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Aplainar os caminhos
Toda a realidade parece uma enorme confusão, e de fato o é sem um olhar de meditação (a vita contemplativa que postamos na semana passada) e sem uma visão profética que vai além da realidade factual que quase sempre é dualista porque enxerga só por um víeis pessoal.
Acontecerão guerras, revoluções, povos contra povos, tudo o que assoberba os falsos profetas, adivinhos de plantão e maus leitores bíblicos, anunciadores de si próprios e não da realidade divina.
Sim a leitura bíblica é esta Mt 24,7-8: “Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores” sim, mas isto “não será o fim” e a leitura não para aí: “levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos”.
Embora vivamos uma grande crise civilizatória, a bíblia fala na “grande tribulação”, tudo isto é na realidade um “aplainar dos caminhos”, como fazia João Batista no período da vinda de jesus.
Perguntavam a ele se o messias ou Elias (Jo 1,22-24): “Perguntaram então: ´Quem és afinal afinal? Temos uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?’ Então João declarou: “Eu Sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” conforme disse o profeta Isaías”, que profetizou que Deus enviaria luz e alegria por meio de uma criança, e que quebraria o “jugo da sua carga” (Isaías 9:4) e seria chamado de “Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz” (versículo 6).
É de fato uma crise civilizatória, modelos de sociedade em choque, perigos de guerras em limites e proporções jamais imaginados, porém tudo isto é também “aplainar os caminhos do Senhor”, a vinda de uma Nova Civilização, não aquela das falsas profecias, mas o reino da paz.
Cuidado com falsos profetas, com promessas de paraísos que não se realizam, eles também se alimentam das crises, das crueldades e das guerras, mas não constroem a paz e a justiça.
O último profeta e sua cultura
João Batista era filho de Isabel, casada com Zacarias e prima de Maria, que ao receber o sinal de um anjo que conceberia vai visita-la, apressadamente diz a narrativa bíblica, mas também porque o anjo diz a ela que está cheia de dúvidas: “sua prima que era estéril concebeu na velhice” (Lc 1:36-40), passagem cheia de interpretações, mas isto fica para depois.
Quem era João Batista foi melhor esclarecido nos manuscritos do mar morto (ver referencia) encontrado no mar morto, muito recentemente, mas que leitores bíblicos e exegetas ignoram completamente.
O manuscrito do Qumran muitas polêmicas surgiram, até mesmo de que Jesus era na verdade um essênio, outra que alguns fugiram para a Índia e lá teriam fundado comunidades com seus princípios, alguns destes manuscritos estavam dentro de jarros de barro e falavam da vida de Jesus Cristo e diziam sobre a importância de curas com medicinas alternativas e a importância da cultura vegetariana.
Os essênios também defendiam a unidade e a paz, pois era um período de divisão entre os judeus, vários tiveram contato com Jesus e estão presentes em passagens bíblicas, e assim já tinham uma cultua diferente dos saduceus e fariseus.
Os saduceus eram pessoas da alta sociedade, membros de famílias sacerdotais, cultos, ricos e aristocratas; os fariseus não acreditavam na vida após a morte e por isso não diziam nada sobre sua visão escatológica (do princípio e fim) ficando mais preocupados com as regras e as “leis” judaicas.
Os zelotas, outros que se agregaram a Jesus, rejeitavam o pagamento de tributos ao império romano, sob a alegação de que tal ato era uma traição contra Deus, entre os apóstolos de Jesus, Simão era um zelotes e Judas, o traidor também, e também o apóstolo tardio Paulo de Tarso, refere a si mesmo como um zelote religioso (At 22:3; Gl 1:14).
isto dá um contexto mais cultural e político sobre Jesus e seus apóstolos, não tira em nada sua divindade, mas explica as polêmicas e contradições com a cultura judaica mais ortodoxa da época.
Sobre esta polêmica, o acadêmico judeu Dr. Israel Knohl, presidente do departamento Bíblico da Universidade Hebraica de Jerusalém, e convidado das universidades de Berkeley e Stanford, apresenta em seu livro: “The Messiah Before Jesus”, escreve baseado nestes pergaminhos, a tese de que por volta do ano do nascimento de Jesus falecera um suposto messias Menahem, o essênio, em circunstâncias semelhantes às de Jesus e isto era de conhecimento de Jesus.
Polêmicas a parte, não enfraquece as narrativas bíblicas de Jesus e João Batista, mas esclarece melhor aspectos culturais e históricos.
«The Weirdo Cult That Saved the Bible» (em inglês). Slate. 17 de janeiro de 2008. Consultado em julho de 2015.
As narrativas do nascimento de Jesus
Muitas foram as profecias sobre a vinda do Messias, embora a de Isaias seja a mais citada (Isaías 7,14): “portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel”.
Que significa Deus conosco, assim é o primeiro argumento que Jesus era Deus”, porém as oito visões de Zacarias são interessantes por dois motivos: o que mais falou de profecias messiânicas e o seu nome ser o do pai, do último e maior dos profetas João Batista, Zacarias significa “lembrado por Deus”.
Assim o profeta Zacarias, que não é o marido de Izabel, entre suas várias profecias, previu a vinda do Messias a Jerusalém e a rejeição pelo Seu povo (Zacarias 9,11).
Belém era uma pequena vila, a terra natal do rei Davi, e o profeta Miquéias (5:2) que previu a cidade Natal de Jesus foi dito de Belém, de Judá (uma das doze tribos de Israel) : “Mas tu, Belém-Efrata, embora pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos”.
Sim porque uma profecia no primeiro livro bíblico, que afirma que do povo judeu (hebreu na época de Abraão), nascerá um povo nove, está no Gênesis (12:2-3):
“Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma benção. Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”, veja que a profecia vai além dos povos abraamicos, embora haja judeus e cristãos que o façam.
E por último a profeta feita a David no Salmo 89:3-4: “Fiz aliança com o meu escolhido, jurei ao meu servo David: “estabelecerei a tua linhagem para sempre e firmarei o teu trono por todas as gerações”.
José marido de Maria foi a Belém (profetizada por Miquéias) porque era da linhagem de David e seu filho deveria ser recenseado lá, então é também fato histórico, pois houve um senso quando Jesus nasceu.
Alguém que conhece a Bíblia poderá pergunta e João Batista, sim ele batizou Jesus e não profetizou e sim anunciou (ou se preferir a última e a maior das profecias), depois de mim virá aquele “que não sou digno nem de desatar as sandálias” (João 1:27), oras quem desatava as sandálias para lavar os pés eram os escravos e João Batista nem mesmo disto se julgava digno.
São tantas profecias, e o encaixe é tão divino e lógico (o senso que contou Jesus, por exemplo), que o sinal de seu nascimento é divina e humanamente claro.
Narrativas, Palestina e Israel
A oralidade primária, período anterior a escrita impressa, era a forma de transmitir histórias e a cultura e tradição dos povos através da narração, vivemos na modernidade a cultura impressa e agora emerge uma cultura chamada por Byung Chul Han de “pós-narrativa”.
Diz Han: “hoje todo mundo fala em narrativa. O paradoxal é que o uso inflacionário das narrativas revela uma crise da própria narração”, diz no início de seu livro “A crise da narração”, estabelecendo uma oposição entre narrativas e narração.
Profetas e oráculos eram os responsáveis por narrativas no período anterior ao da escrita, é bom lembrar que os escribas e as tabletas de barro estavam presentes em culturas arcaicas, entretanto, foi a narrativa que sustentou tradições nas culturas orais, incluindo as originárias.
Uma interpretação moderna, feita por Walter Ong, discípulo de Marshal McLuhan, é que os mitos foram usados como um processo mneumotécnico, ou seja, “ganchos” para que a narrativa não se desviasse da narrativa inicial, mantendo culturas e tradições, assim grandes obras da cultura ocidental como Ilíada e Odisseia podem ser relidas neste aspecto.
Os profetas não se diferenciam destes aspectos cultuais, tem a pretensão ou de fato podem ser revelações divinas, já que inúmeros fatos nestas narrativas revelam a intervenção divina, a saída de Abrão (só depois será chamado Canaã) da região da Caldéia, dando origem ao povo hebreu, que significava do outro lado do rio, até a chegada a região onde nascerá seu filho Isaque, mas também terá um filho com a escrava Hagar, chamado Ismael, e só depois terá um filho com Sara, Isaque o qual terá dois filhos Esaú e Jacó (depois chamado de Israel, aquele que lutou com Deus).
Já no ventre da mãe os dois lutavam e diz a narrativa bíblica, Genesis 25:23: “E o Senhor lhe disse: Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor”.
Desde a concepção a narrativa bíblica revela dois povos em luta, Rebeca era estéril e quando gerou os gêmeos, Esaú nasce primeiro por alguns minutos e deveria herdar as tribos, mas Jacó usando uma artimanha de se passar pelo irmão que era peludo, vai ao pai que está quase cego e pede que o abençoe, o que é feito, mas depois vendo que teria que lutar com o irmão, diz a narrativa, numa região chamada vau Jaboque (afluente do Jordão) ele luta com um anjo para Deus o abençoar, e a partir daí é chamado de Israel, que significando aquele que luta com Deus.
Porém os ismaelitas continuarão a existir e não se confundem com os Palestinos, que vem dos antigos povos chamados filisteus, inicialmente estavam na costa sudoeste de Canaã, formando a Filístia, apesar de terem adotado a cultura local Cananéia, estudos apontam uma origem indo europeia por inúmeras palavras e também nas primeiras guerra já sabiam fazer o aço, enquanto os israelitas dominavam ainda o bronze (na foto o mapa de 830 a.C.).
«Origem dos filisteus pode ser finalmente revelada por DNA antigo». National Geographic. 15 de julho de 2019.
O beato Duns Scotus
A sabedoria e profundidade dos ensinamentos deste frade franciscano do século XIII, no entanto, levou 9 séculos para ser reconhecido e venerado pela Igreja Católica, somente no Pontificado de João Paulo II é que ele foi beatificado e reconhecido como santo.
O Papa Francisco em recente homilia exaltou as qualidades de Scotus afirmando: “Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura (…), mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo (…). O essencial permaneceu escondido! (…)”.
Dotado de uma inteligência brilhante e levado a especulação, essa inteligência pela qual mereceu o título de Doctor subtilis “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido a fazer estudos de filosofia e teologia nas célebres universidades de Oxford e Paris e sua obra
Dotado de uma inteligência brilhante e levada à especulação – essa inteligência pela qual mereceu da tradição o título de Doctor subtilis, “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido aos estudos de filosofia e de teologia nas célebres universidades de Oxford, Cambridge e de Paris, e assim suas obras receberam os títulos de Opus Oxoniense (Oxford), Reportatio Cambrigensis (Cambridge), Reportata Parisiensia (Paris).
Entre suas obras místicas se encontram fez estudos sobre a encarnação, na Reportata Parisiense escreveu: “Pensar que Deus teria renunciado a esta obra se Adão não tivesse pecado seria totalmente irracional. Digo, portanto, que a queda não foi a causa da predestinação de Cristo, e que, ainda que ninguém tivesse caído, nem o anjo, nem o homem, nesta hipótese Cristo teria estado ainda predestinado da mesma forma” (in III Sent, d. 7,4).
Duns Scotus, ainda consciente de que, na realidade, por causa do pecado original, Cristo nos redimiu com sua Paixão, Morte e Ressurreição, reafirma que a Encarnação é a maior e mais bela obra de toda a história da salvação e que esta não está condicionada por nenhum fato contingente, mas é a ideia original de Deus de unir finalmente todo o criado consigo mesmo na pessoa e na carne do Filho.
Também o papa Paulo VI declarou esta visão da encarnação afirmada em Scotus: “fortemente “cristocêntrica”, abre-nos à contemplação, ao estupor e à gratidão: Cristo é o centro da história e do cosmos, é Aquele que dá sentido, dignidade e valor à nossa vida.” (homilia de 19 de novembro de 1970).
Não somente o papel de Cristo na história da salvação, mas também o de Maria é objeto da reflexão do Doctor subtilis. Na época de Duns Scotus, a maior parte dos teólogos opunha uma objeção, que parecia insuperável, à doutrina segundo a qual Maria Santíssima esteve isenta do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção: o dogma da Imaculada concepção de Maria, defendido por Scotus séculos antes da igreja católica declará-lo.
Tamanha a convicção de Scotus deste dogma, que foi enterrado em igreja da Imaculada Conceição da Virgem Maria (foto), em Colônia, na Alemanha, onde morreu em 8 de novembro de 1308.
Duns Scotus e o realismo moderado
Duns Scotus é o mais típico pensamento do realismo moderado, já que unia a questão da linguagem como parte da essência do ser (como é apresentada a questão hoje) para a existência dos universais, porém sabia que também admitia o nominalismo em parte.
Foi um filósofo e teólogo do século XIII, sua principal tese teológica é que Deus existe através da questão: “se há entre os entes um ente infinito atualmente existente” (Ordinatio I, parte 1, qq. 1-2) e para ele universais como “verdade” e “bondade” existem realmente.
Duns Scotus sustentava um fundamento universal nas coisas (alguns filósofos irão chamar de quididade) que era mais forte que aqueles sustentados por Tomás de Aquino, e a entidade própria da natureza comum que serve de base para a individuação (assim existem cavalos e existe o “cavalo” particular de uma raça, cor, etc.) como para a universalidade que ela se acrescenta, deixando-a como que intocada (o cavalo específico continua “cavalo” universal).
O argumento que separa o “contemplativo” do “activo” é nesta origem do pensamento, a ideia que o Universal está fora do intelecto com o mesmo modo de ser que está no intelecto e era aquilo que os escolásticos chamavam de “realistas ingênuos”, retornando a Platão, há dois mundos a saber: o mundo sensível e o mundo das ideias (eidos).
Ainda que eidos possam ser diferente do idealismo pós-kantiano, permanece no interior deste pensamento uma concepção do mundo “das ideias” diferente do mundo real, ou seja, um nominalismo radical cujas categorias de Aristóteles foram transformadas em “conceitos”.
A ideia fundamental de Platão, e não se assustem está na base do pensamento da modernidade, é que a verdade está lá fora e não no interior do homem, onde a vê por um processo de meditação ou contemplação, conforme já argumentamos Arendt (e outros interpretes da filosofia) veem o mito da caverna de modo diferente, argumentou Byung-Chul.
Não é este tipo de “parreheia” (abertura da Verdade) que Duns Scotto fala, e já falava também Agostinho de Hipona, mas sim aquela verdade que habita no interior de todo homem.
É no quinto argumento que Scotus usa Agostinho: “Se ambos vemos que é verdade o que tu dizes, e se ambos vemos que é verdade o que eu digo, onde, pergunto eu, o vemos nós? Nem eu, sem dúvida, o vejo em ti, nem tu em mim, mas vemo-lo ambos na imutável Verdade que está acima de nossas inteligências”.
Algo parecido é dito por Sócrates: “a verdade não está com os homens, mas entre os homens”.
SCOTUS, John Duns. Seleção de Textos. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
Realismo moderado e a contemplação
Já foi postado que a ruptura da vita contemplativa se deu devido ao homo laborans, ou seja, na modernidade quando o trabalho se torna um imperativo econômico, principalmente para as camadas mais pobres da sociedade, no início da revolução industrial sequer havia limite de horário aos trabalhadores e muitas indústrias desrespeitavam até sábado e domingo.
Porém a questão surgiu já na idade média, o trabalho organizado nos mosteiros, e muitos dos primeiros monges beneditinos vinham da nobreza, era realizado pela primeira vez por homens livres, e inclusive a palavra “tripalium” de onde vem trabalho significava tortura (estripar).
Enquanto pensamento neste período medieval surge a querela dos universais, há várias versões para sua origem, mas uma bastante aceita é um fragmento encontrado dos escritos de Boécio (480-525 d.C.), anterior a Tomás de Aquino, ele traduziu para o latim e comentou Aristóteles, embora parcialmente, e fez uma introdução às “Categorias” de Aristóteles.
A querela tratava de questionar se estas categorias eram coisas reais que existiam ou apenas nomes que se davam às coisas, daí as correntes realistas e nominalistas medievais, que chegaram até os nossos dias com a questão da viragem linguística retomada recentemente.
O fato destas coisas existirem ou não significa que devemos ver o Ser como ser de linguagem, conforme defende Heidegger ou simplesmente um fruto do meio material e suas variações, não é apenas o materialismo corrente derivada do objetivismo, mas de uma visão do subjetivo, afinal aquilo que é próprio do ser (subjetivo vem de sujeito).
O realismo moderado na idade média se aproximava, mas colocava limites no realismo, por exemplo de Tomás de Aquino, que como Boécio vai reler a obra de Aristóteles, em sua Suma Teológica, vai caracteriza como razão e esta é uma raís esquecida do racionalismo moderno.
Boécio bem anterior na leitura de Aristóteles faz a escolha entre um realismo “transcendente” ou extremo, mais de caráter platônico, e um realismo “imanentista” ou moderado, com influência de Aristóteles, é importante frisar que Boécio era leitor de Porfírio de forte influência.
A questão deixada por Boécio era “se” os universais (categorias) existiam, só para exemplificar a ideia de animais que são cavalos genérica ou os cavalos reais com raça, cor e sua espécie, e que pode ser compreendido em dois comentários:
“visto que seja necessário, Crisaório, saber, pela útil contemplação destas coisas, o que é o gênero e o que é a diferença, o que é a espécie e o que é o próprio e o que é o acidente, tanto quanto ao que em Aristóteles … Em seguida, certamente me recusarei a falar, sobre os gêneros e as espécies, o seguinte: subsistem ou são postos em intelecções isoladas e nuas? Subsistentes, são corporais ou incorporais?” (Boécio, 1906, p. 147).
A questão merece ser aprofundada visto que os “nomes” das coisas significam uma linguagem.
BOÉCIO. In Isagogen Porphyrii Commenta. Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum, vol. 48. Vindo-bonae: F. Tempsky/ Lipsiae: G. Freytag 1906.
Entre a imortalidade e a eternidade
Não é apenas um tema espiritual como parece, o Vita Activa de Hannah Arendt cita por Byung-Chul é uma correção de rota, de nos retirar da simples temporalidade mortal, para o “tempo que é próprio aos deuses, que não morrem e não envelhecem, e do cosmos imortal” (Han, 2023, p. 145), onde diferencia imortalidade de eternidade.
A busca da imortalidade é, novamente Han citando Arendt, “a fonte e o centro da vita activa”. Segundo o autor, o “ser humano conquista sua imortalidade no palco do político. Em contrapartida, o objetivo da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, 2023, p. 145), em outras palavras, imortalidade é a busca insensata do palco político, enquanto eternidade é a busca da experiência de eternidade já aqui e agora.
Mas alerta o autor que o ser humano não consegue demorar-se na experiência do eterno, “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem), ao compará-la com o pensador, ele logo que começa a escrever abandona a experiência do eterno, assim se entrega a vida activa, e é nela que espera alcançar a imortalidade, Arendt admira Sócrates que não escreve, embora a própria Arendt pensou e registrou seus pensamentos com a intenção da imortalidade (Han, 2023, p. 146), mas a escrita pode ser uma contemplação diz o autor.
Na visão de Byung-Chul a maneira que Arendt vê o mito da caverna de Platão, na verdade é uma história completamente diferente, ela é de um filósofo que liberta da corrente os seus companheiros às sombras que oscilam diante deles, as quais eles consideram a única realidade (pag. 147-8), Platão pede a Glauco imaginar: o que aconteceria com os filósofos se depois de ter visto a verdade voltasse a ela e tentasse libertar os preços das ilusões? (pag. 148).
A “parrehesia” (abertura da verdade) é uma situação de risco, “o filósofo age, quando apesar do perigo de morte, retorna a caverna” a fim de convencê-los da verdade, assim a ação antecede o conhecimento da verdade, enquanto a contemplação é o caminho do conhecimento para a verdade, que precede a ação (pag. 149).
Afinal a própria polis grega e o pensamento de Platão tiveram origem nos diálogos de Sócrates escritos pelo próprio Platão, este sim uma verdade contemplativa e discursiva (diria dialogal, mas o termo pode ter interpretações dúbias), assim a ação precede o pensamento em Platão.
Segundo a crítica de Hans, a ideia de que a perda da capacidade contemplativa levou a vitória do “animal laborans” que submete tudo ao trabalho com a consequente perda da capacidade contemplativa e sua reintegração a natureza e ao planeta.
Han cita Santo Gregório, um mestre da Vita Contemplativa: “quando um bom programa de vida exige que se passe da vida ativa à contemplativa, é frequentemente útil que a alma retorne da vida contemplativa à ativa, de tal modo que a chama da contemplação desperta no coração entregue toda sua plenitude de atividade” (pag. 151), assim se vive a eternidade terrena.
HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.
Palestina, General de Inverno e Essequibo
A trégua infelizmente acabou porque o Hamas cometeu um atentando no último dia de trégua, matando um rabino e duas mulheres, segundo a imprensa israelense, e a milícia Al-Qassan, braço armado do Hamas, reivindicou o atentado.
Segundo o FDI (Forças de Defesa de Israel) 200 alvos do Hamas já foram atingidos, um deles um suntuoso prédio que funcionava a Suprema Corte do Hamas, a escala da guerra retorna.
General de Inverno é o nome dado ao inverno russo durante as guerras porque tanto na invasão napoleônica (1812) quando o exército de um conjunto de alianças (é importante lembrar que algumas nações europeias apoiavam) perde a guerra devido o inverno, também na segunda guerra mundial o inverno foi decisivo para a Alemanha perder a guerra.
O que pensar agora do inverno na Ucrânia, onde a Rússia teve avanços em vários fronts, no entanto ela tem problemas na Criméia onde há grande parte da munição russa, o inverno lá prolonga até março e a Ucrânia dá sinais de fraquezas e perde parte dos apoios, agora países como a Finlândia e a Polônia já se mobilizam em defesa própria sobre uma possível invasão.
Por último, um front pode aparecer na fronteira do Brasil, o exército já enviou tropas para a região devido a possibilidade de invasão do território brasileiro que seria estratégico para uma invasão da Venezuela contra a frágil força militar da Guyana (antiga Guiana Inglesa).
Um referendo feito na Venezuela nestes dias, é bom lembrar que Maduro controla todo o aparato do Estado, deu parecer favorável a 5 questões sobre uma possível invasão da Guiana de Essequibo como é chamada a região que hoje pertence a Guyana, uma das questões desafia o Corte Internacional de Justiça que proibia a Venezuela de qualquer invasão.
Enfim um cenário desastroso de crise civilizatória vai se agravando, mas acreditamos na paz.
A sociedade que vem
Este é o título do último capítulo do livro de Chul Han “Vita contemplativa”, nele analise a crise religiosa e suas consequências para a cultura, o ser e a sociedade atual.
Inicia afirmando: “a atual crise da religião não se pode deixar reduzir simplesmente a que perdemos a fé em Deus ou que nos tornamos desconfiados de certos dogmas” (pg. 153), ela reside no fato que perdemos a capacidade contemplativa, uma crescente coação tanto da comunicação como da produção dificulta o “demorar contemplativo”, não há como “parar”.
Cita Malebranche (1638- 1715) que dizia que a atenção é como uma “prece natural da alma”, a nossa hiperatividade pode ser responsabilizada pela religiosa, “a crise da religião é uma crise da atenção” (pg. 154), e o pior que o autor não aponta, o fanatismo dominou a “atenção”.
Diz o autor “escutar é o verbo para religião”, mas também é para meditação, estudo, contemplação e reflexão, seja qual for o princípio do limiar de um pensamento ele requer uma parada, uma inatividade.
No pensamento atual do romantismo, “a liberdade é desacoplada do si mesmo”, a ação dá lugar ao escutar: “somente a tendência a intuição, quando direcionada ao infinito, põe em mente a liberdade ilimitada” (pag. 159) diz o autor agora citando Schleiermacher.
Ainda citando Schleiermacher, escreve que as lágrimas interrompem o “feitiço que o sujeito coloca na natureza” (pag. 160), dissolvido em lágrimas, o sujeito se entrega à Terra.
Agora citando Agamben em “A comunidade que vem” afirma sobre o reino vindouro do Messias que Walter Benjamim teria contado a Ernest Block e está citando em Han:
“um rabino, um verdadeiro cabalista, disse uma vez: para instaurar o reino da paz, não é necessário destruir tudo e dar início a um mundo completamente novo; bastaria deslocar um pouquinho essa taça ou esse arbusto ou aquela pedra, e do mesmo modo todas as coisas. Mas esse pouquinho é tão difícil de realizar e a sua medida tão difícil de encontrar que, no que diz respeito ao mundo, os homens não o conseguem e é necessário que chegue o messias” (Aganbem apud Han, 2023, pg. 171).
É esta chegada, chamada parusia (uma nova vinda para os cristãos) que também se celebra no Natal (na segunda semana do advento).
HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.