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Como prestar contas de nossas faltas
Todos cometemos faltas, se é verdade que não podemos enganar a vida com a morte, dizia o poeta Goethe, não podemos deixar de reconhecer a fatalidade da vida que é seu ocaso final.
Não há nenhuma contestação a fazer, ninguém ficou para semente diz um ditado popular brasileiro, e não sabemos o que há do outro, exceto para os que creem.
Durante anos da vida caminhamos desatentos com pequenas e grandes faltas, a maioria delas empurramos para debaixo do tapete, outras vezes justificamos nem sempre de maneira justa e convivente as faltas que tivemos, atribuindo a culpa ao Outro, porém o que fazer diante de um momento que devemos reconhecer aquilo que não fizemos bem e que podemos ter prejudicado muitas pessoas.
Leon Tolstói descreve em “A morte de Ivan Ilitch” um homem diante da morte, que vê os parentes mais preocupados com a herança do que com a própria vida dele, descreve no livro: “Chorou como uma criança. Chorou por causa do seu enorme enfraquecimento, e terrível abandono em que a família o deixava e pela crueldade e ausência de Deus.”
Claro que nem todos se lembrarão da ausência de Deus, é uma espécie de sacramento da ignorância, mas há também aqueles que mesmo tendo “praticado” uma religião terão dificuldades de perceber suas faltas e assim terão dificuldades de prestar contas delas.
Mesmo as alegrias da vida parecem distantes num momento e que todos estaremos muitos frágeis, descreve Tolstoi no seu conto: “Quanto mais se afastava da infância e se aproximava do presente, mais insignificantes, mais duvidosas eram as alegrias.”
Seria bom que por um evento sobrenatural pudéssemos ter clareza de nossas fraquezas e tempo para redimi-las, mas nem todos terão, talvez algo possa acontecer.
Seria uma grande prova da existência e Deus e a ideia que é possível a humanidade ter salvação, a crise pandêmica é maior porque existe uma crise civilizatória.
A morte e a vida
Pablo Picasso tem razão ao dizer que “a morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos”, porém diante de uma pandemia que ameaça a todos, diante de uma segunda onda que promete ser ainda pior, Makron e outros governantes da Europa já o disseram, devemos encarar o tema.
Onde foi Dia de Finados, lembrar de mais pais e algumas pessoas que já não estão mais aqui sempre me fizeram um acalanto diante da vida e da morte, o que viemos fazer aqui nesta curta passagem, deveria ser a questão destes dias.
A pandemia poderia ter ensinado mais, ao menos conseguiu frear o vida frenética da Sociedade do Cansaço, mas a grande maioria das pessoas se comporta como se não houvessem muitas pessoas morrendo e que também elas podem estar de repente diante de uma encruzilhada, que assim penso, não será pessoal apenas, mas todo o planeta.
Li num dos últimos livros de Edgar Morin: “em vez de ser terra de ninguém, poderíamos ser terra de todos”, não é o ainda acontece, hoje é dia de eleições nos EUA, sem polarizar pode-se dizer se ganhou a vida ou a morte, não falo de políticas governamentais também, mas as ameaças de guerra que sempre pairam sobre a humanidade em tempos de guerra.
Todos um dia abandonaremos nossos sonhos, promessas e as coisas boas que fizemos, será hora de prestar contas se não a Deus, aos que creem, as gerações futuras sobre o legado que deixamos.
Viver a vida e ser feliz deve ter sempre como complemento também a felicidade dos outros, se não sou causa de felicidade a minha volta, a minha própria pode estar comprometida, e no fim da jornada ficará apenas aquilo que fizemos de bom e que os que ficam terão prazer em recordar.
A relação com o Outro e com a Natureza que é também um outro, deve ser modificada para que tenhamos esperança num futuro promissor para os que nascem.
Segunda onda ou é outro Cov-2
Em artigo recente “Emergence and spread of a SARS-CoV-2 variant through Europe in the summer of 2020” publicado em 28 de outubro no site da medRxiv, informam a disseminação, presumivelmente a partir da Espanha, de uma variante do vírus da Covid-19, que já seriam 80% das infecções recentes, o artigo ainda terá a revisão por pares, mas já disparou o alarme da comunidade científica, o artigo ainda terá revisão por pares.
Desde o início de setembro a Europa já verificava um aumento nos casos de infecção e retomava as medidas de distanciamento, era o final do verão, agora em outubro as medidas se tornaram irreversíveis, e o presidente da França chegou a declarar: “o vírus circula numa velocidade não prevista nem pelas previsões mais pessimistas … estamos todos na mesma posição: invadidos por uma segunda onda que será sem dúvidas mais difícil e mais mortal que a primeira”, a Inglaterra já decretou lock-down e ainda estamos no outono, o inverso deste ano promete ser rigoroso.
A Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel fez acordo com os governadores locais para fazer um “lockdown light”, mas até o final de novembro bares, restaurantes, teatros e academias terão que fechar as portas, será um Natal doméstico e com muitas restrições na Europa.
Na Itália o governo do primeiro-ministro Giuseppe Conte determinou que neste início de novembro bares e restaurantes de todo país só poderão ficar abertos até as 18h, academias, piscinas, teatros e cinemas não podem abrir.
As medidas impactaram as bolsas que tiveram uma forte queda, de 2% a 4% na Europa, e mais de 4% no Brasil, hoje feriado aqui, as bolsas no exterior se recuperam, mas a apreensão agora se volta para as eleições americanas marcadas para amanhã, porém muitos votos já foram antecipados e haverá record de eleitores, porque nos EUA o voto não é obrigatório.
As empresas que desenvolvem as vacinas prometem acelerar, mas especialistas apontam que isto não é possível e para esta variante também deve ser testada.
Aflição e angústia
Os que leram atentos O Ser e o tempo, sabem que uma das respostas importantes de Heidegger é o aquilo que deve ser lido em Kierkgaard e que está ligado a raiz filosófica de seu pensamento, e isto está ligado a angústia e discorremos aqui o que a diferencia da aflição que é a angústia pessoal e ligada ao problema do mal.
É, pois, o próprio Heidegger quem Kierkegaard separando-o em ensinamentos ditos “edificantes” que seriam mais importantes do que os “teóricos”, exceto em um caso que é o da angústia, em seu tratado O conceito de angústia, e que o filósofo da floresta faz questão de dizer que “do ponto de vista ontológico” permanece ainda “inteiramente tributário de Hegel e da filosofia antiga vista através deste”. (HEIDEGGER, 2012, p. 651, n. 6).
O que Heidegger viu neste livro de 1844, cuja autoria é atribuída a Vigilius Haufniensis, pseudônimo kierkegaardiano que se traduz como “Vigia de Copenhague”, já que Kierkegaard era dinamarquês e sua primeira intenção é retornar a sabedoria socrática, que para ele se conjugava entre o saber contemplativo (theoría) com o saber prático (phrónesis), a maneira da antiguidade grega.
Apesar dele ter chamado Sócrates de “filósofo prático, justamente queria centrar o penso da “angústia” na vivência do que era refletido pela alma e isto significou uma aproximação da psicologia, era “a doutrina do espírito subjetivo” (Kierkegaard, 2010, p. 25), era um dos ramos da Filosofia, e de uma filosofia realmente dialética no sentido grego-socrático já que a filosofia moderna se fixou no dualismo kantiano tese x antítese com uma improvável síntese
O filósofo usa a expressão “pecado hereditário”, usada pelo autor ao longo da obra, mas como aquela que correspondo o que os teólogos, por ele chamados de “dogmáticos”, denominam como de pecado original, nomenclatura a parte, é o aspecto que aproxima o seu tema da angústia daquela aflição “de alma”, que pode ter o contorno filosófico e psicológico, mas que é no fundo aquela aflição de quem se sente fora de um centro, de uma perspectiva clara de superação da angústia.
Nela não há o sentido portanto de pecado original, nem da noção de pecado, mas se confunde como tal como a sua possibilidade enquanto ideia, ou seja, uma categoria conceitual capaz de nos ajudar a pensar sobre algum mal praticado, e o que levaria a este “mal” é o conceito de liberdade para muitos pensadores.
O que conduz o existir a um modo singular, a um modo de agir de tal forma ? É aí que as noções de liberdade e de angústia emergem enquanto “conceitos” convergem para esta “angústia”, mas sem ter um locus, nem na Estética, nem na Metafísica e sequer na Psicologia, assim o autor não o diz, mas há algo de aflito e de trágico neste caminhar nesta “angústia”.
Paul Ricoeur refletindo sobre estas expressões de Kierkegaard, estabelece que o mal é “o que há de mais oposto ao sistema”, justamente porque é absurdo e escandaloso, irracional e incompreensível, situado à margem da moral e da razão, lembra Ricoeur (1996, p. 16), referindo-se às reflexões kierkegaardianas, o mal é “o que há de mais oposto ao sistema”, justamente porque é absurdo e escandaloso, irracional e incompreensível, situado à margem da moral e da razão.
Ricoeur diferencia assim o mal estrutural (já fizemos um post), ligado a angústia e o pecado e o livre-arbítrio ligado a decisões pessoais perante a angústia.
O ponto que considero essencial no pensamento de Kierkegaard sobre este aspecto existencial é que “só o que atravessou a angústia da possibilidade, só este está plenamente formado para não se angustiar, não porque se esquive dos horrores da vida, mas porque esses sempre ficam fracos em comparação com os da possibilidade” (Kierkegaard, 2010, p. 165-166), é aqui que a aflição pode encontrar o seu oposto e podemos entender que há uma fonte de consolo nela.
Assim angústia e aflição não são propriamente maldições ou estados pecaminosos ou doenças da “alma” ou dos pensamentos, são fases de ruptura ou transição para outras fases mais maduras quanto esta etapa envolve reflexão e superação.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Campinas: Editora da Unicamp, 2012. (Multilíngues de Filosofia Unicamp). JOLIVET, Régis. As doutrinas existencialistas: de Kierkegaard a Sartre. Porto: Tavares Martins, 1957.
KIERKEGAARD, Sören. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário de Vigilius Haufniensis. Tradução e notas Álvaro Luiz Montenegro Valls. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
A felicidade em Tomás de Aquino
Para analisar a beatitude, que já esclarecemos que é também um tema da Grécia antiga para a felicidade, Tomás de Aquino aprendeu com o filósofo grego a distinguir entre duas formas diferentes de felicidade: as riquezas naturais que são aquelas pelas quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais como a comida, a bebida, as vestes, a habitação, etc., e as artificiais aquela não auxiliam a natureza mas a submetem, como o dinheiro, mas a arte humana inventou para facilitar as trocas, para que fossem como medidas para coisas veniais, e influenciado por Boécio vai questionar se a riqueza é de fato a que dá posso a todos bens:
“A bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os bens’. Ora, parece que pelo dinheiro poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, o dinheiro se inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas” (Tomás de Aquino, Suma teológica. Parte III).
Mesmo com a posse de uma ideia mais ampla de riqueza, a riqueza natural que Aristóteles previu, e a riqueza artificial também, em nenhuma delas o Aquinate vai reconhecer como fonte de felicidade, pelo fato que não tem um fim em si mesma, e as pessoas que as possuem tornam-na o fim último, torna-se fiança de algo.
E que valor pode possuir esta fiança em si mesma, Tomás de Aquino examina a honra, e diz neste sentido: “é impossível que a bem-aventurança consista na honra. A honra é prestada a alguém devido alguma sua excelência: e assim, é um sinal e testemunho daquela excelência que está no honrado”, pode também ser a fama ou glória, o poder, e os bens do corpo, porém todos estes bens em si mesmo também não traduzem em felicidade, mas apenas em falso conhecimento.
Assim é ela própria a bem aventurança, diz textualmente: “a bem-aventurança é o mais estável dos bens”, assim a falta de estabilidade da fama ocorre pelo fato de ela derivar, exclusivamente, do conhecimento humano, que, por sua vez, é limitado, e muitas vezes é mesmo falso.
De modo parecido argumentava Boécio: “o poder humano não pode evitar o tormento das preocupações, nem o aguilhão do medo”.
Quanto ao corpo, argumenta o filósofo cristão: “a bem-aventurança do homem é superior em todos os sentidos à dos animais, embora muitos animais superem os homens nos bens do corpo”, assim se a beatitude vem daí o homem estaria se igualando aos animais, e quão verdade é isto muitas vezes.
Mas o que é então a felicidade para o Doutor Angélico, que faz o mesmo questionamento de Boécio: “‘é necessário confessar que Deus é a própria bem-aventurança?” e concluirá que “a bem-aventurança é o último fim, para o qual naturalmente tende a vontade humana” e “para nenhuma outra coisa deve tender a vontade como para o último fim, a não ser para Deus, pois ele deve ser objeto de gozo, como diz Agostinho” (AQUINO, 2003, p. 62).
Pode-se aqui ter a síntese do que é a felicidade para os três grandes pensadores cristãos do período medieval.
Para alguns autores, como Luiz Alberto De Boni, a filosofia de Tomás de Aquino nestes moldes: “o bem e o fim se identificam”, possui assim uma escatologia, e se entendemos que o fim é apenas esta vida terrena limitada a um período temporal sua argumentação não é validade, porém se admitimos a eternidade, a felicidade como bem último é aquela que conquistamos já aqui mas que deve se prolongar além da vida temporal, fora disto é claro, somente os prazeres temporais.
No quadro acima, de autor anônimo, O homem rico e Lázaro, (cerca de 1610, Amsterdam).
AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Vol III São Paulo: Loyola, 2003.
Bem aventurança e beatitude
Embora o termo esteja associado a santidade cristã, e é também um dos seus aspectos, o termo na antiguidade clássica tinha um significado mais genérico, um estado permanente de perfeita satisfação e plenitude que somente um sábio podia alcançar, assim pensava Aristóteles, mas hoje está condicionado somente ao sentido religioso, pretende-se aqui mostrar que podem estar mais próximos do que se pensa.
O significado religioso é também o da felicidade, mas no sentido de gáudio de prazer equilibrado da alma, que só pode alcançar quem desfruta da presença de Deus, que sua plenitude poderá ser atingida somente na vida eterna, mas não significa descartar a vida terrena, “eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10:10), assim proclama o evangelista, mas o que há de diferentes entre as duas propostas de felicidade.
Aristóteles no livro Das Causas vai dizer que o fim da beatitude é relativo ao desejo da mesma, assim a natureza última deste fim move-se principalmente pelo desejo e este é o prazer, tanto que absorve a vontade e a razão do homem a ponto de fazer desprezar outros bens.
Tanto Boécio, que a igreja também o beatificou (isto é o proclamou feliz, beato e santo), e Aristóteles trataram do tema, e a pergunta deles é o que se o prazer é mesmo o fim último da felicidade, da beatitude e que também Tomás de Aquino vai argumentar ao contrário.
O que diz Boécio é que são tristes as consequências dos prazeres, sabem-no todos os que querem lembrar-se das suas sensualidades, pois, se estas pudesse os fazer felizes, nenhuma razão haveria para que também os brutos não fossem considerados tais, e isto lembra muito os casos atuais de abusos e violências reprováveis.
Para Boécio: “A bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os bens”, e assim parece que pelo dinheiro poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, afirma que o dinheiro se inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir, o que hoje pode ser traduzido como o dinheiro compra tudo.
Além disto diz também Boécio: “Mais brilham as riquezas quando são distribuídas do que quando conservadas. Por isso, a avareza torna os homens odiosos, a generosidade os torna ilustres”, e assim não se condena a riqueza, mas a sua má distribuição.
Na representação acima o quadro “O violinista alegre com um copo de vinho” (1624) de Gerard van Honthorst (1590-1656).
As vacinas estão na fase de testes
Todas as vacinas estão na fase de testes, apenas a vacina russa com seu mega imperador Putin aprovou vacinas, mas ninguém confia nelas.
O grupo americano de biotecnologia Moderna, um dos que estão conduzindo testes na fase 3 nos Estados Unidos prometendo resultados para dezembro foi solicitado em setembro dar mais transparência em seus relatórios, quase sempre entregues ao governo em caráter “confidencial” revela as pressões sobre o FDA (Agência americana de Medicamentos) pois a eleição está próxima e poderia favorecer o governo, mas a própria empresa não acredita em prazos curtos.
Outro laboratório a Pfizer, uma das vacinas mais promissoras rendeu polêmicas esta semana devido a infecção e morte de uma das pessoas recrutadas para testes, um voluntário brasileiro que faleceu, mas segundo o site Bloomberg o rapaz estava no grupo dos placebos dos testes e não recebeu a dose ativa da vacina.
Esclarecendo os testes são chamados de duplo cego, isto é nem os médicos nem os pacientes sabem que versão foi aplicada, é aplicado em alguns um placebo e em outros a própria vacina, sendo esta uma das formas mais confiáveis de testagem, somente em casos como este da morte de um voluntário a dose é revelada.
A polêmica da vacina chinesa, que ainda está sem aprovação e com prazo para outubro de 2021, teve uma crescente politização da vacina como já alertamos no post da semana passada, mais uma polarização social agora neste assunto, que deveria ser uma preocupação de todos independentemente da ideologia.
O problema da obrigatoriedade da vacina deve ser tratado de forma democrática, e a polêmica não ajuda o consenso público que neste caso já é improvável, é de se lamentar a politização do tema, a judicialização é ainda mais lamentável, lembro o caso dos drogados cuja internação involuntária não foi aprovada.
A fase de testes, segundo especialistas e a própria OMS, deve se prolongar ainda por 2021, qualquer antecipação prematura da vacina será tão grave quanto a própria pandemia, e o resultado pode ser desastroso e sujeito a processos judiciais.
Esperamos que a vacina venha, que seja um consenso mundial a sua validade, que a politização do tema diminua e que possamos sair menos polarizados da pandemia, é um tema altruísta, mas precisamos ter esperança de uma humanidade melhor, senão tanto sofrimento num ano desastroso de nada valeu.
O que faz o Amor ser amado
Hannah Arendt procurou em Agostinho de Hipona suas respostas para o Amor, trouxe grandes contribuições no campo filosófico para o tema, muito além da clássica divisão dos gregos: ágape, eros e filia; mas como observou a filosofa contemporânea Julia Kristeva não foi além do Agostinho filósofo, abordando também o teólogo.
Além da divisão inteligente da sua tese de doutorado: “O amor em Santo Agostinho”, a própria Arendt acentuou o caráter filosófico da obra do bispo de Hipona, ao ressaltar: “ele nunca perdeu completamente o impulso de questionamento filosófico” (Arendt, 1996), suas bases de Cícero, Platão e Plotino são perceptíveis em sua obra.
A escolha de Arendt por dividir sua dissertação em três partes se deve a uma vontade de fazer justiça a pensamentos e teorias agostinianas que correm em paralelo. Assim cada parte “servirá para mostrar três contextos conceituais nos quais o problema do amor tem papel decisivo.”
Também ela percebe a importância do Amor Caritas, mas como o vê não é teológico, mas apenas dentro das possibilidades humanas, Julia Kristeva ao falar do Amor vai além ao afirmar: “O amor é o tempo e o espaço em que ‘eu’ me dou o direito de ser extraordinário“, enquanto Arendt tem clareza que há diferença entre o Caritas e a Cupiditas, que ama o mundo, as coisas do mundo.
Mas a questão de Agostinho que deve ser respondida também pelos cristãos sé o que “amo quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), a quinta essência do meu interior, é verdade como pensava Agostinho que encontro em mim o que me liga a eternidade, porém há além da quinta essência ou Outro fora, não apenas Deus, mas aquele Outro que passa ao meu lado, aquele cuja identidade está escondida no invólucro humano do Outro que tem Deus em si também.
O que amo quando amo a Deus, é assim extensível ao Amor a humanidade, concreto em cada Outro que me relaciono, e está além da quinta essência do meu “Eu”.
Caritas é assim o extraordinário em mim, tanto Arendt, Kristeva e o próprio Agostinho estão certos em parte, porém o Deus que amo está agora presente também no Outro, que é além do meu espelho e além da minha quinta-essência interior.
Talvez a maior cilada feita para Jesus pelos fariseus esteja na pergunta, depois que Jesus havia calado os saduceus, estava na pergunta (Mt 22,36) “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, e Jesus responderá (Mt 22,37-39): “Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”, e conclui que esta é a síntese de toda Lei e dos profetas.
Hannah Arendt cita esta passagem, mas a sequência é clara amarás com todo coragem e toda alma, aspectos teológicos e depois com o entendimento, o filosófico.
Porém a pergunta atualizada é esta de Agostinho: “O que amo quando digo que amo a Deus?” e se na resposta é também “O próximo como a ti mesmo”, ou seja, com a sua quinta-essência interior dirigida ao Outro, significa que não posso dizer que amo de fato o Amor, que vem de Deus, se não é o Amor caritas.
ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
Figura: Texturas e acrílico sobre tela 100×120 cm | Janeiro, 2018. Galeria Eva-sas.
Ainda o amor em Santo Agostinho
O que fez Hannah Arendt chegar a conclusão que uma civilização do Amor não era possível, além de sua experiência pessoal como judia que não voltaria a sua “casa” em Israel, ainda tem que tivesse feito planos para isto, é a incompreensão do Caritas Agápico, o verdadeiro amor.
A filósofa Julia Kristeva divulgou um relatório reservado do orientador Karl Jaspers sobre sua orientanda Hannah Arendt, parecia-lhe que sua aluna que sua aluna na época “[…] estava apta a sublinhar o essencial, mas que ela, simplesmente, não reuniu tudo o que Agostinho disse sobre o amor. […] Alguns erros surgem nas citações. […] O método exerce alguma violência sobre o texto. […] A autora quer, através de um trabalho filosófico de ideias, justificar sua liberdade com relação às possibilidades cristãs, que, no entanto, a atraem. […] Não merece, infelizmente, a mais alta menção [cum laude]. Efetivamente, Arendt parece privilegiar, em Agostinho, o filósofo, em detrimento do teólogo.” (KRISTEVA, 2002, p. 41).
A filósofa Kristeva assinala o ponto essencial indo mais a fundo no pensamento de Agostinho, e questiona que tipo de amor o filósofo se referia e se existiria mais de um tipo de amor, além dos já conhecidos filia, ágape e Eros: “Numerosos termos declinam o conceito de amor em Agostinho: amor, desejo (com suas duas variantes, appetitus e libido), caridade, concupiscência, formando uma verdadeira ‘constelação do amor’ (…)”. (KRISTEVA, 2002, p. 42).
O que havia de revolucionário na forte mensagem cristã de Agostinho, além de sua capacidade intelectual e teológica, era a noção de libertação das leis antigas, o que alguns chamam incorretamente de legalismo (não se trata de leis “humanas”), centrando no amor a base da religião era possível superar a filiação anterior de Agostinho do dualismo maniqueísta, ao qual ainda boa parte da teologia e da filosofia estão presos, esta última porém mais ligada ao racional-idealismo atual.
Será impossível pensar em uma civilização que supere o ódio, a violência e a divisão dualista da sociedade sem haver caridade verdadeira, aquela que se estende a todos, aquela que admite a diversidade, e aquela que almeja a justiça, conforme pensava Agostinho: “onde não há caridade não pode haver justiça”, e assim o desejo maior de justiça deve ter como pressuposto a caridade, ainda que ela pareça altruísta demais, ou piegas, basta ver o que o ódio construiu senão guerras e violência.
O conjunto de volumes do “Gênio Feminino” de Julia Kristeva (1941- ) é analisar e prestar uma homenagem a três pensadoras do século XX, talvez a mais conhecida Hannah Arendt (1906-1975), Melanie Klein (1882-1960) e Colette (1873-1954).
Julia Kristeva é considerada uma estruturalista (ou pós), junto a Gérard Genette, Lévi Strauss, Jacques:Marie Lacan, Michel Foucault e Althusser, tem ainda um importante trabalho sobre semiótica Introdução à semanálise (2005), onde diz frases contundentes como: “todo texto se constrói como um mosaico de citações” (Kristeva, 2005, p. 68) e ainda: “O texto não denomina nem determina um exterior” (KRISTEVA, 2005, p. 12), afirmando assim que a literatura não dá conta do real.
KRISTEVA, Julia. O gênio feminino: a vida, a loucura e as palavras. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
O amor em Santo Agostinho
Esta foi a tese de doutorado de Hannah Arendt com influências diretas de Edmund Husserl, Martin Heidegger, inicialmente seu orientador, que depois passou a orientação a Karl Jaspers devido seu envolvimento pessoal com Arendt, assim é necessária alguma compreensão da fenomenologia e da ontologia existencial.
Terminamos a semana passada fazendo uma reflexão sobre a política e religião justamente a partir da compilação das Obras Póstumas da própria Arendt, e o que desejamos apontar é a possibilidade de uma civilização fundada nos princípios do Amor, no sentido da caridade (virtude teologal) e como Agostinho a via.
Longe de ser uma apologia dessa forma elevada de Amor, ela vê contradições e vai desenvolver a questão do amor a Deus, amor ao próximo e a si mesmo, e usa a fenomenologia para aprofundar este tema, mas é uma conclusão apressada dizer que a fenomenologia se opõe ou mesmo favorece estes sentimentos, que em si, são sim contraditórios, por exemplo, o amor ao próximo e a si mesmo tem nuances diferentes para a grande maioria das pessoas.
Sua conclusão é que não é possível forma uma sociedade humana fundamentada apenas no amor caritas (lembrando sempre que trata-se de uma virtude teológica e não de simples generosidade) e o ponto central é analisar Agostinho apenas do ponto de vista filosófico, já que Arendt não tinha interesse nos aspectos teológicos.
Arendt por dividir sua dissertação em três partes se deve a uma vontade de fazer justiça a pensamentos e teorias agostinianas que correm em paralelo. Assim cada parte “servirá para mostrar três contextos conceituais nos quais o problema do amor tem papel decisivo” (esta citação é tirada de uma tradução para o inglês que a própria Hannah Arendt trabalho e tem diferenças com a portuguesa).
A primeira parte Arendt vai analisar “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), na segunda parte discute a relação entre a criatura e o criador, ela intitula o capítulo “Criatura e Criador: o passado rememorado”, e na terceira parte discute
Na primeira parte a autora descobre que Deus é a quintessência de seu eu interior, Deus é a essência de sua existência, e ao encontrar Deus em si o homem acha aquilo que lhe faltava: sua essência eterna. Aqui, o amor por Deus pode se relacionar com o amor próprio, pois o homem pode amar a si mesmo da maneira correta amando sua própria essência.
No final segunda parte vai discutir a relação com o próximo, como deve amá-lo como criação de Deus: “ […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo.”
Na terceira parte da dissertação, intitulada “Vida Social”, que Arendt dedica ao que ela chama de “caritas social”13, a relevância do vizinho, e o amor ao próximo ganham nova justificativa, vai discutir o princípio adâmico do pecado e vai dizer que este é o princípio que nos ligará a Cristo, que vem para nos redimir deste pecado.
Aqui aparece a contradição com Agostinho: “É porque todos os homens compartilham este passado que eles devem se amar: “a razão pela qual se deve amar ao seu próximo é porque seu próximo é fundamentalmente seu igual e ambos compartilham o mesmo passado pecador”, assim não é o fundamento do Amor, mas do pecado que nos torna iguais aos outros próximos.”
Por escolha o homem deve renegar o mundo e fundar uma nova sociedade em Cristo. “Essa defesa é a fundação da nova cidade, a cidade de Deus. […] Essa nova vida social, que é baseada em Cristo, é definida pelo amor mútuo (diligire invicem)”, há uma obra de Agostinho dedicada a isto: “cidade de Deus”, e a tese que é somente filosófica assim concentra-se apenas na relação mundana (ou humana, como queiram), não vê o homem como tendo uma origem divina e feito para o Amor.
Para Arent o que nos torna irmãos e eu posso amá-los em caritas, no amor verdadeiro, e isto é expresso em Agostinho, segundo Arendt, concilia o isolamento gerado pelo mandamento de amar a Deus com o mandamento que diz para amar ao próximo, encerrando a dissertação.
Segundo Kurt Blumenfeld, amigo de Arendt que teve grande importância em seu envolvimento com o judaísmo e a política, a resposta para a questão era o sionismo e um retorno à Palestina, mas a emigração para lá nunca foi parte dos planos de Arendt, buscava na vita socialis sua resposta sobre o Amor, não entendeu totalmente o caritas.
ARENDT, Hannah. O conceito de Amor em Santo Agostinho. Tese de doutorado 1929. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.