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Complexidade, consciência e AI
Já afirmamos que tanto a complexidade como a consciência são fenômenos que pertencem a natureza biológica, e foram emprestados as chamadas ciências “exatas”, mas a AI (Artificial Inteligente) continua tendo avanços, quais seriam então os equívocos de noções equivocadas deste campo ?
A resposta do professor de tecnologia do MIT Rodney Brooks, que trabalha com a robótica para a Panasonic é que há 7 pecados capitais, e ele cita a lei de Amara ao dizer que as pessoas tendem a subestimar tanto o efeito a curto prazo quanto ao de longo prazo da tecnologia ao examinar uma tecnologia inexistente, enquanto um outro fatos é confundir hipóteses onde a AI teria uma igual competência para resolver o problema de uma tecnologia inexistente.
Um terceiro fator apontado por Brooks é que a suposição frequentemente de praticar uma tarefa é frequentemente confundida com uma tarefa realizada por AI igual a competência.
Brooks também diz que as pessoas são propensas a paralelizar o progresso AI na aprendizagem de uma determinada tarefa para o mesmo processo em seres humanos, por isto sempre aparece a ideia de híbridos humano/máquinas.
Brooks afirma também que as pessoas não devem esperar que AI continue a progredir constantemente em um caminho de desempenho exponencial, mas sim em ajustes e reavaliações, e não devemos acreditar em cenários feitos pela mídia com situações inesperadas na AI.
É disto que tratava a ficção científica de Odisseia 2001, onde o computador que tomava decisões diabólicos jamais existiu e assitir o filme hoje mostra a irrealidade daquela ficção, já Blade Runner se atualizou em 2049 e pergunta se máquinas tem almas, a pergunta do escritor que inspirou o filme é se as máquinas sonham com ovelhas elétricas (no romance de Philip K. Dick_, e porque máquinas dormiriam ? e porque máquinas dormiriam ?
Aliás a figura do cachorro do velho caçador de Androides, também chamar Harrison Ford para o papel foi interessante em referência ao romance que inspirou o filme.
O artigo completo de Rooney Brooks publicado na Technology Review da semana passada é bastante interessante e separa 7 falácias sobre a AI.
Porque matam os profetas
As ideias e conjecturas que fazemos do futuro podem passar por uma bola de cristal, algum tipo de clarividência, mas não podem deixar de passar por uma análise clara da realidade.
É fato, desde o início do século passado e até antes para quem leia mais profundamente a modernidade, que há uma grave crise na cultura, no pensamento e até mesmo na religião.
Atribuir esta crise a processos recentes como a internet, o uso de tecnologias ou mesmo o fanatismo religioso e no mínimo, uma superficialidade de análise, pois há ainda a crise no pensamento.
Dela falam Husserl, Heidegger, e outro mais recente Edgar Morin, Peter Sloterdijk, Levinas entre muitos dizem de modo claro, a crise de duas guerras mundiais, a crise ideológica que está renascendo com todas as forças, todos são unanimes em afirmar uma crise do pensamento, da visão de mundo e principalmente dos valores.
Preferem dar ouvido ao fanatismo cotidiano de análises simplistas ou fundamentalistas, pois é mais fácil que pensar aonde se perdeu o processo civilizatório, porque não fazemos do diálogo e da reflexão uma arma mais eficaz para entender o real ponto da crise, e até mesmo o que é a crise, fizemos aqui um caminho com a filosofia de Mario Ferreira dos Santos (post).
Matam os profetas porque eles veem e dizem o necessário para hoje: uma cidadania planetária, a distribuição de renda, o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade, o respeito a diversidade e uma mudança de valores que se fundamente na dignidade humana.
Há uma parábola bíblica em Mateus 21, 33-43, aonde um dono de uma vinha a arrendou, e chegando a colheita manda empregados para a colheita estes são mortos, depois manda mais empregados que também são mortos, e o dono por último manda o filho, que sendo o herdeiro , também o matam, que fará o dono da vinha ? o que fez o dono, eis a charada.
Se não nos pusermos a mesa do diálogo com a visão de uma cidadania planetária, e com respeito as diferenças não restará muito para uma nova hecatombe mundial, eis que pedimos que os que se dizem de diálogo, dialoguem de verdade e não sejam arrogantes e tiranos.
Notem foi dado o premio Nobel de Literatura ao japonês que migrou para Inglaterra Kazuo Ishiguro, que entre outras coisas escreveu “As Colinas de Nagasaki” (editora Relógio D´Agua, 2015) alguns anos depois da bomba de Nagasaki (foto) , e agora de manhã acaba de ser dado o prêmio Nobel para ICAN (sigla em inglês do Campanha contra Armas Nucleares), não faltam profetas apenas é preciso que não os matemos culturalmente.
Dualismo e farisaísmo
Dualismo é uma concepção filosófica e cosmológica de mundo, fundamentada em dois princípios ou duas substâncias irremediavelmente opostas, e incapazes de uma síntese.
Quando pensamos de modo dual, é quase inevitável que estes dois mundos se dividam interiormente, então nossa concepção cosmológica e visão de mundo será dual.
Thomas Hyde escreveu uma obra (Thomas Hyde. Veterum Persarum et Parthorum et Medorum Religionis Historia-1700) sobre a doutrina de Zoroastro, com dois princípios e duas divindades, enquanto Leibniz e Spinoza eram monistas, mas usaram isto também no sentido filosófico, uma vez que a teoria religiosa presente em ambos merece longa discussão.
É curioso que o maniqueísmo e o farisaísmo tenham permanecido nas cosmogonias cristãs ocidentais, uma ve que Santo Agostinho converte-se abandonando esta doutrina, mas uma questão filosófica talvez explique isto é o esquecimento ontológica e a questão do ser, mas também o pragmatismo lógico e científico, o empirismo e outras contribuições estão aí.
John Searle afirmou: “A maior catástrofe de Descartes é seu dualismo, a ideia de que a realidade se divide em dois tipos de substâncias, matéria e espírito. Descartes foi incapaz de ver isso, porque ele achava que a consciência só poderia existir em uma alma, e a alma não era uma parte do mundo físico “, ( Brain, Mind, and Consciousness: A Conversation with Philosopher John Searle), e poristo questões sobre a mente e o cérebro são questão atuais.
O dualismo na filosofia tem seu início consistente (há pré-socráticos duais) com Platão, (século IV a.C.) parte da concepção de que no começo de tudo havia as ideias numa divindade incorpórea e eterna e ela que tinha uma forma ideal “cai” na e forma o universo.
Parte da cosmogonia cristã incorpora este “protótipo” e se liga ao fundamentalismo com a alegoria da “expulsão de Adão e Eva do paraíso”, os fariseus eram uma parte do judaísmo que aspiravam um rigor e uma pureza absoluta, especialmente em matéria de liturgia, mas há o outro aspecto que é o político e diríamos filosófico de unir-se ao poder de modos ambíguos.
O que observa-se na prática cotidiana, como é próprio do dualismo é esconder atrás de palavras e discursos, as vezes até mesmo apelando para a “prática”, com atitudes dúbias.
O que faz o mundo contemporâneo desconfiar destas doutrinas é exatamente o dualismo.
Quando não ser é
O que é o ser, a existência e de certa forma a consciência, já postamos aqui diversos desenvolvimentos desde a fenomenologia de Husserl, passando por Heidegger e Hanna Arendt até Gadamer, Paul Ricoeur e Emmanuel Lévinas, talvez o argumento seja incompleto.
Heidegger dizia que havia outra forma de falar da linguagem que seu sentido comum, e usando Goethe afirmou: a linguagem poética.
Clarice Lispector escreveu em seu romance A paixão segundo GH: “Ser é além do humano. Ser homem não dá certo, ser homem tem sido constrangimento. O desconhecido nos aguarda, mas sinto que esse desconhecido é uma totalização e será a verdadeira humanização pela qual ansiamos. Estou falando da morte? não, da vida. Não é um estado de felicidade, é um estado de contato.”
Hora o que é contato, senão relação e proximidade, mas lá onde está o desconhecido, aquele em que minha mente que jamais será um software pode penetrar, há um além do humano, como diz nossa autora, enquanto muitos preferem o Humano, demasiado humano, a primeira obra de Nietzsche depois de ter rompido com o pessimismo de Schopenhauer.
Mas curiosamente Clarice Lispector era próxima de Nietzsche e este continuou próximo de Schopenhauer, seu pessimismo não era mau humor ou loucura como alguns supõe, era apenas a evidencia de um idealismo romântico em crise, quase de um tédio mortal.
Em certas circunstancias ou saímos do círculo fechado ou estamos fadados a ele, já foi apresentado aqui a Filosofia da crise do brasileiro Mario Ferreira dos Santos sobre a qual afirmou: “a eterna presença do ser, no qual estamos imersos e que nos sustente, o qual nos permite comunicação …” (Filosofia da Crise, 2017, p. 35) e então a crise não é tão profunda, ela tem grau, e entre estes podemos dizer que não há um não ser, mas uma não ser que é.
Aceitação e conscientização dentro de um círculo hermenêutico de diálogo é uma saída.
Vivemos não um tempo de crise, mas uma crise de época, as recentes eleições na Alemanha parecem repetir o círculo vicioso do crescimento da extrema-direita, lá o AfD (Alternativa para a Alemanha) tornou-se a terceira maior força do poder Legislativo alemão, superando as expectativas e obtendo 13%, contra os 4,7% da eleição anterior.
Se as mudanças não vieram, a crise de nossos tempos pode se tornar crise civilizatória.
Andróides e cyborgs: onde ?
A ficção Blade Runner nos levou a pensar, assim como na época Odisséia 2001 também, sim estamos indo ao espaço e conhecendo-o melhor, as máquinas crescem em complexidade, mas devemos fazer a pergunta de Terrence Deacon em Natureza incompleta: a mente veio da matéria ? (veja nosso post).
O polêmico Raymond Kurzweil em 2005: The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology é um livro lançado por uma atualização de The Age of Spiritual Machines e The Age of Intelligent Machines, mas a pergunta de fundo é esta de onde viemos? Se viemos apenas de compostos químicos que por milhões de anos foram formando organismos complexos, até chegar a complexidade humana, um ser natural, que tem consciência e que criou coisas fantásticas, entre elas a máquina, onde chegaremos ?
A pergunta que antecede a todos estas que são o nosso “existir” é aquela sobre o que é nosso ser, é transcendente no sentido sobre o que havia antes do homem, viemos só do barro como querem os criacionistas, viemos da mente de Deus como querem os religiosos, ou é possível ainda uma síntese entre as duas: um espírito foi “soprado” em nós.
Na verdade, o que pensamos sobre o futuro, tem a ver com o que pensamos de nossa origem e por isto esta questão é importante, então podemos dizer que o “ser” antecede a “existência” e podemos dizer que o “ser existente” antecede a “ética”, ou de modo mais filosófico “ser” e “ética” se conjugam ontologicamente, pois ambos determinam um ser, e ele tem consciência.
Então será possível “soprar” em androides e cyborgs por mais sofisticados que sejam seus mecanismos de tomada de decisão, assunto que remete aos axiomas da aritmética de Hilbert, ao teorema da incompletude e indecidibilidade de Kurt Gödel, até chegamos a elaborar lógicas complexas destes mecanismos em agentes inteligentes e “inteligência artificial”, mas seria de fato isto inteligência, ao nosso ver, por enquanto andróides e cyborgs só nas ficções.
Androides tem partes robóticas e parte impressionantes super-humanas (visão, força, precisão, etc.), enquanto cyborgs tem partes humanas e partes robôs, mas híbridos que tivessem partes humanas e super-humanas dependeriam da biogenética e de avanços de neurociência ainda mais impressionantes que já existem.
Poderemos criar androides, como no filme Blade Runner 2049, mas qual a capacidade que teriam de sentimentos e consciência ?
Vita activa
Ainda Chyul-Han, o coreano-alemão de “A sociedade do cansaço”, parte da análise de Vita Activa de Hanna Arendt (traduzimos Vita do latim, para vida até aqui), explicando que ela parte da prevalência na vida cristã da vida contemplativa, esclarece em nota que ela busca “uma mediação entre vita activa e vida contemplativa… assim descrita por São Gregório: ´temos de saber: quando exigimos um bom programa de vida, que passe da vita activa para a vita contemplativa, então, muitas vezes, é útil se a alma retorna da vida contemplativa para a ativa, de tal modo que se chama da contemplação que se acendeu no coração transmita toda sua perfeição à atividade.” (HAN, 2015, p. 39)
Esclarece o autor, que ela [Arendt]: “uma nova ligação de sua nova definição da vita activa com o primado da ação” (pag. 40), ela vai para um ativismo heroico, mas que ao contrário de seu mestre Heidegger que “pautou um agir decisivo no tema da morte” (idem), ela se orienta na possibilidade do próprio “nascimento do homem e no novo começo, em virtude de seu caráter nascivo, os homens deveriam realizar esse novo começo pela ação.”
Explica o autor que esta ação como nascimento, contém uma dimensão quase religiosa: “o milagre consiste no fato de os seres humanos pura e simplesmente nascerem, e juntos com esses, dá-se o novo começo que eles podem realizar pela ação em virtude de seu ser-nascido… “ (pags. 40 e 41), citando Hanna Arendt.
Mas concerta uma possível interpretação moderna, pois Arendt que via na ação heroica inaudita de todas as capacidades humanas um “findar numa passividade mortal” (pag. 41).
Assim esclarece que as descrições de Arendt do animal laborans moderno não são aqueles da sociedade do desempenho, o animal “pós-moderno é provido do ego ao ponto de quase dilacerar-se. Ele pode ser tudo, menos passivo.” (pag. 41)
Acrescenta que a “perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas á própria realidade, torna-se vida humana radicalmente transitória” (pag. 42).
Reivindica o homo sacer de Agamben, “são como mortos-vivos. Aqui, a apalavra sacer não significa ´amaldiçoado´, mas “sagrado”. Ora, a própria vida desnuda, que acabou se tornando radicalmente transitória, despida é sagrada, de modo que deve ser conservada a qualquer preço.” (HAN, 2017, p. 46).
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017
Pedagogia do ver e negatividade
Já falamos de potência aqui, a famosa categoria de “vontade de Potência” primeira em Nietzsche e depois em Schopenhauer, lemos em Além do Bem e do Mal §36 assim: “O mundo visto de dentro, o mundo determinado por seu ‘caráter inteligível’ – seria justamente ‘vontade de potência’, e nada mais”, no entanto, tem mais sim, pois é também Vontade de Poder.
Se Thomas de Aquino define potência dividindo em Ato e Potência, pode-se reler em Assim falou Zaratrusta deste modo: “Potência é aquilo que quer na Vontade. E o que é a potência? É um eterno dizer-SIM, e isto tem tudo a ver como nosso modo de pensar e sentir, o filósofo germano-coreano Chyul Han, vê nisto um equívoco do pensamento ocidental, no empuxo: “daquela positivação geral do mundo, tanto o homem quanto a sociedade se transformam numa máquina desempenho autista.” (HAN, 2015, p. 56).
A potência se afirma na vontade quando diz “Sim” ao devir, pois é a afirmação pura de sua própria efetivação, a alegria provém da afirmação. E o sentido é o resultado destas forças, afirmou Nietzsche em Assim falou Zaratrusta.
Mas Han para tornar sua análise precisa divide a potência em duas formas: “A potência positiva é a potência de fazer alguma coisa. A potência negativa, ao contrário, é a potência de não fazer, para falar com Nietzsche: para dizer não … distingue-se da mera impotência, a incapacidade de fazer alguma coisa. A impotência é simplesmente o contrário da potência positiva.” (HAN, 2015, p. 57).
O raciocínio que aproxima Han de Thomas de Aquino, e a meu ver define sua ontologia já que percebo este traço em outros trabalhos seus, é o aprender a ver, explica ele: “capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento.” (HAN, 2015, p. 51).
A falta de espírito falta de cultura repousaria na “incapacidade de oferecer resistência a um estímulo” afirma o coreano HAN leitor de Nietzsche, e afirma que ele nada mais faz do que propor a “revitalização da vita contemplativa.” (HAN, 2015, p. 52)
Conclui, ou praticamente conclui porque volta neste capítulo a falar da negatividade, faz uma lógica absurda se “tivéssemos a potência apenas de pensar algo, o pensamento estaria disperso numa quantidade infinita de objetos. Seria impossível fazer a reflexão (Nachdenken),pois a potência positiva, o excesso de positividade, só admite o continuar pensando (Fortdenken). (HAN, 2015, p. 58).
Thomas de Aquino, Nietzsche, de certa forma Hegel, e vários filósofos contemporâneos discutiram isto antes do mundo virtual e maquínico, mas fica para o próximo post.
HAN, B.C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes , 2015.
O que a tragédia de Edipo Rei ensina
Há nesta tragédia de Sófocles, um claro conflito entre o livre arbítrio e o destino, e questiona até que ponto somos donos de nosso destino, se consideramos que existe uma força superior a nossa simples vontade humana, viveremos de maneira mais humilde e aceitaremos o destino de nossas vidas, ainda que lutemos para melhorar nossa sorte (que os gregos chamavam de fortuna).
A tragédia narra a estória de Édipo, filho de Laio e Jocasta, era o rei de Tebas, a cidade que fora assolada por uma peste. Ao consultar o oráculo de Delfos, Édipo descobriu algo trágico sobre sua vida: ele foi amaldiçoado pelos deuses. Ele estava destinado a casar com sua mãe, com quem teve dois filhos e duas filhas, e a matar seu pai, o rei que governava a cidade antes de Édipo.
Seu pai Laio sabia da maldição e quando tive o filho abandonou amarrado a uma árvore entre Tebas e Corinto e sendo encontrado por um pastor foi criado por ele, já adulto Edipo decide retornar a Tebas e mata seu pai, em Corinto se casa com sua mãe Jocasta, sem saber quem ela era, e mais tarde ao saber que era sua mãe ela se mata e Édipo perfura os próprios olhos.
Perambulando pela cidade encontra a Esfinge, ser mitológico metade mulher e metade leão que aterrorizava Tebas com seus enigmas, a Esfinge lhe propõe o anima: “Qual é o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio dia e três à tarde?”
Édipo responde que essa figura é o homem, porque o homem na infância engatinha, na idade adulta anda ereto com os dois pés, e na velhice necessita da bengala (o terceiro pé) para se apoiar, mas no fundo a Esfinge lhe propõe o enigma sobre quem é o homem e o que é sua vida.
A estória carregada de simbolismo, influenciou até a psicanálise que chama os dramas da infância de “complexo de Édipo”, o casamento com a mãe também significa a relação que mandemos mesmo em idade adulta com a figura feminina ainda hoje numa sociedade machista.
Também a relação de Édipo com o sábio Tirésias é particularmente interessante, este não possuía a visão física, mas tinha sabedoria, enquanto Édipo que tinha a visão física lhe falta uma visão interior, quando começa esta visão quando desabafa com Jocasta: “Com esta narrativa me traz a dúvida ao espírito, mulher. Como perturba minha alma”, mas a rainha também é ambígua ao dizer que entregou o bebê a um pastor de sua confiança, o que mostrava sua incredulidade com os oráculos, tendo uma postura autoritária.
Não é por acaso que Aristóteles considerou a obra Édipo Rei como símbolo da tragédia grega.
A tragédia e o destino
A incompreensão da dor e da tragédia em nossos dias nos faz criar abismos e dores ainda maiores, não somos capazes de abraçar a própria dor e a alheia, mas há esperança.
A tragédia era derivada da poética e também da tradição religiosa da Grécia Antiga, possuindo raízes nos chamados ditirambos, cantos e danças realizados em homenagem e honra ao deus grego Dionísio, que os gregos chamavam do deus Baco.
Alguns afirmavam que as canções eram criadas pelos sátiros, que eram seres que cercavam Dionísio em suas festanças, foi isto que deu origem ao nome, das palavras gregas τράγος e ᾠδή, que significam respectivamente bode e canto, originaram na palavra tragosoiodé, canções dos bodes, daí a expressão bebeu como um bode, mas o importante aqui é a questão da tragédia como dor e desencanto, assim o derivado des-em-canto.
Mas a mudança, criticada por Nietzsche, foi a feita por Euripides que viveu de 480 a.C. a 406 a.C. , que opunha-se a Sófocles por ser realista demais e pessimista demais, mas o mundo dos deuses, já em Sófocles, se mostrava ausente e incompreensível, mas com Eurípides tornou-se algo ainda mais distante, de onde vem a expressão moderna “humano demasiado humano”.
Assim a sociedade do desencanto, gostamos não da tragédia da vida, mas do realismo trágico da violência, do mau feito e do mundo em desencanto.
É disto que bebem os tiranos, os extremistas e os insanos, por isto vemos uma crescente onda de racismo, intolerância e má política, só os tiranos podem se aproveitar deste ambiente, veja-se Charlotesville.
Sistemas peritos, confiança e fé
Toda a teoria de Giddens, revista em alguns aspectos nos posts anteriores, é condicionada a estruturação e ao que chama de sistemas peritos, mas estes por sua vez estão fundamentados naquilo que chama de confiança também já explicada nos posts, com ressaltas a questão da fé.
Os sistemas peritos, conforme vistos por Giddens são o mais importante mecanismo de desencaixe, descritos assim: “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”. Apesar da maioria das pessoas leigas consultarem, apenas periodicamente, profissionais mas todos eles sob grande suspeita, por isto tantas teorias novas e tantos “sistemas alternativos”.
Embora o autor admita que a fé: “a confiança é inevitavelmente, em parte, um artigo de fé” (Giddens, 1991, pag. 39), porém acrescenta: “há um elemento pragmático na fé , baseado na experiência que estes sistemas [peritos] geralmente funcionam como se espera que eles o façam” (idem).
Admite por último que embora fé e confiança “estejam intimamente ligadas” faz uma distinção entre as duas e se fundamentará para isto a distinção que Luhmann faz em faz em sua obra sobre confiança Trust and Power (Chichester: Wiley, 1979), o resto fica muito vago.
É importante dizer que esta fé não é propriedade exclusiva das cosmogonias ocidentais, na verdade todas religiões mesmo as não ocidentais terão alguma forma de fé, que isto sim é necessário distinguir de crença como crença em um só Deus (religiões monoteístas), em muitos Deuses (politeístas), onde não só humanos mas também animais, plantas, rochas, características naturais possuem “alma” sem diferenciá-las do mundo físico.
A fé é uma adesão a alguma hipotese que a pessoa aceita sem nenhuma prova racional e isto está na origem etimológica do latim fide, aqui razão não tem o significado moderno, mas o de raciocínio feito na mente, assim ela não seria cega, mas apenas antes de qualquer raciocínio, um epoché moderno, ou seja, tem uma forma de razão que é aceitar coisas além de nossos pré-conceitos.
Significa em última análise um passo a frente não no escuro, mas no mistério e ainda mais importane que isto é encontrá-lo avante, significa sair do limite do “sistema”.
A maioria das pessoas dá este passo por se encontrar (aparentemente) diante de um abismo, de um vazio, porém poderia fazê-lo conscientemente (assim não é totalmente cego) se acreditasse no que vem pela frente, tipo faça e tenha fé que tudo está bem, como a foto clássica de trabalhadores numa viga suspensa no que seria hoje, o RCA Rockefeller Center, tirada no dia 20 de setembro de 1932 e publicada no New herald Tribune em 2 de outubro daquele ano.