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A volta às nações e ausência do Todo
Em tempo de hipercomunicação, a mídia social faz sentir a ausência do Todo, que Peter Sloterdijk chama do Grande: “a forma do grande no mundo industrial insiste no conhecido estresse megalopata em dimensões ampliadas – mas então devem preocupar-se as pessoas da rua, que antes teriam apoiado um Ministro das Relações Exteriores” (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que ele não imaginava era que isto teria uma reação contrária: a volta do patriotismo.
Porém somente forças inesperadas perceberam este efeito, enquanto a sociedade atual: “sofrendo crises de náusea frente a sua classe política, no momento não pode fazer mais do que conceder uma pausa de reflexão para questões fundamentais” (p. 62).
O autor percebe a falta de “alguma coisa”, o destaque é dele, mas prefere “interpretá-lo como o espírito da era agrária” e dos grandes impérios (pg. 60), e em sua visão agnóstica, “para ela chegou o momento crítico com a “morte de Deus” “ (idem), novamente o destaque é do autor.
Assim na ausência de uma figura escatológica, num mundo que rejeita a ideia do sagrado, do divino e de um Deus humano-divino dos cristãos, “a forma do Grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas” (pg. 66), não só na política, mas também religiosas, todos acreditam terem encontrado um “grande” e o colocam hereticamente no lugar de Deus, até mesmo nas religiões um deus imaginários da riqueza, do ócio e até da luxúria, por mais contraditório que possa parecer.
O livro do final do milênio passado, entende o problema certo mas no lugar errado, sob o tema de “revolução conservadora” (novo destaque do autor) experimenta-se a “duas ou três gerações nos movimentos catolizantes da resistência na Europa central e do sul, provavelmente pela frente uma grande carreira intercultural – sob estandarte religioso, culturalista, regionalista” (pg. 67).
Volta a uma análise correta: “no Grande moderno – as identidades estado-nacionais quase religiosas que desde o século XIX marcaram formas políticas de vida na Europa e mais tarde no mundo inteiro” (idem), lembre-se o nazismo e agora em várias formas de guerras “nacionais”.
O fenômeno moderno deste Grande, da grande pátria seja em Israel ou na Rússia, na China ou nos EUA, não é outra coisa senão a ausência de um Grande Maior, o divino que leve os homens a quebrar fronteiras, a conviver com o diferente e a entender a necessidade de uma nova civilização que veja o planeta como Terra-Pátria.
Para o grande religioso, pode-se perguntar onde está Deus, mas a figura divina-histórica de Jesus e sua visão além-abraamica que ultrapassa a destes povos em conflito, proclamava um lema universal: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45).
O animal político e o ser ontológico
Imaginamos pela maioria das narrativas que a política grega é um grande modelo para a sociedade contemporânea, mas a correção de Sloterdijk é a mais acertada possível: “A verdade sobre a forma de mundo imaginada por Platão e Aristóteles é certamente a de que cidade e império são figuras da era agrária” (Sloterdijk, 1999, p. 43).
É difícil acreditar porém “se Platão definiu o saber do político como arte pastoril em referência a bípedes sem penas, então fica claro coo motivos agro-ontológicos avançaram até na definição fundamental da essência do poder nas cidades – agricultura e a criação de animais são os reservatórios de contemplação, dos quais discursos politológicos devem extrair sua plausibilidade, mesmo se o olhar passe do jardim da academia para a ágora” (pg. 44).
A importância escapa até mesmo de Sloterdijk, já que na sociedade moderna industrializada europeia a “experiência camponesa” que culpa até mesmo Heidegger o seja, e os “motivos extra-agrários” saíram “das oficinas dos artesãos, a saber dos ferreiros, para avançar na consciência do mundo político-filosófica, e dos portos, de um o comandante, em grego kybernetes, pôde tornar-se uma sugestiva figura de poder” (pag. 44).
Também a convivência com a natureza é retomada em Sloterdijk e seu discípulo Chul-Han: “desde sempre constituiu um risco para a cidade o fato de ela usar mais do que criar o homem; mais do que isso, ela o impele aos últimos florescimentos como reproduções simples demais; tanto no sentido biológico quanto no cultural, ela é mais estufa do que campo e jardim” (pag. 45).
Antes do desenvolvimento do psicopolítico de Chul-Han já pode-se encontra-lo em Sloterdijk: “dominadores, políticos e chefes são, segundo essa lógica, sobretudo detonadores de uma crueldade funcional – que obviamente fazem bem em ciar para si, sob nomes como razão de Estado, bem comum, justiça, planejamento, entre outros, um rosto aceitável, se possível sincero” (pag. 47).
Sloterdijk desenvolve aqui o conceito verdadeiro de “humanidade” “se rompe aqui em grupos que se intensificam através de tensões, e grupos que ficam estagnados no sofrimento, a dor, na grande civilização, adquire um terrível rosto duplo; ela age em alguns como estimuladora, em outros como obstruidora; para a minoria, a carência tem efeito educador; para a maioria, age como destruidora de almas” (pag. 48), vale esclarecer que Sloterdijk não é religioso.
Para concluir este post, ela detecta doença contemporânea: “liga-as agora a estranheza íntima de senhor e servo” (pag. 48) e “o paradoxo da inclusividade exclusiva cobra então o seu preço; pessoas começam a caçar pessoas, matam-nas em grandes números, exterminam hordas e tribos inteiras, vendem-nas e compram-nas … “ (pag. 49).
Pouco ainda caminhamos na saída do zoom, as exclusividades e não-inclusividades estão ai.
SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
Hiperpolítica e a guerra
Quando Peter Sloterdijk escreveu “Todos no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica” estávamos no limiar do terceiro milênio, Manuel Castells escrevia a Sociedade em Rede e Edgar Morin escrevia sobre Cabeça Bem feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, eram tentativas de acordar e fazer a humanidade caminhar para um futuro menos sombrio.
Sloterdijk escreveu ainda “Se a Europa despertar”, chama-a de Império do Centro e atenta para seu passado colonialista e a necessidade de um novo futuro e repensa a guerra, um tema tão deligado no país que deflagrou a II Guerra Mundial.
São todos pensamentos que tentavam redirecionar um futuro sombrio da possibilidade de uma nova guerra, em Todos no Mesmo Barco, Peter Sloterdijk revisita o projeto político que nasceu na antiguidade clássica, a tentativa de organizar o Estado, e diz: “Como podem “falar” a tão grandes números de pessoas e convencê-las a se sentirem participantes daquilo que é “grande” – até chegar à disposição de ir ao encontro da morte em exercícios de milhões contra forças de igual ordem de grandeza, a fim de assegurar aos “próprios” sucessores aquilo que os ideólogos chamam de futuro” (Sloterdijk, 1999, p. 31).
Ao contrário do otimismo de Castells e Morin, não apenas justificável, mas desejável, de um futuro mais civilizado e humano, Sloterdijk alerta que essa hiperesfera conectada, vejam que as mídias sociais eram apenas nascentes para estes três grandes pensadores, era para o alemão, um futuro perigoso da hiperpolítica.
“Os primeiros gestos desse holismo instintivo são tentativas de descrever o cosmo como casa maior e os povos como famílias maiores” (Slotertijk, p. 32), e acrescenta que de fato, “o homo politicus e o homo methaphysicus se pertencem historicamente; propectores do Estado e prospectores de Deus são gêmeos evolucionários” (Sloterijk, p. 33), claro não é a visão de todos e muito menos dos homens do poder, os grandes estadistas que pensam nesse holismo já não existem e agora é império da força e do pensamento monolítico, autoritário e de ódio.
O projeto político dos gregos para ele pode ser chamado de “metalomaníaco”, mas alerta que este é o homem que “imiscui em grandes questões maiores para ter algo que correrá com os olhos e logo abandonará. Mas deverão chamar aqueles que, uma vez apreendidas as grandes coisas, não mais as abandonarão? Proponho megalopatas” (pag. 34).
Também grandes impérios: o persa, o romano, os mongóis que chegaram a dominar meia europa, o turco-otomano e mais recentemente napoleão e as “esquecidas” colônias da Africa que nada mais eram do que extensão do Império do Centro, como Sloterdijk chama a Europa.
“Humanismo de Estado é desde então a busca por um centro justo – e desde a recepção romana dessa ideia grega essa busca carrega o seu nome até hoje conhecido: a Humanidade” (pags. 35-36).
Sloterdijk questiona esse modelo do homo politicus, o “pontifex maximus”, “como nos tornamos rajá? Como nos tornamos César? Como nos tornamos cônsul, senador, imperador? Como deve viver alguém para entrar nos livros de história como Metternich, lord Morlborough ou Bismark? (pag. 37).
A ideia da política como metanóia, este era o intuito inicial da Paideia por exemplo, não é mais verdade na guerra, Sloterdijk cita Goethe: “não se educa o homem que não sofre flagelos”.
Poder arbitrário e socialização
Em seu livro “No enxame: uma perspectiva do digital” Byung Chul-Han esclarece que só uma relação é simétrica (os dois lados têm o mesmo poder ou a mesma potência) o respeito, se o respeito falta há sempre um exercício arbitrário do poder, mas olhemos outras definições.
Uma bastante utilizada é a de Norberto Bobbio: “ … toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade (Weber, 1994, p.33), nela há sempre a possibilidade de “manipulação”, uso da recompensa, ameaça da punição e outras formas de assimetria que favorece a força.
Generalizando a diversas formas de poder, e contrárias a de Foucault (veja o post anterior), Lebrun diz que poder e dominação caminham justo, uma pessoa tem podere quando o outro é despossuído deste, coloca no mesmo barco: m Marx, Nietzsche, Weber, Raymond Aron, Wright Mills e outros.
Esta concepção vem da sociologia norte-americana conhecida por “Teoria do Soma Zero”, teoria que vem desde Hobbes, que definia o poder do “soberano” ou do Estado, como sendo “um contra todos” e a “favor de todos ao mesmo tempo”, mas de cima para baixo.
Assim este poder pura e simplesmente aplicado como obrigação ou proibição aos dominados passando por eles e através deles, da mesma forma, os dominados também se utilizam dele e se apoiam nele, mas os dominados possuem subjetividade (na relação ontológica é o dasein), e produzem novos conhecimentos sobre as relações de poder e se empoderam também, neste sentido é importante relacionar poder com potência, ou capacidade de ação.
O conceito de ato e potência em Tomás de Aquino é entretanto mais completo, porque está relacionado também com a verdade, não a temporal, mas a ontológica, presente no Ser:
“[…]algumas coisas podem ser, embora elas não sejam, enquanto outras na verdade são. O que pode ser (illud quod potest esse) se denomina ser em potência; o que já é (illud quod iam est) se denomina ser em ato. Porém, duplo é o ser: o ser essencial ou substancial da coisa, como ser homem, é ser simplesmente; o outro é ser acidental, como o homem ser branco; e isso é ser outro”. (AQUINO, T, 1976, p. 39.)
Assim o poder é visto de outra forma, que é também matéria e ser completo, para o Aquinate todos são componentes básicos da substância, a noção de ser completo é atribuída assim tanto à forma que significa o ato primeiro, a atualidade, que a forma possui por si mesma e não por um mediador, quando este ato primeiro é atribuído à matéria haverá uma atualidade, aquilo que hoje é confundido com virtualidade (a potência ou possibilidade do ser), pois assim todo ser o é em potência, assim todos podem ter poder de forma a realiza sua potência plena.
Isto significa que é preciso potencializar o homem, a sociedade e recuperar os desapoderados, assim sempre é possível a reeducação, a ressocialização e até mesmo dos que são socializados.
O poder se exercido sem arbitrariedade e com a dimensão de todos pode e deve servir ao bem comum, a justiça e a liberdade.
AQUINO, T. De principiis naturae ad fratrem Sylvestrum, [ed. H.F. Dondaine]. Ed. Leon., t.XLIII, Opuscula, vol.IV. Roma [Santa Sabina]: Editori di san Tommaso, 1976,
LEBRUN, G. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 1999.
WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília – DF: Editora da Universidade de Brasília, 1994.
Poder em Foucault e Chul-han
Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.
A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.
O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.
Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.
Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.
Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.
Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.
Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):
“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018, pp. 183-184).
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018.
Perigo de guerra eminente e esperança de paz
Um ataque de drones feito a usina de Zaporizhzhia na semana passada, ligou um alerta da Rússia que denunciou prontamente o perigo e as consequências de um desastre nuclear seria terrível.
Não ficou claro qual foi exatamente a arma usada contra a Usina nuclear (foto), apenas que eram drones e que um havia sido detonado no local, a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem especialistas no local, disse apenas que as informações eram “consistentes” com as observações da entidade, ou seja, algum drone havia explodido próximo a Usina.
Analistas internacional ainda veem como improvável o conflito devido ao risco catastrófico devido a possibilidade de uso de armas nucleares, além de combates convencionais, uso de ataques cibernéticos e híbridos seriam colocados em movimento, inicialmente no Leste Europeu, mas com risco de expandir-se para a Europa e outros continentes.
A OTAN ainda que detenha vantagem significativa tanto na geopolítica, Finlândia e Suécia aderiram a OTAN e a Hungria que buscava uma posição de neutralidade, agora se fortalece com um acordo de tecnologia militar feito com a Suécia, que facilitou sua entrada na OTAN.
A Rússia porem possui capacidade militares agregadas a recursos econômicos e modernização de seu aparato militar, além de um acordo de apoio com a China e a Coréia do Norte, assim a manutenção da paz e prevenção de conflitos devem ser feito por um diálogo constante, mas a diplomacia russa segue jogando duro e diz que o diálogo com a OTAN é “zero”.
Tanto o ministro do Exterior russo Sergey Lavrov como o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov dão declarações que dão a entender que o conflito com a OTAN já está em curso, estratégia diplomática ou pura retórica, o fato que os níveis de tensões se elevam.
A OTAN responde com exercícios militares e movimentação de tropas nas fronteiras, em janeiro um exercício envolveu 90 mil soldados, um novo treinamento foi anunciado pelo general comandante da OTAN, Christopher Cavoli, a operação chamada de Defensor Firme 24 (Steadfast Defender 24) já havia sido realizada em outros anos, porém agora acontece em meio a uma intensificação dos bombardeios contra Kiev.
A esperança é que o equilíbrio é frágil e os dois lados sabem disto, e o risco de uma guerra seria catastrófico, ainda que analistas evitem dizer que haveriam limites de ações.
A luz e a verdade
Há uma luz única e verdadeira, embora sabemos que a luz pode se desdobrar em várias cores que vemos do vermelho ao violenta, e que não vemos como o infravermelho e o ultravioleta.
Cada vez mais nos aproximamos da ideia que o início do universo havia algo como uma luz, hoje pela Teoria da Física Padrão, o fóton já era teorizado por Einstein como partículas ou pequenos “pacotes” que transportam a energia contida nas radiações eletromagnéticas, os fótons em repousam possuem massa zero.
Assim a luz que emana desde a origem do Universo embora não se confunda como sua intenção (a de irradiar luz) está na origem de toda irradiação eletromagnética do Big Bang.
Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar nesta filosofia para negar o dualismo maniqueísta que acreditara antes e dali se dará sua virada para o cristianismo.
Os textos de Plotino foram compilados por seu discípulo Porfírio e escritos na obra as Seis Enéadas (na verdade nove partes, pois ennéa em grego é 9), nela se destaca a questão da união da alma e do intelecto, é fundamentada nesta ideia que a Verdade habita no homem.
Assim a alma do mundo procede de um poder criador (não do poder, pois ele não o define), contemplando o Nous e multiplicando-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se (esta é a interpretação de Fritz-Peter Hager em seu livro de 1962).
A verdade assim habita na alma e no interior de cada homem, é esta interioridade que alguns críticos definem como idealismo ou intimismo dos neoplatônicos, porém já há hoje diversas obras sobre a questão da Vitta Contemplativa, Hannah Arendt e Byung Chul Han a lembram, mas outros autores já passaram a mencionar como O rumor da língua de Barthes citado no post anterior.
Para os cristãos esta manifestação da verdade se dá ontologicamente na Encarnação, Paixão e morte de Jesus, morte porque é parte da vida humana e deveria vive-la como “pascoa” passagem que abre a vida eterna para os homens, sem esta passagem a vida plena não se realiza e perecemos como matéria, também este aspecto é problematizado por Plotino.
Na foto a obra de Peter Paul Rubens sobre o Anti-Mileranismo de Santo Agostinho que não aceitava a leitura literal de Apocalipse 20:1-10.
Plotino, Enéadas, tradução de José Seabra Filho e Juvino Alves Maia Junior, Editora Nova Acrópole (este ano foi publicado o tomo 6 completando a obra), 2021.
Agostinho, Santo. A cidade de Deus, trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis, Editora Vozes, 1999.
A verdade e as boas obras
Não há verdade ontológica onde não ocorre o desvelamento do ser, e isto depende de sua realização mais profunda em contato com sua essência e deve produzir frutos para a vida, para o bem-estar pessoal e social e para os que creem para uma eternidade.
Os sofistas na antiguidade criavam verdades que podiam até ser lógicas, mas o objetivo era o do poder e de ter benesses junto aos que detinham fortuna e influencia, e isto não foi eliminado da vida cotidiana até os dias de hoje, grande parte da política é a negociação dos bens públicos, da fraude e para isto usam a não-verdade, e isto não é monopólio de um grupo.
Não há como manter esta lógica sem o autoritarismo, o cerceamento da liberdade e a calar a voz dos que sofrem com a ganância pelo poder e pela riqueza, grande parte da crise atual vem destes valores, ainda que culpem as mídias, elas estão também sob o controle destes poderes.
As mídias seguem a lógica ôntica na diferença ontólogica, desenvolvemos brevemente esta questão do modo como Heidegger e outros seguidores das diversas correntes ontológicas a veem, no âmbito da interpretação e do diálogo a lógica não podem ser ôntica, deve seguir a verdade ontológica que segue da fusão de horizontes no círculo hermenêutico (ver o post anterior).
O dualismo e a polarização seguem a verdade ôntica, culpar as mídias que nada fazem que não tenha sob controle de alguma forma, podendo ser até de algoritmos, o próprio homem, assim a lógica dual ôntica usada é instrumental e de certa forma sofismática porque visa o poder.
No domingo inicia-se para os cristãos a semana santa, a verdade ontológica que foi manifestada como ser na pessoa de Jesus tinha que ser destruída pelo discurso do poder, até mesmo o poder religioso da época que não podia acreditar que a verdade é lógica do Ser e do homem, quando ele manifestava suas boa obras, quase sempre confrontava o poder.
É preciso ser contra a corrente para inverter a lógica da facilidade, do dinheiro fácil através da corrupção, do poder pelo poder e do desserviço a sociedade.
Diferença ontológica e círculo hermenêutico
Antes do conceito ser explicado por Hans George Gadamer, o diálogo no círculo hermenêutico de Heidegger parecia construído sobre bases idealistas, embora não fosse exatamente isto, pois o conhecimento na hermenêutica não se dá pela re-velação do objeto ao sujeito, como foi visto por Kant, nem é mera projeção do objeto sobre o objeto, é na verdade uma “aparição”.
Sujeito e objeto tem horizontes próprio, a diferença ontológica os explica, embora ambos sejam dotados de historicidade, a realidade ôntica conforme explica em posts anterior tem uma verdade lógica, nela há uma crítica e superação da fenomenologia subjetivista (objetivista) de transcendental de Husserl, assim ali já foi superado o idealismo de base dogmática.
Assim a ontologia fundamental de Heidegger ganhou destaque na questão do sentido do ser é colocada como uma questão privilegiada, assim o ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 2002, p. 32), assim o Dasein (ser-aí, pré-sença) é o ente privilegiado que compreende o ser e tem acesso aos entes, é parte e condição essencial do ser humano.
Dito por Heidegger: “esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-senca.” (Heidegger, 2002, p. 33), mas não é subjetivo no sentido de ente (enti-dade), esta presença (ser-aí, dasein): “é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e comporta.” (HEIDEGGER, 2002, p.90).
O círculo hermenêutico é explicitado e melhor desenvolvido por Hans-Georg Gadamer na obra Verdade e Método II (1959) que fala de manter um olha mais profundo para as coisas elas mesmas (fundamento da fenomenologia moderna), até o momento de superar as errâncias que atingem o processo de interpretação, quem quiser compreender um texto deve seguir este processo do círculo hermenêutico.
O intérprete tem de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto, o primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um certo sentido. A compreensão do que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, o qual sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto (GADAMER, 2002, p. 75).
A abertura do ser-aí, ou seja, o ser deste ser-aí é a preocupação (cura, sorge), é uma luz que dá claridade da pre-sença, isto é, aquilo que torna “aberto” e também “claro” para si mesmo.
É a cura que funda toda abertura do pré e da temporalidade que o ilumina originariamente, Heidegger afirma que somente partindo do enraizamento da pré-sença na temporalidade que se consegue penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da pré-sença, fez-se conhecer como constituição fundamental (HEIDEGGER, 2002, p. 150).
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: Complementos e Índice. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I, Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
O que a ontologia contemporânea não é
Fundamentada nos trabalhos de psicologia social, onde Franz Brentano trabalhou duas sub-categorias do tomismo: consciência e intenção, a fenomenologia moderna foi se derivando em Husserl e depois em Heidegger, desvio para uma ontologia chamada continental, em Nicolai Hartmann e junto dela surge uma doutrina conhecida como realismo estrutural ôntico (OSR).
Aquilo que parecia um desvelar, termo apropriado usado por Heidegger para inferir sua clareira, vai ficando novamente confuso, porque a OSR não só ganhou destaque como se subdividiu em três doutrinas: OSR1, que é a visão de que as relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos e propriedades não o são; OSR2, que é a visão de que objetos e relações são ontologicamente primitivos, mas propriedades não; OSR3, que é a visão de que propriedades e relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos não (Ladyman, 1998).
Central para a ontologia de Heidegger, como dissemos no post anterior é a noção de diferença ontológica: a diferença entre ser como tal e entidades específicas, o erro da filosofia atual é além do esquecimento do ser, entender o ser como tal como uma espécie de entidade última, por exemplo, como “ideia, energia, substância, mônada ou vontade de poder”, as primeiras ligadas a filosofia “natural” contemporânea e as duas últimas a visão social e de poder.
Este erro teve que até mesmo ser retificado em sua “ontologia fundamental”, concentrando-se no sentido de ser, um projeto semelhante à meta-ontologia contemporânea, leia-se os trabalhos de Michael Inwood (ontologia fundamental) e Peter Van Inwagen, (meta-ontologia).
E tudo isto parece essencialmente teórico, mas não é, estamos discutindo as coisas e não-coisas ônticas (Byung Chul Han tem um ensaio) e estratégias e lógicas de poder, que esquecem o ser.
Nicolai Hartmann é um filósofo do século XX, embora sua perspectiva seja a “continental”, ele esclarece que as modalidades relativas dos sentidos dependem das modalidades absolutas e propõe esta realidade em quatro níveis: inanimado, biológica, psicológico e espiritual, que formam uma hierarquia, ainda que seu desenvolvimento seja excessivamente esquemático, há a questão do ser, da qual o homem contemporâneo escapa e não coloca apenas estes níveis em cheque, mas a própria civilização.
O esquecimento do ser é fundamental para compreender o destempero e a crise de sentido da vida que está em todas esferas humanas, da política, educacional até a espiritual.
Inwood, Michael. «Ontology and fundamental ontology» A Heidegger Dictionary. [S.l.]: Wiley-Blackwell, 1999.
Inwagen, Peter Van. «Meta-Ontology». Erkenntnis. 48 (2–3): 233-50, 1998.
Ladyman, J. What is structural realism? Studies in the History and Philosophy of Science 1998.