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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

A Hermeneutica de Scheilemacher a Gadamer

18 jun

O renascimento da hermenêutica, ela esteve confinada na cultura clássica antiga como uma vertente da filosologia clássica,  feito por Schleiermacher (1768-1834).

Para Heidegger, a hermenêutica é equivalente a fenomenologia da existência, ou seja, coisas que são passíveis de interpretação, devem ser analisadas de acordo com as possibilidades de existir e se manifestar em seu tempo histórico, mas sua compreensão de história é diferente de Dilthey.

Seu trabalho encontra o primeiro eco em Wilhelm Dilthey (1833-1911), que separa a ideia de interpretação em dois campos explicação das ciências naturais e compreensão nas ciências humanas.

Paul Ricoeur (1913-2005) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002) vão superar esta dicotomia criando uma hermenêutica filosófica, para Ricoeur compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto, assim o texto deve estar aberto, ou seja, passível de apropriação de um sentido.

Por outro lado, a reflexão, é para Ricoeur, a meditação sobre os signos presentes, assim não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo.

Hans-Georg Gadamer vê na concepção histórica de Dilthey certo idealismo, e sua hermenêutica como a de Ricoeur, que são filosóficas, no entanto ele a vê numa estrutura circular onde há sempre uma pré-compreensão, onde é possível uma fusão de horizontes o que permitirá uma reinterpretação e uma nova formulação da compreensão.

No círculo hermenêutico, inspirado em Heidegger, foi pensado assim “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar”, porém foi Gadamer que o sistematizou. 

Em Gadamer a ideia de horizonte é: o conteúdo singular é apreendido a partir da totalidade de um contexto de sentido, que é pré-apreendido e co-apreendido, onde há um diálogo entendido como: A compreensão sempre é apreensão do estranho e está aberta à modificação das pressuposições iniciais diante da diferença produzida pelo outro (o texto, o interlocutor).

A compreensão do contexto no sentido de tradições, cultura, etnias e crenças são fundamentais para entender como o círculo hermenêutico acontece.

A experiência se realiza segundo a troca dialogal dentre de uma língua e ela é sempre produtiva não apenas reprodutiva: “o sentido de um texto supera seu autor, não ocasionalmente mas sempre”, assim a hermenêutica filosófica a vê como presente nas culturas e línguas.

O resultado deste círculo é a produção de um saber prático usa uma palavra grega phronesis (não há teoria x prática) que não é um saber privado mas social, onde realiza as minimizações e exacerbações da autocriação do eu e no âmbito social a criação de dogmas retirando da ética a sua estetização social, e, preserva as sabedorias práticas de culturas e crenças que atuam nos processos respeitando a diversidade.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

 

Da fenomenologia de Brentano a Ontologia de Heidegger

17 jun

Entre as contribuições de Brentano, além da intencionalidade da consciência,  que é consciência de algo ou do objeto, está o que alguns autores (Boris, 1994) chama de Filosofia do Presente, onde o aqui e agora é a única experiência possível, rompendo com a ideia do empirismo de que uma experiência só é científica se puder ser repetida, e também rompe com a neutralidade do espectador, pois ele é parte do experimento, o que torna-o uma hermenêutica.

Da intencionalidade de seu mestre Brentano, Edmund Husserl (1859- 1938) guardará o aspecto da experiência de “ser consciente de alguma coisa”, mas modificará a fenomenologia empírica, para torná-la transcendental, não no sentido ainda espiritual, mas das vivências cognoscitivas, deixará de lado a visão de empírica, pela de uma objetividade imanente.

Husserl afirma em Ideias da Fenomenologia (1986) que: “As vivências de conhecimento possuem, isso pertence à sua essência, uma intentio, visam algo, se reportam de tal ou tal maneira a uma objetividade”, com isto abandona a ideia do empírico do mestre Brentano, e retoma o conceito de objetividade imanente como uma revisão dos conceitos Aristotélico e Tomista, como “essência”.

Em sua obra da maturidade A crise das ciências Europeias Husserl torna o conceito de transcendência mais vivo, dentro de sua Lebenswelt (Mundo da Vida), o transcendente “o transcendente é o mundo exterior” enquanto o transcendental “é o mundo interior” da consciência (HUSSERL, 2008, p. 18), porém esta dicotomia entre mundo exterior e interior vai fazer os filósofos existencialistas evitar o termo consciência.

Heidegger (1989) aluo de Husserl foi o primeiro a evita, pois a relação entre homem e mundo sempre foi perseguida pelos fenomenólogos com objetivo de superar o fantasma idealista da relação sujeito-objeto, a análise intencional e descritiva da consciência definia as relações essenciais dos atos mentais e o mundo externo, apesar de amadurecer Husserl a questão da redução fenomenológica.

Martin Heidegger (1889-1976), via Husserl como intelectualista e cartesiano, abandona os termos consciência e intencionalidade, centrais na fenomenologia transcendental de Husserl, na obra O ser e o tempo (1927), não aprovada por Husserl, o aluno supera o conceito de consciência e propõe o conceito de Dasein, inaugurando a fenomenologia existencial.

A “finitude” humana, a temporalidade e a historicidade (o ser no tempo) serão fundamentais na análise heideggeriana do Dasein, uma teoria que se funda na “destruição” da cisão sujeito-objeto.

 

BORIS, G. D. J. B. Noções básicas de fenomenologia. Insight. Psicoterapia (São Paulo). v. 46, pp. 19-25, novembro, 1993.

Heidegger, M. Ser e tempo (Vols. 1-2). Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre; EDIPUCRS, 2008.

 

Da episteme grega a fenomenologia de Husserl

16 jun

Os primeiros filósofos, pensando em filosofia como amigos da sabedoria, foram na história ocidental os pré-socráticos, o que eles procuravam era uma ruptura entre o mito e a filosofia, onde no primeiro a verdade é estabelecida pelos oráculos e a segunda é procurada, o que em Platão está simbolizado pelo mito da Caverna.

Platão separou a doxa da mera opinião pela episteme, a sistematização do conhecimento, que em Aristoteles ganharia uma organização chamada de Organon, podendo ser traduzido como “ferramenta”, “instrumento”, no entanto é sua episteme organizada em: categorias e estruturas, no qual estabelece seu método, apesar de não estar declarado explicitamente por Aristóteles, seus comentadores latinos estabelecem que esta lógica era o instrumento para as ciências.

A querela dos universais foi uma filosofia que surgiu a partir de um fragmento encontrado da Obra de Boécio, se existem “conceitos” universais, ou seja, se podemos classificar as ciências em categorias, o que se constituiu uma polêmica entre nominalistas e realistas, Duns Scotus (1266-1308) foi realista  moderado (criou o princípio da e hecceidade, a qualidade e propriedade de ser “isto”) e seus discípulo Wilhem Ockam (1285-1347) um nominalista.

Tomás de Aquino (1225-1274) da corrente realista, elabora que era possível uma elaboração que unisse os universais vindo das categorias gregas com uma procedência direta formal (lógica) entre o objeto e sua essência (que representa a forma ideal do objeto), e assim formula a ideia de substância, para Scotus o principal era a experiência.

A ontologia de Tomás de Aquino parte da ideia que alguma coisa existe em essência, se de alguma forma existe mesmo não tendo existencial material, esta coisas que existem em essência existe ontologicamente, estava formada então uma onto-teologia.

Franz Brentano (1838-1917) vai elaborar bem mais tarde o conceito de intencionalidade, a partir de uma sub-categoria de substância, a categoria da consciência.

A categoria “intencionalidade” é uma revisão naquilo que a escolástica tomista chamava de in-existência (ou o existir em, dentro de) intencional de um objeto na consciência, ou o que pode ser chamado de referência a um conteúdo (Beziehung) ou direcionamento (Richtung) a um objeto.

Assim em Brentano o fenômeno psíquico que produz a existência de uma “intentio” significa, literalmente a existência dentro do que pretende ser, como um encaixe dentro dele.

Assim o ideal da neutralidade científica, que pressupõe uma cisão sujeito-objeto, cria um problema para o conhecimento, por que ele supõe que a informação fora pode tornar-se uma compreensão dentro, assim o problema epistemológico é um problema de organização do objeto fora para uma compreensão dentro, ou seja, ontológica, uma in-existência (existir dentro).

Será Edmund Husserl (1859-1938), aluno de Franz Brentano, que proporá o método da fenomenologia transcendental, que significa “vasculhar” o fenômeno, recuperando um conceito grego do epoché, colocar todos os conceitos entre parêntesis, e ao mesmo tempo fazer a redução eidética (diferente das ideias que é um conceito do racional-idealismo), através dos conceitos de noese e noema.

Enquanto noesis é o ato intencional ou a percepção imediata do objeto, noema é o conteúdo intencional, ou aquilo que remete a noesis ao objeto, é a possibilidade de conhecimento.

Assim ao relacionar um conjunto de noesis com conteúdos relacionados a um objeto (noema) estamos criando uma fenomenologia existencial, e esta é essencialmente uma hermenêutica.

 

Entre a essência e o Ser

21 mai

Como o dualismo permanece presente hoje, se concebe a essência por analogia ao Ser, e esta também era a doutrina tomista, ela permaneceu como uma onto-teologia até o século XX, foi preciso todo um percurso da fenomenologia para encontro o Outro, o não-Ser não como contradição, que o fim do dualismo entre Ser e essência iniciasse.

A longa discussão do período medieval entre realistas e nominalistas, tinha como base um termo hoje desconhecido que era a quididade, que significa que coisa a coisa é, desde a hylé grega até os modelos modernos da metafísica de Heidegger, onde a coisa que pode ser material ou não, e também o que pensamos sobre ela, na linha de Husserl só existe consciência de algo, ou da coisa.

Mas existiu um filósofo na idade média, Duns Scotto (1266-1308) que não fazia distinção entre a coisa que existe (si est) e o que ela é (quid est), e teologicamente era complicado pois a tese de Tomás de Aquino (1225-1274) era pela analogia, ou seja, o significado de semelhança entre coisas ou fatos (dicionário Houaiss, 2009, p. 117),  e os religiosos sempre apressados cuidado porque no século XX Duns Scotto foi aceito dentro da doutrina cristã católica, tornando—se beato (João Paulo II o declarou).

A sua teoria do conhecimento usava as duas distinções conhecidas distinctio realis (distinção real) e existe entre dois seres da natureza, e a distinctio rationalis (distinção de razão) que se dá entre dois seres, mas na mente do sujeito que conhece, mas rompe o dualismo ao criar uma terceira possibilidade a distinctio formalis (distinção formal) que se dá no ente percebido e não é nem real e nem na mente.

Assim além de seu discípulo William de Ockham, famoso pelo princípio a simplificação chamado Navalha de Ockham, mas de certa forma Descartes, Leibniz, Hobbes e Kant tiveram sua influência.

Porém a recuperação de Duns Scotto é fundamental para superar o dualismo nominalismo/ realismo e a superação do puro realismo pelo hermenêutica filosófica, e assim também o correspondente moderno do nominalismo que é a viragem linguística faz sentido e abre diálogo.

Não é, portanto, a afirmação do realismo nem do nominalismo, mas o fato que podem dialogar dentro de um círculo hermenêutico é que importa, a recuperação filosófica do nominalismo na viragem linguística, e na fé cristã do nominalismo de Duns Scotto não é sua verdade, mas sua importância para o diálogo filosófico.

Em tempos de pandemia seria muito mais importante a fraternidade de socorrer vítimas, que o debate ainda incerto da ciência e das “crenças” que este ou aquele procedimento é certo, em ambientes hostis quem venceu foi a morte, assim dogmáticos e autoritários só atrapalharam.

 

 

A fenomenologia e as hermenêuticas históricas  

20 mai

Qualquer leitura por mais simples ou complexa que seja envolve uma interpretação,  e em qualquer que seja a cultura do interpretante ela está fundamentada na linguagem, em especial a escrita para povos que ultrapassaram a linguagem oral, assim se fala da interpretação de textos.

É claro que o imaginário e as diversas linguagens, por exemplo, agora as midiáticas, tem uma influência diferenciadora, porém ainda estarão fundadas naquela escolarização primários dos diversos interpretantes e ainda é na escola primária a interpretação de textos.

Já dissemos no post anterior que ela começa com a maiêutica (ato de parir ideias) de Sócrates, não por acaso o nascimento da escola como conhecemos hoje, depois vieram a acadêmica platônica e o liceu aristotélico, o longo período chamado de “translatio studiorum” da baixa e alta idade média, até chegar a prensa de Gutenberg e a escola moderna, vinculada ao iluminismo moderno.

A hermenêutica contemporânea, cujo ponto de partida para diversos autores é Schleiermacher (1768-1834) foi contemporâneo de Hegel, porém com influencia direta de Kant e Fichte, não optou pelo subjetivismo idealista, e como religioso luterano, também fugiu da ortodoxia católica.

Porém a hermenêutica vai encontrar outro solo em Franz Brentano, que até romper com a visão escolástica católica (ele foi inclusive um clérigo), em 1871, ele faz uma reinterpretação da intencionalidade escolástica-aristotélica “a in-existência intencional” (a referência é de Safranski) distinguindo dois modos de ser: o esse naturale, ser natural ou real situado fora independente do sujeito que o percebe, e o esse intentionale, o ser mental ou intencional dos objetos que existem imanente ao sujeito que o conhece.

Esta digressão filosófica é importante para entender que em Franz Brentano e depois em Husserl, a hermenêutica passou por uma mudança profunda, conservando sua raiz ontológica, mantendo assim a relação a um conteúdo, porém mergulha na questão mental ou psicológica.

Husserl aluno de Franz Brentano vai provocar outra mudança na hermenêutica agora na direção da crise epistemológica da ciência em meados no início do século XX, Husserl responde com uma ruptura ao dualismo kantiano entre o objeto e o sujeito cognoscente, com uma pergunta: “eu existo, logo todo o não eu é simples fenômeno e se dissolve em nexos fenomenais?” (HUSSERL, 1992, p. 43).

A evolução deste pensamento passará por Heidegger, aluno de Husserl, que em o Ser e Tempo (1986), explicando que estas elaborações desde Platão e Aristóteles estavam presas aos fenômenos naturais: “A representação dominante no Ocidente da totalidade da natureza (o mundo) foi, até ao século XVII, determinada pela filosofia platónica e aristotélica …” (pag. 86) e que agora a questão do Ser deveria ser retomada, é assim um passo grande na hermenêutica filosófica.

A maturidade deste pensamento, elaborando o método do círculo hermenêutico é desenvolvida por Gadamer, para quem interpretar “… não é tomar conhecimento do que se compreendeu, mas elaborar possibilidades projetadas na compreensão”, é assim uma abertura nos pré-conceitos.

Referências

GADAMER, H.-G. Verdade e Método. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. São Paulo: Vozes, 1986.

HEIDEGGER, M. Que é uma coisa? Lisboa: Edições 70, 1987. (pdf em inglês)

HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Ediçoes 70, 1992

 

O pico da crise e não apressar o futuro

04 mai

Estamos no pico da crise e já se fala no pós traumático, não são poucos de médicos a sociólogos aqueles que querem apressar uma análise, a China saiu da crise, a Europa começa a nova etapa em 3 fases distintas e alongadas e o Brasil e países do hemisfério sul a inverno se aproxima.
A análise da curva e do pico feita por DataScience mostra que o distanciamento social valeu a pena, no entanto, as hesitações governamentais e a aproximação do inverno poderá mesmo se a curva achatar, os dados indicam que sim, poderá se alongar, isto é, a “nova normalidade” tardará.
O nome nova normalidade já exclui todas análises que indicam qualquer impossibilidade de voltar ao estágio anterior, isto é, uma vida agitada e desprotegida, aquilo que Edgar Morin chama de “intoxicação” do cotidiano, e um desenvolvimento econômico acelerado, com seu preço agregado.
O momento no Brasil e acredito que a maioria dos países do hemisférico sul é de criar condições ainda mais apertadas para desfavorecer o “relaxamento social”, de certa forma até compreensível já que a quarentena se fossem mesmo 40 dias, já estaria se esgotando, tudo indica que não.
Para complicar ainda as crises políticas, no caso brasileiro, se aprofundam e parecem não ter fim, o problema da governabilidade e da instabilidade política acelera e aprofunda a crise sanitária.
Concentrando nossos esforços e foco apenas na crise sanitária, a econômica e a social existem no entanto não deveriam justificar mortes e crise na assistência sanitária, devemos considerar que estamos no patamar superior da curva, e os números parecem estabilizar, são altos é verdade, se tomarmos a sério o #lockDown já poderíamos estar vislumbrando uma saída, mas não é o caso.
Uma das consequências da pandemia é a chamada Síndrome de Kawasaki, na Inglaterra por exemplo, o Sistema de Saúde (NHS, é a sigla em inglês) já detectou um aumento no número de crianças com inflamação multissistêmica, problemas gastrointestinais e inflações físicas.
Em meio a primavera, mas já com sinais de verão, a Europa retornará aos poucos as atividades, e poderemos perceber como os problemas sociais e econômicos serão enfrentados, aqui é futuro.

 

Entre a passagem e a porta

01 mai

Toda passagem é sobre algum perigo: um precipício, uma vereda estreita com animais ferozes a volta, na Páscoa a morte e ressurreição, na pandemia atual: as mortes e privações de liberdade, e um futuro incerto, mas que deverá abrir uma fusão de “novos horizontes”, sim pois o diálogo deve ser entre culturas e civilizações com cosmovisões diferentes e não em grupos fechados.
A porta e o “caminho” (pode se pensar em ciência como um método) pelo qual podemos e devemos passar para entrar em uma nova realidade, que pode muito bem ser a casa comum, a harmonia entre homens e destes com a natureza e indo mais longe com o cosmos, que sabemos tem leis ainda menos conhecidas por nós.
A complexidade que envolverá este futuro deve ter um pressuposto básico, ou emergimos de uma triste crise juntos, ou aprofundamos nela e teremos na próxima virose mundial (pode ser nova crise ou não) uma realidade ainda mais dura, a passagem deverá ter uma porta e a abrimos juntos.
Seremos mais pobres num primeiro momento, isto é absolutamente certo, teorias da conspiração que este ou aquele se sairão melhores é mera especulação, até para os endinheirados, as bolsas despencam, vi um dono de uma cadeia de lojas brasileiras esbravejando, até as portas das igrejas estão fechadas, então quem terá a passagem pela porta é aquele que aprendeu a solidariedade.
Só faremos a passagem após o fim da pandemia se continuarmos a lutar e sonhar, abrindo nossas portas.
A verdade e a complexidade da existência de Deus estão muitas passagens bíblicas, os profetas antes da vinda de Jesus tiveram revelações misteriosas em sonhos, Isaías previu o cativeiro na Babilônia, na Babilônia, Daniel desvendou o sonho do rei Nabucodonosor, entre vários outros até que José ao saber que Maria estava grávida fugiu e em sonho o anjo o avisou sobre a verdade.
A verdade histórica (no sentido que Gadamer apontou) precede a verdade mística, João Batista foi o último e o maior dos profetas, e Jesus várias vezes pronunciou “em verdade, em verdade vos digo” geralmente quando contava uma parábola, em uma das passagens Ele diz ser a “porta” e afirma (Jo 10, 10): “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, mas é imperativo passar pela verdadeira porta entre tantas que prometem maravilhas, mas não proclamam a solidariedade mundial.
Que este tempo de dura prova da pandemia nos sirva para abrir a alma e recriar um mundo mais fraterno, onde haja a vida seja plena para todos cidadãos, mas isto terá que ser construído com a paciência que aprendemos na pandemia.

 

A variação eidética, método e phonesis

30 abr

A filosofia que tentava superar Kant, mas ainda estava de algum modo vinculada a sua tradição lógica é chamada de filosofia continental, Frege é um pouco a partir porque parte para o que ficou chamado de filosofia analítica, com sérias consequências até hoje, mas o assunto é profundo.
Assim a hermenêutica desde Scheiermacher a Dilthey é ainda aquele que por uma certa “construção lógica” chegamos a interpretações dos textos de modo “correto” ou “objetivo’.
Paul Ricoeur e Hans Georg Gadamer nos libertarão disto, traçam uma ontologia onde há um reconhecimento do pré-conceito (a forma de escrever é nossa) e a compreensão final podem ter aberturas e “fusões de horizontes” onde o contexto temporal afeta a ontologia do intérprete.
Esta “abertura” é coerente com os modelos da física, onde o observador faz parte daquilo que é observado, e sua visão de mundo interfere diretamente na sua interpretação, assim tem um aspecto temporal que é no fundo o que Heidegger desvela no “Ser e tempo” (1927), porém a descrição do círculo hermenêutico de modo sistemático só aparece em “Verdade e Método” (1960) de Gadamer e “Tempo e Narrativa” (1983) de Ricoeur, termo muito usado atualmente e pouco conhecido.
Antes de entender a fusão de horizontes, usando a subjetividade kantiana, podemos dizer que há uma intersubjetividade, após um texto ser publicado ele deixa de ter a intenção autoral e está sujeito a interpretação e não há uma única leitura “correta”, porém não significa relativismo.
Um texto de impacto provoca as vivências dos leitores, o método de Gadamer para encontrar a verdade é aquela as quais todos poderiam aderir ao diálogo, aceitando a experiência do mundo real, dita pelo autor da seguinte forma:
“A compreensão e interpretação dos textos não é meramente uma preocupação da ciência, mas pertence obviamente, à experiência humana do mundo em geral” (Verdade e Método, 1960).
Isto é o que supera a atitude meramente teórica (até dos que reivindicam a prática e esconde seus métodos) aderindo ao que os gregos chamavam de phronesis (sabedoria prática), e nos dá a possibilidade de convergir, e torna o diálogo profícuo e útil, o contrário é proselitismo.
O processo pelo qual deve passar a vacina do coronavirus além de cumprir um protocolo, deverá através de sucessivas interações com o mundo real, teste em animais, observação de reações até o uso humano passar por sucessivas análises além da experimentação, é um tipo de phonesis.

 

Uma cosmovisão em mudança

03 abr

O modelo ptolomaico mudou a visão aristotélica de mundo criando um modelo de movimento em espiral para astros e planetas conhecidos na época, mudando a cosmovisão, mas foi Copérnico que mudou a visão que tirava a Terra do centro do universo e colocava o Sol, este modelo ajudou a cosmovisão antropocêntrica se opondo a cosmovisão teocêntrica.
A grande polêmica de Galileu com a visão teológica não era a visão cosmológica, mas a questão da interpretação e leitura bíblica pelo “vulgo”, não por acaso a primeira versão popular chamou-se de “vulgata” e ao aprofundar a leitura bíblica pelo “povo”, algumas interpretações exegéticas foram postas de lado, porque eram “temporais”.
Porém Galileo perante o Santo Ofício de fato afirmou “E pur si muove” (traduzindo o italiano e então se move) que poderia hoje olhando todo o universo dizer “E pur tutto si muove”, tudo está em movimento e a dinâmica não resiste mais a cosmovisão clássica Ser e Não Ser, há um terceiro excluído que pode ser pensado que é Não Ser ainda é Ser, a física quântica e o modelo das cordas indicam um terceiro estado, que já é utilizado em aplicações quânticas.
Assim os modelos teóricos e a cosmovisão idealista junto com seu modelo de universo ruíram já a algum tempo e mesmo o Modelo da Física Padrão que explicou a física das partículas parece em cheque com os estudos da matéria e energia escura que são nada mais que 95% do universo.
A visão de ver o mundo por choque de oposição aos poucos vai ruindo, ao admitir um terceiro excluído (assim o chama o professor da Sourbone Florent Pasquier, veja a figura) admitindo não uma síntese (fruto da oposição idealista tese e antítese), mas uma terceira possibilidade que conjuga com as outras duas.
Ela deve afetar o mundo religioso, é um grande apoio para um momento de unir mentes e corações para o combate da pandemia mundial, e pode ser o germe de grandes mudanças.
Uma referência bíblica para o assunto é o momento na cruz que Jesus grita a Deus, que já não o chama de Pai, diz a tradição que em aramaico língua da sua mãe Maria, e sente-se separado do Pai, ora na visão trinitária em que Jesus é também Deus, é um paradoxo separar-se do Pai.
Jesus na cruz está repetindo o Salmo 21 “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes”, e parece ser o grito de toda a humanidade diante da pandemia, e é possível também uma leitura do “terceiro excluído” onde aprendamos que a oposição tem hora e a resposta deve ser de todos.
Porém a explicação mística é justamente o terceiro excluído, a natureza humana de Jesus está religando-a ao Pai, se quisermos a visão noosférica de Chardin, ao Universo, diz a leitura que fez-se uma grande noite.

 

A ceia das cinzas

26 fev

O que define como o homem é por natureza é também entender o que é a natureza, ou a substância projetada num universo infinito. e um marco inicial na filosofia da Natureza é a obra de 1584 de Giordano Bruno, conectada a teoria copernicana, que descreve um universo infinito com um divisor onipresente, a matéria eterne e a mutação em troca permanente.

Bruno se declarou um copernicano “realista” em 1582 em Paris, e quando chegou a Londres no ano seguinte ele já se posiciona no nível cosmológico com ideias extravagantes para a época, na qual o universo é um ser vivo, e um tempo depois suas aulas são suspensas, devido tanto a um radicalismo teológico de seu público protestante, como do aristotelismo “ateu”.

Um aspecto curioso é Bruno chamar, como Leibniz e Spinoza o fizeram, seu personagem de Teófilo presente na Bíblia e que significa “filho de Deus” (teo-filo), o que o vai separar também de sua religião católica é o pensamento que a filosofia deve ser independente da religião, porém a passagem do heliocentrismo copernicano para um universo infinito devemos a Bruno.

Seu pensamento sobre a política e o poder envolve esta mudança infinita, afirmava:         “Que ingenuidade pedir para quem tem o poder pedir para mudar o poder”, que foi o seu embate com os donos do poder nas religiões e na nascente academia.

Em seu livro “A ceia das cinzas” fez uma afirmação extraordinária para a época: “A terra e os astros … como eles dispensam vida e alimento das coisas, restituindo toda matéria que emprestam, são eles próprios dotadas de vida, em uma medida bem maior ainda, e sendo vivos, é de maneira voluntária, ordenada e natural, segundo um princípio intrínseco, que eles se movem em direção as coisas e aos espaços que lhes convém”, um passo além do universo de Copérnico.

Não é importante a verdade ou não de Bruno, que também teve obras polêmicas sobre a Eucaristia e sobre a Virgindade de Maria, mas o importante para nosso tempo é restaurar um diálogo perdido de longa data, e para o qual ainda continuam a ter inquisidores e apóstatas.

Giordano Bruno deu um grande passo na ciência e queria que a filosofia fosse independente por causa do poder e incultura religiosa, ainda hoje é preciso superar o fundamentalismo e estabelecer o diálogo.

Bruno, G. The Ash Wednesday Supper. Lawrence s. Lerner  e Edward A. Gosselin (eds), Toronto (CAN): University of Toronto Press, 1995.