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Arquivo para setembro, 2020

A pobreza e a ajuda externa

16 set

Não é apenas pelos fatores de desigualdades, o fluxo de riqueza que corre sempre numa única direção, depende do desequilíbrio de áreas como educação, infraestruturas não apenas sanitárias, mas também de transportes e fontes de riqueza regional e nacional, e para isto a ajuda externa é imprescindível.

A relação entre ajuda externa e combate a pobreza global é positiva e eficaz, dizem os relatórios de muitos fóruns.

Talvez alguns dos exemplos mais fortes da eficácia da ajuda externa sejam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio desenvolvido pela ONU, porém as metas não foram alcançadas, corrupção interna e ajuda externa ineficiente.

Essas metas, propostas pelas Nações Unidas e ratificadas por todos os países do mundo, visavam: reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil, mas os planos de desenvolvimento local e regional foram timidamente atacados.

O chamado Borgen Project foi na verdade direcionado a ações de capitalistas locais e interesses externos,

Os objetivos propostos e ratificados por todos eram:

– reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil;

– alcançar educação primária universal, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental;

– melhorar a saúde geral, lutando contra doenças tratáveis; e

– atuar como uma parceria global para o desenvolvimento.

Parecem louváveis e dificilmente alguém deixaria de apoiar a estes planos, mas a aplicação local foi para reduzir a natalidade, sustentabilidade ambiente sem desenvolvimento, e as doenças tratáveis não são de fato atacadas, ainda doenças infantis subsistem, a malária é comum em muitas regiões da África e há o risco agora da pandemia.

Restou o problema fundamental da parceria global para o desenvolvimento, onde deve-se olhar os interesses, a cultura e aquilo que é socialmente valorizado localmente, e infelizmente a mentalidade colonialista ainda impera, a chamada decolonização vem no enfrentamento desta questão.

Um processo que contemple este novo processo deve ser pensado, observando autores e as culturas locais.

 

Auxilio efetivo a pobreza

15 set

Se por um lado é necessário o auxílio emergencial, principalmente porque a pandemia impede o exercício de trabalho informal e muitas famílias economizaram com empregados domésticos, é necessário um plano de recuperação a médio e longo prazo para evitar uma degradação e uma distribuição de renda ainda pior do que a que já existe.

O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo inteiro como “o banqueiro dos pobres”, mas na verdade não é um banqueiro no sentido convencional, pois ele auxilia pessoas que nunca tiveram acesso a nenhum sistema bancário, o que fomenta é um empreendedorismo, principalmente entre mulheres, e seus resultados são surpreendentes.

É verdade, entretanto que fundou um banco, o Grameen Bank em 1983 em Bangladesh, porém hoje o que mais faz são palestras, é um dos oradores mais solicitados do planeta, e recebeu entre outros prêmios, o Nobel da Paz em 2006.

Em suas palestras censura e critica banqueiros que visam apenas o lucro fácil, os juros escorchantes e pouco ou nada olham para a realidade social em que vivem, uma de suas frases muito conhecidas diz: “Lidar com teorias econômicas diante de pessoas morrendo [de fome], para mim era uma piada”, isto é ainda mais verdade numa pandemia.

O produtivismo utilitarista, a produção é necessária principalmente em bens essenciais, é aquele que visa apenas os setores mais atrativos onde o lucro é alto e o impacto social nem sempre tão alto, no que se refere aos pobres, e no caso da educação e da saúde, é necessário até mesmo que não seja considerado o lucro, pois se trata de investimento.

A ideia que invadiu diversos setores, e infelizmente também na educação e na saúde pública, que é necessário que estes setores sejam produtivos não é senão uma reprodução de um capitalismo selvagem incapaz de gerir a crise atual, e só está em alta por causa da desinformação da população, em tempos sombrios teorias autoritárias ganham voz.

O que Yunus diz sobre empregos é muito interessante: “Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado”, aqui precisamos vencer também o economicismo assistencialista. 

O mundo digital no qual qualquer pessoa pode ter um sistema online e trabalhar nele, onde empregos “informais” podem tornar pessoas de qualquer localização, inclusive da periferia empreendedores, vão de encontro a proposta de Yunus, tornar os “serviços” mais próximos da população de periferia é possível graças a onipresença do digital.

Empreendedores existem em todas camadas sociais, arrisco até a dizer que eles se concentram na periferia, o problema é quem se arrisca a colocar capital ali, quem poderia financiar estes “microempreendedores” de periferia, aí há solução, o número de empregos pode crescer rapidamente e haver circulação de bens e renda em ambientes frágeis.

 

Número de casos cresce e as vacinas

14 set

O número de dados voltou a crescer, se olhamos o vale do dia 7 de setembro, feriado nacional no Brasil, vemos o vale de decréscimo com 10 mil casos, nesta avaliação de curto prazo é melhor o número de infectados, porque o número de mortes só será afetado de 7 a 14 dias, que neste período também voltou a crescer.

Foi um escândalo e comentado em todo país a descida dos paulistas para as praias litorâneas, coincidência ou não, é um dado real e científico, o número de casos voltou a crescer e o número de mortes voltou a aproximar das mil diárias.

Enquanto a vacina não vem, teremos que conviver com esta realidade, o período de um possível lockdown passou o vírus está em todo país e o único isolamento que funciona é o social para evitar a infecção entre pessoas próximas, partindo justamente da ideia que todos podem ser portadores do vírus agora e todo cuidado é necessário.

Agora estamos a espera da vacina, e o caso de um efeito colateral de uma mulher em Londres da vacina de Oxford, a que usa o princípio vetor viral, o efeito foi uma mielite transversa que causa um problema neurológico e pressão alta, sendo possível que a causa foi um fator externo a fórmula, a mulher passa bem, há avaliação do caso por um comitê que é independente (vejam o quão complexo e sério devem ser os testes), e a retomada dos testes já foi autorizada, há outras 6 na fase dos testes.

É importante notar que o problema foi o efeito colateral e não a infecção, a vacina da Oxford e do Laboratório Astrazeneca, que tem participação do laboratório da Fiocruz brasileira, não tem possibilidade de infecção, ela não replica o vírus, por isto é considerada segura, mas efeito colateral existem em quaisquer remédios e vacinas e deve-se prescrever os casos, como aqueles que encontramos nas bulas, do tipo, crianças ou adultos não podem tomar, etc.

O caso foi importante para que todos tenhamos consciência da seriedade e da lentidão dos testes, que são necessários.

Outras vacinas sobem na “cotação”, a vacina da Pfizer. que segue o princípio ácido nucleico (RNA), e com boa cotação na área médica, porém esta também está sujeita aos testes e sem a avaliação das “contraindicações” não se deve apressar seu uso, por isto, a demora, é necessária e não se pode dispensar esta fase.

Socialmente o que esperamos, passado um período de ajuda (deve ir até o final do ano, mas que já está ai), é preciso já começar a pensar nas consequências econômicas, sociais e educacionais, elas serão fortes e exigirão o esforço de todos e deve-se pensar não como um peso, mas como uma necessidade social que determinados grupos tenham proteção.

É o caso de idosos, crianças e grupos socialmente marginalizados, se a sociedade e as políticas públicas não abraçarem estas pessoas, as consequências sociais que já são graves, poderão ir para o campo do descontrole e seria uma tragédia.

 

Perdão, utopias e mudança

11 set

Não só pessoalmente, mas principalmente socialmente o perdão pode mover a história no caminho inverso do ódio, da guerra e da opressão, isto não é diferente em muitas religiões, afinal a “regra de ouro”, não faz ao outro aqui que não gostaria que fosse feito a si, está presente nas grandes religiões e culturas contemporâneas.

Há vários textos e discursos sobre o perdão que não estão conexos com a realidade, por exemplo, quem perdoa nem sempre esquece, o perdão deve reparar o dano, porém não significa que isto seja proporcional, muitas vezes não é.

Cada ofensa se repetida não deve ser perdoada, lembremos do ensinamento de Jesus: “setenta vezes sete” (Mt 18, 21), apenas para dizer muitas vezes, e se entendemos que o erro é mais comum do que imaginamos (veja os vários posts desta semana) pode-se entender melhor a oração dada pelo próprio Jesus: “perdoai nossas ofensas, assim como perdoamos o quem nos tenha ofendido”, este é o caminho possível do Amor em muitas dimensões.

Lembro que este trecho vem logo depois da passagem que Jesus pede a unidade das pessoas (não precisam ser cristãos, mas estarem “em seu nome”), “onde estiverem dois ou três em meu nome, aí estou no meio deles” (Mt 18,20), assim não há proprietários desta “presença”, inclusive ela pode não estão entre pessoas que são religiosas.

Karl Jaspers (1883, 1969), que influenciou muitos dos pensadores modernos como Hannah Arendt e Heidegger, em seu livro Introdução ao Pensamento filosófico indagava sobre o caminho que já trilhávamos muitos anos atrás:

“Irritamo-nos mutuamente. A psicologia profunda surge como refúgio que tudo obscurece. A superstição científica leva a recorrer, para busca de salvação, às pseudociências. E nos dizem: quando tiverem desaparecido todas as ficções e ideologias, o homem, até agora doente e alienado (em sentido etimológico), recuperará saúde. E a saúde é a felicidade, o fim supremo” (Jaspers, 1965, p. 30).

É claro que existe ciência verdadeira que não é pseudociência, e que a felicidade que não tem bula nem fórmula, pode e deve ser almejada, porém a recuperação da saúde emocional depende de rever a história e daí caminhar para frente.

JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. SP: Cultrix, 1965.

 

Onde leva a ira e onde leva o perdão

10 set

Pode-se considerar a primeira ideia da ira política ocidental, do século VIII a.C., a Ilíada de Homero aquela que levanta a primeira voz sobre a ira, já na primeira frase: “canta, ó musa (Muse) a ira (mènin) de Aquiles”.

Parece que esta é a voz corrente do Ocidente de Zizek a Sloterdijk todos parecem concordar com isto, menos Edgar Morin e claro alguns pacifistas, mas que ficam envergonhados diante de tamanha desfaçatez dos líderes conservadores.

Mas há bem poucas crónicas que falam do sucesso destes líderes, e parece que a pandemia os ajudou, com medo a ideia de um governo forte que cuida dos fracos é mais forte do que a voz da insurreição e da liquidez, há outras vozes porém.

A ideia de perdão é ironizada e a vingança e a ira parecem potencializadoras de uma mudança, porém o sentimento de compaixão e de perdão é inerente a ética humana, por mais que ela esteja confusa com a ética do estado que dispensa muitas vezes a moral, ela é a única esperança de que o quadro da cólera possa se inverter, é claro com arrependimento dos opressores, mas o discurso corrente é que isto é impossível e que as pessoas jamais mudariam, e com a pandemia!

É claro que perdão sem arrependimento e sem reparação não é aceitável, e não é verdade que basta se confessar e mostrar arrependimento que está “salvo”, há efeitos e punições sociais que podem levar o opressor a sua reparação, mesmo que esta possa ser muito menor que o dano causado, porém não há como mudar de rota, de rumo, sem perdão.

O que é preciso compreender é que as ofensas quando brotam em torno de uma polarização elas podem favorecer aos que raramente não tem defesa, social, política ou ideológica, e isto favorece aos fortes, o medo pune os fracos e nunca os cruéis, acostumados a fazer com ele um jogo de risco e sádico prazer.

Edgar Morin esclarece que: “A compreensão não desculpa nem acusa, pede que se evitar a condenação peremptória, irremediável como se nós mesmo nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem cometido erros. Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas”, e está no sentido inverso neste momento, o que favorece a líderes autoritários e aos que desejam que o ódio cresça.

Para sermos solidários com o Outro, que não é nosso espelho, tem que “tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum”, a pandemia pode ainda tornar consciente que devemos cuidar do Outro.

O perdão não muda os acontecimentos, mas pode mudar o sentimento em relação a eles, não muda o rumo da história, mas o destino de histórias pessoais e/ou coletivas quando o problema é encarado de frente, superando a ira e o rancor.

Se formos honestos diante do espelho, se formos capazes da autocrítica, como postamos anteriormente, conforme afirma Popper: “A autocrítica é a melhor crítica”, é dela que pode nascer uma crítica com consequências positivas.

 

Erro, cólera e thymós

09 set

Assim como o erro científico é assumido como parte da investigação científica, os erros nas relações humanas e sociais não devem levar a ruptura e o retorno a ligação entre pessoas ou grupos envolverá fatalmente algum tipo de perdão.

Muitas vezes é possível que o erro não seja assumido,  mas subentendido, isto porque, ficamos justificando o caminho que tomamos e fazendo considerações sobre a nossa falta e acabamos por não assumi-la, mas o retorno deve ser sempre tentado, uma vez que o perdão sana e permite o diálogo avançar.

Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, Thymós está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parece algo muito presente em nosso tempo e assim delineou o seu livro Ira e Tempo (Cólera e Tempo, na tradução portuguesa da editora Relógio d´Água).

O assunto preferencial não podia ser outro que não a política, é sem dúvida o polo de catalização de ódios e rancores, onde o perdão e o diálogo parecem ser cada vez mais um ponto distante ao qual jamais se chegará, e o inverso disto é …

Estes impulsos atravessam não só as redes sociais, passam pelo jornalismo política e polarizam entre partidos, pessoas e grupos sociais, o que Sloterdijk faz na forma de “análise” é que existe um estado de proliferação (atenção, não é aquilo que Byung Chul Han vai chamar de psicopolítica, ou a antiga “política de massas”), já chamamos a atenção para Karl Kraus, que em seu tempo entre guerras, chamava a atenção para o discurso da imprensa e dos intelectuais.

Em uma de suas comédias, “A terceira Noite de Walpurgis”, dizia que “sobre Hitler não me vem nada à cabeça”, é lógico que ele não ignorava o perigo daquele discurso, porém alerta os jornalistas e escritores que insistiam em apenas ironizar e dizia que os media pareciam gostar do cidadão indignado, mas impotente, assim tem o efeito inverso do desejado.

Um olhar analítico sobre a psicopolítica que Chul Han faz não é dispensável, ainda que estejamos munidos de pouco saber sobre esta matéria, verificasse que o estado de alta tensão timótica, instaurado pelos meios de comunicação para garantir o sucesso de indivíduos que estejam carregados de “thymós”, nos leva a uma guerra civil sem fim (aparente).

É como se toda ira só encontrasse sua “economia política” naquilo que Sloterdijk chama de cinismo “racional”, uma espécie de “banco mundial da ira” que catalisa não por acaso, lados opostos da polarização atual.

Basta olhar os políticos de diversas tendências para ver o quanto estão agarrados a esta tendência, assim o ressentimento e a legitimação de crimes tornam a indignação popular impotente, reclamar apete e torna-se tábula rasa para qualquer início de conversa, mesmo que venha de um sentimento libertador que deveria apontar para o novo.

A ausência de perdão ou ao menos de tolerância, torna a violência e o falso radicalismo visíveis e esconde a impotência.

SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo – ensaio político-psicológico. Trad. Marco Casanova. SP: Estação Liberdade, 2012.

 

Sobre o erro e o mundo melhor

08 set

Karl Popper estava preocupado com a ciência, com a natureza mas principalmente com a ética e sobre o erro, e estabeleceu doze princípios para serem observados no seu livro “Em busca de um mundo melhor” (Fragmentos, 1989), comenta-se aqui apenas alguns:

O primeiro é entender que nosso saber é conjectural, ou seja “vai sempre mais além daquilo que um indivíduo consegue dominar, não existem pois autoridade. Isto é igualmente válido no que se refere as especializações”, como alertam autores sobre a Transdisciplinaridade, o saber especializado pode-se se tornar um novo tipo de obscurantismo, afirmam Edgar Morin, Barsarab Nicolescu e Lima de Freitas na Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.

Um segundo princípio que destacamos é que é ‘impossível evitar todos os erros ou sequer todos erros em si mesmo evitáveis”, o idealismo e perfeccionismo levam as pessoas a decepção porque não consideram este aspecto essencial sobre a natureza humana.

O terceiro princípio estabelece que deve-se tentar evitar os erros, assim mesmo cientistas criativos que seguem a intuição, podem e devem evitar o erro, mas é quase inevitável que o cometam.

Mesmo a teorias mais confirmadas aquelas que podem parecer perfeitas ocultam erros, isto deveria ser pensado para aqueles que vivem em “bolhas”.

Isto deve levar-nos ao que Popper propõe como uma reforma “ético-prática” que leva a uma forma de pensar que é impossível evitar todos os erros, o que muda a antiga noção de que é possível evitar erros por “critérios científicos”.

O sexto princípio é que o “novo princípio básico é o de que para aprendermos a evitar tanto quanto possível os erros, temos que aprender precisamente com eles”.

Assim é mais saudável procurar os erros, e a atitude de autocrítica e sinceridade são consequências deste dever.

Assim aceitar compreender e aceitar os erros, até mesmo agradecer que outros nos alertem sobre eles, Popper lembra que os maiores cientistas cometeram erros, e ter sempre presente que cometemos erros, isto é, não negligenciar a nossa vigilância, propor o autor.

Temos que compreender que precisamos dos outros (e os outros de nós) para conseguir entender nossos erros, em particular daqueles que tenham acrescido com ideias diferentes, mas em ambientes distintos, o que significa ampliar a tolerância.

A autocrítica é a melhor crítica, porém é a crítica através dos outros a mais necessária, segundo Popper, tão útil quanto a autocrítica.

Aqui entra o ponto final crucial da ética-prática popperiana, a crítica racional deve ser sempre específica, deve indicar as razões específicas porque determinadas afirmações, determinadas hipóteses parecem ser falsas e determinados argumentos não podem parecer válidos, a critica racional propicia uma aproximação à verdade objetiva, neste sentido é impessoal, e embora Popper não diga, deve estar acima de crenças e ideologias para ser base de alguma verdade ética.

POPPER, K. Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Editorial Fragmentos, 1986.

 

Ódio, desdém e reflexão

07 set

Não é por acaso que a região do cérebro de estruturas como o córtex frontal medial, cuja capacidade de argumentar e portanto de dialogar se encontra ali, tenha como núcleo o putâmen, o córtex pré-motor e o córtex insular, cujas estruturas participam também da percepção do desdém e do nojo, isto é a ativação do ódio está fisicamente no cérebro próximo àquelas áreas associadas ao julgamento e ao raciocínio, assim pode-se tanto ativar um como o outro, há as duas opções.

Os que querem justificar o ódio então estão cheios de argumentos, são capazes de raciocínios até profundos para agir contra o odiado, mas se a premissa for o diálogo o mesmo raciocínio pode ser usado para compreender, cuidar e desviar a violência do outro, como algumas artes marciais ensinam, desviado o “corpo”.

O ódio não desaparecerá esperando que as circunstâncias externas mudem, em geral ela não acontece, não é uma mágica, para curá-lo é necessário que se reconheça a diversidade, sua problemática, como diria Gadamer ter consciência dos pré-conceitos, isto é, dos fundamentos que iniciam uma desavença ou um tipo de crédito, reconhecer o Outro em sua bolha e reconhecer a nossa, ambas como tendo pré-conceitos.

Se de fato ativamos a parte do raciocínio, do pensamento e colocamos as desavenças neste nível, atenuamos um pouco a parte do ódio, mas é essencial perguntar e uma parte de nosso ódio viria abaixo ao refletir dessa forma: “Por que odeio? O que pretendo conseguir com isso? O que ganho e o que perco com meu ódio?”.

Não conheço situação que se resolveu neste caso, em geral levou a um conflito maior, a um ódio mutuo maior, se o objetivo é a guerra provavelmente chegaremos lá, mas creio que para a maioria das pessoas não é, então o que falta é refletir, analisar as origens de tal “mal” em suas bases mais profundas.

O ódio deve ser combatido com a compreensão e principalmente que leve a um novo tipo de ação, o que implica reconhecer em primeiro lugar que ele existe e é fomentando por dois lados e não por um só, nas manifestações das pessoas e em suas propagandas, as denuncias são recorrentes para dizer toda verdade está deste lado e no outro só mentira, é preciso explicar as consequências e que de fato quem se beneficia são aqueles cuja razão de existir e de pensar é mesmo o “ódio”.

Pessoas sábias de diversos matizes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou madre Teresa de Calcutá com sabedoria e inteligência diante de conflitos enormes e absurdos souberam mostrar que a bondade e a generosidade, a criatividade e o respeito ao outro podem levar a buscar um bem coletivo maior e em embora um pouco mais demorado terão frutos mais duradouros, com menos violências e mortes, mas porque mesmo em grupos sérios o ódio persiste, a resposta é muito simples.

Incentivados por líderes e grupos que vivem em bolhas políticas, ideológicas ou religiosas, o principal recurso é a demonização do adversário, identificado com algum aspecto repugnante do mal: morte, corrupção, violência sexual, racial ou de gênero, enfraquecimento de valores ou algo do tipo, e uma vez unidos em grupo o medo desaparece e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas não a da argumentação e exposição dos fatos, mas a violência contra a violência.

Os líderes que incitam este ódio, dizem já não poderem controla-lo, mas no fundo o desejaram, desenvolvem esta parte do raciocínio que dizemos no início perto da parte do cérebro do putâmen, e liberado o ódio será executado pelas pessoas que usam a outra parte com menos raciocínio e mais visceral, assim o ódio “explode”.

O que devemos pensar diante de fatos indignos, e neste momento não deveria haver nenhum maior que a pandemia, é que o sentimento de medo e de exaustão pelo confinamento é explorado não em conseguir modos de relaxamento e anti-stress, mas de liberá-lo em formas violentas, quais as consequências ? e a quem estão favorecendo ? penso que aos odiosos, e não aos amorosos que de fato tem amor pela humanidade e pelo apreço mais frágeis.

Parece um caminho sem volta, em meio a pandemia e com duas eleições tensas se aproximando, a nacional dos Estados Unidos e as municipais no Brasil, vejo pouca ou quase nenhuma discussão sobre a pandemia e sobre os que morrem todos os dias, as famílias enlutadas e a compaixão com estes, nem de um lado nem do outro.

Felizmente os níveis de mortalidade diminuíram, mas o fim de semana prolongado prometem aglomerações, a vila de carros para a praia era enorme, e a pandemia ?

 

A unidade e o terceiro incluído

04 set

A polarização, o dualismo e a ontologia binária (o ser é e o não-ser não é) estão tão presentes nas relações humanas do cotidiano que é difícil pensar numa terceira hipótese, porém a física quântica já a descreveu e mais do que seu efeito fantasmagórico (Einstein, Podolski e Rosen assim o chamaram e este efeito ficou então conhecido como EPR), há um efeito na vida real, os computadores quânticos vem aí, e seria bom que a filosofia acordasse de seu sono racional (que nada tem de líquido nem de sólido), e despertasse para uma nova realidade.

A lógica clássica aristotélica justifica a exclusão de um terceiro termo e ela prevaleceu até recentemente é ela que está na base das filosofias fundamentalistas, racistas e cientificistas, que fundamentam também o princípio do terceiro excluído que separa o “bem” do “mal” (o maniqueísmo) segundo esta lógica:

  1. Axioma da Identidade: “A é A”
  2. Axioma da Não-Contradição: “A não é não-A”
  3. Axioma do Terceiro Excluído: “não existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A”.

A lógica da física e também do cientificismo (não é a verdadeira ciência) estabelece isto, porém a contradição entre identidade  e não-identidade é  observada pela física quântica, sendo chamada de princípio da superposição quântica, cujo efeito foi estudado dentro da física chamado de “tunelamento” observando partículas qu transpõe o estado classicamente proibido.

A lógica do terceiro excluído foi primeiro enunciada pelo filósofo Stéphane Lupascu (1900 –1988), onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, seu formalismo axiomático prevê que coexiste com a dinâmica da heterogeneidade (a qual pertence a matéria viva e o complexo universo), com a da homogeneidade (a qual governa a matéria física macroscópica), e assim existem diferentes “níveis de realidade”, claro toda o cientificismo fica em cheque.

Esta nova lógica (nível Q) não abole a lógica aristotélica do “sim” e do “não” (nível C), uma vez que apenas não se considera a existência de dois termos, mas além destes um terceiro (T) (veja a figura).

O primeiro a estabelecer os diferentes níveis de realidade foi Barsarab Nicolescu (1942-  ), ele descreveu uma mudança de um nível de realidade para outro com leis, novas lógicas e conceitos próprios de cada nível, e assim estabeleceu o conceito da transdisciplinaridade, que também engloba a complexidade.

Esta lógica admite estabelece para a transdisciplinaridade três pilares:

  1. Diferentes Níveis de Realidade
  2. Lógica do Terceiro Termo Incluído
  3. Complexidade

 

Assim deve-se admitir, por exemplo, que entre duas pessoas existe um terceiro nível de realidade no qual nenhuma das lógicas pessoais estão submetidas e podem e devem ter uma abertura suficiente para uma nova realidade, da qual emerge um novo horizonte e uma nova percepção da verdade.

Não se trata de relativismo onde a verdade não existe, mas sim um estado de equilíbrio rigoroso, aceitar que entre os polos de uma contradição, existe uma semi- atualização e uma semi-potencialização igual para os dois pólos, este é o estado T.

Isto muda a lógica científica, alguns como o físico Fritjof Capra desenvolveram teorias científicas e até certo ponto místicas para esta nova compreensão dos “níveis de realidade”,   as verdades da fé não são fundamentadas em princípios científicos, mas estes podem ajudar a que não ocorram desvios fundamentalistas e é possível encontrar processos análogos em leituras bíblicas.

Uma passagem que penso ser fundamental é a de Mateus 18,20: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”, assim a verdade emerge entre os homens e não na consciência e sabedoria individual de cada homem, em termos bíblicos pode-se dizer que aqueles que de fato reúnem-se em torno da palavra e dos ensinamentos de Jesus podem ter uma iluminação especial com sua presença, a instrumentalização e manipulação do seu nome não é “presença”.

Também Sócrates afirmou que a verdade não está com os homens, mas “entre os homens” isto indica reconhecer a dignidade do Outro e respeitá-lo seja quem for.

 

A arte, a cisão e a unidade

03 set

Hölderlin, poeta alemão citado e elogiado por Heidegger, também manteve intimidade com a filosofia, em um de seus escritos pouco conhecido contestou o “eu absoluto”, mas é preciso questionar também um “nós” preciso a uma bolha, a um mundo hierarquizado e estilizado, na perspectiva do poeta a consciência sem objeto seria inconcebível e todo juízo pressupõe o mundo, o que é muito próximo da consciência de algo que a fenomenologia propõe.

Os princípios teóricos de uma filosofia da história, muito próxima a visão da consciência histórica de Gadamer, foi elaborada como divida em três épocas: a unidade, a cisão e a recuperação da natureza (sob a forma da naturalidade da arte), porém Hölderlin tratou também do aórgico, e poder-se-ia pensar na real recuperação da natureza, em tempos pandêmicos parece dar um respiro: peixes, pássaros e animais reaparecem, o ar está mais leve e parece que a natureza agradece.

A cisão, que faz com que o homem se veja diante de tantas contradições e desigualdades, é também disse Rousseau, uma condição de liberdade, entretanto ao se deparar com indignidades e injustiças esta condição parece estar ameaçada, o poeta lançava mão da poesia como uma “contraposição harmônica” entre o eu e o mundo, porém reivindica um terceiro, poético e harmônico no qual que habita o mundo dos textos como supôs Roland Barthes, diz em sua poesia Metade da Vida:

            Onde se é inverno, achar as flores, e onde a luz do sol e as sombras da terra?”

            No final restam somente “muros e bandeirolas ao vento”

            O próprio poema é metade que não se completa sem o leitor e o mundo.

            É também incerteza, conforme esta bela imagem da “canção do destino de Hipérion”:

           “como água de penhasco em penhasco lançada incessantemente no incerto”.

A canção de destino de Hipérion diz:

           Andais lá em cima na luz

          Em chão macio, gênios felizes! Cintilantes brisas divinas

          Tocam-vos de leve

          Como os dedos da artista Cordas sagradas.

O que Hölderlin me inspira é a diferenciação entre o pensar e o filosofar, Heidegger também descartou o segundo, no caso do poeta sua vida e obra ocasionam relações entre o pensamento e a poesia, e esta sim, numa relação nova com a filosofia propõe um terceiro, não há mais poetas logo filósofos também não.