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Arquivo para a ‘Cognição’ Categoria

In-formar, vincular e o simbólico

15 nov

O que faltou no texto da Crise da Narração, também tem algo equivocado na “Infocracia: digitalização e a crise da democracia na filosofia” (Vozes, 2022), a ideia que a informação é em si incompleta, está presente em outro livro intitulado de Byung-Chul Han “Vita Contemplativa” (Vozes, 2023), porque ali retornando ao ser pode- se encontrar como a forma se torna narração no interior do ser, e se in-forma.

Diz um trecho deste livro: “A perda do sentimento compartilhado acentua a falta do ser. A comunidade é uma totalidade mediada simbolicamente. O vazio simbólico narrativo leva à fragmentação e à erosão da sociedade.” (HAN, 2023, p. 91-92). (grifo nosso)

Assim reconhecendo esse aspecto da necessidade do ser enquanto um vazio simbólico, que a narrativa contemporânea em geral não contempla por seus vícios informacionais, ao mesmo tempo afirma o autor: “O ser humano, como symbolon, anseia por uma totalidade sagrada e restauradora” (pag. 92).

O termo symbolon aparece em destaque porque o autor usa-o a partir de uma leitura de O Banquete de Platão, onde Aristófanes lembra que este pedaço partido do ser, que para ele inicialmente era esférico e foi partido, tem este pedaço partido com um “symbolon”.

Ora se símbolo é uma parte, unido a outra parte formamos uma totalidade, não apenas numa comunidade, mas em toda “totalidade sagrada e restauradora”, ali onde há homens unidos por uma causa boa e justa.

A narrativa e a informação neste contexto, onde a parte está unida, com dizia um princípio importante defendido por Edgar Morin: “É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, assim união de “símbolos” distintos e que fazem parte das culturas e povos contemporâneos.

Assim o in-formar ontológico (próprio do ser) ligado ao contexto da narração em seu tempo e objeto de pensamentos dentro de uma diversidade, não são razão para fragmentação e sim para um universo que nos une e faz mais “inteiros” dentro de nossas comunidades.

A hiperatividade contemporânea, que não só, mas também o mundo digital pode nos levar é ela própria um mundo que rejeita a interiorização, a meditação e assim, a própria narração.

Escreve o autor sobre esta interioridade: “A vida activa, com seu pathos da ação, bloqueia o acesso a religião” (pag. 154), a ação faz parte da vida religiosa tanto quanto da vida leiga, o que diferencia é que além da prudência, nossas reflexões da semana passada, podem levar a uma ação diferencia, justa e que leva a uma felicidade e plenitude diferente da pura “ação”.

Pathos, esclarecendo, faz parte da tríade grega “ethos, pathos e logos”, enquanto o ethos nos persuade pelo caráter, ou por quem narra, se este é digno de fé, o logos nos persuade pela razão lógica (ampla) e o pathos pelos sentimentos causados de tristeza ou alegria, amor ou ódio, e assim muitas vezes sem passar pela razão e pela ética.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Unitas multiplex, redes e as bem-aventuranças

03 nov

Entre os principais conceitos desenvolvidos por Edgar Morin estão o dasein cósmico (parecido ao Dasein heideggeriano mas expandido ao cósmico e semelhante ao Cristo Cósmico de Teilhard Chardin), a hominização e a identidade humana, que também se liga a antropolítica, porém um conceito fundamental e novo é o Unitas Multiplex.

Segundo Jean Ladriére, Unitas Multiplex é “um sistema é um objeto complexo, formado de distintos componentes unidos entre si por um certo número de relações”, e isto tanto combina com o conceito de redes sociais (não mídias) como de complexidade de Morin, e aqui vamos estabelecer um conjunto de relações com as virtudes bíblicas das bem-aventuranças.

Num sistema complexo um certo número de relações pode estar rompido, aquilo que nas redes sociais são chamados “buracos estruturais” (Burt, 1992), os laços fracos (Granovetter, 1973) e os mundos pequenos de Watts (Watts, 1993).

Um sistema representado como uma rede social é uma estrutura que liga os nós (forma um grafo matemático), geralmente cada destes nós são pessoas, e ligações entre nós, representando relações entre essas pessoas (GRANOVETTER, 1973).

Para Granovetter pontes são os links que possibilitam laços fracos, aqueles que estão na periferia da rede ou que são alcançados apenas por alguns nós.

Mas nem a teoria das redes e a do unitas multiplex estabelecem as virtudes que possibilitam maior contato entre este nós, e como todos estes nós podem ser alcançados, falar de empatia e laços de solidariedade é pouca coisa, as bem aventuranças bíblicas podem ajudar.

Jesus sobe a um monte e fala para uma multidão de pessoas, não só os discípulos mas todos que os que querem ouvi-lo (Mt 5,3-12):

“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. [os laços fracos]

Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. [os laços fortes]

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. [a empatia]

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.  Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! 

Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 

Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” [manter a rede unida ao corpo místico ou ao “dasein cósmico”].

Parece heroico, ou utópico, mas se queremos uma Terra-Pátria de paz é uma boa receita.

 

BURT, R. S. The social structure of competition. In: NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. Networks and organizations: structure, form and action. Boston: Harvard Business School, 1992.

GRANOVETTER, M. S. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, May 1973.

WATTS, D. J.Strogatz, S. H. “Collective dynamics of ‘small-world’ networks” (PDF), NATURE, Vol 393, 1998. 

 

A modernidade e Deus

22 ago

Se é verdade que o discurso religioso de nossos dias atuais beira a insanidade, é verdade também que aquilo que a modernidade pensou e pensa de Deus é praticamente desconhecimento de presença na literatura não cristã.

Nascido de família de pastores luteranos Nietzsche não falou da Morte de Deus como pensam sua leitura rasa, não leram a Gaia Ciência onde o filósofo proclama “O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’?” e pode-se ler mais a frente: “Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós?’” está no §125.

Buscou na filosofia do oriente: Assim falou Zaratustra a mística perdida, mas sua obra o Nascimento da Tragédia tem passagens marcantes onde mostra a necessidade de compreensão desta forma de entender a vida, onde faz estudos sobre o apolíneo e o dionisíaco, onde o capítulo 5 se acredita que é de onde parte Heidegger para escrever a Origem da Obra de arte. 

Da Influência de Husserl nasceram as filosofias de Heidegger e Edith Stein, que depois se tornou mística, sendo judaica se tornou cristã e foi mártir na Alemanha Nazista, ainda sobre a influência de Heidegger está Hannah Arendt, cuja tese de doutorado é “O amor em Santo Agostinho”, ainda que existam lacunas que seus contemporâneos atestam é uma boa leitura.

De Hannah Arendt nasceu as meditações sobre a Vitta Activa e Vitta Contemplativa, que o filósofo contemporâneo Byung Chul Han vai retomar em sua Sociedade do cansaço, não deixando de tocar na filosofia cristã de São Gregório de Nazianzo (ou Nazianzeno).

Ele foi fortemente influenciado por Peter Sloterdijk, que apesar de seu ateísmo, em todas suas obras a marcas profundas do conhecimento do pensamento cristão, reivindica o profeta Jonas para dizer que todos nós temos uma baleia (Jonas ao recusar sua missão foi devorado por uma baleia e devolvido a praia) e um pouco de Jonas, recusa a nossa missão neste planeta.

Byung Chul Han faz um diagnóstico muito atual, ele acrescenta que a “perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas á própria realidade, torna-se vida humana radicalmente transitória” (Han, pag. 42).

Isto não é um problema a parte, é parte essencial do pensamento moderna, recusa do essencial, adoção do transitório, vida fugaz e frívola e de prazeres passageiros e ex-tásicos (extase, está fora, também pode ser transe).

HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017

 

Limites e importância do testemunho

11 ago

Os homens que deram grande virada na história e que fizeram a diferença em seu tempo foram aqueles cujo testemunho influenciou e muitas vezes mudou o rumo da história, o que parecia inevitável foi evitado, o que parecia perdido foi esclarecido.

Não significa que não pensaram e raciocinaram, mas que testemunharam e viveram primeiro.

Mahatma Gandhi desencadeou uma desobediência civil em seu país a Índia, para incentivar a luta pela independência do país da Inglaterra, em 15 de agosto de 1947 foi conquistada com a violência sendo praticada apenas pelos colonizadores ingleses.

Todos conhecem a luta pacífica de Martin Luther King, porém foi o gesto de uma mulher negra que desencadeou sua luta, a mulher chamada Rosa Parks, que no Alabama, em 1º. De dezembro de 1955 se recuou a ceder o lugar no acento de um ônibus a um homem branco, foi presa e obrigada a pagar uma fiança de U$ 14,00.

Nelson Mandela depois de sair da prisão, e liderar o fim do regime racista do “apartheid”, em 1994 torna-se o primeiro presidente negro da África do Sul, ao invés de se “vingar” dos brancos propõe uma nova atitude, contrária a dos dominadores e recria a África do Sul com tolerância racial e os presidentes que o seguiram foram todos negros, numa demonstração que venceu a luta e desarmou seus perseguidores.

Se fala do milagre dos pães, mas o mais importante segue depois na narrativa bíblica em Mateus 14, 22-24, havia despedido a multidão que comera os pães, os discípulos subiram na barca e Jesus retirou para orar sozinho, depois foi caminhando até os discípulos sobre o mar.

Os discípulos assustam com esta imagem, dizem “é um fantasma”, mas Ele diz: “sou Eu”, Pedro também quer andar sobre as águas, Jesus o chama, mas ele afunda, fraco na fé, o testemunho não só requer verdade e vivência, mas também uma crença no sentido religioso e não pode ser distante dela.

Mais do que o milagre dos pães que sacia o corpo, Jesus quer o milagre da fé, que sacia a alma.

 

A clareira, o desvelar e Ser

04 ago

A clareira é um pequeno espaço com luz que se abre no meio da floresta, Heidegger faz a definição no sentido filosófico assim: “O destino se apropria como a clareira do ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do dar lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimentar e assumir esse morar” (Heidegger, 1979), neste sentido o ser se apropria de um “morar” verdadeiro e eterno.

A clareira é então o lugar do desvelar do Ser, em sua temporalidade de ex-sistente ele experimenta, por sua condição finita, um morar agradável e sensível, quase eterno, no entanto temporário como ente.

Então a clareira parte da condição humana, e não é apenas a Teofania divina, entretanto a narrativa bíblica dá ao Jesus humano e temporal em um momento específico no monte Tabor, já postamos algo sobre o tema, mas no sentido da ascese da alma, aqui deseja-se completá-la num desvelar.  

Conforme postamos anteriormente, é possível tanto um revelar quanto um desvelar humano, no primeiro caso uma compreensão temporária que se re-vela (esclarece, mas permanecem dúvidas novas) e o desvelar, muitas vezes parcialmente incompreensível ao ser humano por sua finitude cognitiva ou uma ascese mística cujos detalhes são muitas vezes de difícil comunicação pela ausência de palavras ou metáforas apropriadas, como uma obra de arte.

Na narrativa bíblica é no Monte Tabor onde ocorre uma Teofania, não foi no batismo de Jesus e nem nos milagres que ela aconteceu, ao subir o monte Jesus leva três discípulos mais próximos: João, Pedro e Tiago e diante dos olhos deles se transfigura e aparece ao lado de Moisés e Elias, diz a narrativa (Mt 17. 2-3):

“E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus”. 

Os apóstolos sentem a “clareira” e querem ficar ali e construir três tendas, depois uma nuvem os cobrem, como no tabernáculo de Moisés, ouvem uma locução divina e prostram o rosto por terra, Jesus os acalma e quando levantam os olhos veem apenas Jesus e descem a montanha.

Para os que não creem a narrativa bíblica é imaginária, mas ajuda a entender o desvelar.

 

HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.

 

A noosfera e a cultura oral

06 jul

O período da cultura oral predominava antes de 3.000 a.C., embora tenham existido escribas no Egito, a escrita cuneiforme na Mesopotâmica e Babilônia antiga, também havia escrita na China Antiga e também nas civilizações originárias das américas: maias, astecas e incas.

A forma de divulgação da cultura e, portanto, da evolução da noosfera foi através de profetas e oráculos, cuja função principal era a transmissão da cultura oral e precede ao ensino letrado e filosófico, até que temos uma virada mais notadamente na cultura Greco-judaico-romana.

Em termos bíblicos, de acordo com relatos do Gênesis, usando genealogias apresentadas na bíblia podemos dizer que tem no mínimo 6 mil anos, porém se percebemos a narrativa, Abel era pastor e Caim era agricultor, então esta narrativa começa no momento em que o homem se torna mais sedentário e o processo civilizatório torna-se mais claro, o fato de Abel ser pastor é simbólico para a linguagem bíblica.

Se este é um fato sem comprovação histórica e também Noé e o dilúvio ainda sejam uma eterna busca de documentação, porém seus filhos Sem e Cam já podem ser encontrados na história, uma vez que os povos semitas e camitas estão registrados na história, e Jafé que devia habitar nas tendas de Sem.

Os semitas foram o alvorecer das culturas mesopotâmicas com o auge na Babilônia (1792–1000 a.C.) e que depois foram dominados pelos persas.

Os profetas e os oráculos serão fundamentais nas culturas antigas, eles deviam ter certa iluminação “divina” para que a história não se corrompesse e os costumes fossem alterados.

Segundo o Gênesis 11, do Dilúvio até Abraão passaram cerca de 292 anos, e do nascimento de Abraão ao estabelecimento de Jacó no Egito passaram cerca de 290 anos, ´de Abrão até a vinda de Cristo são cerca de 2 mil anos, e então começa uma era da cultura escrita, e assim surgem os evangelhos enquanto na Grécia antiga as escolas Socrática e Platônica, já que sabemos de Sócrates através de Platão e depois a escola Aristotélica, período que as escolas e escritas se fixam.

Não se trata de superar a cultura oral, mas ela aparece junto com a escrita, os livros manuscritos, que depois se tornarão famosos pelos monges copistas, este período é chamado scriptorium.

A cultura oral permanece junto a povos originários, também entre povos africanos, a escrita impressa será uma conquista da modernidade, assim falar de escolaridade é falar de modernidade, e agora estamos em nova transição devido a novas mídias.

 

Vaidosos e humildes

21 jun

A palavra vaidade tem sua origem no termo latino, vanus, que quer dizer vão, vazio.

Em geral, diz-se que o contrário de vaidade é modéstia, simplicidade, porém é confundir vaidoso com orgulhoso, o orgulho imagina que todos depende de sua presença e qualidades, porém o vaidoso precisa de bajuladores e subservientes.

Prefiro dizer que o contrário de vaidade é humildade, que vem de húmus, adubo do qual brota a fertilidade, o humilde sabe de suas deficiências e por isto cresce em sua pequenez e atinge mais sabedoria que o vaidoso que tem dificuldade de ver suas limitações.

A razão da confusão da palavra humildade é que existe um superlativo absoluto sintético que é humílimo, este sim indica condição baixa, obscuridade e pobreza, mas veja é seu superlativo, ou seu exagero, o humilde sabe que tem também qualidades.

Sempre é possível a correção mútua para o crescimento, o vaidoso não sabe disto, como diz Exupéry: “mas o vaidoso não ouvi. Os vaidosos só ouvem elogios”.

Por isto o vaidoso, próprio de nosso tempo, gosta do consumo da liberdade plena sem restrições, Byung-Chul Han em sua análise do poder psicopolítico afirma: “Hoje, o poder assume cada vez mais uma forma permissiva. Em sua permissividade, ou melhor, em sua afabilidade, o poder põe de lado sua negatividade e se passa por liberdade.”

A fácil reconhecer os vaidosos: gostam de sentar na primeira fila, são sempre arrogantes em suas verdades e posições, não olham para o Outro e para o lado, e no caso das religiões acham-se santos, privilegiados ou unicamente amados pelo divino.

Qualquer literatura cultural ou religiosa demonstra que isto é uma fonte de erros e uma estagnação no desenvolvimento das pessoas e da sociedade, é o inverso do processo civilizatório, pois é a incapacidade de corrigir rotas e erros.

 

Afastar o medo, sair do mal-estar civilizatório

15 jun

Pode parecer adocicado ou até mesmo infantil, Freud diz o contrário, que adotemos atitudes mais reflexivas e tolerantes diante de dificuldades.

Os gregos sabiam que sem autodomínio os homens podiam se entregar a dois polos paralisantes: deimos e phobos (terror e medo), por outro lado é difícil refrear a reação imediata aguda, se não fomos educados para a decepção, a frustração e o diálogo.

Adam Smith, cujo pensamento influenciou a economia moderna incluindo Marx, também escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, que o autodomínio é fundamental diante de uma situação aterradora, e estabelece dois modos de autodomínio.

Teoriza que o agir de acordo com os ditames da prudência, da justiça e da beneficência apropriada, parece não ter grande mérito se não existe a tentação de agir de outra forma”. 

Deveríamos ser educados para a capacidade de empreendermos autodomínio diante dos pathós (afecções da alma) onde devemos pôr em relevo nossas maiores virtudes, ou sucumbiremos aos processos vexatórios e odiosos vícios, e por incrível que pareça, já domina a maioria das mídias sociais, chegando até as mais altas cortes do país.

Segundo o autor o segundo grupo das paixões sobre as quais convém que exerçamos autodomínio, levam ao contexto do “o amor ao sossego, ao prazer, ao aplauso e a muitas outras satisfações egoístas”.

Assim se compararmos as do primeiro com as do segundo grupo, podia parecer mais fácil dominá-las, pois essas inclinações nos concedem algum tempo mínimo de reflexão; ao menos, mais do que quando somos assaltados pelo medo e pela cólera (primeiro grupo), entretanto vivemos o contexto de reações imediatas ou paralisia, sem perceber que estes extremos se tocam.

Se cedemos a todos impulsos, se damos pouco tempo ou espaço a reflexão, ao silêncio e até mesmo ao cultivo da interioridade, o que externamos é quase sempre pouco empático, e no extremo oposto sobram a cólera e a barbárie.

A Inteligência emocional, desenvolveu métodos que sugerem como controlar suas emoções e ajuda a reconhecer mais facilmente quando ela melhora suas relações e empatia.

SMITH, Adam. The Theory of Moral Semtiments, 1ª. Ed. 1759.

 

Dualismo e unidade

08 jun

O dualismo vem do idealismo de Parmênides e chega até Hegel, já postamos em suas categorias em-si, de-si e para-si, sendo para-si um certo retorno ao em si (posts da semana passada).

Existem dois tipos de dualismo: o dualismo de substância e o dualismo de propriedades.

Enquanto o dualismo de substância (ou dualismo cartesiano) argumenta que a mente é uma substância que existe de forma independente, já o de propriedade descreve uma categoria de posições em filosofia da mente que advogam que, apesar de o mundo ser constituído por apenas um tipo de substância, do tipo físico, existem dois tipos distintos de propriedades: propriedades físicas e propriedades mentais.

Esta briga no interior do dualismo continua em separação substância e mente, seja como substância ou propriedade.

A unidade é possível se pensarmos além da ontologia lógica de Parmênides onde o Ser é e o não ser não é, há um Ser que não é, que está presente na alma, e que no sentido trinitária é um Ser-para-si, isto é um para no sentido de além de, neste caso além da substância, e se pensarmos em Deus Absoluto (usando a categoria Hegeliana) o para-si é substância e se concretiza no “filho” da Trindade que é Jesus, ser-em -si homem e ser-para-si Deus.

Assim Deus entra na história e na substância como mente e propriedade, aquilo que o teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin chama de noosfera, que é subtítulo deste blog.

Deus mente e propriedade entra na história e se eterniza como substância no corpo e sangue, com as substâncias pão e vinho, que são artefatos humanos, o trigo feito pão pelo homem e a uva feito vinho pelo homem, assim substância humana, divinizada e eternizada na ceia de Jesus, esta é a festa do Corpo de Cristo realizada hoje por boa parte dos cristãos.

No raciocínio chardaniano Deus retirou o universo de sua sub-instância que também é Deus, do corpo de Cristo, assim todo universo é cristocêntrico e penetrado por sua divindade.

A tentativa humana de criar um “ser” inteligente e além-do-humano, é uma ex-machina incapaz do para-si.

Assim é que se realiza a unidade trinitária e humana, é preciso passar através do não-Ser que é Ser, é preciso superar contradições e ir além de si, entrar num para-si divino e eterno.

 

A civilização e o dissenso

06 jun

Há “Um Mal na civilização” escreveu Sigmund Freud em 1929, depois de seu apelo chegou onde previa a 2ª. Guerra mundial, neste momento extrapola o cultural e é quase só psíquico, a razão e o pensamento elevado não andam em moda, invertem-se valores, resta o divã.

Num momento assim tudo em volta piora, não é só a economia e a política, os gastos com medicamentos e médicos aumentam, distorcem-se as capacidades educativas e de justiça em defesas e acusações com auxílio de advogados ou defensores públicos sem alterar o rumo do dissenso, reduz-se o tempo e os conteúdos para educar o diálogo, o critério e a razão.

Também nas áreas educacional e social; o excesso de ações e tentativas de modelos, que são motivadas por incompreensões de parte a parte, modelos teóricos e métodos didáticos, vivem com a dificuldade de encarar o dissenso e  resultam muitas vezes pela perda total da hierarquia ou senso de valor, pela dificuldade de aceitar (ou exercer) o que seria autoridade.

Ao mesmo tempo que a autoridade se confunde com autoritarismo, desorganiza a missão escolar e impede muitas vezes que discursos públicos de discussão e dialogo responsável sejam exercidos, os valores, até mesmo espirituais desmoronam, tudo parece ruir em cascata, mas há esperança.

As vezes resta só ouvir e ficar em silêncio, as vezes é preciso corrigir com coragem, porém o diálogo é sempre possível, e a escuta paciente pondera mesmo quando diverge.

É preciso modelos que correspondam a vida, ao convívio social ético e moral, salvar a empatia e o respeito mútuo, quando apenas alguns querem respeito que não oferecem aos outros, não há como iniciar um processo de diálogo profícuo.

Há nichos de convivência civilizatória, há povos e locais onde o dissenso não se instalou, onde o ódio não venceu e a esperança ainda vive.

Encontrar e dar valor a estas pequenas luzes que iluminam a noite civilizatória é fundamental, senão médicos, psiquiatras e métodos educacionais não serão funcionais, não terão vida.