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Arquivo para a ‘Tecnologia Calma’ Categoria

Clareira, morada e Ser

09 jun

Para Heidegger o Ser tem morada e presença, e isto é o que potencializa a clareira enquanto destino, este vazio da modernidade é justamente o esvaziamento do Ser como Morada e Pré-sencia, necessário para que o Ser preencha este vazio, nele que o Ser de re-vela ou desvela, o conceito é confuso no português porque re-velar, seria velar de novo e desvelar seria presença.

Diz o texto heideggeriano: “O destino se apropria como a clareira do ser, que é enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do “Dar lugar”, mora o homem como ex-sistente, sem que ele possa hoje experimentar e assumir esse Morar” (HEIDEGGER, 1987).

A morada pode-se dizer que a casa do ser como linguagem, nela se consuma a manifestação do ser, diria a filosofia antiga isto é uma volta ao nominalismo, mas a viragem linguística superou isto, pois dela se irradia e se transforma em ação, como algo a partir do pensar, pois só do ato de pensar podemos retirar o processo do fazer e operar, então por isto a linguagem é “habitação”.

Nesta habitação preserva-se o ex-tático, e nela se determina a clareira, ela nos retira do abismo de nossa essência ex-sistente, a clareira é o “mundo”, e a linguagem é o advento que clareira e revela o próprio ser, isto foi contestado por Peter Sloterdijk, em sua resposta no livro Regras para o Parque Humano, onde revela a falência do projeto do humanismo, sim, mas o Humanismo que Heidegger revela em “Cartas para o Humanismo”, que nada mais é que a da modernidade.

Isto é fácil de ser demonstrado uma vez que Sloterdijk considera o humanismo que critica (de Heidegger) como pastor do ser, que sua essência e sua tarefa se originam em saber guardar o ser e corresponde ao mesmo, assim guardar seu rebanho na clareira, que é o mundo aberto, mas qual

Toda a obra de Sloterdijk fica então no entorno deste dilema da modernidade, vez por outra evocando termos que vem da teologia, em suas obras posteriores Esferas I, II e III: “Matrix in grêmio” que lembra a figura religiosa de Maria, ou o In-sein In-Sein tem, segundo Sloterdijk, uma origem antropológica, que é a experiência do feto no útero da mãe, sem a perspectiva cristã.

Será um discípulo seu, Byung Chul Han que abordará mais amplamente a questão do Ser enquanto questionamento na modernidade, certamente por sua origem oriental, a leitura da clareira vai a fundo na modernidade: A sociedade do cansaço, O aroma do tempo e A agonia do Eros, desvelam o drama da modernidade, espero ansioso algo de Chul Han sobre o panorama da guerra.

Porém um quadro da pandemia Chul Han já traçou em seu A sociedade paliativa e a dor hoje, já fizemos um post, o quanto o Ser se afasta da dor ou daquilo que pode se aproximar dela, então criamos uma série de paliativos, que é o distanciamento da clareira (conclusão minha).

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

HEIDEGGER, M. HEIDEGGER, M. Carta sobre o humanismo. Tradução Revista de PINHARANDA GOMES, LISBOA: Guimarães Editores, 1987. (pdf).

SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano. Tradução: José de Alencar A. Marques. São Paulo: Estação liberdade, 1999.

 

A dor, a Alma e o Ser

14 abr

Numa das passagens mais marcantes, ao menos para os que imaginam um mundo além do corporal, Byung Chul Han introduz a narrativa como parte da cura: “A dor sem sentido é possível apenas numa vida nua esvaziada de sentido que não narra mais” (HAN, 2021, p. 46).

Reivindica e inclui até [Walter] Benjamim em “Imagens do Pensamento” que fala de mãos incomuns que transmitem a impressão que seria como “se narrassem uma história” (idem).

Também cita mães que com a “força curativa” sentam ao lado da criança e lhe contam uma história, e após explicar o fluxo narrativo com uma barragem para a dor, conclui: “é a dor que põe primeiramente em [seu] caminho”. (HAN, 20221, p. 47).

Vivemos hoje um tempo pós-narrativa, diz o autor, não é a narrativa mas a contagem que determina a vida, “a narrativa é a capacidade do espírito superar a contingência do corpo” (Han, 2021, p. 48), um corpo sem espírito é um corpo que ignora a própria alma. 

Nela “o corpo disciplinado que tem que repelir muitas dores que vem de fora, é pobre de sensibilidade” (pag. 49), uma intencionalidade totalmente diferente o caracteriza, ela não se ocupa consigo mesmo, mas com algo que vem de fora, e é essa “algofobia” que nos domina.

“Essa introspecção narcisista, hipocondríaca, é certamente, corresponsável por nossa hipersensibilidade (à dor), chama isto de “síndrome-da-princesa-da-ervilha” lembrando um conto de Andersen onde a presença de uma ervilha sobre o colchão da futura princesa provoca tanta dor que ela não consegue dormir a noite, e é este tipo de doença que acontece com muitas pessoas.

Este tipo de paradoxo da pós-modernidade é sentir cada vez mais dor, com cada vez menos, ao ponto que a dor não é compreensível, não tem lugar na vida e parece não fazer parte da existência e isto é uma forma de positividade do Ser, onde não há nenhuma negatividade, e torna o Ser não compreensível, ou menos sem qualquer sentido.

Assim diz o autor, “se a ervilha dolorosa some, então as pessoas começam a sofrer com os colchões moles” e conclui: “É justamente, a própria e persistente ausência de sentido da vida que dói” (HAN, 2021, p. 51).

O que pensar então de dores atrozes da guerra, de vítimas inocentes, de crescentes ódios políticos e ideológicos, tudo parece ruir num universo sem sentido, quando a dor compreendida e com lucidez sentida e vivida nos retornaria o equilíbrio do Ser, e a plenitude de nossa nossa existência, distante hoje, mas possível num futuro próximo.

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

Um tapa no Oscar

31 mar

Tinha decidido não comentar os melhores do Oscar este ano,primeiro porque não considero “Ataque de cães” tão bom filme, quanto por exemplo, Duna e Não Olhe para cima, não apenas pelos enredos, mas principalmente pelo conjunto da obra, Duna acabou levando vários prêmios merecidos, mas nenhum dos principais.

O tapa de Will Smith em Chris Rock roubou a cena, mas o comentário da diretora Jane Campion que ganhou melhor direção, em outro evento sobre Serene e Venus Williams: “vocês são maravilhosas, no entanto, não precisam competir com os homens como eu”, também caiu mal e seu prêmio perdeu um pouco do brilho.

Pouco tempo depois do tapa de Will Smith ele receberia o prêmio de melhor ator, é um grande ator, mas seria mais grandioso se esperasse este momento para dizer sobre o papel que fez do pai das Williams em defesa da família e daria um golpe muito mais duro em Rock, por ter feito um comentário infeliz sobre a perda de cabelos de Jada Pinkett, mulher de Will.

Muita gente saiu em defesa de Rock, dizem os jornais que seu show agora bate records de bilheteria, e Will expôs Jada porque agora procuram saber da vida dela e de seus relacionamentos, e assim como sua doença alopecia, enfim na minha opinião, o momento de resposta a Chris Rock poderia ser o momento da estatueta, e neste caso não vou comentar o mérito, porém o papel de Denzel Washington na Tragédia de MacBeth merece destaque.

Outro comentário é o prêmio de melhor atriz, fui ver depois da indicação trechos (não vi o filme todo) Os olhos de Tammy Faye (foto), nem o filme nem a atriz vencedora (Jessica Chastain) me impressionam, eu sei que a Academia seguem alguns clichês: ironia, certo humor e outros tiques.

Fui ver a popularidade, pouco mais de 60% das pessoas gostaram do filme, não estou fora então.

Vi a atuação de Meryl Streep em Não Olhe para cima, e merecia ao menos a indicação, claro já ganhou outros, é uma atriz consagrada (o papel espetacular de Margareth Thatcher na Dama de Ferro, por exemplo), mas mérito é indiscutível e não importa a estatura do ganhador.

O tapa de Will Smith e a bola fora esquecida da vencedora de Melhor Direção chamaram a atenção para um Oscar a meu ver sem brilho e ao gosto da academia, o tapa foi um erro só isto.

 

Além da geopolítica, uma visão de mundo

24 fev

A falta de visão global, a ideia de uma cosmovisão que supere a cegueira foi tratada em vários campos da filosofia, vem desde o mito da caverna filosofia de Sócrates e Platão, onde aqui que os homens veem sem estar na luz são apenas sombras do que é realmente o mundo, mais modernamente Heidegger a ampliou para o “Weltanschauung” (uma espécie de mundovisão ou cosmovisão, mas toda tradução é pobre), uma visão fundamental porque deixa de ver o  mundo de modo bipolar ou unipolar para enxerga-lo como um todo onde se inclua o ser, tudo o que existe além de determinada forma particular de ver o mundo, incluindo a natureza e o cosmos.

Em termos da vida cotidiana isto é fundamental tanto na chamada “filosofia natural” (embora esta esteja viciada pelo idealismo contemporâneo), onde se incluem tantos os valores fundamentais, aqueles que já existem no direito internacional (direito a vida, a opção religiosa e cultural, etc.) ampliando o mundo da mera ética e moral para os valores existenciais, aqueles onde além da condição humana estão os direitos de povos e nações que tem determinada forma de ser e viver.

É preciso para isto uma visão de mundo que ultrapasse os limites do nacionalismo e do desejo egoísta de dominação dos povos, a decolonização, a limitação do poder das superpotências e um papel realmente efetivo da ONU, que deve ultrapassar a mera União das Nações, para uma verdadeira unidade e paz entre os povos.

Citamos o livro A peste de Camus, quando ele trabalhava clandestinamente no jornal Combat! na luta contra o nazismo escreveu> “Cartas a um amigo alemão” (1945), onde se lê: “Cartas a um amigo alemão” (1945): havia sentimentos comuns, como a separação ou o medo, mas continuavam a colocar no primeiro plano as preocupações pessoais. Ninguém aceitara ainda verdadeiramente a doença”, neste caso não uma peste, mas a guerra, já postamos aqui a relação entre elas, e agora relacionamos ao medo que é existencial.

Ninguém mais que o povo ucraniano sente isto hoje, porém Alemanha e Reino Unido já estão envolvidos, o presidente da Ucrânia já se reuniu com a Lituânia e Polonia, também os russos, EUA e China e toda Europa sente isto de certa forma, mas dirão não é comigo é com os vizinhos, era isto que alerta a Carta de Camus, não é o vizinho, além das sanções econômicas que já farão reflexo na economia mundial, a expansão da bipolarização da tensão já se espalha aos poucos: a peste.

A relação com o vírus é parecida, vai entrando aos poucos, uma, duas, dezenas e depois centenas de pessoas contaminadas, até se tornar uma guerro-cídio, uma guerra geral senão em termos bélicos, seria um desastre devido as armas nucleares, em termos existenciais e de mundovisão, não há os limites do discurso do ódio, um ódio é um ódio, um não a paz.

Que seja possível enxergar além dos conflitos, a existência e o direito a vida dos povos e das nações, e que os conflitos fiquem nos limites da diplomacia (na foto Reunião do Conselho de Segurança da ONU).

 

A iluminação de Natal no Brasil

23 dez

São Paulo e Rio de Janeiro se destacam tanto pela criatividade e tradição, quanto pelo investimento que em grande parte veio da iniciativa privada, para a iluminação de Natal.

Toda estas duas populosas cidades tem a iluminação espalhada e é possível fazer um tour de turístico natalino, tão grande são as novidades e curiosidades, em São Paulo, por exemplo, a Avenida Paulista e outras inúmeras avenidas: São João e Avenida Brasil, por exemplo, o parque Vila Lobos que recebeu uma iluminação especial, porém o destaque fica com a iluminação do Ibirapuera, tradicional parque de passeio de São Paulo, que recebeu uma iluminação especial do lago, que já tem um chafariz que dança das águas, ao ritmo conforme toca a música, e todo entorno está iluminado com mais de 200 árvores decoradas com um milhão de lâmpadas de Led.

O especial do Ibirapuera este ano é a iluminação do lago com um brilho e decoração especial muito criativa, destaque embaixo na foto acima, porém todo o parque está iluminado e é um grande destaque na iluminação da cidade de São Paulo.

No Rio de Janeiro todos os bairros da orla marítima estão iluminados, além das iluminações especiais de restaurantes e hotéis, porém o grande show é os fogos de final de ano no beira-mar, financiado pela iniciativa privada, não foi cancelado apesar de uma crise de gripe que o Rio de Janeiro vive, na foto é possível ver a queima a partir da imagem do Cristo Redentor (também iluminado) de onde se vê a queima de fogos (photo abaixo).

A iluminação de Natal de Salvador também merece destaque, no ano passado já foi um sucesso com mais de 1.3 milhão de visitantes, em ano de pandemia é bom lembrar, com praças e avenidas iluminadas, algumas formam um verdadeiro túnel de luzes, com shows e atrações, inclusive apresentações feitas com drones.

Norte e Nordeste também têm várias capitais e suas atrações, Maceió a vários anos já vem se destacando por suas iluminações de Natal, no sul se destacam a tradicional região turística Gramada e Canela (são próximas), Blumenau e Curitiba.

É difícil traçar todo o cenário de Natal no país, várias cidades do interior dos estados têm atrações, como Campos do Jordão (SP), Petrópolis (RJ) e Monte Verde (MG), o importante é que todas sempre há uma intenção e resgatar o espírito natalino de amor e paz.

 

O Natal e a maior profecia Bíblica

17 dez

São tempos difíceis, as voltas com nova onda pandêmica, sinais de grave crise econômica mundial, tensões entre Rússia e Ocidente por causa da Ucrânia e reaproximação da Rússia da China que tem interesses em Taiwan, que é independente e ocidental.

Em tempos difíceis sempre reaparecem profecias, mas poucos são os oráculos de Deus realmente autorizados: adivinhos, especuladores, falsos profetas e falsos místicos, falta-lhes uma autorização clara de Deus, e ele sempre se fez presente através dos mais humildes.

David, por exemplo, sequer era contato entre os filhos de Jessé, quando o Samuel foi a sua casa para encontrar alguém que seria rei de Israel ele só é apresentado ao final, assim Jessé não tinha 7 mais oito filho, diz o relato Bíblico:

“Assim fez passar Jessé a seus SETE filhos diante de Samuel. porém Samuel disse a Jessé. O Senhor não escolheu a estes.” (I Samuel 16.10).

Nascido em Belém, por volta do ano 1.000 a.C. seria da descendência de David que nasceria Jesus, segundo o relato Bíblico foram 14 gerações entre David e o exílio da Babilônica e do exílio até Jesus mais quatorze gerações, e também José teve que retornar a Belém porque era ali a sua cidade Natal (ou do seu clã), e isto era profecia.

A profecia de Miquéias diz (Mq 5,1): “Assim diz o Senhor: 1Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel; sua origem vem de tempos remotos, desde os dias da eternidade”. 

Esta profecia tem importância histórica, porque confirma a descendência de David, ali foi feito um recenseamento, portanto há uma prova “científica” deste nascimento, mas a grande profecia não é esta e sim a de Isaías 7,14: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ´Deus Conosco´”, e o trecho anterior chama a atenção para a casa de David diante do importuno de Acaz que queria por Deus a prova por causa das guerras.

A concepção de Maria confunde teólogos e os cristãos de um modo geral, aqui que deveria servir para unir é causa de desunião por culpa de uma leitura pouco atenciosa do livro guia para os cristãos, a Bíblia, logo após Maria saber que conceberia e daria a luz ao Salvador, provavelmente ainda confusa corre até a casa da prima Isabel que concebeu na velhice também um milagre (na foto o quadro de Domenico Ghirlandaio, 1491).

Ao chegar na casa da prima ouve a saudação com um grande grito diz a leitura (Lc1,42-43): “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”, fica a pergunta teológica o que significa para Isabel, judia o advento de Cristo, o Natal, ainda se iniciava no ventre de Maria.

Há discussões sobre datas, uma discussão a-histórica do nascimento de Jesus pois houve um recenseamento, porém, esta questão “a mãe do Senhor” fica ainda em aberto, embora todos os cristãos concordem que o Salvador nasceu dali e viveu entre nós durante 33 anos.

Deus viveu entre nós e veio a partir de uma virgem, não há profecia maior e estará conosco até o final dos tempos.

 

A mansidão e o poder

02 nov

A mansidão é uma virtude fundamental para resolver conflitos, estabelecer novos espaços de diálogos onde ele se encerrou e abrir novos horizontes onde eles parecem impossíveis.

João Calvino tem uma frase muito nobre: “Será inútil ensinar a mansidão, a menos que tenhamos iniciado com a humildade”, de fato a grande razão para parecer que alguns estão certos e que outros não tem razão nenhuma parte muitas vezes da soberba de um dos lados (o oposto a humildade) e nestes parâmetros nenhuma dialogia será possível, ou aquilo que preferimos nenhum “novo horizonte” será traçado que estabeleça um ponto futuro onde pontos conflitantes poderão entrar em um processo de convergência.

A polarização é inevitável pode ser os argumentos de alguns, sim se chegando a determinado ponto de conflito isto é válido, mas devemos saber que a saída de fato de um conflito terá que ter em algum momento a bandeira de paz e ela não pode ser a bandeira da submissão dos vencidos, a pax romana, depois que Roma conquista seus territórios, ela é a submissão a conceito autoritário e que em determinado ponto retornará a guerra.

É verdade que o poder é sempre assimétrico, mas ele exercido com mansidão leva ao diálogo.

A polarização é lógica pode ser o argumento para justificá-la, lembro, porém, que a lógica difusa, a lógica paraconsistente e outras lógicas não são binárias, sim ou não, e que nunca há somente dois lados, esta é uma posição idealista que induz a dualidade, pode haver múltiplos lados, por isto a lógica realmente justa admite uma terceira hipótese.

Estes nunca serão vencedores e estarão sempre a beira do caminho pode ser outro pensamento, por mais paradoxal que possa parecer o ensinamento divino, em muitas religiões, é que a mansidão e a humildade levam as pessoas para o alto, uma das bem-aventuranças bíblicas diz (Mt 5, 5): “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” e então onde está o poder deles, na conquista através de valores perenes só pode levar a plenitude e a própria perenidade, o problema é ceder a valores ardilosos e injustos.

A construção de uma realidade perene, um tempo de paz e justiça, no momento que começamos a sair de uma pandemia é fundamental, ainda que pareça distante.

 

Ato, potência e ágape

15 out

Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.

A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.

Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.

A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.

Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.

Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.

Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.

Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.

Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.

 

O humanismo e o natural

08 set

Temos dificuldade em entender o que é realmente natural e o que cultural, a visão naturalista da filosofia pré-socrática já antecipava uma teia de leis e interpretações do mundo material não dando exatamente a configuração o que era o Ser, foi neste espaço que se desenvolveu a ideia de sujeito como dual do objeto, assim a subjetividade não é vista como cultural, mas natural.
As escassas referências de Heráclito, o que fica dele são apenas algumas máximas como não pode-se atravessa o mesmo rio duas vezes, a ideia do devir e o fogo como elemento primordial na natureza, escondem uma busca da identidade humana com um tom objetivista prevalecente, era a via aberta por Sócrates para temas hoje tão importantes como a interioridade e a consciência.
A consciência moral foi retomada apenas no âmbito do cristianismo, passando à margem em Platão e Aristóteles, que elaboraram a ideia do motor imóvel (princípio de todo universo e assim da natureza) mas separado do mundo das ideias, onde ideias “naturalistas” se desenvolveram, não postularam um regnum hominis, um reino do homem, claro haverá outras leituras deste período.
O que me encorajou foi a descrição que Karl Popper fez sobre O mundo de Parmênides como um período de gênese do iluminismo, a physis grega não é outra coisa senão a natureza, assim pode- se dizer como mais propriedade que o naturalismo fisicalista se inicia ai, uma extensão da percepção que o sujeito humano tem sua interioridade vinculada ao meio vivencial, e portanto cultural, uma compreensão do macrocosmo individual ou coletivo (dos grupos culturais) fica então vinculada a ideia de natureza sem que uma cosmovisão mais ampla seja contemplada.
A esta questão prende-se outra, sobre a emergência do sujeito anulando o Ser, que é a liberdade, sujeito só o é como ação, ou seja em função do objeto, a interioridade é então parte problemática de um subjetivismo individual ou coletivo, e não de uma liberdade de opções sobre a qual se manifesta.
Se o homem no seu universo só pode submeter-se as leis, ao seu destino, ele não é livre, não há lugar para autonomia, e num sentido mais amplo está sujeito ao fatalismo, em Aristóteles é traçado um conceito unidimensional de liberdade ao defini-la como o ser livre é aquele que se tem a si mesmo como um fim e que não se sujeita a trabalhos servis, é definido, portanto,, em torno da polis, e de suas leis.
Se o conceito antropocêntrico é hoje revisitado, é importante compreender suas raízes gregas.
A filosofia renascentista vai desenvolver um humanismo, como o homem no centro de toda a especulação, sendo criatura do mundo desfruta, entretanto de uma situação singular e muito excepcional, destaco Nicolau de Cusa, Marsílio Ficino e Pico della Mirandola.
Ficino é o menos conhecido, nascido em Figlini Valdarno (1433) é o maior representante do humanismo fiorentino renascentista, e revisita as obras de Platão, Plotino, Porfírio e Proclo.
Talvez a razão de ser pouco conhecido pode dever-se ao fato de ter se tornado sacerdote e ter escrito a Theologia Platonica (1482), obra que faz um diálogo com a concepção de religião de Platão e os neoplatônicos.

 

Caminhando para um futuro incerto

13 jul

Palestras e livros motivacionais estão crescendo desde o início do século XXI, não importa muito a mensagem, o importante é levar as pessoas a uma força de ação que é a do desempenho.

Religiões tradicionais perdem adeptos para igrejas que trocam o discurso do pecado pela autoajuda e pelo desejo de reconhecimento e sucesso, a polarização política não deixa isto de lado um bom político deve demonstrar seus “feitos” e não sua isenção, equilíbrio e honestidade.

Longe de estar desdenhando a evolução tecnológica, ela é importante e podem auxiliar numa retomada co-imunológica, aquela em que descobrimos a mutualidade, o “exame” conforme descrito por Byung Chul Han apenas busca performance e ela pode incluir o desrespeito e as fake- News.

A sociedade repressora e disciplinar do século XX descrita por Michel Foucault (Vigiar e Punir) perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal, enchem-se as fanpages, as lives exibindo performances e até mesmo exibindo violência, o que é preocupante é o excesso de informação pouco elaborada.

Interioridade, que é diferente de subjetividade, que é o que é próprio do sujeito, é aquele espaço interno que precisamos cultivar para tornar a nossa vida mais equilibrada, com pensamentos e atos mais positivos e que colaborem com o mutualismo, o sentimento de responsabilidade pelo outro, a consciência social, enfim, a coimunidade (a sociedade imunológica).

Chul Han aponta que a subjetividade, já presente em discursos de pensadores atuais, como a “sociedade pós-industrial” (Bell, 1999), “soeicdade do controle” (Deleuze, 1992), “capitalismo cognitivo” ou “economia material” (Negri e Lazzarato, 2001, Gorz, 2005) e “biopolítica” (Foucault, 2008) foram formas de expressão desta subjetividade, porém sem lançar mão da interioridade, todas citações de Byung Chul Han.

A sociedade é empurrada para um excesso de positividade como a chama Chul Han em sua Sociedade do Cansaço, o conceito disciplinar coercitivo (“tu deves”) imposto de fora, fez entrar em cena um novo enunciado (“nós podemos”), o qual, em seus aspectos mais imanentes, “remete a uma falsa liberdade ao impor aos indivíduos os imperativos do desempenho e autosatisfação.

A análise do autor parte do filme Cisne negro (Aronofsky, 2010) para explicar sua tese, a imposição de performance e desempenho mediante a autossuperação é incorporada pela protagonista que é levada as últimas consequências.

A sociedade do cansaço atual nada mais é do que a absolutização unilateral da “potência positiva” e o melhoramento cognitivo (neuro-enhancement) pode não representar nenhum problema moral, mas levará a um problema moral ainda maior na normatividade da sociedade do desempenho.

HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2 ed. ampl. Petrópolis, Vozes, 2017. 128 pp