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Arquivo para a ‘Política’ Categoria

Trégua, dia da vitória e Conclave

05 mai

Três eventos serão importantes nesta semana, a proposta de trégua de três dias da Rússia, onde há a comemoração do dia da Vitória (ou V-E Day), dia 8 de março, enquanto a Ucrânia propõe um mínimo de 30 dias, a tradição Russa faz um desfile militar dia 9 e no ocidente alguns países comemoram com desfiles simbólicos e veteranos da guerra (agora muito poucos, pois fazem 80 anos).

Vários governos foram convidados pelo Kremlin, o governo brasileiro já enviou algumas lideranças e o presidente Lula irá, a China com Xi-Jinping também confirmou a presença e evidentemente a preocupação com a segurança é um dos motivos da trégua, mas pode ser uma oportunidade para negociação e também governos próximos da Rússia podem pressionar.

Os ataques seguem sangrentos nos dias que antecedem, a Ucrânia informa deslocamentos de tropas na região de Brest da Bielorrússia, próxima da Polônia, mas Putin como sempre despista e diz que objetivo é garantir um corretor em Sumy bem mais ao leste da Ucrânia.

Os Houthis lançaram um míssil que caiu perto do aeroporto internacional Ben Gurion, na região de Tel Aviv, neste domingo (4/05), o chefe de polícia local Yair Hezroni exigiu um vídeo com a torre de controle do aeroporto ao fundo (foto acima) mostrando a cratera de dezenas de metros de largura e profundidade que se formou, a paz segue difícil na região.

Começa esta semana o conclave de cardeais da igreja Católica para eleger um novo papa para a dirigir os católicos do mundo todo, o nome con-clave (indica com chave) pois ficam fechados com discursos e discussões sobre o futuro da igreja e escrutínios até que surja o nome do novo papa.

Alguns nomes de cardeais bastante conhecidos como o húngaro Petér Erdö e o arcebispo de Guiné Robert Sarah são citados pelo conhecimento profundo de teologia e são mais conservadores, pela ala mais aberta ao diálogo e “pastoralista” que é como é chamada dentro da igreja, ou seja, que busca a sociedade e seus problemas, nesta linha que era de Francisco, como o filipino Luis Antonio Gokim Tagle e o italiano Pietro Parolin, atual secretário de Estado do Vaticano.

Há uma máxima que quem entra papa no Conclave sai cardeal, isto é, quase sempre a eleição surpreende, a de Francisco por exemplo não era esperada, e os cardeais procuram um nome que seja conciliador, que lute pela paz e que mantenha a unidade da igreja.

 

A trégua necessária

28 abr

As dificuldades internas de uma guerra não são diferentes das externas: morte, destruição e falta de um mínimo de miseri-cordis (coração humilde capaz de sentir a dor do Outro), entre as diversas guerras do planeta, duas apontam para este “esgotamento” das forças internas.

A Rússia segue destruindo alvos militares e civis, estações de energia e alvos civis não são poupados numa guerra sem tréguas (a da Páscoa fracassou), também no oriente médio a destruição de alvos militares não poupa alvos civis, uma verdadeira crise humanitária.

A ameaça entre Irã e Israel é cada vez mais crescente, porém há uma negociação com o grupo Hamas de um período de trégua de 5 anos e isto pode viabilizar um retorno a serenidade naquela região, também a guerra no leste europeu segue um caminho parecido, graves ameaças e ao mesmo tempo possibilidades de tréguas no campo diplomático.

Zelensky, Trump, Macron e Starmer (Reino Unido) (foto) se encontraram no Vaticano durante a cerimonia de enterro do papa Francisco e depois Zelensky e Trump falaram pessoalmente.

As consequências já são visíveis no campo militar: um crescente armamento e uma ameaça a estabilidade mundial tanto no campo estrutural (econômico e humanitário) como no campo político, as armas usadas para a luta política já não são mais propostas e discursos, ultrapassam o campo da legalidade, da justiça e do bom senso.

Uma trégua pode recuperar a seriedade e serenidade das lideranças políticas, é preciso estar disponível ao diálogo sincero, ao próprio de propostas justas e razoáveis, eliminar o “inimigo” a força é o caminho de mais perdas humanitárias e autorização para regimes autoritários.

Os potenciais imperiais desfilam seus feitos tecnológicos e militares: aviões e navios de guerra cada vez mais poderosos, ameaçadores e com poder de destruição maior, uma insanidade.

Há no meio a tantas ameaças vozes capazes de fazer apelos para a paz, os diplomatas entram em campo e tentam negociações, uma trégua que se avista no horizonte ajudaria a esfriar um pouco os ânimos belicistas, ninguém ganha uma guerra hoje, a humanidade perderá como um todo e a morte de civis inocentes será inevitável.

A guerra econômica também não ajuda, não é um caminho para nada, grandes acordos sobre o comércio e a troca de bens entre nações fazem parte de um mundo globalizado, onde as relações apenas nacionais não são mais possíveis, nem na economia nem na política.

Resta acenar para uma trégua, ainda que sobre enormes suspeitas, ela ajuda acalmar os espíritos e dar um alento para a paz.

 

A idade da razão e a ontologia da coisa

25 abr

O final da idade média significa o renascimento do humanismo grego, porém retoma a ideia da intuição apenas se fundamentando no intelecto da razão, para René Descartes (1596-1650) ela é a única capaz de distinguir o verdadeiro do falso e ela que permite obter o conhecimento do mundo, os 4 pontos de seu método são: evidência, análise, ordem e enumeração.

Esse caminho constituído pela dúvida, a experimentação (nasce o empirismo) e a formulação de leis foram as influências que viriam a predominar os preceitos racionalistas do iluminismo.

Immanuel Kant (1724-1804) faz em sua Crítica da Razão Pura, uma reelaboração das ideias empiristas e racionalistas, e é esse caminho que irá elaborar as doutrinas iluministas dos século XVII e XVIII ocidental, ela afirma “Toda a nossa intuição não é mais do a representação de um fenómeno ; as coisas que nós intuímos não são, em si próprias, como nós as intuímos, nem as relações entre elas são em si próprias tais como nos aparecerem” sendo um ponto central da sua filosofia, em particular no seu Idealismo Transcendental.

Para Kant, mediante esta intuição, os objetos nos são dados e a doutrina que estuda estes dados é a Estética Transcendental, ela ordena e classifica as coisas segundo uma série de categorias não apenas intuídas, mas deduzidas pelo intelecto, não é mais uma transcendência divina, é fruto da razão prática de uma ordem moral.

O mundo do sujeito e suas elaborações fica reduzido a sua “subjetividade”, sua forma como cada indivíduo experiência e constrói o mundo, assim seu “método” em sua crítica da “razão pura” é a capacidade de um sujeito de pensar, julgar e agir sobre o conhecimento dos objetos.

Estabelece então um dualismo entre a objetividade do mundo das coisas e a subjetividade do sujeito que conhece através de uma “transcendência” que é sua experiência sobre o mundo.

O auge do idealismo, principalmente na Alemanha é o idealismo de Hegel e seus discípulos, e após a sua morte se dividem entre os velhos hegelianos presos ao mundo da transcendência e suas contradições dualistas e uma reelaboração do espírito religioso idealista, destacam-se David Frederico Strauss (1808-1874), os irmão Bruno Bauer (1809-1882) e Edgar Bauer (1820- 1886), e Max Stirner (1806-1956).

Entre os jovens hegelianos, segundo a visão de Karl Marx estavam ele e seu companheiro Frederic Engels, fazem uma crítica a Ludwig Feuerbach (1804-1872), para eles o único que teria passado do idealismo Hegel para um materialismo objetivista e assim nasce o marxismo.

Assim escreveu Engels:  ele [Feuerbach] “…pulverizou dum golpe a contradição, repondo em seu trono, sem mais delongas materialismo. A natureza existe independentemente de toda a filosofia e é a base sob a qual crescem e se desenvolvem os homens, que são também, eles próprios, produtos naturais; fora da natureza e dos homens nada existe …” (Engels, 1941).

Porém Feuerbach se apoiava na natureza e pouco na política, e aí nasce a crítica marxista.

A ideia de ser fica reduzida a uma concepção histórica e materialista, relacionada a produção, a economia e a política, já a visão contemplativa, moral e ética do Ser ficam sujeitas à “coisa”.

A ideia que houve um momento da criação do universo fica sujeita a matemática e a física.

 

Engels, F. Ludwig Feuerbach. Versão espanhola, página 13, Moscou 1941.

 

A paz e a morte do papa

21 abr

As conversações de tréguas entre Rússia e Ucrânia, entre Israel e o Hamas e a guerra só tarifaço de Trump põe o mundo sob alerta de uma grave período de instabilidade civilizatória.

A morte do papa Francisco nesta madrugada da Brasil e manhã da Itália significa também a perda de um defensor incansável da paz e repercute no mundo todo. 

Em nota oficial, na tarde de hoje (21/04) o Vaticano esclareceu que a morte do Papa Francisco aconteceu as 7h35 (hora da Itália), portanto 2h35 do Brasil), causada por:

– AVC Cerebral

– COMA

– COLAPSO CARDIOCIRCULATÓRIO IRREVERSÍVEL  

Deixo um vídeo pessoal onde faço uma reflexão sobre o verdadeiro pensamento do Papa sobre questões polêmicas expressa no capítulo 3 de sua encíclica Fratelli Tutti (todos irmãos), segue:

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A grande paixão civilizatória

14 abr

Guerras militares, guerras de mercado, situações endêmicas (a dengue atualmente no Brasil, por exemplo) e uma retórica polarizadora sem fim é uma crise civilizatória, a base não é a situação conjuntural de agora, ela vem desde o início da colonização e se agravou com duas guerras mundiais.

Parecia no final da segunda grande guerra que com a ONU, o estabelecimento de direitos humanos e os acordos nucleares que tínhamos encontrado a saída, porém a base de todo este processo, temos postado aqui, é um pensamento idealista, que a polarização chama de neoliberal e o outro polo de comunista, porém toda guerra é de pilhéria e morte de inocentes.

Reunidos pela OTAN, os ministros da Defesa europeus (foto) salientaram em reunião finalizada no domingo (13/04), que apesar das negociações dos Estados Unidos com a Rússia, que ambos consideram avanços, a Europa desacredita porque as agressões da Rússia continuam, e ameaçam a região.

Não importa a retórica, a base de todo pensamento idealista/iluminista é um estado forte e muitos países não abandonam este pensamento, a crise tarifária agora é a manifestação do lema de Trump: “American first”, americano primeiro enfrentando até mesmo a Europa.

O pouco que entendo de economia, entendo que há uma interdependência das nações, um carro produzido em qualquer parte do mundo tem peças produzidas no mundo inteiro, os americanos querem que voltem a ser produzidos lá, com as tarifas o carro americano fica mais caro, enquanto a tática da China tem sido produzir barato e dominar os mercados.

Aliás a pedido das montadoras americanas, no quesito produção de carros Trump recuou, no sábado (12/04) recuou também na taxação de smartphones, computadores e chips.

Haverá mais empregos nos EUA, mas isto não me parecia um problema, muita gente ia para lá porque haviam empregos e bem remunerados, porém neste quesito a deportação de ilegais é também no caminho contrário e a falta de mão de obra poderá representar outro problema.

A guerra no Oriente Médio segue cruel com os Houthis, nos ataques o chefe da inteligência do grupo Abdul Nasser Al-Kamali foi morto, e as ameaças ao Irã prosseguem um caminho perigoso.

Há sempre esperança, há sempre negociadores com desejo sincero da paz, o que faz a crise civilizatória avançar é o pensamento imperialista e belicista aumentar com a eleição cada vez maior de governos autoritários, influenciados pelo pensamento iluminista, que veem os países de outros povos como inimigos e não cedem em qualquer processo de negociação.

É uma semana para os cristãos que envolve a paixão de Jesus, parece estar mais próxima de uma paixão civilizatória da humanidade, é preciso pensar nos inocentes, no futuro da humanidade e na paz tão desejada, mas pouco lembrada na hora de algum conflito, é preciso semear a paz.

 

Liberdade, memória e eternidade

10 abr

O tema pode parecer apenas teológico, mas não é, tanto Hannah Arendt como Byung-Chul Han trataram este tema, claro além de autores de alcance teológico como Agostinho de Hipona e Thomas de Aquino, também por autores atuais como Kierkegaard, Heidegger e Ricoeur que delinearam algumas questões na problemática entre tempo e eterno.

O esquema epistêmico de Hannah Arendt é bem mais profundo porque apresenta também o aspecto político: a memória, que tem referências a história, a narração, que tem a ver com a possibilidade ([hermenêutica] de resgatar os eventos, e a imortalidade, que coloca a ação do mundo concreto, tornando homens seres capazes de continuidade no tempo, visto assim:

“o sentido da Política é a liberdade” (ARENDT, 2002, p. 9).

Mneumônicos são inseridos em processos para preservar a narração, ou seja, sua memória.

Por outro lado, a imortalidade é aquilo que está sendo perpetuado pela memória e narração, porém a autora não se negou a ver uma diferença entre imortalidade e eternidade, apontamos no post anterior aquilo que é também a elaboração da autora, a ligação entre estas categorias.

Isso não nega e sim evidencia a concepção de imortalidade, que se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória, pela narração e também se desenvolve como uma Vita Activa, isto é o que compõe a tradição e a atualização de uma narrativa e neste ponto se confunde com a teologia, ou seja, ultrapassa o temporal e se desvela no eterno.

A tradição porém, foi gradativamente perdendo essa noção do público e do privado, a ponto desta fronteira entre os dois desaparecer, é fácil perceber isto na atualidade ao ver a exposição do privado até mesmo daquilo que é mais sagrado, e na concepção de Arendt, isto é um prejuízo vital, em vista da ação, categoria central para a constituição do mundo público, ela deixa de ser considerada em favor do respeito aos membros da sociedade.

Byung-Chul Han, no livro o Enxame sentencia: “o respeito é o alicerce da esfera pública. Onde ele desaparece, ela desmorona. A decadência da esfera pública e a recente ausência de respeito se condicionam reciprocamente.” (B.-C. Han, No exame, 2018, p. 12).

Arendt ressalta a ausência de empatia: “A morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de uma cultura à beira da barbárie”.

As religiões chamaram isto de aliança, porque todas elas têm um caráter simbólico, como a Arca da Aliança para o antigo testamento e a Paixão de Jesus para o novo testamento, este significado é o transcender a morte (eternidade), ultrapassá-la com todos seus valores: ódios, guerras, divisões e todo tipo de desumanidades praticamos pela finitude humana (Pillars of Creation, imagem do telescópio James Webb).

 

ARENDT, A. O que é Política. Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

 

 

 

Finitude, guerras e paixão

07 abr

Não nos referimos aqui a paixão emocional, porém aquela que os sofrimentos causam e que segundo o sentimento religioso (lembrando a paixão de Jesus) é também um momento de muitas mudanças trágicas e reafirmação de um alento salvífico.

O homem quando esquece de sua finitude se imagina dono do seu futuro e não olha ao lado.

A humanidade parece viver isto, agora no lado econômico, com uma economia já frágil devido as guerras, o tarifaço do governo Trump sobre as importações daquele país trazem uma forte instabilidade no comércio internacional, com reflexo no câmbio financeiro e nas bolsas.

Apenas alguns países com pouca expressão econômica ficaram fora deste tarifaço, as ilhas Seycheles, Burkina Fasso e algumas ilhas do pacífico, até mesmo o governo da Argentina que correu para algum acordo (Milei foi pessoalmente aos EUA) voltou de mãos vazias, a desculpa foi o atraso do helicóptero que levava Trump, mas pouco depois afirmou que exige que um afastamento da China que tem fortes investimentos lá, desde o governo anterior.

As tarifas lembram os níveis do Ato de Tarifas de Smoot-Hawley de 1930, aprovado por uma margem de 20 votos no Senado americano, que provocou uma guerra mundial global e aprofundou a Grande Depressão, conforme análise de especialistas em comércio.

Não apenas por estas tarifas, pois cresce a impopularidade do governo Trump, houveram diversas manifestações neste fim de semana nos EUA, até tradicionais parceiros os vizinhos México e Canadá estão nesta guerra, já com medidas de retaliação as importações dos EUA.

As bolsas asiáticas já abriram em “forte queda” nesta segunda feira, segundo diversos canais de notícias, e deve provocar além dos problemas econômicos agravamento nas guerras e uma onda ainda mais forte de governos autoritários, medidas de restrição de liberdade, etc.

Assim é um clima de paixão, não a divina, mas a humana, o processo civilizatório pode entrar em uma fase mais acelerada que as guerras militares em uma crise econômica e humanitária, que já é grave em quase todo o globo, tudo parece próximo ao cenário da pré-guerra de 39.

O Brasil na época, durante o início do governo Vargas (que depois de eleito se tornará uma ditadura) queimou toneladas de café nos portos, então uma riqueza nacional, para segurar os preços e isto encerrou o grande ciclo do café no Brasil e em especial no Estado de São Paulo, grande produtor.

Dois analistas econômicos André Valério e Rafaela Vitória afirmaram que “o cenário que já era complexo ficou consideravelmente mais incerto”, referindo-se também aos índices de produção no Brasil que tiveram uma leve queda em fevereiro/2025 apontou Rafaela no X (veja o gráfico).

 

O agir segundo a Vita Activa

03 abr

Conforme exposto anteriormente a Vita Activa não é separada da Vita Contemplativa, isto já estava elaborado em Hannah Arendt e será amplamente tratado em Vita Contemplativa de Byung Chul Han.

Para estabelecer paralelos é preciso entender que Arendt retoma Aristóteles que via três modos dignos da vida do homem, os povos submetidos a escravidão pela guerra permaneciam ligados aos senhores apenas para suprir as necessidades de manterem-se vivos, e o filósofo grego via de modo similar a vida dos artesãos e mercados.

Para ele o homem “político” era realmente livre e podia se dedicar ao contemplativo, assim a dignidade estava ligada a contemplação, mas vista como a vida da fortuna (a Eutychia) que personificava o destino, boa sorte, prosperidade e abundância. 

Isto porque o homem ainda que aspirasse a imortalidade, é a vida sem a morte nesta terra, é uma vida “imanente” neste mundo, Arendt vai diferenciar da eternidade, que aspira um além do cosmos, ou o próprio cosmos pensado com criação da eternidade transcendente.

Já a imortalidade é continuidade no tempo, é vida sem morte nesta terra, é vida “imanente” a este mundo, a vida dos deuses do Olimpo era assim do modo como os gregos entendiam a natureza e sua “imortalidade” junto ao cosmos, sendo a mortalidade dos homens o que o distinguia no cosmo.

Byung-Chul descreve que “poucos antes do Vita activa ou sobre a vida ativa de Arendt, Heidegger proferiu uma palestra com o título Ciência e reflexão [Besinnung]. Em oposição à ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta para onde sempre já estamos” (Han, 2023, p. 62), assim “uma dimensão da inatividade é inerente à reflexão” (idem).

Para Hannah Arendt, labor e trabalho são dois elementos que compõem a atividade humana, juntamente com a ação, enquanto labor corresponde a atividade biológica do ser humano para sua sobrevivência como espécie, já o trabalho permite a criação de objetos e a transformação da natureza.

A sociedade da performance, do midiático e da impulsividade desloca o ser para uma ação que não é nem boa nem má, é pura reatividade e assim é incapaz do agir consciente, a ação do Ser.

É ainda fácil perceber aqueles que agem com sabedoria pelos resultados de suas ações, não a simples resposta a algum discurso ou ação, mas uma reflexão em ato, ainda que seja o silêncio.

HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Brazil, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

 

Silêncio, parte essencial da linguagem

02 abr

A questão do silêncio é fundamental na valorização da linguagem, a palavra falada supõe que haja um interlocutor capaz do silêncio, se for profundo acontece o epoché (vazio interior) que todos os filósofos de certa forma impõe para que haja a articulação da palavra no pensamento, ela é antes e complementar a ação, Foucault foi um dos filósofos que percebeu esta lacuna já no século XIX.

No círculo hermenêutico ela é anterior ao processo de interpretação e necessária para que haja o diálogo e “fusão dos horizontes” como a hermenêutica filosófica exige, esse apenas agir sobre o impulso da linguagem omite uma parte essencial que é a reflexão, meditação ou para mentes que realmente buscam a verdade a contemplação, hoje há a impulsividade da ação.

Hans-Georg Gadamer foi o grande filósofo da hermenêutica, ele argumenta que não há só o conhecimento significativo das humanidades redutível ao das ciências naturais, uma lógica e uma linguagem apenas gramatical, há uma verdade mais profunda que o método científico.

Não é um simples retorno a metafísica, é o agir segundo o pensar, segundo uma articulação da consciência humana e coletiva, capaz de enxergar o outro e sua hermenêutica, capaz de rever o humanismo de todo homem, sem uma leitura vertical, da simples autoridade de poder.

Agamben em “A linguagem do silêncio” também fala desta articulação falsa da linguagem como um campo que procura apreender com a razão apenas ela é uma “experiência de linguagem que vai em direção ao pensamento sem jamais atingi-lo; ela é a tensão e infinita nostalgia, que jamais compreende o que quer apreender e jamais chega aonde quer ir” (Agamben, 2013, São Paulo, Revista Fronteira Z, p. 293).

O famoso canto das sereias que atraiam os marinheiros para a morte, na Odisseia de Homero (foto mosaico do sec. III Museu Nacional do Bardo, Túnis), é também esta falta de silêncio que Ulisses via em seus subordinados (Ulisses tapa os ouvidos e amarra os marinheiros no mastro do navio), tornou-se metáfora para o falatório que encantam seus seguidores, os maiores ditadores foram sempre bons oradores.

Assim colocar a contemplação em ação, requer uma verdadeira contemplação, a palavra lida é um guia sempre que é purificada por uma “arte de amar”, de solidarizar, de humanizar a ação.

 

Maus acordos e ameaças

31 mar

No mesmo dia (18 de março) em que o acordo de trégua parcial (apenas o ataque a postos de energia da Ucrânia e navios no Mar Negro da Rússia), a Ucrânia acusou de ter sido atacada em 8 estações energéticas.

A Rússia deseja que o banco estatal russo fosse novamente ligado ao sistema de pagamentos internacional, mas a Europa rejeita esta posição afirmando que isto só acontecerá quando a Rússia retirar todas as tropas da Ucrânia.

Uma coisa é fato da personalidade de Putin, ele despista, mas não blefa, quando fez o acordo de paz sobre a Criméia, curiosamente foi também no dia 18 de março de 2014, na visão de Putin ele faz o mesmo que a OTAN vai avançando sobre o terreno inimigo e demarcando posições.

A Europa teme novos avanços sobre países da OTAN, a julgar pela história a Polônia pode ser o próximo passo, ali Hitler avançou na II Guerra e o regime estabelecido pelo estado soviético no pós-guerra foi também cruel com o povo polaco, lembre-se as revoltas do Sindicato Solidariedade em Gdansk, já no período final do regime do general Jaruzelski.

Os acordos de trégua têm pouca sustentação porque não há forças “neutras” que os garanta.

Também o Oriente Médio vive sobre maus acordos, depois do acordo Hamas e Israel pouco ou nada caminhou no sentido de uma trégua mais ampla, o reconhecimento do território palestino não caminhou, Israel e os EUA querem manter o controle da região sob a ameaça de novos ataques a Israel.

O Irã que é um personagem nas sombras desta guerra, porque financia e dá apoio a grupos extremistas, a ameaça de Trump de bombardear Teerã teve como resposta que os EUA irão receber um “golpe recíproco”, o que Trump quer é um novo acordo nuclear de limitação das armas nucleares no Irã, é bom lembrar que são parceiros da Rússia que já possui vasto arsenal nuclear.

O mundo segue sobre a sombra de uma guerra insana, aqueles que não pensam sobre esta insanidade, não sabem os horrores e as consequências de uma guerra hoje.

A figura acima é uma escultura feita por Marie Uchytilová em Lídice, republica Checa, em lembranças a um grupo de 82 crianças asfixiadas com gás no campo de extermínio de Chelmno no verão de 1942.