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Sociedade sem dor e a biblioteca da meia noite

19 jul

Byung-Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa, a propósito não apenas da Pandemia, mas também e sobretudo da busca de um mundo sem dor, somos capazes até de sofrimentos e grandes esforços em função do narcisismo e da estética pessoal, aquilo que Peter Sloterdijk chamou de “a sociedade de exercícios”, porém uma ascese desespiritualizada.

O romance do escritor inglês Matt Haig: A biblioteca da meia noite, fala de uma mulher de 35 anos cheia de talentos e poucas conquistas, arrependida de suas más escolhas na vida, ela se pergunta se poderia ter vivido de modo diferente, ao perder o emprego e seu gato ser atropelado decide tirar a própria vida, no estágio entre a vida e a morte encontra a Biblioteca da Meia Noite (figura ilustração da capa), com as possibilidades de vidas que podia ter vivido.

Com ajuda de uma velha amiga decide mudar para a Austrália e reatar antiga relações, assim descobre que é possível rever a vida e desfazer algo que nos arrependemos, ter esperança.

Entre os dramas iniciais de Nora destaco o trecho que ela diz: “Eu fico com dor de cabeça olhando para… celulares”, não é só ela, é muita gente, isto tira a capacidade de reflexão e do silêncio que Byung-Chul Han reivindica, aquela que pode fazer refletir sobre a vida e nossos atos.

A sociedade paliativa, conforme Byung-Chul Han, nada tem a ver com a medicina paliativa, explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a carga da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2011).

Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim cada sofrimento social ou social deve preceder e anteceder a momentos de reflexão, ou como gosta Byung-Chul, de uma “Vida Contemplativa” outro ensaio do autor.

“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34), ou seja, a própria ausência de uma “hermenêutica” da dor pode levar ao fim do sentido da vida.

Esclarece também o sentido de homo sacer e via nua de Agamben: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, p. 34). 

As angústias, as solidões e as depressões não tem apenas causas sociais, mas aquilo do que alimentamos nossas almas, na passagem bíblia que o profeta Isaías vai visitar Ezequiel que está acometido de uma doença mortal (Is 1,1-6) após as súplicas de Ezequias, através da palavra de Isaías Deus liberta-o não só da doença dando-lhe mais 15 anos de vida, mas também “vou libertar-te das mãos do Rei Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção” (Is 1,6).

Claro a solução social não é passe de mágica, mas encaramos melhor se nossa dor é entendida.

 

Haig, M. A biblioteca da meia noite. Tradução: Adriana Fidalgo, RJ: Editora Record, 2020.

Han, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

Cansaço e verdadeiro descanso

18 jul

Dando um quadro psicológico e sociológico da sociedade contemporânea Byung-Chul Han a descreve como sendo portadora de “Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI (HAN, 2017, p. 7).

Usando um conceito de seu orientador de Doutorado (fez a tese sobre Heidegger) Peter Sloterdijk sua análise se estende ao chama de “o objeto de defesa imunológica é a estranheza como tal” (p. 8), o livro foi escrito antes da pandemia (escreveu também sobre ela na Sociedade Paliativa, aquela que rejeita a dor) e o conceito de imunologia aqui é aquele que afirma que o século passado foi uma época na qual se estabeleceu uma “divisão nítida entre o dentro e fora … a Guerra fria seguia o esquema imunológico”.

Assim o livro vai explorar os conceitos místicos de São Gregório de Nazianzeno, mestre na vida contemplativa (da qual Han escreveu também um livro), explora aspectos fundamentais da vida interior que combate os sérios problema da Vida Activa, que nos empurra a eficiência e ao cansaço sobre a pressão de cobranças e da guerra cultural que se estabeleceu.

Diz o paradigma imunológico “não se coaduna com o processo de globalização … também a hibridização, que domina não apenas o discurso teorético-cultural, mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida, é diametralmente contrária precisamente á imunização” (p. 11).

Seu conceito de resistência, vai na direção da “resistência do espírito” de Edgar Morin, porém ao nosso ver atinge o âmago da questão: “a dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade” (p. 11), onde o discurso do “engagement” é na verdade o vazio, pois é ausente de verdadeiras alternativas, pois a imunologia atual é aquela que acusa o Outro, lembramos aqui o distanciamento da pandemia (posterior ao livro como dissemos), uma boa “metáfora”.

Cita Baudrillard, falando da “obesidade de todos sistemas atuais”, em época de superabundância, “o problema volta-se mais para a rejeição e expulsão” (pg. 15) do Outro.

Seu aprofundamento certeiro na página 27 é que os atuais “sistemas disciplinares” (ou pseudo-éticos) buscam a lógica da produção “o que causa depressão do esgotamento não é apenas o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do desempenho” (p. 27).

Assim meditar e completar não é distanciar-se da realidade, mas a possibilidade de olhar para ela com outros olhos, buscando uma verdadeira ascese humana e espiritual, onde podemos realmente encontrar descanso e paz (apesar e contra as guerras cotidianas e bélicas) porque na verdade só através dela é possível.

Lembro da passagem bíblica que diz “vinde a mim todos vós que estais cansados” (Mt 11,28) e numa reinterpretação para atualidade, além de buscar o divino, é também encontrar a verdadeira interioridade, que não deve estar desligada da vita activa, sob a pena do cansaço.

Han, Byung-Chul. A sociedade do cansaço, trad. Enio Paulo Giachini, 2ª. ed. Ampliada, RJ: Petrópolis, Vozes, 2017.

 

Sabedoria e simplicidade

17 jul

Entre as várias narrativas contemporâneas, uma das mais absurdas é o elogio da ignorância como se ela fosse aliada da simplicidade e da humildade, desde o mundo “cultural” ao religioso isto é transformado em narrativas: ele não frequentou faculdades, não leu um livro, não andou entre sábios, etc. não confundir isto com a capacidade de viver com simplicidade e entre pessoas simples.

Não é sinal dos tempos, não é “geracional” é apenas desinteresse pela verdadeira ascese, por um crescimento interior e exterior que deem a sua natureza humana aquele algo mais que é a única coisa capaz de tirar de depressões, angústias, ansiedades e outras doenças atuais.

O homem sábio é observador, e observa não apenas as cenas cotidianas, aquelas que vivem diversos tipos de pessoas, em especial as mais simples, mas também aquele que procura na história da humanidade aqueles ápices de momentos civilizatórios que nos fizeram mais gente, mais humanos e mais solidários, há muitos exemplos, autores e pessoas que nos deram isto.

Postamos ontem sobre água fresca e comida quente, mas em várias regionalidades isto tem contornos e aspectos culturais interessantes, por exemplo, em muitos países não há o café da manhã, me contava um africano, em Portugal há o pequeno almoço que é um café da manhã simples, e no Brasil que se chama café da manhã é na verdade um pequeno almoço.

O que ler além é claro de sua crença pessoal, ler a Bíblia, o Alcorão, os Vedas ou aquilo que é sagrado ou culturalmente lido em uma determinada cultura, o livro vermelho na China por exemplo, o segundo livro mais lido no Brasil é O pequeno príncipe, embora O alquimista de Paulo Coelho seja o 5º. no mundo, mas Ilíada e Odisseia ainda são pouco lidos, Rei Lear e Otelo de William Shakespeare cada vez menos conhecidos.

Claro sabedoria não significa cultura literária, mas longe dela torna-se também narrativa no sentido que desconhece a história cultural, o modelo moderno do romance está presente em toda a cultura ocidental, e Honoré de Balzac e Gustave Flaubert são representantes para gostos distintos, mas até mesmo para uma crítica social deveriam ser lidos.

Alguém pode lançar o argumento filosófico, é toda uma cultura eurocêntrica, verdade, porém foi incorporada nos pensamentos cotidianos, o nacionalismo através das cores nacionais está em todo o mundo, a liberdade de expressão, como dizia o romântico Vitor Hugo (de Os miseráveis, foto): “Nem regra, nem modelos” é uma expressão também de individualismo e heroísmo pessoal, porém histórico.

Fizemos vários posts sobre o ser, a interioridade e o complemento da Vida Contemplativa com a Vida Ativa (Hannah Arendt e Byung-Chul Han em especial), sobre a metodologia do círculo hermenêutico onde devemos ouvir o texto (e também os diálogos) para fusão de horizontes e ainda o desastre da nossa cultura ocidental e a necessidade de resistência do espírito.

 

Um pouco de água fresca e comida quente

16 jul

Enquanto poderosos lutam por domínios, colonizações e poder ignoram a vida de pessoas simples, de trabalhadores de serviços básicos que são necessários em qualquer país e cultura porque esqueceram de verdadeiros valores comunitários e morais.

Podem falar disto no dia a dia, porém suas mentes articulações e esforços estão em conquistas e poder, não a conquista de uma boa amizade, de algumas horas de alívio e prazer num dia a dia e numa sociedade que nos empurra a máxima eficiência e cansaço até o limite das forças.

Ao contratar alguns trabalhadores de serviços da construção civil, eles me disseram que gostaria que para trabalharem precisavam de uma boa água fresca e uma comida quente, as marmitas precisam ser requentadas e o suor é restaurado com uma simples água fresca.

Também são gratos com um tratamento de dignidade e um pouco de repouso após o almoço, é incrível que grande parte da sociedade abastada desconheça estas coisas simples e que podem trazer grande felicidade, equilíbrio e paz, a sociedade do cansaço ignora isto.

Os centros de poder são rodeados de pessoas ambiciosas e que sabem (ou pensam que sabem) como iludir o povo simples, mas desconhecem o dia-a-dia e a vida destas pessoas.

Vejo quando formam rodas de conversa, os assuntos e as preocupações, quase sempre também há também preocupações com as relações que se perdem, o uso de violência e produtos químicos que correm a vida familiar deles, na medida que os valores humanos desmoronam e caem também sobre eles as piores degradações e desumanidades.

Uma boa palavra, é também um pouco de água fresca agora num sentido figurado, mas não menos verdadeiro, verdadeiras culturas e religiões guardam esta “água fresca” em seus jarros térmicos e onde o alimento da alma pode ser digerido e dar disposição para o cotidiano.

A passagem bíblica na qual Jesus fala as multidões, e seus familiares o procuram, ele tem uma resposta surpreende Mt 12,49-50: “E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, não significa que ignore sua família, mas quer dar aquelas pessoas um pouco de bom alimento e água fresca.

Não se ignora o mundo que vivemos, aliás os donos do poder o ignoram, mas é bom trazer um pouco de paz e esperança as almas que sobrevivem numa sociedade do cansaço, do ódio e do descaso.

 

Insegurança na Europa e atentado nos EUA

15 jul

A OTAN decidiu colocar mísseis americanos na Alemanha, os mísseis balísticos Tomahawk, que podem atingir alvos a até 2.500 km de distância e carregar munições nucleares, há também armas hipersônicas em desenvolvimento, que aumentam o poder de fogo europeu, a Rússia já possui armas deste tipo e que já estão espalhadas em locais estratégicos.

A reação russa veio através porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov “A Europa está no ponto de mira dos nossos mísseis, nosso país está no ponto de mira de mísseis americanos na Europa. Já vivemos isso. Temos capacidade o bastante de conter esses mísseis, mas as potenciais vítimas são as capitais desses países europeus”, o que seria o estopim de uma 3G.

Os combates continuam duros, um documento secreto revela que o número de mortos já é imenso na guerra e a Rússia teria 750 mil soldados mortos ou feridos, o número da Ucrânia embora desconhecido deve estar perto deste valor, e os países vizinhos Polônia, Letônia e Lituânia além dos escandinavos ameaçam enviar tropas caso a Ucrânia se fragilize mais.

O ex-presidente e candidato a presidência Donald Trump sofreu um atentado quando fazia um comício de campanha na Pensilvânia, foram feitos vários disparos matando uma pessoa e ferindo outra, Trump foi atingido na orelha e retirado do local por seus seguranças, o atirador foi morto e o FBI investiga as motivações, a primeira é claramente política.

Embora o cenário seja assustador e não faltam espíritos belicistas, porém neste momento há uma crise civilizatória instalada porque desde o centro do poder até os cidadãos comuns há uma animosidade que não percebe o perigo da intolerância, violência como esta não só desperta espíritos mais autoritários como os fortalece, e não deveria ter aplauso de ninguém.

A boa notícia vem do Irã onde o moderado Masoud Pezeshkian, Presidente eleito do Irã afirma estar disposto à realizar ‘diálogo construtivo’ com a União Europeia, o anuncio foi feito em um jornal de língua inglesa trazendo grande esperança.

 

 

Tempo de conflitos e clareira

12 jul

Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, por isso a inteligência artificial assusta tanto, é tempo impróprio para valores humanos e morais, este será  um tempo de clareira também, pois exigirá que muitas consciências e homens poderão despertem e enxerguem e se lancem para abrir a clareira.

É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, político, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os verdadeiros oráculos e profetas foram mortos e ignorados até mesmo por gente inteligente e “religiosa”.

O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels (usando o pseudônimo de Theodore Dalrymple – Nossa cultura … ou o que restou dela – 2015) nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.

Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que afirma proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro que desejam, eles devem ter espírito de resistência.

Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usaram a palavra desvelar.

Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana, não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.

Na metáfora bíblica a clareira é a luz da boa nova (evangelho), mas o mestre alerta “eis que os envio (Mt 10,16) “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.

Assim foi no tempo das guerras púnicas, da pequena Grécia lutando contra o forte império persa e também no tempo em que os apóstolos de Jesus foram enviados dois a dois em missão para abrir as clareiras e as mentes da humanidade para uma civilização mais fraterna e não se tratava de uma guerra bélica ao seu império, mas a sua mentalidade..

 

O mal e a compaixão

11 jul

Hannah Arendt, em sua obra A Origem do Totalitarismo (original de 1951) censurou a teoria de Kant que defendia o mal como a busca da satisfação do amor de si,  e defendeu que o mal existe por diferentes motivos, como por exemplo, ganância, avareza, ressentimento, desejo de poder e covardia.

A genialidade de Byung-Chul Han analisa a obra de Heidegger a partir do coração e da modalidade afetiva, porém não é algo totalmente original, Kant confessa em seu livro “Conflito das faculdades” que “por causa de seu peito chato e estreito, que deixa pouco espaço para o movimento do coração e dos pulmões, eu tenho uma predisposição natural para a hipocondria, que em anos anterior beira o tédio da vida (Han, 2023, p. 8) e daí en Kant um “anseio expande o coração, o faz definir e esgota as forças” (Han, 2023, p. 9).

Han usa a metáfora da costureira (Näherin) de Heidegger que “trabalha na proximidade” e é ela também uma circuncidadora do coração” (pg 10) e ali “o coração do ser-aí” palpita no horizonte transcendental, assim conforme explica Han, no Heidegger tardio que “a contrição penetra mais profundamente” e o ser-ai separa-se do ser do aí: o dasein (p. 11).

Analisar as tonalidades afetivas do coração e sua ligação estreita com o ser-aí é mais do que descobrir a interioridade e a transcendência do discurso filosófico, ele é  “O coração de Heidegger, por outro lado [confrontado com Derridá], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica”, para ele é um “ouvido do seu coração” porém há algo forte de espiritual nisto, mais que sentimento ou emoção.

A resistência do espírito, em nossos tempos, Han diz que o discurso de Heidegger é bastante temporal no sentido do contexto da segunda guerra mundial, é o discurso da paz, de anúncio da fraternidade, da superação de ódios e diferenças (irá recuperar o “ “Il y a” de Lévinas, e também o conceito de différance de Derrida), para ir além do conflito e da dialética hegeliana.

É preciso circuncidar o coração, esta é a origem do termo judaico, na leitura de Deuteronômio (10:16) citado em epígrafe por Han: “Circuncidai, pois, o vosso coração espiritual; retirando toda a obstrução carnal, e deixai de ser insubmissos e teimosos!”

Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

A questão do espírito em Hegel

10 jul

Byung-Chul Han critica a Fenomenologia do Espírito de Hegel vista “em termos do esquecimento do ser” (tema central de Heidegger) como um “eu árido” que encontra “sua limitação ao ente que lhe sai ao encontro” (Han, 2023, p. 334), assim não é a resistência do espírito.

Recupera Hegel em parte, na epígrafe do último capítulo “a verdade é o todo”, rediscute a dialética e sua metafísica no idealismo “em relação ao “apenas ser” que o esvazia até um nome “que não nomeia mais nada”, a consciência natural … quando se dá conta do ser, assegura que ele é algo abstrato” (Han, 2023, p. 336).

Esta consciência natural (idealista) “se demora em “perversidades” … “ela tenta eliminar uma perversidade organizando outra, sem se lembra que a autêntica inversão” [ocorre quando] “a verdade da essência se recolhe ao ente” (Han, 2023, p. 336, citando Heidegger).

Em contraste com a dialética de Hegel, este tópico daria um livro, trava um diálogo com Derrida e Adorno na questão sobre o luto e o trabalho do luto, matar a morte, não é apenas algo secreto no coração de Platão ou Hegel (pg. 384), mas também reverter o negativo do Ser.

Este trabalho da “tragédia” se distingue do “trabalho do luto” da dialética (Han, 2023, p. 385), é aquilo que Han chama em outros trabalhos do excesso de positividade, não entender a dor (na sociedade paliativa por exemplo, analisando a pandemia e a própria dor).

“As lágrimas liberam o sujeito de sua interioridade narcísica … elas que o “feitiço que o sujeito lança sobre a natureza” (Han, 2023, p. 394), citando Adorno a “Teoria Estética” é o livro das lágrimas e que ao contrário de Kant “o espírito percebe frente a natureza, menos sua própria superioridade do que sua própria naturalidade” (Han, 2023, p. 395).

O absoluto de Hegel é abstrato: “o Absoluto só é absoluto na medida que se sabe como Absoluto, isto é, como autoconsciência” (Hegel no §565 da Fenomenologia do Espírito).

Para a ascese verdadeira ela está além da natureza humana, aquilo leva a uma ascensão, uma nova interioridade que se expresse numa exterioridade mais humana, não a autoconsciência humana (pensada até na religião) e sim aquela que admite a singularidade humana no uno divino e este sim Absoluto.

Han, B-C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. RJ: Petrópolis, Vozes, 2023.

 

Resistência do espirito e pacifismo

09 jul

Aquilo que Edgar Morin define como resistência do espírito, ele fez ontem 103 anos de idade (8/7), é além do pensamento e da força política, o que é espírito para a filosofia europeia é mediado pela ideia que formulamos sobre o mundo, e espírito aqui tem que ser além do pensamento atual cotidiano.

Os seres humanos são capazes em suas relações de pensar em paz, se cultua em sua interioridade, tema exaustivo na ontologia de Byung-Chul Han, e se aprofunda em valores como: humildade, fragilidade e a necessidade que temos uns dos outros, não vivemos isolados.

Enfim ter uma verdadeira alteridade, o medo da alteridade é quando há diferença e nos “pomos na defensiva”, aquilo por exemplo que é chamado de guerras preventivas, garantias de soberania sobre outros povos ou outras culturas, isto em geral iniciam as guerras e não as previnem como é o propósito dito.

A principal razão, dizem muitos autores, um que não é questionável por denunciar “as veias abertas da américa latina” é Eduardo Galeano, que disse que a grande razão é o roubo e a pilhéria dos povos a serem dominados, hoje além disto são também os impérios em choque.

O espírito de resistência e o pacifismo historicamente não é uma posição fácil ou “neutra”, é evitar a catástrofe humanitária que caracterizam todas as guerras, em uma escala mundial isto significa uma crise civilizatória sem precedentes, uma vez que o poderio bélico hoje é imenso.

É preciso um espírito bastante elevado, verdadeiramente altruísta e missionário, uma vez que as guerras atuais encontram aliados com facilidade, até mesmo na população simples, tanto a polarização quanto o uso das mídias para promover narrativas quase todas tendenciosas, são o que dão substância ao pensamento bélico e se difundem no tecido social.

Parabéns ao longevo Edgar Morin, sua resistência é visível pela idade, pela lucidez que ainda mantem e que suas palavras ecoem e a civilização encontre um caminho de resistência.

 

Ucrânia em perigo e mudança no Irã

08 jul

O cenário nestas duas guerras, entre muitas outras que existem no planeta, tiveram pontos opostos nesta semana que passou, a visita de Vikton Orbán na sexta-feira (5/07) a Moscou, e a vitória do presidente moderado Masoud Pezeshkian no Irã, representa um alento para a paz.

Vikton Orbán não fala em nome da União Europeia e Putin está interessado apenas em discutir “nuances” de propostas para cessar-fogo, uma vez que neste momento as forças russas ameaçam a segunda maior cidade do país Kharkiv com mais de 1.5 milhão de habitantes e um centro industrial importante (na foto praça da prefeitura da cidade).

Guerras sempre envolvem ódios e crimes hediondos, claro devem ser investigados e punidos, mas dificilmente fica claro tudo o que é desumano e cruel que foi feito durante uma guerra, os prisioneiros trocados na semana anterior, por exemplo, apontavam sinais de torturas e maus tratos nas prisões russas.

No Oriente Médio segue Israel anuncia nova delegação enviada ao Catar para negociar a paz com o Hamas, mas uma operação com drones do exercito israelense deixou 6 mortos na Cisjordânia, e seguem os temores de uma guerra com o Hezzbollah no Líbano.

As eleições na França também estão num cenário deste tabuleiro de xadrez, a direita apoia curiosamente Putin e a esquerda aliada de Makron apoia a Ucrânia, uma frente republicana formada de última hora terminou as eleições com maior número de assentos na Assembleia Nacional da França.

Nos EUA seguem os temores de uma derrota de Biden para Donald Trump, o presidente americano parece não desfrutar mais de boa saúde e disposição, mas ainda não há opções.

Quando a perspectiva de paz é pequena significa que os homens se distanciaram de ver o mundo com um futuro estável e sustentável, os ânimos da diferença e do ódio estão soltos, porém como afirma Edgar Morin é preciso uma resistência do espírito, ter esperança.