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O bem e o poder
O bem é aquele que é um bem comum, é praticamente inconciliável com o poder temporal, aquele que submete o outro pela força, seja de que forma esta submissão, praticas coletivas de impor valores, modos sutis de fazer exclusão e principalmente o exercício da força bruta.
Vale uma definição de Max Weber: “como cada chance de impor, dentro de uma relação social, a vontade própria mesmo contra relutância, não importando em que essa chance se baseia” (Weber, 1922) está no primeiro capítulo do livro “Economia e Sociedade” cuja edição alemã é de 1922, outra definição interessante é a de Hanna Arendt: “Conceitualmente falando, isso significa: o Poder é, de fato, essencial a todos os estados, inclusive a todos os tipos de grupos organizados, ao passo que a violência não o é” no seu livro de 1960 que é sobre a “Vita Activa”, mas que na tradução para a língua portuguesa e inglesa tornou-se “A condição humana”.
Se é possível que o bem comum se estabeleça, aceitando a condição de Hanna Arendt, não será pela violência, e sim pelo poder não-violento, e um breve olhar pela história pode-se observar as consequências da violência como forma de poder, quase sempre novas formas de exclusão e de submissão de alguma parcelas da população, como a unanimidade é impossível, é preciso conviver com a diferença, eis a formula que precede a qualquer bem digno do nome e sustentável.
O ressurgimento do nacionalismo, da polarização ideológica, e principalmente o retorno a formas de violência que pareciam aos poucos banidas da sociedade, mostram a crise do humanismo, que não se iniciou hoje, mas no início do século passado e tendo como testemunha duas guerras.
Imaginar que algum bem comum possa se estabelecer pela força é portanto contraditório com o que legitima alguma forma de poder razoável e capaz de influenciar a parcela consciente da sociedade, toda outra forma é destrutiva e dificilmente poderá se sustentar, mas os limites da força são hoje assustadores: as possibilidades nucleares e o uso de máquina “inteligentes”.
Apostar no confronto e no conflito mostrou-se no passado de duas guerras e de várias guerras coloniais desastroso e insustentável, e num futuro mais próximo aquele que levou ao poder os líderes mais violentos e truculentos.
Em tempos de pandemia, e já com um futuro visível de uma vacina, poder-se-ia pensar um total desarmamento e quem sabe com os bilhões gastos em guerras teríamos fundos para reativar as economias e os perigos de um futuro sombrio poderiam ser afastados.
As lições sobre a não-violência e a solidariedade ainda não forma aprendidas, nem na luta comum contra a pandemia, embora sempre permaneça uma esperança por alertas tão claros e definitivos.
O mal e a crise do humanismo
O idealismo continua a defender seu ideário de Estado, de Ética (moral e virtudes são outras coisas, por exemplo, acabar com as corrupções), agora defender as nações, um Estado mais forte (esquerda e direita no fundo desejam isto) e por isto pode-se falar do zoon politikon, o animal político de Aristóteles, é preciso então entender o que é o animal político.
Há duas condições que pode não tornar-se político: ser degredado (diríamos hoje excluído) ou ser sobre-humano (ou divino, assim de ordem superior as leis e regras humanas).
Esta é a primeira premissa para entender “Regras para o Parque Humano – uma resposta à Carta de Heidegger sobre o Humanismo”, não se trata por tanto de ver o homem como “bicho” do zoológico, mas como animal “natural” porém que seu humanismo encontra-se em cheque.
A polêmica que seguiu-se a sua palestra no castelo de Elmau, na Baviera, significava que a tentativa (desde as escolas de Platão e Aristóteles) de programar a história e o humanismo por meio de uma engenharia social faliu, outro tema importante é a questão da “domesticação”.
A domesticação também não é nova, o filósofo recebeu de uma influência direta de Nietzsche, e Foucault também tratou o tema, sua proposta na Conferência que depois virou livro, era a de inverter a prioridade de Heidegger da dimensão ontológica sobre a ôntica (Sloterdijk, 1999,).
A polêmica causa é porque o filósofo se perguntou se não passaríamos da fatalidade “do nascimento ao nascimento escolhido e seleção pré-natal” (Sloterdijk, 2000) que foi o ponto principal da polêmica tentando mostrar isto as ideias nazistas e fascistas do período da guerra.
As questões de manipulação genética, que na Alemanha sofreram restrições rigorosas até 2002 e a liderança da Escola de Frankfurt por Haberrmas foram o pano de fundo desta polêmica, porém o fundamental que é o humanismo de Heidegger e Levinas, tema da conferência de Elmau é um aspecto principal, esquecido por muitos comentaristas, pois o humanismo está mesmo em crise.
Quanto a resposta de Sloterdijk, ele próprio retorna ao tema de em Esferas I de forma diferente ao falar de manifestação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, afinal o homem veio da Terra até mesmo pela metáfora bíblica, assim do inorgânico barro Deus “soprou” as narinas e introduziu o espírito, gostem ou não, o tema é metafísico e não religioso, e se algo aórgico acontecer.
Hora não será a primeira vez na história, o homem veio depois dos céus, da terra e das águas, novamente também nas diversas cosmogonias (mesmo não cristãs) e também a própria terra já teve outras manifestações, como a que eliminou os dinossauros, porque uma nova não pode ocorrer, e ela nos ajudar a enfrentar a crise de época (ou civilizatória) que enfrentamos.
O tempo é diferente do nosso, o cometa volta depois de 6.800 anos a nos visitar, nem registro dele tínhamos, e quando voltar depois de outros 6.800 anos o que encontra, só Deus sabe, afinal neowise significa “agora”.
SLOTERDIJK, P. Regras para o Parque Humano – resposta a Carta sobre o Humanismo de Heidegger, São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
O mal civilizatório, além do simbólico
Já comentamos em um post o “Mal simbólico”, obra de Paul Ricoeur que deve ser lida em conjunto com “O mal: um desafio à filosofia e a teologia e“, o mal simbólico existe e pode se tornar estrutural, porém numa boa leitura da filosofia significa tornar-se um vício pessoal ou social, assim como a virtude também.
O filósofo Aristóteles diz que a virtude se adquire pelo hábito, se pratica de novo e de novo, até que ela torna-se atitude natural ou social se muitas pessoas a praticam, quando os valores sociais e humanos se confundem o mal se difunde, e assim uma sociedade ou civilização entra em ruina.
Voltar as virtudes é voltar as nossas raízes como seres humanos, por isto não se trata de maniqueísmo, uma luta perene entre bem e mal, porém se o mal simbólico se instala é preciso que retornemos a nossa raiz mais profunda como seres humanos, o fato que quase toda a filosofia contemporânea reconhece um mal estar civilizatório, na psicologia Freud (Freud, 1969) e de Jung (JUNG, 1988), até contemporâneos como Sloterdijk e Byung Chull Han, quase todos também nesta pandemia alertam para atitudes numa crise civilizatória.
Numa leitura rápida de Freud, com a possibilidade de ser um tanto superficial, o mal estar da civilização está igualado ao da cultura, afirma o autor que existe uma dicotomia entre os impulsos pulsionais e a civilização, ou seja, os indivíduos e a sociedade, assim o bem da civilização o indivíduo manifesta em pulsões e vive um mal-estar.
Já Jung aponta para a massificação do homem ocidental, esmagado pelo Estado, e sobre a defesa que cada um tem buscando através da própria personalidade ou da atitude religiosa.
A obra de Morin desde a década de 70 está toda vinculada a ideia de um novo humanismo, e este texto específico sobre o assunto, ele aprofunda o que considera uma ética necessária a este retorno ao humanismo, sua obra essencialmente aponta para os fundamentos perdidos, a instituição do método complexo e uma visão de uma cidadania planetária, nesta texto sobre a responsabilidade pessoal de cada um.
O que Morin, Freud e Jung apontam é a responsabilidade pessoal não pode e não deve depositar nas estruturas sociais, sejam boas ou más, as responsabilidades de cada um.
FREUD, S. O mal-Estar na civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
JUNG, C.G. Presente e futuro. Petrópolis, Vozes, 1988 (tradução Márcia Cavalcanti).
MORIN, E. “A ética do sujeito responsável”. In: Ética, solidariedade e complexidade. São Paulo, Palas Athena, 1998.
A pandemia mudou a consciência humanitária ?
Em seu livro Ciência com consciência, Edgar Morin lançou a pergunta: “A aventura científica nos conduz à catástrofe ou a um mundo melhor?”, substituímos saberes espirituais e populares e, entretanto, não conseguimos evitar guerra, combatemos uma pandemia, mas e nossa relação humanitária irá melhorar? Quis acreditar que sim, mas parece que não.
Chegamos no Brasil ao prolongamento do Platô, que anunciamos desde o início de maio (post), mas só agora as grandes mídias e as organizações mundiais a reconhecem, e não deve cair até que o platô se estenda por todo território nacional, o que já está acontecendo, vai até o final de julho.
Muitas reflexões surgiram sobre melhorar as relações em família, e muitas melhoraram, diminuir o ritmo acelerado da vida moderna, até diminuiu, mas poucas pessoas parecem dispostas a um novo estilo de vida, a um “novo normal”, a maioria quer voltar a vida anterior: festas, consumo e vícios.
É claro a pandemia apenas acelerou o que já estava em curso, famílias com dificuldades, com a forçada convivência diária pioraram, mas aquelas que não encontravam tempo, agora tem tempo, ajudar as tarefas diárias, mudar a lógica dos relacionamentos polarizados e encontrar o Outro.
Fizemos várias postagens na semana que passou sobre o bem, indicando que sua fragilidade (a filósofa Martha Nussbaum escreveu um livro sobre isto no pensamento na filosofia clássica), mas a fragilidade do bem é diferente da frivolidade, não é nem fútil nem superficial.
Tanto ainda é possível mudar a tendência da pandemia por uma maior consciência e cuidados com a pandemia, como também é possível (antes que seja tarde) a consciência dos problemas sociais e que são de fundo humanitários, respeito aos direitos, a diversidade de opiniões, raças e credos, etc.
Imaginamos que poderia ser mais curto o ciclo da pandemia, e também que o vírus se atenuaria ou outras falsas visões sobre uma pandemia, antes mesmo há quem acredite que ela não exista, no entanto o problema humanitário de fundo é o mais grave e para ele a consciência deve atentar.
Vale a máxima da fenomenologia não existe consciência num sentido abstrato, embora o “mal simbólico” possa criar bolhas nas quais alguns grupos sobrevivem, este é o perigo de uma consciência abstrata não fenomênica, a consciência a pandemia pode nos ajudar a melhorar a nossa percepção e sensibilidade do problema humanitário, que já é epocal (transição de épocas) e poderá tornar-se civilizatório, como riscos de uma desumanização ainda mais grave.
É possível uma mudança que comece a partir de cada atitude, de cada ação pessoal sobre os grandes problemas e cada um deles exige uma consciência fenomenológica, isto é, a dirigindo a interação a aquele problema com seus contornos, limitações e fragilidades.
Podemos inverter a curva humanitária, mas o tempo urge e a pandemia o acelerou.
O mal estrutural e simbólico
Estando claro que não se trata da luta do bem contra o mal, mas a ausência do bem ou a banalidade do mal, existe então uma noite no ocidente que não pode ser desvelada se ficamos na superficialidade ou na “frivolidade” como apontam alguns autores, o bem é frágil, mas não frívolo.
Para entender o problema do “mal simbólico” tratado por Paul Ricoeur, deve-se olhar suas bases na fenomenologia eidética de Husserl e na filosofia existencialista de Gabriel Marcel, sua busca é o que dá sentido à liberdade (a visão moderna do livre-arbítrio) e a relação de reciprocidade entre a experiência voluntária e involuntária humana, isto é essencial para entender o mal simbólico.
A aparição original da questão da consciência (de algo) vem da ligação que Franz Brentano faz ao retomar a subcategoria intencionalidade, que rompia a identificação cartesiana entre consciência e autoconsciência, onde intencionalidade revela-se primeiro voltada ao exterior e assim está projetada para fora com orientações objetivas que vão desde a percepção e imaginação até a vontade, a afetividade e a apreensão de valores (destaca-se a empatia).
O que é voluntário e involuntário depende desta “grande tese”, enquanto Husserl operava na consciência à análise da percepção e dos atos “representativos”, Ricoeur alargou para as esferas do afeto e da vontade.
Assim o que é voluntário está na alternância entre o impulso vibrante da emoção e o ponto de vista do hábito, enquanto o involuntário “absoluto” (simbólico ou estrutural) fica sob aquilo que chamou de caráter (não no sentido moral, mas no de “característica”).
O ponto de apoio que tem na filosofia existencialista de Gabriel Marcel, sem abandona a “análise eidética” é a problemática de um sujeito capaz de distanciar de desejos e poderes, dono de suas ações (e assim voluntárias) e servo das necessidades do inconsciente, o caráter, zona não revelada na consciência real e na vida, embora pareça fica fora das competência do concreto, do histórico, ou do que chama de ocasião, é o reino empírico da vontade, vista em três momentos.
A primeira é a decisão humana resultado de um projeto para o mundo (aquilo que Heidegger mudará para visão de mundo), a ação comporta tanto a dimensão de um projeto com os outros no mundo, como pessoal ou subjetiva, entretanto não as separada e chama-as de corpo, e o corpo é visto tanto como voluntário quanto involuntário, mas há um “consentimento”.
Assim Ricoeur mostra os exageros do idealismo, e torna o “hábito” de tal forma a habitá-lo e torná-lo habitável, e o que o autor aponta que o homem pode falhar (sua obra O homem falível, da década de 60), e a culpa constituída e à consciência dela são expressas nos símbolos da cultura.
Afirma importância da linguagem mítica para tratar esta simbólica, assim a parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-29), que afirma que a semente “boa” do trigo floresce junto com o joio (que deverá depois ser descartado), há três situações: a semente que cresce, a que é sufocada pelo joio (simbolismo do mal) e a que cai entre as pedras e não tem raízes (o caráter de Ricoeur seria isto).
RICOEUR, Paul. A simbólica do mal (H. Barros & G. Marcelo, Trad.). Lisboa: Edições 70, 2013 (Original publicado em 1960).
O razão e o mal
Para demonstrar duas verdades, Agostinho de Hipona escreveu longas páginas no seu livro “Sobre o Livre-Arbítrio”, praticamente todo o livro II (do capítulo 3 ao 17), onde conclui que todos os bens procedem de Deus, inclusive o livre-arbítrio, e questiona se este bem deveria ser dado ao homem.
Tanto Agostinho (De Trinitate) como Boécio (Opuscula) defenderam a cooperação entre fé e razão, porém será na Alta Idade Média que Tomás de Aquino e também Duns Scotto, em correntes diferentes (realista e nominalista) defenderão que o uso da razão é complemento da fé.
Enquanto Tomás de Aquino vai defender a distinção entre Ser e essência, Scotus vai elaborar a lei da analogia, que afirma que não podemos conceber o que é ser algo sem conceber este algo existindo realmente, assim uma coisa que existe (si est) é o que ela é (qui est).
O importante tanto em Tomás de Aquino quanto em Duns Scotto é a complementaridade entre fé e razão, assim a ideia que Descartes, Kant, Leibniz e Hobbes sejam herdeiras dele é muito simplista, o que vai acontecer é a substituição dos argumentos da fé, por argumentos racionais, o fato que sejam importantes, isto deve ser estudado a partir dos aspectos ontológicos.
Assim, o argumento ontológico foi retomado por Franz Brentano, incorretamente chamado de neo tomista, pois apenas retoma uma sub categoria do “ser” que é a consciência, a hermenêutica e a fenomenologia que é retomada a partir dele, e terá desenvolvimento em Husserl, Heidegger e Gadamer é uma filosofia ontológica, tendo em comum a questão metafísica do Ser.
Hanna Arendt e Paul Ricoeur que vem destas correntes retomam a questão do “mal”, mas as questões da razão e toda a literatura moderna é analisada (Descartes, Kant e Hegel).
A luta do bem contra o mal, fragilidades do bem
O mal em Agostinho de Hipona no livro VII das Confissões, é ausência de bem, assim como todo o universo é ordenado, ainda que agora descobrimos um universo com energia e massa escura, buracos negros, seminovas e galáxias sumindo e aparecendo, e muitas leis novas na astrofísica, ainda assim, há uma hierarquia, onde algumas coisas sobressaem as outras, e é para isto que Agostinho chamou a atenção, e já havia em Agostinho a questão do livre-arbítrio.
Mas uma lição dura mesmo para religiosos como Agostinho, que abandonou a filosofia de maniqueu, é a luta do bem contra o mal, e isto ainda domina parte do dualismo filosófico, onde ser inferior não é ser do mal, há coisas boas inferiores e coisas más superiores, assim o importante é a perda de sentido do que é bom ou mal, aquilo que Hanna Arendt chamou de “A banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999), assim alguém pode fazer algo “inferior” sem ser “mal”.
Assim há dicotomia entre a “luta” pelo bem e a “guerra”, trabalhar e lutar pela vida, ou eliminar o adversário.
Aqueles que querem dar a vida o puro deleite, ou que afirmam que há sentido numa vida bem vivida é o de sermos “produtivos” e “ativos”, inspirados no mitos como um QI superior ou herança fortuita (fortuna no sentido grego é diferente, é destino), mesmo que isto seja feito por meios opressores, indo até o argumento racial, que é o mais repugnante de todos, mas de onde vem estes mitos da “guerra”, do “vencedor” que se confunde com o opressor?
Um dos grandes mitos que surgem desde a antiguidade é Ulisses de Odisséia e Ilíada (cantos VIII da Odisseia e IX de Ilíada), que significam um símbolo da capacidade do homem de superar as adversidades, embora exista o personagem Odisseu (o nome em grego de Ulisses), seria nascido em Ítaca, filho do rei Laerte, que reinou em Anticléia.
Embora Ulisses de James Joyce escrito de 1914 a 1921, fala de um personagem Leopold Blum, considerado pelo autor um homem moderno que é ao mesmo tempo forte e fraco, cauteloso e precipitado, herói e covarde, numa tentativa de criar um ser humano representante da humanidade, no entanto, é na verdade o herói solitário moderno, um dom Quixote requintado.
A contextualização do herói épico grego e o “herói” moderno são, entretanto, diferentes, assim para ler Ulisses de Joyce é necessário quase um roteiro, que inclusive foram feitos alguns.
Foi o psicólogo Carl Jung que chamou a atenção para o aspecto de “monólogo” do Ulisses de Joyce, embora pareça um homem “comum”, é um homem só e sua “luta”, alertou Jung: “O que é tão assustador em Ulisses é o fato de, atrás de mil véus, nada ficar escondido; de não estar virado nem para a mente nem para o mundo, mas, tão frio quanto a lua vista do espaço cósmico, permite que o drama do crescimento, do ser e da decadência siga o seu curso”, eis um mito moderno.
Os heróis que apareceram na pandemia, não são heróis de “guerra” nem mitos imortais, eles próprios não estão imunes da pandemia e convivem com o medo, e até o isolamento familiar, o que deveriam pensar é a vida que vale a pena ser vivida por todos, pelo planeta e pela saúde.
JUNG, Carl Gustav. Ulysses: A Monologue, UK: Haskel House, 1977.
A questão do Mal na História
Um filósofo hermeneuta Jan Patocka, é citado por Ricoeur, ainda que não seja diretamente ligada ao mal, pode dar origem socrática da questão da questão do mal: “A perda de ´sentido´não é a queda no ´não-sentido´, mas o acesso à qualidade do sentido implicada na própria busca. Jan Patocka reencontra, assim o tema socrático do ´cuidado da alma’ e da ‘vida examinada’ “ (Ricoeur, 1999, p. 16), está no prefácio do livro de Jan Patocka “Ensaio heréticos sobre história da filosofia”, sem tradução para o português.
Platão elaborou o Sumo bem, que na verdade é a elaboração de uma ética, o Bom e Belo devem ser buscados pelo sujeito moral para harmonizar-se interiormente, e ter consciência do Bem, neste sentido que que pode ser pensado o cuidado da alma e a vida examinada de Sócrates.
Aristotéles elabora sua famosa Ética a Nicômaco, onde explora a ideia de busca da virtude, assim o homem natural não é bom, é pela pratica das virtudes que ele torna-se bom, mas tanto em Platão como em Aristóteles esta virtude tem o sentido social, embora se confunda com o moral, não o é.
O sentido de Mal moral, no sentido de vícios da alma, está elaborado em Agostinho de Hipona, no livro VII intitulado “A ideia de Deus e a Origem do mal”, o mal é a ágape desordenada (diferente da filosofia do eros e da filia), assim é na ausência da escolha de coisas superiores para escolha das inferiores (este é o sentido mais profundo do ágape), que aderimos aos vícios, e desarmonizamos.
Embora o tema possa ser encontrado em vários autores medievais, como Tomás de Aquino e Duns Scotto, o sentido de mal é aprofundado no sentido teísta e o filosófico fica ligado a Ética de Platão, permanecendo a ideia da virtude, trabalhada em torno da Ética de Aristóteles, escreveu Tomás de Aquino: “A virtude designa certa perfeição da potência“, (Suma Teológica, Iª seção, IIª parte, q. 55 a.1).
Na modernidade é Paul Ricoeur que retoma a questão no seu livro “A simbólica do mal”, porém é na delicada passagem do Renascimento a Modernidade que é aprofundada e confundida a distância entre o mal moral e o ético, como se fossem o mesmo, deixando a virtude de ser pensada.
RICOEUR, P. Prefácio a PATOCKA, J. – Essais hérétiques sur la philosophie de l’histoire. Trad. Erika Abrams, Lagrasse: Verdier, 1999.
Uma pandemia com muitos focos
Embora os grandes centros, São Paulo e Rio de Janeiro em especial, registrem quedas de número de infectados e de mortes, a pandemia se interiorizou e chega agora ao mais interior do país, que inclui pequenas cidades pobres, aldeias indígenas e regiões de pouco acesso sanitário.
O gráfico geral mostra uma estabilização em torno das 1200 mortes diárias, mas nem significa o controle da doença, nem qualquer indicativo de queda, já que a expansão para o interior e áreas carentes podem causar novas explosões, isto aliada a uma política de abre e fecha sem critério.
Apresentamos o gráfico geral acima apenas para indicar um gráfico geral, pois a política sob a responsabilidade dos governos regionais e prefeitos (foi determinada pelo STF) não permite dizer que haja uma política nacional de combate, embora as secretarias regionais de saúde se comuniquem e os governos façam leis estaduais, como a que obriga o uso de máscaras, havendo algum controle regional.
Um outro assunto polêmico é o uso de medicamentos, a hidroxicloquina, a polêmica inicial, e agora azitromicina, ivermectina e nitazoxanida não são recomendadas por critérios médicos, os medicamentos no fundo são ministrados caso a caso, por exemplo, para quadros infecciosos, sintomas depressivos ou os problemas respiratórios que são agudos, mas cada paciente pode ter ou não quadro que impeçam o uso de determinado medicamento.
No plano internacional algumas medidas sobre a debilidade econômica começam a ser pensadas, como socorrer os desempregados, como articular planos de ação conjunta entre países, que o grande bom exemplo é o da zona do euro.
As medidas preventivas devem continuar por longo tempo, que prefiro chamar de distanciamento social, porque a flexibilização já é crescente e pouco controlável, usar máscaras, manter uma certa distância em transportes, caminhadas mesmo considerando que são feitas em áreas arejadas são necessárias e fazem parte da chamada nova normalidade, basta ver os países saíram do pico.
No plano social medidas devem ser pensadas não apenas nacionalmente, mas mundialmente porque também as tensões de mercados podem se agravar e este enfrentamentos podem piorar as crises internas de cada país.
Olhar sem ver, ouvir sem entender
A pressa, a vida agitada, a ansiedade nos tornaram insensíveis no dia a dia, no plano social reina a teimosa, onde o terceiro incluído não tem vez, segue a lógica do Verdade e Falso, que é válida para o mundo dos equipamentos digitais, mas não deveria ser na lógica do pensamento humano.
O terceiro incluído de Barsarab e Stefan Lupascu, está também nos princípios quânticos e aos poucos vai chegando aos dispositivos físicos digitais (agora quânticos), e já se realizaram algumas experiências avançadas de teletransporte (veja o artigo), que expande o conceito para o espaço, pode-se ir de A para B, sem passar pelo terceiro intermediário, que introduz a descontinuidade.
Mas a lógica social, humana e política continua binária, maniqueísta e leva paulatinamente a um confronto num momento que as forças sociais deveriam se unir pelo inimigo comum que é o vírus e as consequenciais que ele trará socialmente, lembramos que da gripe espanhola seguiu-se as duas guerras, apesar de inúmeros avisos de pensadores e filósofos sensatos, a místicos.
Como diz Morin (veja a palestra) parece que caminhamos como sonâmbulos às escuras, o processo que poderia corresponder a uma solidariedade mundial caminha ao contrário, queremos incluir mas excluímos, amamos só os iguais, o conhecimento tornou-se obscuro.
Seguem as palavras bíblicas, como está em Isaias (6: 9): “Havereis de ouvir, sem nada entender, havereis de olhar, sem nada ver … porque o coração deste povo se tornou insensível”, e mesmo em tempos de dificuldades mundiais parece que a insensatez perdura.
Diz o evangelista Mateus sobre seu tempo, mas que também serve para o momento atual (Mt 13: 16-17) Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram”, mas pode-se ainda abrir o ouvido e mudar a rota.
É tempo de conscientização mais profunda para quem deseja mudanças, e de ouvir de modo mais atendo os sinais dos tempos para os que creem e sabem o reino de Deus na terra há de vir.