buracos negros e os caminhos de minhoca (hormholes) mostram um universo em maior mutação do que esperávamos, nascem e morrem milhares de galáxias por todo universo e nosso sistema é apenas um grão de areia.
Talvez a grande revolução seja a mudança da concepção de tempo, podemos olhar para o nascimento do Universo (veja nosso post sobre o locus divino) que pode não ser chamado de eternidade, porém é mais do que simples dimensão absoluta de tempo e espaço, e talvez seja mais do que a dimensão espaço-temporal de Einstein.
No caminho bíblico Adão e Eva surgem num momento em que o homem já é sedentário e não mais nômade, já que Caim era lavrador da terra e Abel pastor de ovelhas, quem sabe a morte de Caim foi o primeiro conflito de terra da humanidade, o certo é que este fato está vinculado a uma visão de mundo nova sedentária, assim como Noé corresponderá a um dilúvio, ou quem sabe uma simples inundação ocorrida na península arábica, já que ela fica abaixo do Negro, onde observamos o estreito bósforo, caminho de mar entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo.
Assim o tempo de Noé pode ter significado uma mudança geográfica pelo menos naquela região do planeta que implicou na transformação ocorrida mais abaixo entre os rios Tigre e Eufrates, berço da civilização árabe, e se não há registro histórico de Noé, há de sua descendência: os semitas, de seu filho Sem, que povoara a região.
Assim ao falar das transformações que passariam céus e terras, a leitura bíblica de Lucas (Lc 24,37-39): “A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé. Pois nos dias, antes do dilúvio, todos corriam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá na vida do Filho do Homem”, a segunda vinda chamada de Parusia.
A grande crise civilizatória não deverá ser assim apenas uma mudança de estrutura social, mas ela certamente acompanhará uma mudança física no planeta, já que suas forças ambientais estão se esgotando.
Rafael e o Mundo
Manuel Alegre é um poeta português contemporâneo, quando foi militar na então colônia de Angola participou da primeira rebelião que tentava libertar Angola do jugo do seu país (foi preso pela PIDE, polícia de Salazar), depois se exilou, ganhou diversos prêmios entre eles o Prémio Camões em 2017, entre outros, escreveu “Jornada da África”, em 1989, “Alma” em 1995 e “A terceira Rosa” em 1998, porém seu livro que referenciamos aqui é “Rafael”(foto ref. a capa).
O seu período do exilio após sua prisão viveu em Argel, razão pela qual vai se referir no romance Rafael como alguém que viveu sobre diversos pseudônimos, as vezes se sente espanhol, português ou argelino, porém o sentimento mais profundo de Manuel Alegre é de um cidadão do Mundo, sem nome e em busca de referências.
No Livro Rafael anda de casa em casa, de hotel em hotel, modifica o nome, deixa crescer o bigode, usa óculos sem lentes, usa um passaporte em hotéis onde esconde sua cidadania e outro para viajar, em cada novo documento um nome e uma profissão diferente, é clandestino dentro de si mesmo, perdeu as referências e a própria identidade pessoal, ele já é e não é, não usa o nome próprio, tem quatro ou cinco pseudônimos que prefere, ora é francês, espanhol ou argelino, ele é sozinho, não no sentido próprio, como uma literatura solitária pode desejar, mas membro de uma brigada internacional, sente-se solidário a ela.
Ser e não ser já foi escrito por William Shakespeare, porém em Manuel Alegre adquire um sentido contemporâneo, o cidadão do mundo solidário a todos os povos, faço aqui uma incursão mística, que não está no seu livro e que julgo importante, não-ser é também parte do Ser quando somos solidários a outros povos, costumes e culturas, e no meu caso sem perder a própria, também o nome do arcanjo Rafael é para mim significativo, na origem hebraica El é Deus e Rafa é cura, assim Rafael tem o significado Deus cura, aqui no sentido de um mundo doente social e culturalmente, por não reconhecer outros valores e outras culturas.
Conheço 23 países, 4 da américa latina, 19 da europa, de modo especial Espanho e Itália pela minha descendência, e Portugal onde vi mais claramente toda influência no Brasil, porém ainda me sinto brasileiro e o hoje dia de estreia da seleção nacional em Copa do Mundo estarei com vizinhos e amigos torcendo pela seleção nacional, sem que isto signifique ódio ou desprezo por outros povos e culturas.
ALEGRE, Manuel. Rafael. Lisboa: Dom Quixote, 2003.
Os cristãos e as crises sociais
Os valores cristãos que são universais são aqueles que promovem a fraternidade entre os homens e para isto lançam mão de suas virtudes chamadas teologais: fé, esperança e caridade, enter elas é a caridade que tem maior precedencia.
Sem a caridade um aspecto essencial daqueles que professam fé religiosa no advento de Jesus, festa que se inicia na próxima semana, cujo ápice é o Natal, sem esta caridade nem o maior altruismo ou a maior virtude pode alcançar a verdadeira fé cristã.
Em tempos de crise os homens não perdem apenas a fraternidade, ao lutar pela própria sobrevivência e visão de mundo, perdem também a esperança e com isto cresce não só o ódio, como a intolerância, o medo e a divisão entre povos e nações.
Assim é verdadeiramente heróico continuar a promover a caridade e a fé, e em diversos momentos da história foi preciso ir até mesmo ao martírio para mantê-los como valores, não é só a incompreensão dos valores cristãos, mas de todos valores humanos que entram em jogo quando o ódio e a divisão prosperam de diversas formas.
Tempos perigosos como lembramos no post anterior podem ser particularmente difíceis.
Quando também os cristãos são atacados é aí que sua verdadeira fé e valores são testados, diz uma passagem do evangelho de Lucas (Lc 12,13): “Antes que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos, sereis entregues às sinagogas [falsos templos] e postos na prisão, sereis levados diante de reais e governadores por causa do meu nome . Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”, mas o evangelho promete a proteção divina.
Assim não estamos imunes as dificuldades e divisões humanas, porém buscamos a unidade.
Tempos bicudos e más profecias
É um fato que grandes mudanças e talvez até revoluções estão em curso neste momento da história da humanidade, porém a interpretação e falsos profetas é terrena e não divina, uma vez que olham somente para fatos terrenos, há algo divino também em curso?
Para os que creem sempre há, porém o que se especula em falsas profecias é o fim do mundo ou a nova vinda de Jesus (Parusia), diz o apocalipse através de Jesus quando pergunta quando será este tempo final (Ap 2,8-9): Jesus respondeu: “Cuidando para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome dizendo: ‘Sou eu!’ E ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim”.
Mais claro impossível, mas também há algo divino no ar, a desestruturação civil levou junto valores éticos e morais, mesmo a justiça mais rigorosa parece escorregar pelo autoritarismo e a arrogância tendenciosa, os religiosos também parecem confusos, os políticos piores ainda, a radicalização pura confunde-se com propostas e valores autênticos de mudança sociai e apreço aos mais desfavorecidos socialmente.
Assim tanto há um quadro de crise civilizatória: desajustes de mercados, grandes potências em conflitos econômicos, sociais e em guerra ou próximos dela, ausência de líder estudo é e organismos internacionais que tenham confiança e credibilidade, tudo é tendencioso e polarizado ao extremo.
No campo religioso vai ficando claro tendências mais espirituais e outras meramente políticas e terrenas, no mundo islâmico muita tensão e luta por direitos civis, o Irã há uma luta forte pelo direito das mulheres, há também tensões no mundo oriental, além da crise da China e da Coreia do Norte, os valores ancestrais e cultuais do oriente também estão em cheque, embora o discurso oficial negue isto, os jovens já questionam.
No Brasil a polarização política chega ao extremo, as eleições são questionadas e antes de tomar posse já há problemas no novo governo do PT que deverá se iniciar em janeiro, novos bloqueios em estradas e uma nova onda da Covid 19 volta a preocupar, a perspectiva de um entendimento na transição entre politicas radicalmente opostas é difícil não só no poder executivo, mas também no legislativo e jurídico.
Aos que creem Deus age sempre no extraordinário, ou seja, aquilo que os homens e os valores terrenos não alcançam, assim algo pode ser esperado no plano divino, mas sempre é totalmente diferente do racional humano, é imprevisível e completamente desconcertante para os homens, quem imaginaria Jesus ser criado em um vilarejo chamado Nazaré, hoje tem 72 mil habitantes, no tempo de Jesus menos de 10 mil.
Aos que creem sempre há um raio de esperança, sempre há uma luz divina alimentando e clareando a realidade humana.
A árvore boa dá fruto bom
A ideia que é preciso desorganizar para obter uma nova ordem, não é revolucionário nem democrática é reflexo de má doutrina e más teorias, é preciso manter-se um caminho sereno e tranquilo para que se produzam frutos de uma sociedade saudável e equilibrada.
Estamos longe disto, porém a ruptura pode significar um mal ainda maior e sabemos que não se trata de valores apenas nacionais, mas internacionais, dá-se nomes diversos para isto: o grande reset, uma nova ordem mundial, crise do capitalismo ou do socialismo (ambos tem problemas) e no fundo é um processo de crise civilizatória.
Que crise é esta, aquela que diversos teóricos e políticos apontaram no passado, fruto das teorias totalitárias e perversas de poder, da fragmentação do conhecimento que não vê o homem como um todo, mas em aspectos específicos e [e claro de mentes poucos saudáveis que conduzem a sociedade para caminhos tortuosos.
Duas guerras, regimes totalitários (não esquecer as ditaduras de Franco na Espanha, De Gaule na França, Mussolini e Salazar), revoluções socialistas, crises do capital, sacrifícios das colônias africanas e radicalismo islâmico no mundo árabe.
O cenário pode preparar o maior dos engodos se não atentarmos para os frutos daqueles lideres que mesmo propondo a paz, a harmonia social e a defesa do meio ambiente preparam interesses escusos e inconfessáveis nos bastidores.
A parábola bíblica dos empregados que são deixados valores para administrar os bens do dono que viaja para longe serve para identificar os verdadeiros bons administradores através de seus frutos, diz a passagem depois do dono elogiar os bons administradores que deram bons frutos para da administração, diz ao que não fez nada com o que lhe foi dado para administrar (Lc 19,22-23):
“ ‘Servo mau, eu te julgo pela tua própria boca. Tu sabias que eu sou um homem severo, que recebo o que não dei e colho o que não semeei. Então, por que tu não depositaste meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros”, não é difícil identificar estes maus administradores.
Claro a passagem bíblica fala da vida espiritual, mas a lição dos bens materiais não deixa de ser importante, maus administradores levam ao empobrecimento e a perda dos ganhos sociais.