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A clareira para chegar a verdade
Mencionamos em um post desta semana que o termo encontrar a luz é costumeiro na filosofia, mas quais as principais diferenças entre a clareira de Heidegger, e ir para a luz no Mito da Caverna de Platão, ou a Ideia segundo o pensamento de Immanuel Kant?
Pode-se ler em Heidegger sobre Platão, um dos pilares do pensamento Ocidental sobre a verdade:
“A verdade não é mais, como não-velamento, o traço fundamental do próprio ser; mas, torna-se exatidão em razão de sua escravização à Ideia, ela é doravante o traço distintivo do conhecimento do ente. Desde então existe um esforço pela “verdade‟ no sentido da exatidão do olhar e de sua direção. Desde então, todas as posições fundamentais tomadas a respeito do ente, a obtenção de um olhar correto para a Ideia tornam-se decisivos.” (HEIDEGGER, A doutrina de Platão sobre a verdade, s/n, p.10).
Muito antes de qualquer um dos aparatos digitais, Heidegger já afirmava que a ânsia no ímpeto moderno de tornar o objeto disponível, é o que “destrói toda visão do que o desencobrimento faz acontecer de próprio e, assim, em princípio, põe em perigo qualquer relacionamento com a essência da verdade” (HEIDEGGER, 2007, p. 35).
A crítica mais clara e responsável sobre Kant em Heidegger (a crítica ao idealismo muitas vezes se perde no objetivismo ou subjetivismo), é a crítica ao Idealismo Transcendental que estamos entre o fenômeno e o que é captado pelas faculdades humanas como uma coisa-em-si que em essência seria inatingível pela razão, por isto a separação entre objetos e sujeitos na “Ideia”.
Heidegger desenvolve no Ser e o Tempo uma separação entre os conceitos de “aparecimento” (Erscheinung) e fenômeno, onde o primeiro não se mostra e o segundo é o próprio mostrar-se deste algo, conceito sem dúvida vindo do seu mestre Edmund Husserl.
Esta é uma passagem fundamental no pensamento de Heidegger, onde o Dasein é visto como o contato com os entes que o cerca dando um sentido ao plano ôntico da existência, assim: “A fenomenologia é a via de acesso e o modo de comprovação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. Ontologia só é possível como fenomenologia.” (Heidegger, 2008, p.75)
A fenomenologia é fundamental para a ontologia e a ontologia é a abertura da clareira.
Heidegger, M. A Doutrina de Platão sobre a Verdade. Tradução: Antônio Jardim. s/n.
______ A Questão da Técnica. Tradução de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Revista Scientia Studia, 2007.
______Ser e Tempo. Tradução: Márcia Sá Cavalcante Schuback. 3.ed. Petrópolis. Editora Vozes. 2008.
A modernidade e o dualismo
Se a idade média viveu sob a égide do dualismo entre realistas e nominalistas, a modernidade vai viver sobre o dualismo entre objetivismo e subjetivismo, em ambos os casos nunca se pôs em contradição o próprio dualismo, pois são herdeiros da antiguidade clássica onde: o ser é e o não ser não é, chamado princípio da não contradição, e seu complementar o terceiro excluído, isto é não há uma terceira hipótese, como um ser-não-sendo, por exemplo.
O curioso do dualismo é que em geral não se questiona que ambas as hipóteses podem ser rejeitadas, por exemplo, na modernidade, o real é o construído a partir do eu, ignorando-se o outro, enquanto o “idealismo considerará, preferencialmente, o conhecimento como uma atividade que vai do sujeito às coisas, como uma atividade elaboradora de conceitos, ao final de cuja elaboração surge a realidade das coisas” (Morente, 1980, p. 68), mas o “eu” sujeito permanece.
O penso do método cartesiano é o “eu penso” e assim não se considera suspender o “eu” e considerar o “outro”, como farão mais tarde Lévinas, Ricoeur, Buber e outros.
O eu cartesiano, mesmo como puro pensamento (res cogitans), não considera o “res” coisas como tendo uma realidade próprio de Ser, ou seja, a coisa em si mesma, que será mais tarde o questionamento de Husserl sobre considerar as coisas por elas mesmas, o fenômeno.
A crítica da razão pura de Kant, ele cria a categoria do ser cognoscente, ou seja, o conhecimento se dá na relação entre o ser cognoscente (já considera o ser mas como sujeito) e um objeto cognoscível, esta aparente conciliação se dá pela experiência, assim o idealismo é contestado sem a existência de uma relação com o mundo das coisas pela experiência.
Se para toda a física moderna espaço e tempo eram absolutos, Leibniz seria o primeiro a contestar dizendo que são relações das coisas em si mesmas, explorou assim a matéria e a própria física de maneira mais profunda que seus contemporâneos, chegando a fazem uma teoria completa da linguagem, chamando-a de characterística universalis, exatamente por isto é um monista e não um dualista, mas permanece sob suspeitas até hoje.
A verdadeira base sobre a qual se pode questionar o dualista reside na ruptura do princípio aristotélico-platônico-idealista, o ser é e o não-ser também é por que existe ao menos como forma de pensamento, um ser-não-sendo que pode trazer nova “clareira” para o mundo atual.
Filosofias afirmativas e dualistas transformaram a cólera e conflito como características permanentes da cultura contemporânea, mas podem ser questionadas se admitir-se o não-ser.
Adotar a diversidade cultural, religiosa e até mesmo ontológica da humanidade é uma possibilidade.
MORENTE, Manuel G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
Heidegger e a clareira
O termo é recorrente na filosofia, Platão falava de sair da caverna para a luz, na modernidade surgiu o iluminismo, e mais recentemente Heidegger falava da clareira, significando uma abertura no meio da floresta, portanto, a questão da falta de luz e noite escura não é nova.
Mas estudando a etimologia da Clareira, retirando-a da filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, onde além do significado de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), enquanto Licht é a palavra para luz, significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam desvelar.
A clareira é neste contexto o que está oculto dentro de um todo, onde deve emergir o ser, e isto parece mais apropriado a modernidade, visto que a fragmentação onde apenas emerge a parte, é na maioria das vezes oposta ao todo ao qual o ente pertence, assim a questão do Ser.
Assim a verdade, para os dias atuais, existe na abertura da parte para o todo, e é sensível o total fechamento da parte ao todo, não apenas como contexto, mas como parte integrante do Ser, e ao qual é preciso abertura para se chegar a verdade, não a afirmação referente ao objeto, mas a noção primordial da verdade que é a descoberta do ente em si mesmo.
O ente que se descobre, enunciou o próprio Heidegger: “deixa-se ver em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor” (Heidegger, 1986, 219).
Primeiro vemos esta verdade ontológica como Ser, e não mais como lógica, segundo vemos esta relação entre conhecer o objeto e a própria relação com o Ser, o que na filosofia moderna poderia ser chamada de subjetividade, mas não é porque não são instâncias separadas.
O que se teoriza aqui, em conformidade com a teoria antropotécnica em extensão a sociotécnica, é que ao invés de tratar a diferença entre pensar o homem como o ente que “tem” objetos, no sentido de ser ele possuidor como as capacidades de falar, e construir objetos “externos”, a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio dos objetos (a linguagem e a produção da sua própria vida e dos meios necessários a ela), permite entender todos os meios não apenas como veículo de transmissão de informações, mas como o modo no qual se manifesta o próprio existir humano, chamamos isto de onto-antropotécnica.
Na foto, artigo de Andrew Kessel para a revista SingularityHub, faz experimentos de recriação de objetos na vida real por computadores, em impressoras 3D, que é uma recriação dos objetos já ontologicamente criados.
HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 17 ed. Tübingen, Niemeyer, 1986.
Meus azarões do Oscar 2018
Mudbound, lágrimas sobre o Mississipi é um dos meus favoritos, claro ainda não foi lançado no Brasil (previsto para 22 de fevereiro), mas a temática me atrai e também talvez saia na frente por tratar a temática inédita do racismo e feminismo durante a Segunda Guerra Mundial, tem no elenco Garrett Hedlund, Jason Mitchell e Carey Mulligan.
O meu segundo na lista, não poderia deixar de ser pela paixão por tecnologia e ficção, Aniquilação (Annihilation) é um filme na linha das grandes ficções, que impressionou muito a crítica (talvez ganhe só efeitos especiais), e após o grande sucesso de Ex-Machina: Instinto Artificial (vencedor do Oscar de melhores efeitos especiais), o diretor Alex Garland prepara outra ficção científica, sobre uma bióloga participando de uma experiência na qual as leis da natureza não existem, no elenco estão Natalie Portman no papel principal, ao lado de Oscar Isaac, Tessa Thompson, Gina Rodriguez e Jennifer Jason Leigh.
Um dos bons filmes esquecidos do ano passado foi A lagosta do grego Yorgos Lanthimos, talvez por ser um dos roteiristas e diretores dos mais criativos do cinema contemporâneos, agora com um drama familiar poderá ter alguma chance, com uma parceria com Colin Farrell nesta nova mistura de drama e suspense, sobre um cirurgião e sua esposa (Nicole Kidman), transformando a vida de uma família problemática, o Sacrifício do Cervo Sagrado está previsto para lançamento no Brasil em 8 de fevereiro.
Um filme que pode surpreender, é O rei do show , do desconhecido diretor Michael Gracey, um especialista em efeitos digitais, mas o filme é sobre um circo que encantou os EUA, o Barnum & Bailey, justamente é a história de P. T. Barnum, com bons atores Rebecca Ferguson, Michelle Williams, contando ainda com os efeitos especiais e o visual da época é uma boa promessa.
Esperava alguma coisa para Blade Runner 2049 (do diretor Ridley Scott), Harrison Ford repetindo o papel 20 anos depois, o K (Ryan Goslind) e Joi (Ana de Armas) (foto), mas o filme cult de mais e com bilheterias de menos, tem poucas chances, talvez uma homenagem pelo conjunto da obra para Harrison Ford, continuo torcendo, é um épico das ficções.
Fico fora do Glamour dos melhores atores e atrizes, diretores e coadjuvantes, desde o Oscar “branco” de 2016, considero as indicações mais políticas do que artísticas.
Encontrar as veredas e aplainar os caminhos
O profeta Isaias era chamado de profeta da consolação porque ele estimulava o povo hebreu dizem que uma nova vereda seria aberta, e foi ele antes de João Batista que mais explicou o “advento” do nascimento de Jesus e até mesmo do último profeta que foi João Batista.
Ao dizer “Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas” (Lc 3,4) tem um pouco de diferença do evangelho de ‘Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’- conforme disse o profeta Isaías. (Jo 1,23), porque veredas, que são caminhos “escondidos” ou no dizer da filosofia que devem ser “desvelados”, embora na verdade, já existam sinais na realidade não são fáceis de serem encontrados, então veredas.
João Batista ao anunciar a vida pública de Jesus, sendo que ambos passaram pelo deserto, Jesus também caminhou 40 dias pelo deserto, encontrou dificuldades, as tentações mais cruéis, mas depois saiu para a vida pública, sabendo que teria que dizer verdades e ser de fato um novo “advento”.
A mística cristã Chiara Lubich, em uma de suas palavras de vida (escrevi-as mensalmente), escreveu em dezembro de 1982:”Cada um de nós é chamado a preparar o caminho para Jesus que deseja entrar na nossa vida. É preciso então, aplainar as veredas da nossa existência para que ele possa vir habitar em nós … eliminando todos os obstáculos: aqueles colocados pelo nosso limitado modo de viver, pela nossa vontade fraca.”
Encontrar veredas exige um olhar atento, de início parecem atalhos, as vezes difíceis e pouco promissores, mas nos levam ao novo, ao “advento”, o que está por vir é sempre novo e pode nos trazer a verdadeira paz, aquela que não se compra e que pode parecer distante, em geral está ali em uma vereda.
Vereda da salvação e o advento
O livro escrito por Jorge de Andrade entre os anos 1957 e 1963, foi levado para o cinema em 1965 numa adaptação do texto para o teatro de Jorge de Andrade, conta a estória da opressão no campo, e como tem uma saída mística, uma montagem feita em 1964 sob a direção de Antunes Filho foi questionada tanto pela direita como pela esquerda e na época foi um fracasso, uma montagem mais tarde em 2003 dirigida pelo professor-diretor Marcelo Bones, com formandos do Palácio das Artes, todos atores iniciantes.
O filme dirigido por Anselmo Duarte conta de produtores rurais pobres do Nordeste que entram para um grupo messiânico liderado por Joaquim (feito pelo ator Raul Cortez) que acredita ser a reencarnação e Jesus cristo e promete aos seus seguidores o caminho para o paraíso, que é a “vereda da salvação”, mas como todo falso messias se complica aos poucos.
Exercendo poder sobre os camponeses, Joaquim persegue Artuliana (Ester Mellinger), que está grávida, e pede aos seus seguidores que tirem o filho dela, acusando-a de estar perseguida pelo demônio.
O filme acompanha produtores rurais pobres no Nordeste brasileiro que entram em um grupo messiânico, liderado por Joaquim (Raul Cortez), que acredita ser a reencarnação de Jesus Cristo. Joaquim promete a seus seguidores que lhes mostrará o caminho para o paraíso, a “vereda da salvação” do título do filme.
Com poder sobre os camponeses, o personagem de Raul Cortez começa a perseguir aqueles que não lhe prestam obediência, em especial Artuliana (Esther Mellinger). Joaquim ordena que seus seguidores tirem o filho de Artuliana, que está grávida, acusando-a de estar possuída pelo demônio.
O filme além de Raul Cortez tem a participação de Lélia Abramo, José Parisi e Maria Isabel de Lizandra, e a história do messianismo não é outra coisa senão a história do Brasil, em tempos pré-eleitorais não custa prestar atenção em milagreiros e falsos profetas que juram “defender o povo” e promete falsas veredas.
Roland Barthes, em seu livro Crítica e Verdade observa que o termo francês fait divers estrutura-se a partir de uma ideia de busca de uma notícia geral, algo como um encontro.
As veredas são caminhos escondidos, que caminhos pode ser pensado para o país nos próximos anos, que esperar para um ano eleitoral ? .
Aplainar os caminhos e o idealismo
Uma séria doença social criada por mentalidade idealista é o perfeccionismo, tanto quanto o econômico e a visão de conhecimento, este traço de busca da “perfeição” é aquele que mais afetou e se desenvolveu no mais profundo da psicologia humana o idealismo, mas ele traz diversos transtornos e não aplaina nenhuma estrada humana, menos ainda a divina.
O ideal geométrico, prédio e construções retilíneas, a moral eticista do Estado (Hegel a definiu assim), senhor até mesmo da vida e da esperança das pessoas, não traduz de fato o que é ético, correto (e o reto é apenas um apelo geométrico) e o que é bom para natureza humana cheia de contornos e imperfeições, que não deveriam ter este nome, talvez a melhor tradução na linguagem contemporânea seja complexidade.
O perfeccionismo pode levar a sintomas como ansiedades, transtornos obsessivos, embora tecnicamente não seja uma doença, está na raiz e o que é pior no pensamento de muitos “ideais” políticos, econômicos e até mesmo religiosas, que não ajudam o humano, apenas tentam aprisioná-lo, como se fosse a única solução possível.
Aplainar os caminhos da humanidade deveria ser justamente o contrário, permitir que o humano se desenvolva, descubra possibilidades e equívocos, realize o processo de aprendizagem que dura (muitas vezes) a vida toda. não só a caminho de uma perfeição inatingível, mas aquela que torne o homem feliz e pode sim dar-lhe plenitude.
O fato que crescem doenças como depressão, diversas síndromes e os relacionamentos humanos estejam tão difíceis, não é outra coisa senão a dificuldade de tratar com o que é “imperfeito” em sua complexidade, não há pessoas iguais, sequer a erros iguais, cada um que o comete o faz por alguma nova necessidade de aprendizagem, esta é por exemplo, a dificuldade da chamada geração “nem nem”, por erro de um excesso de proteção.
Aplainar os caminhos para um novo “avento”, um tempo novo, significa antes de mais nada reencontrar o homem, que não é o perfeito, aquele do “ideal” platônico de beleza e pureza, mas o homem real a caminho.
Deserto ou nihilismo
Dito de forma simplista, o nihilismo é a ausência de sentido das coisas que parece refletir nos dias de hoje, isto faz o homem não desejar o sentimento de vazio, de contemplação e de deserto que ao contrário busca captar o sentido mais profundo das coisas fazendo um “silêncio interior” e não um “vazio interior” nihilista.
Para Nietzsche foi a crença nas categorias da razão que nos fizeram acreditar num mundo que foi construído por meio de falsas referências, e mesmo os críticos na modernidade, em sua maioria quando não percebem este ´estado psicológico´ idealista e vazio, estão presos a ele e ficam andando em círculos procurando respostas ora num falso subjetivismo de diversas formas (religioso, ideológico e até poético), ora num falso objetivismo da “vita activa” preconizada por Hanna Arendt, mas que o filósofo Byung-Chul completa com a “vita contemplativa”.
Sobre o nihilismo, segundo Giacóia Junior (2007), “Nietzsche tematiza três formas do niilismo, considerado como ‘estado psicológico’, ou seja, como conteúdo da consciência reflexiva. Em cada um deles, trata-se sempre de uma categoria da razão, que dá apoio a uma interpretação do vir-a-ser e do e do valor da existência humana na corrente do devir”, este cai no desalento do “foi tudo em vão”.
A segunda é uma necessidade de totalidade, o que hoje se diz como a ausência de um discurso único, aquilo que comenta Giacóia como : “forma do niilismo como estado psicológico é presidida pela categoria de “totalidade” – enquanto suporte de uma interpretação global do vir-a-ser. A representação de uma unidade, de uma organização e sistematização globais conectaria a multiplicidade caótica dos seres individuais, contingentes e efêmeros, a uma totalidade integrada e orgânica – a um todo racional, de infinito valor (panteísmo, monismo, etc.), promovendo a reconciliação entre a finitude aleatória e o infinito necessário”, como é um discurso completo cai no simplismo.
A terceira forma, que nada mais é que uma conjunção das duas anteriores comenta Giacóia, é uma “forma do niilismo surge como consciência da mendacidade do mundo metafísico, e como descrença na categoria de verdade – com a descoberta de que o vir-a-ser é a única realidade – uma realidade, contudo, que não conseguimos suportar.”, em geral volta-se a um subjetivismo puro idealista ou a um ativismo desenfreado do “fazer”.
O deserto visto com busca do Ser, abertura ao estado de atividade de contemplação, ou contemplação da atividade, é uma reviravolta ontológica, penetração no subjetivo do Ser, para encontrar o objetivo de nossas atividades, nada foi em vão, o que menos serviu, foi útil como aprendizado, ou serviu para servir a nossa experiência, mas um deserto é necessário para esta retomada, senão cairemos nos mesmos vícios e erros, os caminhos já trilhados, é preciso “ir para o deserto”, como fez o profeta João Batista, Jesus e muitos outros místicos.
GIACOIA JR, Oswaldo. “Nietzsche: fim da metafísica e os pós-modernos.” In: Metafísica Contemporânea, Cap. 1, por Guido Imaguire, Custódio Luis S. Almeida,Manfredo Araújo de Oliveira (Org), p. 13-39. Rio de Janeiro, RJ: Vozes, 2007
Deserto e contemplação
Entre as dificuldades do homem moderno está a contemplação, por isso quer tonar tudo liso, tudo polido, sem dor, sem manchas, sem riscos e sem doenças, mas os remédios e as vacinas, em geral, são uma doença atenuada, ou seja, faz parte da natureza.
Queremos a natureza a nossa imagem e semelhança, e não permitimos que ela siga seu caminho, assim nos sentimos num deserto que nós próprios construímos, não confundir com o silêncio e o “deserto da alma”, talvez nome impróprio, para a contemplação.
Mas há um deserto do vazio existencial, de um nada que procuramos na sociedade do consumo, na religiosidade estéril ou na filosofia idealista, um vazio que não é um silêncio.
Contempla tacão é justamente o contrário, e esclarece o pensador Byung-Chul Han, em a Sociedade do Cansaço, a busca da “vida activa” tornou-se oposta a contemplativa e então ela é um deserto cheio de coisas cujo real sentido existencial é questionável, aliás justamente quando estamos num hiperativismo, doença social e não psíquica, é que estamos no vazio.
A contemplação exige alguma coisa além da pura imaginação, é preciso ver “com os olhos da alma”, enxergar beleza na natureza aparentemente imperfeita, e para isto é preciso alguma forma de crença para se ter esperança com o futuro.
Thomas Merton, um materialista convertido ao cristianismo e que se tornou grande místico, afirmava: “É a fé, e não a imaginação, que nos dá a vida sobrenatural; a fé é que nos justifica; a fé é que nos conduz à contemplação.”
Contemplação não é passividade, portanto, mas escuta atenta para além dos sentidos,
Compreensão e Hermenêutica
A compreensão leva a sabedoria e certamente sabedoria é o oposto de ignorância, mas é possível uma sabedoria que brote da tradição e da vivência sábia, porém mesmo estas deverão ter presentes interlocutores que mergulharam em pensamentos e reflexões de outros, e que estes leram em algum lugar a tradição e os problemas da humanidade.
A ideia que apenas em um livro exista toda sabedoria é refutada até mesmo pelo filósofo cristão Tomás de Aquino com sua famosa máxima; “desconfie do homem de um livro só”, também Marx foi ler a economia “capitalista” de Adam Smith e Ricardo para escrever seu famoso “O capital”, mas é preciso dizer que poucos leem a Bíblia, o Capital, ou qualquer outro livro de referência básica ao pensamento de “tradição” que afirmam ter.
Edmund Husserl, Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Emmanuel Lévinas, Paul Ricoeur, Edgar Morin e muitos outros atestam que há uma crise no pensamento, ao menos no pensamento ocidental, pois há pouca leitura e aprofundamento no pensamento do mundo árabe e do oriental, o africano é quase incógnito.
Outra ideia é a de reduzir a cultura a ideologias, sendo que o exercício delas é na maioria das vezes submeter as culturas ao seu esquema de pensamento, Paul Ricoeur escreveu “a ideologia é esse menosprezo que nos faz tomar a imagem pelo real, o reflexo pelo original” (Ricoeur, 2013, pag. 84) e esta talvez seja o maior confucionismo de nosso tempo.
Sabedoria envolve compreensão, e a hermenêutica é a ciência da compreensão, porque envolve interpretação, superação de pré-conceitos, compreensão e diálogo e revisão d conceitos, o assim chamado círculo hermenêutico, cuja elucidação é feita por Gadamer.
Ainda que Gadamer o veja como preso a um historicismo romântico, Dilthey identificou três classes de compreensão: a primeira que ele chama de “juízos e as formações do pensamento maiores”, relacionada a ciência que inclui tanto as naturais como as ciências humanas, são exemplos um livro texto de biologia ou de matemática, mas também pode incluir conceitos como gravidade e outros presentes no senso comum; o segundo é a experiência vivida e são estas que levam as ações mas deveriam passar pelas primeiras, chama isto de nexo vital.
Exprime sobre a segunda como “tirando a elucidação de como uma situação, um propósito, um meio e um nexo vital se interseccionam numa ação, ela não permite nenhuma determinação inclusiva da vida externa da qual surgiu”.
A terceira a mais essencial são as expressões da experiência vivida, dita assim por Dilthey: “Uma expressão da experiência vivida pode conter mais nexo de vida psíquica do que qualquer introspecção pode perceber”, assim em parte ocorre devido a aspecto da compreensão que ainda não se percebe, penetrar nisto leva a um círculo hermenêutico voltando a juízos e formações maiores, embora Dilthey não tenha formulado assim, seria o círculo hermenêutico.
DILTHEY, W. Obras escolhidas – vol. 3 A fundação do mundo histórico nas ciências humanas, 2002.
RICOEUR, P. Hermenêutica and Ideologias, 3ª. Edition, São Paulo: Vozes, 2013.