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Arquivo para maio, 2020

A retomada ontológica e o esquecimento trinitário

29 mai

A ideia de uma substância espiritual absoluta, infinita, única e eterna (veja o post) longe de ser uma ideia de Deus, longe de ser o desvelamento da Trindade Santa, é um esquema idealista da racionalidade para um Deus abstrato, porém compatível com o hegelianismo, o deus idealista.

A crítica severa de Sloterdijk ao humanismo faz sentido agora ainda mais com as perspectiva do pós-pandemia, colocando a “vontade de poder” das duas guerras e um possível cenário futuro, como “síntese do humanismo e do bestialismo” (Sloterdijk, 2000), é claro temos outras possibilidades, as variadas teses ideológicas que muitos apostam ou uma terceira excluída: a fraternidade planetária e uma via solidária.

Assim como a retomada ontológica propôs uma lógica e uma epistemologia nova, que vem da epoché (colocar todos conceitos entre parêntesis) husserliana, junto a uma teologia nova, esta sim trinitária, onde existe uma terceira pessoa na Trindade, que é o Espírito Santo, mas não é simples.

O teólogo cristão e católico Karl Rahner escrevia sobre o “esquecimento trinitário” (Rahner, 1961), mesmo antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), que marcou uma virada no pensamento católico, primeiro concílio ecumênico que gerou algumas polêmicas e que até hoje não é bem aplicado,

O Concílio Vaticano II marcou uma profunda mudança na relação da igreja com a sociedade, devia abrir uma nova perspectiva da participação dos popular (dos leigos), uma nova visão da missão da igreja e em especial apresentação da atualização e inserção da igreja no seu tempo com vários aspectos litúrgicos e pastorais.

Muitos cristãos em geral entendem bem o Pai e o Filho, mas o Espírito Santo é um mistério, não síntese e nem apenas a relação com Deus Pai (Aquele que ninguém viu) e nem o Jesus (O Deus visível), o Deus vivo, histórico, mas sem deixar de divino e o Espírito Santo.

A teologia clássica tratava o “mistério” da Trindade com a ideia de uma “substância espiritual absoluta, infinita, única e eterna”, assim Deus seria uma única substância, essência ou natureza, explicado como três subsistemas e pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo, nestas ideias do sistema hegeliano (e de Feuerbach) se encaixam bem.

Já a compreensão do Ser como ato e potência (própria de Tomás de Aquino), e potência assemelha-se ao virtual, coloca as pessoas divinas como relação e se integram numa nova síntese que vê Deus como comunhão pericorética* de amor, teólogos de diferentes tendências como von Balthasar, Rahner e Kasper caminharam nesta direção e a questão ontológica é um viés comum. (* mais que relacionamento, interpenetração)

 O Concílio Vaticano segunda já refletia já a virada de uma perspectiva metafísica de uma teologia que prioriza uma compreensão mais histórica, fenomenológica, hermenêutica e existencial da realidade, mais em sintonia com a cosmovisão e a cultura atual. 

A compreensão do ser como ato (tão própria do Aquinate) e das pessoas divinas como relação, se integram numa nova síntese que entende Deus como comunhão pericorética de amor.

A compreensão por outro lado de potência como virtus, possibilidade virtuosa do Amor que é essencial para entender que o pecado é não-amor e não mera oposição maniqueísta do mal.

RAHNER, K. Advertencias sobre el tratado dogmático “de Trinitate”. In: Escritos de Telogía IV, Madrid: Taurus, 1961.

 

A retomada ontológica e o Ser dinâmico

28 mai

Se existe uma ontologia em Hegel ela é estática, ainda que entre o ser e não ser exista um tornar-se ele é uma afirmação do ser e não a sua negação poiética ou noiética (noesis aqui no sentido da fenomenologia husserliana), é pressentimento ou captação no momento atual da mudança ou fusão de horizontes, e poiésis no sentido de uma mediação ou uma linguagem do Ser.

A retomada ontológica que embora estática, em certa medida está presente em Hegel, ela é estática ao ver o ser em oposição ao não-ser, enquanto como momento de interioridade de vida e do ser, ela é justamente o devir, que exterioriza-se em uma relação com o Outro, o diverso.

Porém a interpelação de Peter Sloterdijk a Heidegger em sua Regras para o Parque Humano não pode ser esquecida, assim como a crise do pensamento científico da Europa apontada por Husserl em sua obra da maturidade na qual interpela tanto o objetivismo fisicalista e como o subjetivismo transcendental, retomando o seu Lebenswelt, o o mundo-da-vida.

A questão de Sloterdijk faz sentido ao pensar nos tempos escabrosos do fim da Segunda Guerra Mundial, após o campo de concentração mas também a bomba de Hiroshima dos aliados, e nesta nova “guerra” contra a pandemia parece voltar a fazer sentido nos perguntar sobre o Humanismo.

Em Heidegger é como Da-sein, “ser-ai” (ou ser-sendo), que o humano assume a tarefa d pastorear o ser, e o é no sentido sentido do lugar-tempo (usando a nova dimensão quântica) que habita o Homem, uma vez que lugar agora é todo o planeta, mas os nacionalismos subsistem, não como afirmação de povos que é justa e real, mas como delimitação de pastoreio e interesses.

Sloterdijk parece ter razão ao apontar que o “desvelamento” da destrutividade política ficou reduzida à sua forma mais explícita e encorajada de ser como a fórmula “vontade de poder” (Sloterdijk, 2012, p. 284) em uma “síntese do humanismo e do bestialismo” (Sloterdijk, 2000, p. 31), e que parece continua igualmente em uma ambiguidade como movimento, e não se pode furtar aqui de citar algumas formas de neo-nacionalismos que retomaram atualmente com muita força, sua análise portanto não é uma fantasia.

A reação ao discurso de Sloterdijk em Elmau, dedicado a leitura de Heidegger e Lévinas, que é o princípio de seu livro que seria sistematizado depois, ele inverte a relação entre ontológico e ôntico, e começa a elaboração do que virá a chamar de antropotécnico, os recursos ônticos que se prevalecem sobre os ontológicos.

O que vai revisar é se o epíteto de “casa do ser”, que ainda resta ser de fato habitado, não seria um meio paradoxal de “memória (do ente) pelo esquecimento (do ser)”, mas não o fez através dos meios literários, os quais mantiveram tanto tempo o humanismo metafísico ?

Pode-se conceituar esta “casa do ser”, como tendo noesis e poiesis de sua alma, não num só num sentido metafísico mais do Espírito definido de maneira diferente de Hegel  ? nossa resposta é que sim, há uma forma de afastar-se do bestialismo por uma “vida de exercícios” humanos, de amor e de solidariedade, quem sabe a pandemia sob a dor de tantas mortes, desperte esta “alma”.

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. Trad. de Marco Casanova, Paulo Soethe [et. al]. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.

SLOTERDIJK, Peter. Regras para o parquet humano: uma resposta a carta sobre o humanismo. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade,  2000.

 

O que é espírito e transcendência hegelianos

27 mai

Já fizemos vários posts para explicar que a transcendência de Kant nada mais é que a separação de sujeitos e objetos, porém Hegel completa e sistematiza toda esta filosofia em Fenomenologia do Espírito, obra que influenciou profundamente as filosofias do direito, da história, da estética e da religião, o próprio Marx e muitas correntes que daí derivam, não escaparam disto.

Também já fizemos posts sobre a questão da consciência histórica de Gadamer, crítica as ideias principalmente de Dilthey sobre a história, agora analisemos o “espírito” em Hegel.

Primeiro como o nome diz é uma fenomenologia, portanto não um conjunto de fatos ou mesmo de realidades tangíveis, mas um conjunto de fenômenos colocados sob um certo esquema  (veja ao lado).

Hegel entende a história, a arte, a religião e a própria filosofia como fenômeno objetivo, e como  tal (ou seja, um objeto) está direcionado ao espírito para um autoconhecimento.

Sua capacidade de síntese, fará que sua história da filosofia, com esquemas e elementos específicos sobre a transcendência e a metafísica na filosofia, deem força ao seu pensamento, e a Fenomenologia do Espírito é central para este esquema.

Para entender o que ele pensava como fenômeno, é preciso entender o que ele chama de “consciência natural” que era o que abria caminho para o conhecimento filosófico, e é por ela que vai fazer uma leitura da história da filosofia e assim elaborar o que é conhecimento.

Só para fazer um contraponto, por isso Husserl vai dizer ao contrário, que só existe consciência de “algo”, enquanto Hegel constrói esta categoria como sendo “natural” e nela está a objetividade.

Mas o “natural” de Hegel não é só natural e sim histórico, portanto, sua introdução a um sistema de filosofia, é construído no percurso histórico do pensamento, parece “natural”, mas é sua ideia de filosofia da história.

O que está escondido por trás deste esquema é o que Nietzsche vai chamar de genealogia da moral, mas depois surgiram outras genealogias a viragem linguística a partir de Wittgenstein por exemplo, vai ver os objetos na sua relação com os outros: “também não podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação com outros” (Wittgenstein, Tractatus, 2.0121).

Para entender o que é Espírito em Hegel, e que influencia profundamente as concepções de artes, história e religião de hoje, são as formas correlacionadas a uma ideia de subjetividade absoluta, portanto “fora” do objeto, e relacionada a ela por um tipo especial de lógica essencial que leve ao conhecimento da realidade, por isto não é um realismo fenomenológico como vê Husserl, está separado da existência na “ontologia” de Hegel (ramo superior do esquema acima).

O espiritual e transcendente em Hegel é “o mais interior, do qual toda a construção do mundo espiritual ascende”, era aquilo que Marx chamava do “céu para a terra” e que ele (Marx) a inverteria, construindo assim uma história da filosofia, e dizia que se tratava de “colocar em ação” a filosofia, porém, a separação de sujeito e objeto permanecerá, assim espiritual é um tipo de Espírito Absoluto da Religião (veja também no esquema).

 

 

 

 

O pós-pandemia e a espiritualidade

26 mai

A vida feita de exercícios que nos levou a “Sociedade do Cansaço” (Byung Chul Han) apesar da pandemia e da quarentena em muitos lugares não parou, acostumados ao ritmo frenético da sociedade moderna, continua-se atrás da ação, da agitação e de preencher o vazio com nada.

Apressados já há os que prognosticam uma sociedade mais fechada em fronteiras, fortalecendo o nacionalismo e o protecionismo nos negócios, os que proclamam uma “nova ordem mundial” (uma nova teoria da conspiração) e os sempre prontos a defender as ideologias: é nossa vez.

Porém assim como a pandemia ninguém previu o que virá está fora das grandes teorias e uma novidade será uma busca de refugio em forças além do humano para suportar as novas e reais novidades que já aconteceram: maior recolhimento em casa e tempo para inspiração e contemplação, uma vida mais pobre ou ao menos mais austera, e, as novas formas de convívio.

Os que apocalípticos da sociedade em rede, redescobriram as novas mídias, porém devido ao atraso ainda o uso é irregular e mais curioso que frutuoso, mas com o tempo amadurecerá, há um hiato sem dúvida que é a educação online e pouco se pensou e se planejou sobre isto.

Porém uma coisa já mudou, algo fizemos com nosso “tempo livre”, fazer a comida da casa, dividir as tarefas cotidianas, olhar com olhos novos as pessoas do convívio próximo e para muitos um novo olhar sobre a natureza e a nossa própria natureza: o complexo fenômeno humano.

Se fizemos grandes teorias do diálogo, agora temos que praticá-la ou ficaremos presos a nossas relações mais próximos, pois ao sair delas enfrentamos um Outro diferente e impensado.

Os que sobreviveram a pandemia, e ela poderá inclusive retornar, a Espanha e a China apresentam novos casos preocupantes, vai requerer de cada e da sociedade uma lição nova: repensar tudo o que tem sido os fundamentos de nossas vidas, inclusive a religiosa, podemos acordar ou não.

Aos convictos do futuro próximo lembro que não previam a pandemia, talvez uma guerra ou uma profecia, ou um caminho histórico irrevogável, um vírus invisível e desconhecido balançou a vida.

 

#LockDown de feriado, não fizemos a lição de casa

25 mai

A taxa de isolamento social subiu para 51% no Estado de São Paulo e 53% na Capital, o que é muito pouco perto do avanço da Covid 19, embora os números indiquem estarem estabilizados num patamar em torno de mil mortes, a queda poderá ser muito lenta se não houver formas de aumentar o nível de isolamento social, o dia de hoje também é feriado antecipado em São Paulo.

Aos poucos vamos tirando lições duras da pandemia no Brasil, mesmo com a reunião do governo com governadores o já previsto “day after” aconteceu e da pior maneira possível, o vídeo da reunião ministerial causou perplexidade em todo país e aumentou a distância entre poderes e do governo com governadores e prefeitos.

O frio também chegou embora ainda estejamos no outono no hemisférico sul, e a América Latina já é o novo epicentro da pandemia, enquanto a Europa devagar vai retornando a nova normalidade (embora Espanha tenha problemas), e com esperanças de eliminar a pandemia e que os índices de infecção caiam ainda mais.

Os leitos na capital estão se esgotando, chegaram neste domingo a 91% de ocupação, assim ou toma-se uma medida dura ou será inevitável acontecer um novo avanço na curva de mortes e o Brasil já é o segundo só abaixo dos EUA. 

A esperança da vacina avança na farmacêutica AstraZeneca da Inglaterra, seu CEO Pascal Soriot afirmou neste domingo (24) que o Reino Unido poderá ter acesso a vacina em setembro deste ano se os testes forem bem sucedidos, agora com 10 mil voluntários que começam a ser vacinados.

Apesar do isolamento social ser aquém do necessários, sua eficácia é comprovada, a curva que é exponencial de mortes e de infecções, deve ser analisada numa escala logarítmica (veja figura), onde pode ser observado, inclinações cada vez menores podendo ficar numa inclinação horizontal quando este número parar num patamar, que seria o desejável para não ultrapassar o limite do sistema de Saúde, dependendo da medida de #LockDown podemos variar de 30 a 100 mil mortes.

Sobre São Paulo, os cientistas avaliam, a analise foi feita por pesquisadores da USP segundo o portal G1, que ao invés de termos um pico podem ter uma platô onde o pico máximo se mantém por vários dias antes de recuar, isto também esgotaria o sistema de saúde já em taxa elevada.

Alguns estados já revelam uma atenuação da curva, é o caso de Rio Grande do Sul e Santa Catariana, porém Amazonas continua grave, já o Ceará e Maranhão devido ao #LockDown tiveram melhoras enquanto o Pará ainda não mesmo com o isolamento radical.

 

Ascese, virtudes e ascensão

22 mai

A palavra vem do grego ἄσκησις, se diz áskesis, um “exercício espiritual”, que significa o controle das punções e emoções, um caminho virtuoso, cuja prática leva a um caminho de subida, enquanto o contrário leva as paixões e punções desordenadas podendo levar ao vício e a morte.

Na modernidade isto se modificou profundamente, a ideia que a liberdade tudo pode e que não devemos limitar o prazer e as paixões levou a uma decadência humana, em seu lugar foi colocada uma “vida de exercícios” conforme explica Peter Sloterdijk (que não é religioso) a antropotécnica.

“Como exercício defino qualquer operação que conserva ou melhora a qualificação do ator para realizar a mesma operação da próxima vez, seja ela declarada como exercício ou não” (Sloterdijk, 2009, p. 14), é a definição de Sloterdijk em seu livro “Você pode mudar sua vida”, sem tradução para o português.

Esta é assim uma ascese desespiritualizada, portanto tanto pode levar a virtude quanto ao vício, inclusive no âmbito religioso, se não há de fato uma elevação espiritual, no campo da leitura teológica ou filosófica significa uma propedêutica (iniciação) que leve a hermenêutica, que leve a uma fusão de horizontes e uma vida de co-imunidade (outro conceito de Sloterdijk.

Tanto a leitura que não eleve o sentido de vida, o Lebenswelt de Husserl, quanto a pregação ideológica impregnada de idealismo filosófico não representam uma elevação, não há nela qualquer aspecto de contemplação e elevação espiritual, apenas uma “vita activa”, aquilo que Byung Chul Han chama de Sociedade do Cansaço, sem ela não haverá vida saudável e elevada.

Em termos cristãos a verdadeira ascensão é aquela que foi presenciada pelos apóstolos, e que as igrejas cristãs históricas comemoram nesta semana, as Ascensão do Senhor (na foto pintura em Azulejos em Barcelos, Portugal), que os evangelistas assim descrevem (Mc 16,19): “E o Senhor Jesus, depois de ter-lhes falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus”.

Mesmo os que não creem devemos em tempos de pandemia exercitar a fraternidade e o desejo e o esforço que tudo isto passe para que em situações parecidas no futuro estejamos mais conscientes.

Sloterdijk, P. Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik. Frankfurt, Suhrkamp, 2009. 

 

Entre a essência e o Ser

21 mai

Como o dualismo permanece presente hoje, se concebe a essência por analogia ao Ser, e esta também era a doutrina tomista, ela permaneceu como uma onto-teologia até o século XX, foi preciso todo um percurso da fenomenologia para encontro o Outro, o não-Ser não como contradição, que o fim do dualismo entre Ser e essência iniciasse.

A longa discussão do período medieval entre realistas e nominalistas, tinha como base um termo hoje desconhecido que era a quididade, que significa que coisa a coisa é, desde a hylé grega até os modelos modernos da metafísica de Heidegger, onde a coisa que pode ser material ou não, e também o que pensamos sobre ela, na linha de Husserl só existe consciência de algo, ou da coisa.

Mas existiu um filósofo na idade média, Duns Scotto (1266-1308) que não fazia distinção entre a coisa que existe (si est) e o que ela é (quid est), e teologicamente era complicado pois a tese de Tomás de Aquino (1225-1274) era pela analogia, ou seja, o significado de semelhança entre coisas ou fatos (dicionário Houaiss, 2009, p. 117),  e os religiosos sempre apressados cuidado porque no século XX Duns Scotto foi aceito dentro da doutrina cristã católica, tornando—se beato (João Paulo II o declarou).

A sua teoria do conhecimento usava as duas distinções conhecidas distinctio realis (distinção real) e existe entre dois seres da natureza, e a distinctio rationalis (distinção de razão) que se dá entre dois seres, mas na mente do sujeito que conhece, mas rompe o dualismo ao criar uma terceira possibilidade a distinctio formalis (distinção formal) que se dá no ente percebido e não é nem real e nem na mente.

Assim além de seu discípulo William de Ockham, famoso pelo princípio a simplificação chamado Navalha de Ockham, mas de certa forma Descartes, Leibniz, Hobbes e Kant tiveram sua influência.

Porém a recuperação de Duns Scotto é fundamental para superar o dualismo nominalismo/ realismo e a superação do puro realismo pelo hermenêutica filosófica, e assim também o correspondente moderno do nominalismo que é a viragem linguística faz sentido e abre diálogo.

Não é, portanto, a afirmação do realismo nem do nominalismo, mas o fato que podem dialogar dentro de um círculo hermenêutico é que importa, a recuperação filosófica do nominalismo na viragem linguística, e na fé cristã do nominalismo de Duns Scotto não é sua verdade, mas sua importância para o diálogo filosófico.

Em tempos de pandemia seria muito mais importante a fraternidade de socorrer vítimas, que o debate ainda incerto da ciência e das “crenças” que este ou aquele procedimento é certo, em ambientes hostis quem venceu foi a morte, assim dogmáticos e autoritários só atrapalharam.

 

 

A fenomenologia e as hermenêuticas históricas  

20 mai

Qualquer leitura por mais simples ou complexa que seja envolve uma interpretação,  e em qualquer que seja a cultura do interpretante ela está fundamentada na linguagem, em especial a escrita para povos que ultrapassaram a linguagem oral, assim se fala da interpretação de textos.

É claro que o imaginário e as diversas linguagens, por exemplo, agora as midiáticas, tem uma influência diferenciadora, porém ainda estarão fundadas naquela escolarização primários dos diversos interpretantes e ainda é na escola primária a interpretação de textos.

Já dissemos no post anterior que ela começa com a maiêutica (ato de parir ideias) de Sócrates, não por acaso o nascimento da escola como conhecemos hoje, depois vieram a acadêmica platônica e o liceu aristotélico, o longo período chamado de “translatio studiorum” da baixa e alta idade média, até chegar a prensa de Gutenberg e a escola moderna, vinculada ao iluminismo moderno.

A hermenêutica contemporânea, cujo ponto de partida para diversos autores é Schleiermacher (1768-1834) foi contemporâneo de Hegel, porém com influencia direta de Kant e Fichte, não optou pelo subjetivismo idealista, e como religioso luterano, também fugiu da ortodoxia católica.

Porém a hermenêutica vai encontrar outro solo em Franz Brentano, que até romper com a visão escolástica católica (ele foi inclusive um clérigo), em 1871, ele faz uma reinterpretação da intencionalidade escolástica-aristotélica “a in-existência intencional” (a referência é de Safranski) distinguindo dois modos de ser: o esse naturale, ser natural ou real situado fora independente do sujeito que o percebe, e o esse intentionale, o ser mental ou intencional dos objetos que existem imanente ao sujeito que o conhece.

Esta digressão filosófica é importante para entender que em Franz Brentano e depois em Husserl, a hermenêutica passou por uma mudança profunda, conservando sua raiz ontológica, mantendo assim a relação a um conteúdo, porém mergulha na questão mental ou psicológica.

Husserl aluno de Franz Brentano vai provocar outra mudança na hermenêutica agora na direção da crise epistemológica da ciência em meados no início do século XX, Husserl responde com uma ruptura ao dualismo kantiano entre o objeto e o sujeito cognoscente, com uma pergunta: “eu existo, logo todo o não eu é simples fenômeno e se dissolve em nexos fenomenais?” (HUSSERL, 1992, p. 43).

A evolução deste pensamento passará por Heidegger, aluno de Husserl, que em o Ser e Tempo (1986), explicando que estas elaborações desde Platão e Aristóteles estavam presas aos fenômenos naturais: “A representação dominante no Ocidente da totalidade da natureza (o mundo) foi, até ao século XVII, determinada pela filosofia platónica e aristotélica …” (pag. 86) e que agora a questão do Ser deveria ser retomada, é assim um passo grande na hermenêutica filosófica.

A maturidade deste pensamento, elaborando o método do círculo hermenêutico é desenvolvida por Gadamer, para quem interpretar “… não é tomar conhecimento do que se compreendeu, mas elaborar possibilidades projetadas na compreensão”, é assim uma abertura nos pré-conceitos.

Referências

GADAMER, H.-G. Verdade e Método. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. São Paulo: Vozes, 1986.

HEIDEGGER, M. Que é uma coisa? Lisboa: Edições 70, 1987. (pdf em inglês)

HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Ediçoes 70, 1992

 

A verdade, o método e a vida

19 mai

O conceito contemporâneo de verdade, embora bastante preso ao logicismo e idealismo, nasce da maiêutica de Sócrates, técnica de valorização do diálogo para a parturição (vem de parto) de ideias que são consolidadas de acordo com as condições concretas do conhecimento (diz-se material, mas o hilé grego é algo diferente de matéria hoje) onde se questiona o que é inabalável e absoluto.

Entre as verdades modernas fortemente influenciada por Hegel, há uma dose elevada de subjetivismo, dita da seguinte forma em Fenomenologia do Espírito: “… tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediatez do saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a imediatez para o saber. […] “, assim parece referir-se ao Ser e ao Espírito, porém é subjetiva e fluida.

O que resultou do hegelianismo foi a formulação da ideia de Poder exercída pelo Estado e dela decorrerá grande parte das formulações modernas, até chegar ao relativismo geral, ou seja, em termos rudes “cada um tem a sua verdade”, retornamos a doxa grega, a mera opinião.

Torna-se necessário assim discutir o método, porém também as metodologias modernas estão penetradas de dogmatismo, a mera repetição de conceitos abstratos, a construção lógico-teórica de teorias formais, o empirismo, segundo Popper o maior perigo da ciência moderna, e a base da retórica idealista: a verdade abstrata.

A hermenêutica inicialmente e mais tarde a círculo hermenêutico a partir de Heidegger e consolidado em Verdade e Método de Hans-Georg Gadamer, reconstrói uma maiêutica moderna, onde não só o diálogo se viabiliza, como também a possibilidade de uma fusão de horizontes torna-se possível, inclusive em diálogo com a ontologia clássico e a historicidade moderna.

O método hermenêutico tem profunda relação com a vida, o Lebenswelt de Husserl, é eficaz para o diálogo com visões de mundo diferentes, assim favorece a relação ente pessoas que expressam culturas diferentes, e assim é crucial para a interpretação de textos nos campos do direito, da teologia e da literatura, sem fundamentalismo e falsa ortodoxia que esconde o erro e a doxa.

A hermenêutica numa relação pandêmica faz pessoas agirem juntas mesmo com uma leitura política, médica e social diferente, é ela que ajuda discursos distantes a se solidarizarem pela vida, o bem comum e no futuro próximo traça planos para a recuperação da sociedade pós-traumática.

 

#LockDown ainda que tardio

18 mai

Países que realizaram um #LockDown mais cedo tiveram êxito não apenas nocombate ao coronavírus, como é o caso da Nova Zelândia e da Eslovênia, primeiro país europeu a não registrar nenhuma morte pelo covid-19, como também tiveram o retorno a nova normalidade mais cedo.

Até mesmo do ponto de vista econômico foi melhor medidas radicais, poder retomar mais cedo com as atividades sociais, pois as econômicas deverão ser retomadas aos poucos e em muitos casos já sofreram mudanças radicais, o que estão chamando de nova normalidade, casos como a Suécia e a Coréia do Sul (que não é verdade que não tenha feito fortes restrições de isolamento social, embora não seja um #LockDown total), foram isolados, mas tem um povo consciência e organizado capaz de cumprir regras sociais.

O Brasil já tem algumas cidades do Norte e Nordeste com um #LockDown decretado, no sudeste é mais difícil tanto pelo volume populacional como por uma parte da população que insiste em ignorar aquilo que salta os olhos: a agressividade do coronavírus e o número de mortos, além do esgotamento do sistema de saúde.

Entraremos numa semana de conflito, com mais um ministro da saúde que sai do governo central, com medidas de liberação do governo central e medias restritivas de governadores, além do polêmico uso da hidroxicloroquina cuja eficácia não tem comprovação científica, além dos efeitos colaterais.

O resumo de todo o problema brasileiro é a impossibilidade de uma discussão racional em torno de um tema que afeta a morte de milhares de pessoas, no entanto, continuamos defendendo um #LockDown nos grandes centros, que são os focos principais do vírus no país, para que a curva pare num patamar, que está em torno de 900 mortes diárias, o número 485 do domingo é uma subnotificação, devido aos centros médicos que reduzem o pessoal nos fins de semana.

Esperamos uma semana muito turbulenta, que se não bastasse resta ainda mais polêmica na área política, com retorno a velhas práticas já condenadas pela sociedade de fisiologismos, espera-se que os governadores e prefeitos mantenham uma posição firme diante da urgência do #LockDown.