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A crise civilizatória
Não é apenas uma ideia dos apocalípticos, dos pessimistas e dos gostam de tragédias, espíritos sombrios que não refletem realmente sobre a realidade, são aqueles que pensam o humanismo, que olham para uma vida polarizada, fragilizada e impotente diante de uma pandemia (veja a Europa no post anterior) é a crise da fragilidade que não se vê frágil.
Arrogantes, pseudossábios, e pseudoprofetas estão de plantão, porém mesmo um otimista como Edgar Morin se dobra ao perceber um sistema que não consegue lidar com seus problemas fundamentais, ele se desintegra, assim começou sua recente palestra sobre a metamorfose da humanidade, disse no evento: “ele se torna ainda mais bárbaro”, mas lembra que esta não é a primeira e provavelmente não é a última metamorfose da humanidade, fomos na origem (ele disse por mais de 100 mil anos) caçadores e coletores.
Não tinha exército, nem estado e nem classes, mas aos poucos alguns grupos queriam dominar os outros, isto aconteceu na Índia, na China e no Oriente Médio, nos Andes onde se organizou um Império Inca e no México (onde fez a palestra).
Estas sociedades se metamorfosearam para melhor ou pior, ele não fez uma afirmação sobre isto, porém pensa que uma metamorfose sobre os nossos Estados-nações é possível.
Afirma que é preciso ter esperança, mas esperança não é certeza, a esperança que no passado era uma crença agora, porém se a esperança existe ela é o fermento necessário para grandes transformações, e fica subentendido que é neste momento que estamos vivendo esta realidade, num mundo pós-moderno ou pós-pós-moderno, há uma transformação.
Resta-nos saber qual nos leva a destruição, e qual é verdadeiramente portadora da esperança, não dá grandes dicas, mas façamos um exercício.
A primeira grande destruição é a guerra, com o arsenal de armas ultra potentes, até mesmo interplanetárias, há vários objetos em torno do planeta, é preciso defender a paz com a mesma força que defendemos a justiça, uma guerra agora seria uma catástrofe.
A segunda grande destruição é o desiquilíbrio social, a insegurança e a falta de um plano sustentável para o uso dos recursos naturais, os grandes encontros discutem apenas a questão da poluição e o desmatamento em algumas regiões do planeta, quando deveriam discutir o planeta como um todo, a natureza dá sinais de esgotamento e é previsível um maior desiquilíbrio nas forças naturais, de proporções planetárias.
Como afirma Edgar Morin é preciso ter esperança, já passamos outras etapas do processo civilizatório por situações parecidas, claro que a proporção agora é planetária.
Edgar Morin – Do esgotamento à metamorfose dos sistemas – YouTube
Distancias em anos luz eventos em milhões de anos
Se numa escala da vida humana falamos no máximo em centenas de anos, numa escala planetária devemos falar em milhões e até bilhões de anos, se em termos de distância podemos falar em milhares de quilômetros na escala planetária, em termos astronômicos esta escala são milhões de anos-luz, o tempo que a luz percorre por ano.
Isto nem quer dizer que eventos extraordinários não aconteçam, porque em termos de vida planetária e universal já se passaram bilhões de anos, portanto em algum ponto do tempo isto poderá acontecer, como o fim dos dinossauros, a era glacial e mudanças na geologia do planeta que já ocorreram, e nem que isto ocorrerá amanhã ou nos próximos anos, porém em algum ponto do tempo eles podem ocorrer.
O vulcão da ilha de La Palma dá sinais de que pode estar encerrando sua erupção, assim as catástrofes que eram sugeridas (em hipótese e com rara possibilidade de ocorrer) não irão acontecer, porém também não quer dizer que outras em algum outro ponto do planeta não possa acontecer, terremotos e eventos climáticos tem ocorrido e causado tragédias, como a de Fukushima no Japão em março de 2011.
Também esta pandemia parece estar no final de seu ciclo, embora a Europa esteja alerta, porém lá mais que aqui o número de pessoas que resistiram a vacina é muito grande.
Devemos estar sempre alerta, a vida no planeta corre risco sim, o problema do equilíbrio ambiental, o problema social decorrente da crise pandêmica, porém que já era enorme antes dela, o eterno perigo das guerras pelas disputas de mercado e pela intolerância religiosa está sempre a nos rondar.
Um grande acordo internacional que unisse os povos e que estabelecesse tréguas em conflitos, que realizasse a solidariedade entre os povos e resolvesse o equilíbrio ecológico, poderia ser um grande alento para uma civilização em crise.
Em termos espirituais significa que a humanidade deve evoluir também neste ponto, e os sinais não são os melhores, então não se trata de apocalipse ou ameaça, quando o espirito humano libera toda energia contrária ao seu bem estar e progresso caminha para um abismo e para tragédias, o dia em que uma grande noite cairá sobre os homens parece então estar próximo, assim diz a leitura bíblica (Mc 13,24-15): “Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a luz não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céus serão abaladas”, porém a leitura logo em seguida também indica (Mc 13,32): “quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”.
Portanto vivamos a vida e vamos favorecer o que seja bom para toda a humanidade, não apenas para grupos ou ideologias, a vida precisa continuar e é preciso lutar por ela.
A natureza, o homem e o divino
É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (Morin, 1977, p. 110), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.
Somos parte da natureza e o conceito antropocêntrico precisa ser modificado, porém é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem), mas esta depende do desenvolvimento da cultura, ou da esfera do pensamento (Noosfera de Teilhard de Chardin), sobre isto Morin dirá: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (idem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida que não pode excluir a Natureza.
Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (Morin, 1977, p. 333), e neste ponto Teilhard de Chardin desenvolve o conceito de um universo deificado, ou dito dentro da cosmologia cristã: “cristocêntrico”, razão pela qual foi durante algum tempo acusado de panteísmo (muitos deuses).
A ciência penetra mais e mais num universo cheio de surpresas, do bóson de Higgs à constante de Hubble que estabelece tanto o tamanho como a idade do universo, mas será que isto é a consolidação da unidade da física, chamada hoje de Teoria da Física padrão, porém esta constante já foi modificada.
Em termos astronômicos existe a medida megaparsec, que equivalente a 3,26 milhões de anos-luz de distância, Hubble mediu pela primeira fez 500 km por segundo por megaparsec (km/s/Mpc) o diametro da Terra, mas esta medida hoje varia entre 67 e 74 km/s/Mpc.
Também a natureza do interior do planeta varia e há muitas incertezas, devido a exposição do vulcão Cumbre Vieja nas Ilhas Canárias, muitos cientistas e pesquisadores sérios, há muitos fake News sobre o assunto, percebe-se que não há ainda teorizações claras sobre a natureza destes organismos planetários, sempre presentes nas história do planeta.
O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais, na maioria delas há sempre uma precedência do divino ao amor humano.
Para muitas cosmovisões o meio divino para poder dialogar com o humano, penetra nos mistérios do universo e pensamento (a noosfera), na cosmovisão cristã isto está explicado em dois passos: Amar a Deus e amar ao próximo, assim diz a passagem bíblica (Mc 12, 29-31) sobre o questionamento feito pelo farisaísmo a Jesus sobre quais eram os mandamentos: “Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”.
Assim o farisaísmo irá relativizar o primeiro “mandamento” para priorizar o segundo, só o amor ao próximo importa e define o cristão, em geral reduzem ao seu grupo e não dialogam com outras culturas, o segundo (amar a Deus sobre todas as coisas), nega a inclusão do segundo mandamento e caminha para o fundamentalismo e a negação da ciência como cultura, além de negar também outras cosmovisões não cristãs.
O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais.
CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
O meio divino e o fenômeno humano
A cosmovisão de Chardin sobre o fenômeno humano vai desde a cosmogênese, a origem o universo e da vida até complexificação da natureza e o lugar do homem nela, o que a pandemia demonstra que esta complexificação cresce e mesmo a ciência tem limites para lidar com ela, porém esta pandemia pode trazer novos horizontes, quando o pensar e o clarificar precisa da ciência.
Entre suas várias obras, Teilhard Chardin faz um percurso singular entre O meio divino, escrito entre novembro de 1926 e março de 1927 e o Fenômeno Humano, escrito entre julho de 1938 e junho de 1940, que formam um “todo inseparável” diz também a edição que tenho do Editorial Presença de Lisboa, Portugal.
Singular porque transita do divino ao humano, como atestam os próprios nomes das obras, sem deslizes ou arroubos, mostra-nos a “necessidade da compenetração entre a ciência e religião igualmente afirmada por Einstein”, expressão de Helmut de Terra, amigo e admirador de Chardin.
Chardin inicia o meio divino percebendo “a confusão do pensamento religioso no nosso tempo” (pag. 41) e atesta que o homem de nosso tempo “vive com a consciência explícita de ser um átomo ou um cidadão do Universo” (idem).
A atualidade do texto é porque afirma o autor afirma no início de seu livro algo que tem muito a ver com nossos dias, um despertar coletivo que um belo dia “faz tomar cada indivíduo consciência das verdadeiras dimensões da vida, provoca necessariamente na massa humana um profundo choque religioso, quer para abater quer para exaltar” (ibidem).
Isto acontece porque o mundo é demasiado “belo: é a ele e só a ele que devem adorar” (pag. 42).
O que é então o “meio divino”, o mundo (no nosso caso exploramos as cosmovisões do universo) não será cada vez mais fascinante e não estaria e seria ele a “eclipsar o nosso Deus” (idem), e existe uma conexão, na visão de parte do cristianismo, entre a Deus e a matéria, a eucaristia, ela e só ela pode criar um verdadeiro sentido de nos religar ao divino, “eis o meu corpo e meu sangue” disse Jesus, e quem comer terá acesso a vida eterna.
Afirma Chardin “a tensão lentamente acumulada entre a Humanidade e Deus atingirá os limites fixados pelas possibilidades do Mundo, e então será o fim” (pag. 177) “… que devemos esperar não como uma catástrofe mas como uma ´saída´ para o mundo para a qual devemos colaborar com todas as nossas forças cristãs sem receio do mundo, porque os seus encantamentos já não poderiam prejudicar aqueles para quem ele se tornou, para além dele mesmo, o Corpo d´Aquele que é e d´Aquele que vem”.
CHARDIN, Teilhard. O meio divino: ensio sobre a vida interior. Lisboa: Editorial Presença, s/d.
O lugar do homem na natureza
A natureza mantém uma relação como um todo com o planeta e este tem íntima interdependência com os seres vivos e que por sua vez são interdependentes entre si, assim todos os ecossistemas da Terra são apenas simplificações dos estudos de Biologia e estão separados da totalidade que é o planeta, esta é uma das teses do livro A natureza da NATUREZA, de Edgar Morin que nós já fizemos algumas postagens aqui.
Porém queremos dialogar com o conceito antropocêntrico que domina muitos estudos e cada vez mais vemos que é uma limitação já que a natureza tem seu próprio curso, e a interferência brutal do homem pode modificar e prejudicar este curso.
Segundo Ways (1970) citado em Chisholm (1974) existe uma tendência na epistemologia ocidental de objetivar a natureza para vê-la “do lado de fora”, e está é a responsável pela forma arrogante e insensível de lidar com o mundo natural, segundo o autor mesma atitude de separação do homem da natureza constitui a base do crescente conhecimento humano da mesma, sendo, portanto, uma interpretação antropocêntrica da evolução do mundo natural.
Por outro lado, é inegável a complexificação da natureza no homem, como uma animal que tem consciência, ou dito de outra forma tem consciência da própria consciência, o que pode levar a outro extremo que é a “interiorização” onde cultura e natureza se confundem, onde o subjetivismo pode ser uma tendência responsável por esta vertente.
Já o paleontólogo Teilhard de Chardin em sua obra “O fenômeno Humano”, observa que não há nenhum traço anatômico ou fisiológica que distingue o homem dos outros animais superiores, por outro lado tem a característica zoológica que o faz um ser à parte no mundo animal, é o único que habita todo o planeta, outra característica que vem de sua forma de consciência é a sua organização enquanto consciência e estrutura de pensamento, que Teilhard de Chardin chama de “noosfera”, uma esfera do pensamento também mundial.
Quanto ao home resta saber, e nem a ciência sabe, se é um mero acidente superficial que aconteceu ou se há nele uma intencionalidade desde que o Universo foi criado, seja Big Bang ou não, reflete Teilhard Chardin: “que a devíamos considerar – prestes a brotar da mínima fissura seja onde for no Cosmos – e, uma vez surgida, incapaz de desperdiçar toda a oportunidade e todos os meios para chegar ao extremo de tudo o que ela pode atingir, exteriormente de Complexidade, e interiormente de Consciência” (CHARDIN, 1997).
CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.
CHISHOLM, A. Ecologia: uma estratégia para a sobrevivência. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
Teilhard Chardin e a cosmovisão cristã
Os escritos de Teilhard de Chardin, cujos escritos tiveram feitos uma “advertência” do Vaticano em 1962, tiveram esta marca retirada de seus registros pelo Papa Francisco em 2017, neste ano foi feita uma plenária do Pontifício Conselho para a Cultura onde por unanimidade, a petição enviada pelo Papa Francisco pedindo que ele renunciasse ao “monituum” (advertência) dos escritos do padre Teilhard de Chardin, com isto “O futuro da humanidade: novos desafios à antropologia” foi atualizado.
Os participantes, que incluíam cientista de alto nível, assim como bispos e cardeais da Europa, Ásia, América e África, não só aprovaram mais aplaudiram o texto do Papa.
Além disto foram mencionados textos com “referências explícitas” de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI ao paleontólogo, filósofo e padre Teilhard de Chardin, com isto finalmente a antropologia e a cosmovisão cristã pode ser atualizada e colocada dentro da visão científica atual, que também evolui para uma visão mais ampla de universo e da vida.
Para concluir, eles citaram também que as linhas ao longo da Encíclica Laudato Si do próprio papa Francisco auxiliaram “esse ato não apenas reconheceria o esforço genuíno do piedoso jesuíta para conciliar a visão científica do universo com a escatologia cristã, mas representará também um estímulo formidável para todos os filósofos, teólogos e cientistas dispostos a cooperar com um modelo antropológico cristão” que já está descrito nas linhas gerais da Laudato Si, e “encaixa-se naturalmente na maravilhosa trama do cosmos”.
O padre Teilhard de Chardin foi constrangido por sanções disciplinares do Santo Ofício na década de 20, por suas opiniões manifesta em seus inédito escritos, mas não isto não o impediu de seu trabalho, a partir de onde concebeu a ideia de Ponto Ômega (um nível máximo de complexidade e consciência na direção que o universo evoluído) e agregou ao conceito de Cristo como o Logos, ou “a Palavra” que encarna a visão humana através da linguagem, além de seu conceito central de Noosfera (a esfera do pensamento).
Em tempos que se rediscute as antropologias das sociedades originárias, dos povos colonizados em busca de suas verdadeiras identidades pelo caminho de decolonização, do lado religioso Chardin corresponde ao grito de vozes do cristianismo que pedem uma necessária atualização antropológica, sem perder a unidade e consciência cristã Cristocêntrica.
Entre as obras de Chardin pode-se destacar: O fenômeno humano, O lugar do homem na natureza e O meio divino destacam-se em suas obras.
Muitas vezes em vida revelou o desejo de morrer no dia da Ressurreição (dia da Páscoa), seu desejo foi atendido morreu no dia 10 de abril de 1955, um domingo de Páscoa depois de assistir a missa na Catedral de São Patrício em Nova York, e seus escritos começaram a ganhar grande popularidade.
A peste, a verdade e a cegueira
Chega-se um momento em que também resignar-se a doença e não traçar rumos novos é também uma covardia, diz Camus na sua crônica a Peste: “Mas chega uma hora na história em que aquele que ousa dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte”, pois é “…uma ideia que talvez faça rir, mas a única maneira de lutar contra a peste é a honestidade”.
Ultrapassar o medo, e para muitos a dor, “compreendi que toda a desgraça dos homens provinha de eles não terem uma linguagem clara. Decidi então falar e agir claramente, para me colocar num bom caminho.”, isto implica não apenas em sabedoria e coragem, mas também ultrapassar a cegueira humana.
Assim é que: “Desde o início da história, os flagelos de Deus põe a seus pés os orgulhosos e os cegos. Meditai sobre isso e caí de joelhos”, e no caso presente, um minúsculo vírus põe toda a sabedoria e inteligência humana de joelhos, assim que não sejam para admitir o infinito, o Amor e a presença de um mistério na vida.
Camus via isto não de uma maneira religiosa, mas verdadeira: “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são mais bons do que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos, e é isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar”, mas se faz o ódio e a guerra.
A figura bíblica do cego Bartimeu é bastante ilustrativa da cegueira humana, porém este cego tinha consciência de sua limitação, ao saber que Jesus se aproximava dele gritava para que tivesse piedade dele, os apóstolos se incomodavam, porém Jesus vai perguntar ele gritava (Mc 10:48-52): “Filho de Davi, tem piedade de mim” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”. O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja! Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho”.
A consciência da cegueira de Bartimeu o movia, e o desejo da cura o incomodava mais ainda, aquele que julga ver e vê tudo numa penumbra é mais cego que Bartimeu e como diz um trecho da crônica A peste, sobre os cegos que não querem ver: “negavam, enfim, que tivéssemos sido esse povo atordoado de que todos os dias uma partilha, empilhada na boca de um forno, se evaporava em fumaça gordurosa, enquanto a outra, carregada com as correntes da impotência e do medo, esperava a sua vez”.
A cultura de massa e a crise
Depois de analisar os aspectos de homogeneização e de colonização cultural, Morin vai analisar quem é o homem médio e que cultura consome, afirma:
“A linguagem adaptada a esse anthropos é a audiovisiaul, linguagem de quatro instrumentos: imagem, som musical, palavra, escrita. Linguagem tanto mais acessível na medida em que é o envolvimento politônico de todas as linguagens” (pag. 45) e, portanto, não é específica das novas mídias que apenas as potencializa, e ela envolve mais um imaginário do que “do jogo que sobre o tecida da vida prática” (idem).
Isto porque “as fronteiras que separam os reinos imaginários são sempre fluidas, diferentemente daquelas que separa os reinos da terra” (ibidem), assim um homem pode participar das lendas de outra civilização do que adaptar-se a vida desta civilização, e assim Morin prepara para falar da grande crise ou grande noite civilizatória, que Morin chama de “grande craking”.
Na medida em que melhora a qualidade técnica mediatiza a qualidade artística, diz Morin: “sobem na cultura industrializada (qualidade redacional dos artigos, qualidades das imagens cinematográficas, qualidade das emissões radiofónicas), mas os canais de irrigação seguem implacavelmente os grandes traçados do sistema (pag. 50).
Morin separa as correntes culturais vindas de Hollywood em três correntes principais: a que “mostra o happy end, a felicidade, o êxito; a contracorrente, aquela que vai da morte de um Caixeirio-Viajante a No down payment [Rock do AC/DC], mostra o fracasso, a loucura, a degradação” (pag. 51), mas há uma terceira corrente que chama de “negra”.
Esta é “a corrente em que fermentam as perguntas e as contestações fundamentais, que permanece fora da indústria cultura: esta pode usurpar em parte, adaptar a si, tornar consumíveis publicamente certos aspectos, digamos, de Marx, Nietzsche, Rimbaud, Freud, Breton, Péret, Artaud, mas a parte condenada, o antipróton da cultura, seu randium fica de fora” (idem).
Morin descreve este anti-climax no início do capítulo 5 “O grande ´cracking”: “os discos long playing e o rádio multiplicam Bach e Alban Berg. Os livros de bolso multiplicam Mlaraux, Camus, Sartes. As reproduções multiplicaram Piero dela Francesca, Masaccio, Césanne ou Picasso” (pg. 53), a cultura parecia se democratizar pelo livro barato, o disco, a reprodução, como preconizara Walter Benjamin, mas o resultado foi a vulgarização, pois a “cultura cultivada” não é na cultura de massa a corrente principal nem a específica.
O imaginário sai dos ritos, das festas e das danças e vai para o rádio, a televisão e o cinema, lá “esses espíritos fantamas, gênios que perseguiam permanentemente o homem arcaico e se reencarnavam em suas festas” (pag. 62), agora são “escorraçadas pela cultura impressa”, a cultura de massa quebra “a unidade da cultura arcaica a qual num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa, do ritmo, da cerimônia” (pag. 62), espectador e espetáculo estão fisicamente separados.
Essa transformação de uma “do homem da festa” sucede o que chamamos de público, audiência e espectadores: “o ele imediato e concreto se torna uma teleparticipação mental” (pag. 63(, este mass media (hoje confundido com as redes, que é outra coisa), ao mesmo tempo que “restabelecem a relação humana que destrói o impresso”, “é ao mesmo tempo, uma ausência humana, a presença física do espectador é, ao mesmo tempo, uma passividade física”. (pag. 63).
A cultura de massa mantém e amplifica um “voyeurismo”, de modo mais amplo: “um sistema de espelho e de vidros, telas de cinema, vídeos de televisão janelas envidraçadas dos apartamentos modernos, plexiglas dos carros Pullman, postigos de avião, sempre alguma coisa de translúcido, transparente ou refletidor nos separa da realidade física” (pag. 72-73) e tudo isto foi anterior às novas mídias, depositar a elas unicamente este grande “cracking”, é ignorar a construção (ou desconstrução histórica) do imaginário, do folclore e das festas, que se inicia antes mesmo do século passado com a cultura impressa, o iluminismo e o idealismo.
Tentativas de reativar a cultura “cultivada” não faltam, como já discorremos, através dos mesmos mass media que vulgarizam e destroem a substância da cultura humana, não faltam obras vividas de Van Gogh que Akira Kurosawa animou no cinema, de grandes eventos públicos com “vídeo-mapping” animado de Vang Gogh (feito no Atelie des Lumiéres, em Paris, foto), que apresentou em 2018 a obra de Gustav Klimt também animada.
A crise cultural não é apenas obra dela própria, sua raiz é o pensamento e o desenvolvimento de uma cultura de massas do idealismo, de um objetivismo que ignora o humano.
MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.
Ato, potência e ágape
Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.
A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.
Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.
A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.
Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.
Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.
Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.
Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.
Vontade de poder e infância civilizatória
Um conceito conhecido de Nietzsche é a vontade de poder, como uma força motriz “natural” do homem, já desenvolvemos que o natural é diferente do cultural, sendo esta uma das dicotomias infernais como dizia Bruno Latour, a outra é a objetividade x subjetividade vindo do racionalismo/idealismo da modernidade.
De fato isto levou os povos a se expandirem desde o mundo primitivo, diria na idade infantil civilizatória, as guerras e impérios de Alexandre o Grande, do qual Aristóteles foi tutor e depois o Império Romano, e os impérios da modernidade: o português, o francês, o russo e o americano e as duas guerras mundiais são de fato a grande crise da modernidade, não fomos capazes de superar a infância civilizatória.
Houve outros grandes impérios pouco citados na história: a grande dinastia manchu Qing, do norte da China invadiu e derrotou a dinastia Ming, era de uma etnia minoritária mas dominou toda a China e teve inclusive uma breve restauração em 1917 e o grande Império Mongol foi um dos maiores em extensão de área, chegando a Europa, nos séculos XIII e XIV.
Pode-se pensar potência como uma forma de crescimento para superar a infantilidade tanto individual como civilizatória, assim existe ato e potência, teorizou Tomás de Aquino, mas o próprio Nietzsche alerta para este outro sentido: “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um páthos”, então analisemos a tríade da antiguidade clássica: ethos, páthos e logos.
Pathos é no racionalismo moderno aquele também usado por Descartes, em sentido diferente de Nietzsche de ondem vem a ideia de patologia, o que se move na imperfeição, usando a própria idéia de Nietzsche não é ontológico, nega o ser pois não nem o ethos e nem o logos da tríade clássica.
Na retórica aristotélica, o Ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento, e este sim dá sentido ao ser, sendo ele o elo com o Logos que dá sentido ao Ser, dando credibilidade e estabelecendo uma verdade que não é realidade, porque é ela de onde o Logos tira a consistência do Ser para se contrapor ao Pathos-lógico.
O Pathos vive na pura emoção, na irracionalidade, na imaginação enganosa, ele é o responsável pelas desordens do Ser, sendo de certa forma sua negação.
A Patologia de duas guerras mundiais mostrou que a humanidade não saiu de sua infância civilizatória, ainda é vítima de si própria incapaz de conceito o Ser como Ethos.