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O caso do nascimento de Jesus
É dogma cristão que Jesus era Deus, e se de fato ressuscitou então o era, mas o fato que nasceu não é dogma, apesar de controversas no texto bíblico de Lucas (2,1-5), houve um recenseamento em seu tempo e ficou registrado.
“Naqueles dias apareceu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo habitado. Esse recenseamento foi o primeiro enquanto Quirino era Governador da Síria. E todos iam-se alistar, cada um na própria cidade. Também José subiu da cidade de Nazaré na Galiléa para a Judéia, na cidade de Davi, chamada Belém, por ser da casa e da família de Davi, para se inscrever com Maria, sua esposa, que estava grávida”.
Mas a controversa não é o Censo e o nascimento de um menino chamado Jesus, e sim o fato que quando Quirino era prefeito da Síria e Herodes rei da Judéia, lembre-se que Herodes queria matar o menino que seria “rei” achando que roubaria seu trono, e depois faz um infantíssimo, acontece que isto não é simultâneo com Quirino na Síria, mas é só uma querela.
O fato é que também não foi fácil, primeiro tiveram que ir a Belém, terra Natal de José uma imposição do censo, e não encontraram casa, depois tiveram que fugir para o Egito devido a morte das crianças que Herodes mandou por não saber quem era o menino-rei.
Enfim os tempos não eram fáceis, comparado ao nosso tempo podemos dizer que é Natal sim, apesar da data ser imprecisa, para nós cristãos, os que não creem também fazem festa, é um tempo para ter esperança, desejar a “clareira” e lutar para um futuro melhor.
Desculpem os que fazem outra leitura do cristianismo, mas quem perseguiu, quem matou e torturou foi o império romano, os cristãos e o povo simples, as crianças mortas por Herodes, eram inocentes.
Serão tempos difíceis, mas aqueles que lutam pela justiça não devem perder a esperança, em Lc 3,6: “E todas as pessoas verão a salvação de Deus”.
Olhar os sinais dos tempos com serenidade
Apesar de todo cansaço, de um estímulo cada vez maior a vida activa, a sobrecarga de trabalhos e até de emoções, é possível encontrar atalhos para vida simples e bem vivida, ainda que em tempos bicudos.
O primeiro passo essencial é ter o diagnóstico certo, tantos livros de autoajuda, de boa alimentação, receitas de felicidade que parecem não mover as pessoas das crises de ansiedade, de medo, de angústia e com síndromes cada vez mais graves como a de Burnout.
O diagnóstico é uma sociedade que nos empurrou para um sobre trabalho, não apenas funcional que é necessário, mas com cargas suplementares de ativismo politico, social, religioso e até mesmo familiar como sendo “necessários” para se viver bem e enfrentar as dificuldades.
Não há espaço para contemplação, para repouso mesmo, para atividades de lazer, pois nelas também colocamos mais ativismo, filas intermináveis de carros para praias, campos ou outros retiros que nada mais são do que levar a agitação na mala.
Não sabemos ler os sinais dos tempos, e com isto o ativismo apenas aumenta o vazio e o senso de preocupação, o diagnóstico já apontado por Nietzsche tem uma receita em Kierkegaard voltar a ser o que somos, e dali caminhar para mudanças e evoluções com serenidade.
Os apocalípticos dirão sinais dos tempos, os pragmáticos dirão a humanidade é assim, sempre foi e sempre será, incapacidade de leitura dos tempos, a leitura não fundamentalista sobre o final dos tempos “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós” (Lc 21, 35), pode servir para nossos tempos, bem antes do final do mundo que vai demorar.
Não importa se isto seria o fim dos tempos, o problema é nos tornarmos insensíveis, ou ainda embriagados ou demasiado preocupados com a vida, ela se torna obscurecida.
Serenidade, diagnóstico e educação
A aparente causa de nossos problemas cotidianos parecem ser os avanços mais recentes, as inovações, a vida social, as “midias” de redes sociais e o sobre trabalho humano em diversas áreas, embarcamos no discurso fácil da liquidez, da hipercomunicação e do excesso de informação, este diagnóstico está correto.
Com diagnóstico errado receitamos o remédio errado, colocamos em nossas vidas mais exercícios, uma “vida de exercícios” diria Sloterdijk, mais alimentação natural e mais vida activa para isto, culpa do erro de diagnóstico e de ausência de um futuro claro.
A clareira só pode vir do pensamento, o apelo a prática é o pior remédio deixamos de ter um fim de semana de descanso e de atividades recreativas pois há assuntos “urgentes”.
O diagóstico deste drama atual estava já em Nietzsche (1834-1900), escreveu em Humano demasiado Humano: ‘’Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo’’, uma mostra clara da datação do problema atual.
Pode ser até mesmo anterior, Kierkegaard (1813-1855) escreveu: “o remédio para a ansiedade é sermos como verdadeiramente somos”, apontando no início da modernidade o problema ontológico do qual padece grande parte da humanidade, querer ser o que não se é, ainda que seja bom a ousadia e a busca de novos horizontes, ela deve ser feita solidariamente com o Outro.
O diagnóstico, apontou o Padre Manuel Antunes, cujo nascimento comemorou 100 anos dia 3 de novembro, é contrapor o homo misericors ao homo mechanical, fruto da modernidade, que criou o que o sábio português chamou de “homem espuma”: ligeiro, sem consistência, sem fidelidades e sem convicções fortes.
A educação que deve decorrer daí precisa ser altamente dialógica, abrangente e transdisciplinar, defendeu isto o padre Manuel Antunes, defender Edgar Morin, Basarab Nicolescu e tantos outros, porém é necessário método para que não pare no discurso.
O método proposto por Gadamer, em sua leitura de Heidegger é o círculo hermenêutica, a possibilidade que a partir de pré-conceitos chegamos a uma fusão de horizontes e uma maior possibilidade de releitura da atualidade delineando caminhos para o futuro.
Phronesis e serenidade
Não por acaso Gadamer adota a Phronesis como um dos elementos chave em seu discurso sobre Verdade e Método, incompletamente traduzida como prudência, o termo na verdade dever-se-ia ser confundido com “sabedoria” prática da serenidade, tradução livre.
Isto porque a nosso ver, Gadamer é reabilitador da filosofia prática, os que clamam por pratica, objetividade (sic! bem idealista), são pouco práticos por ausência de sabedoria, são impulsivos e activos (no sentido de vita activa de Chul-Han), típicos da sociedade do cansaço.
No sentido grego, está agregada a ética, mas não é um saber privado no sentido da moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações da impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal.
Esta inclui a obra de arte porque foi a excessiva centralização no eu que reduziu a relação da ética com a estética, a amoralidade pública, o escrachado não é uma nova estética, nem mesmo a negatividade as vezes necessária a arte, é a sua ausência por falta de relação com a ética e o processo formativo.
Gadamer recupera a phronesis a partir da proposta de Aristóteles na Ética a Nicômaco, onde busca estabelecer a articulação entre o universal e o particular, mais ainda entre o indivíduo e a sociedade, dentro de formas históricas da vida, mas com um ethos comum.
Pode-se assim estabelecer uma relação com a educação, num momento que se fala em escola sem partido é preciso pensar que há um outro, sem desejar a neutralidade porque ela será uma ilusão, exploramos num post a seguir.
Falta estabelecer a relação da phonesis com a techné e a episteme, que é o saber teórico e o saber fazer da techné, que está ligada etimologicamente a arte (τέχνη) e ao artesanato.
A harmonia entre as três formas de sabedoria resulta numa sabedoria prática, a práxis.
Serenidade e uma sonata a Kreutzer
Serenidade foi o tema de um discurso feito por Heidegger por ocasião de 175 anos do nascimento do compositor Conradin Kreutzer, em Messkirch, em 30 de outubro de 1955, mas o mesmo Kreutzer foi digno de um romance intitulado Sonata a Kreutzer, de Leon Tolstoi, que narra o dialogo sobre o casamento em uma viagem de trem, numa posição que é quase antagónica pois há um clima de suspense entre ambos que causa intriga e pessimismo.
O pensamento de Heidegger será demarcado por dois de seus escritos: Serenidade, de 1955, e outro a partir de uma conversa sobre o pensamento que teve lugar num caminho de campo, de 1945, onde Heidegger narra um longo diálogo entre três personagens, o Pesquisador, o Erudito e o Professor, sobre a questão do pensar.
O ponto de início sobre o pensamento pode ser o Que é metafísica?, escrito em 1929, onde Heidegger afirma: “de modo nenhum é o pensamento exato o pensamento mais rigoroso”, justamente por se prender ao objetivo último do cálculo, o qual “reduz todo o numerável ao enumerado, para utilizá-lo na próxima enumeração. O cálculo não admite outra coisa que o enumerável”, isto vem de encontro ao neologicismo do Circulo de Viena, e dos algoritmos.
O que causa no pensamento esta lógica é a pretenção de tudo abarcar e submeter, o pensamento calculador “não é capaz d suspeitar que todo o calculável do cãlculo já e, antes de suas somas e produtos, num todo cuja unidade, sem dúvida, pertence ao incalculável que se subtrai a si e sua estranheza das garras do cálculo” (Heidegger, 1943, p. 248 ).
Existem, portanto, dois tipos de pensamento, sendo ambos à sua maneira, respectivamente, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão (das Nachdenken) que medita. […] um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem que saber aguardar que a semente desponte e amadureça.” (HEIDEGGER, 1955, p. 13-14)
O que Heidegger vai explicar nesta obra é que a relação entre pensamento e vontade, em conflito e de onde parte Nietzsche para suas reflexões, não é evocado segundo a tradição, o pensamento representacional que já tem, em si, uma das formas da vontade.
Segundo Heidegger, a forma de liberação do pensamento, que possibilita a forma (ela in-forma diríamos o pensamento) na aproximação das coisas, há uma aproximação não objetificadora, não apropriadora, marcada antes de tudo por um “estar desperto para a serenidade”.
Pode parecer, mas não é a passividade, pois o agir que se oculta no âmago da serenidade é de uma ordem mais elevada do que a das usuais maquinações humanas que envia a ação, ela não implica obrigatoriamente atividade, tal como esta é correntemente compreendida.
Para o pensador esta forma elevada, que embora não o dia está associada a meditação e a contemplação, erroneamente é associada a uma debilidade do querer, a serenidade pois seria fundamental este conter-se, como caminho do pensamento meditativo, é apresentada por Heidegger como a mais elevada forma do agir humano, tão necessárias nos dias de hoje.
Serenidade é antes um conter-se ao mero impulso, a ansiedade e ao agir compulsoriamente.
HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, 1955.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: Os Pensadores. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
A verdade para além da prática e da ação
A verdade da assim chamada pós verdade, deve ser lida não a partir de fake news, de grupos editoriais que são quase sempre polarizados e cheios da “doxa” (opiniões particulares), mas vista de uma busca teleológica da verdade além das culturas, das intolerâncias e das ideologias.
A interpretação de como Gadamer vê esta questão relacionando violência/não violência vem das lições dadas por Heidegger nos anos 20 nas Interpretações fenomenológicas de Aristóteles (Heidegger, 1992), onde penetra na estrutura dialógica da Phronesis, que é a sabedoria direcionada a prática, que na filosofia grega distingue-se da episteme e techné.
Abro um parêntesis, porque isto é importante e qual a relação com uma política cada vez mais sujeita ao direcionamento “prático” da ação e de certo tipo de violência, porque nem mesmo a perspectiva de mudança consegue distanciar-se do que Jacques Ranciére chama de Engagment, diria sendo mais direto, que há falta de prudência e de tato com a prática.
Falta uma noção de mutualidade, uma noção fundamental no pensamento de Gadamer, ressalta o traço dialógico e prático presente no seu projeto da hermenêutica filosófica, que pode parecer um distanciamento da práxis no sentido puro de engagment, mas não o é, no dizer do próprio Gadamer é uma prática que se volta a ela própria sem perceber seus fundamentos e sem compreendê-la como fruto de reflexão e por isto de teoria.
Vamos a obra de arte ou ao campo da educação, ou ainda ao domínio das relações com as questões econômicas, o engagment pode roubar a essência do fazer artístico, pedagógico ou económico, e isto não quer dizer arte, educação ou economia desumanizada.
De acordo com as aulas de Heidegger e a filosofia Aristotélica da retórica, além da phronesis (prática), há outros dois recursos do “ethos”, os apelos a aretê (virtude) e a eunoia, ou seja, o bom pensamento ou a boa vontade que cultiva outros a recebe-la.
Assim a ação prática sem o necessário aceite dos demais, então entra o Outro, sem a virtude pode tornar-se hipocrisia ou inconfiável, sem a simpatia do ouvinte poderá se tornar um discurso repugnante e sem apelo, mesmo com palavras amáveis e doces.
HEIDEGGER, Martin.Phenomenological Interpretations with Respect to Aristotle: Indication of the Hermeneutical Situation. Trad. de Michael Baur. In Man and World, 25, p. 355-393, 1992.
Verdade, além de teoria e prática
O conceito de teoria entrou em pouco crédito se deslocado da prática, porque o idealismo não tem outra possibilidade a não ser a de considerar que era a prática que determinava a verdade, ou o empirismo, pois o ideal como conhecimento, saber supremo da ideia, teria que ter algum método para discernir quando uma “teoria” é valida ou não, e só a experiência poderia dizer.
Há um domínio e um esclarecimento sobre a multiplicidade das coisas e, por outro lado, há um conhecimento de uma situação concreta como se fosse uma orientação mais adequada.
O que Gadamer procurou demonstrar em seu Verdade e Método, entre muitas outras coisas com a questão da historicidade e do método, foi que quando se trata das nossas capacidades técnicas, e elas incluem nossos pré-conceitos e nossa interpretação da realidade, o modelo de verdade não é nem deve ser único, e isto não significativa relativismo, mas capacidade de ver o horizonte posterior ao processo interpretação da realidade, ou seja, depois da fusão de horizontes
No aspecto de nossas capacidades técnicas, ela desempenha bem sua função, que é a de trazer relativa segurança e conforte diante de algumas necessidades que existem e outras que foram criadas no processo de fusão de horizontes.
Quando o campo em questão de nossa história e linguagem estão em jogo, nossa relação com a arte e com a religião, nossa consciência da morte, nosso autoconhecimento, e nossas escolhas e ações responsáveis diante de nossa vivência política, dentro as diversas outras experiências que nos afetam como seres humanos finitos, o modelo de verdade fracassa.
O que os gregos determinam como surgimento espontâneo de uma “arte” [τέχνε] própria para definir o sentido das palavras portadoras de verdade [συνβολον], a arte de interpretar [ερμηνευτικές τέχνες] tem na origem o nome “hermenêutica” que representa não apenas a nossa visão particular de um objeto, mas ao contrário nossa dificuldade de determinar precisamente o sentido de uma mensagem, enquanto a questão da técnica extrapola o techné: arte, oficio e técnica, que para Heidegger, mantém um vínculo estreio com a “episteme” ou seja, o conhecimento todo.
Enquanto o Aufklärung da modernidade acreditava que até os conteúdos da história, os quais se haviam tornado estranhos para nós, também nos poderiam ser acessíveis por meio de nossas atividades racionais, isto é, de uma reflexão teórica, o idealismo a moda dos “velhos” hegelianos, os novos não deixaram de ter referencia a historicidade, e Gadamer vai refletir sobre Dilthey, que teve o mérito de abandonar o psicologismo, sem deixar o historicismo romântico de lado.
Assim falando especificamente da arte, defendeu que para compreender adequadamente suas próprias obras, mais importante que captar a unidade entre o conteúdo do texto e a tradição, é aceitar o esforço de compreensão que só surge onde há a possibilidade de rever algum mal- entendido, ou alguns pré-conceitos, em outras palavras, a interpretação é da natureza do compreender, pois dela faz parte a possibilidade quase sempre do mal-entendido.
Para da hermenêutica contemporânea, com alguns equívocos, Schleiermacher afirma que a tarefa de compreender um texto se deve converter também em um esforço para compreender outra individualidade, que depois vieram tantas questões sobre o Outro.
Capacidade de ir além dos pré-conceitos e reinterpretar a própria verdade é parte do esforço de superação de barreiras onde a irracionalidade e o ódio constroem muros intransponíveis, Gadamer dá este exemplo em Verdade e Método: “Quem abandona-se a particularidade torna-se ungebildet (estranho, “sem forma”), por exemplo, se alguém ceder a raiva cega, sem senso de medida”.
Incompletude da pós-verdade
Antes de saber o que é pós-verdade, é preciso saber se há alguma definição de verdade, e isto nos leva aos primórdios da civilização ocidental, onde sabia-se que a verdade estava oculta, ou seja, seja para Aristóteles ou Platão, o ápice da cultura grega da antiguidade, a verdade estava oculta, ou seja, era necessária uma aletheia, termo grego para não oculto, manifesto, ou ainda mais a (negação) lethõ (esquecer), portanto só há verdade sobre um fato ocorrido.
Para a filosofia grega era claro que a “doxa” ou a opinião era contrária a episteme, ou ao conhecimento sistematizado e organizado, mas toda episteme implica num método, ou seja, vem daí epistemologia, ou a forma de organizar e comprovar determinado conhecimento.
O assunto surgiu no contexto da política atual pelo fato de alguns políticos, evito os nomes para evitar a polarização doxológica (de opiniões) passaram a querer negar fatos, ou seja, o que estava registrado e comprovado, e mesmo assim negavam, mas isto não é novo.
Já no seu ensaio de 1967 “Verdade e Política”, Hannah Arendt estabeleceu que a verdade que é baseada em fatos podia ser comprovada e verificada, mas os políticos insistiam em revidar e fazerem discursos baseados em opiniões, portanto não é novo, e a ver com a midia é outra coisa, o monopólio de opinião e que quase sempre não está fundamentada em dados.
O fato de existirem midias de redes sociais não é novo, grupos de opinião sempre existiram só que eram hegemônios donos de jornais e revistas, e agora não são, passa a ter um confronto aberto de opiniões, que transformam-se em torcidas organizadas, com apelos emocionais e doxológicos.
Não é por acaso que políticos populistas, que todos beiravam ou eram declaradamente fascistas eram grandes oradores e capazes de provocar fascínios nas massas, o fascínio hoje é outro, a capacidade de articular fatos e usar imagens ou dados que simulam falsas epistemes.
O Brasil foram os casos do mensalão, do petrolão e outros mal esclarecidos que geraram um corpo de meias-verdades que inflamaram e atingiram grande parte da opinião pública, outra foi a pouca consideração com valores culturais e morais da sociedade, quer seja os religiosos, quer seja a cultura negra, indígena e as regionalidades brasileiras, houve muitas não-verdades.
É tão difícil compreender as vezes, que mesmo tentando esclarecer os fatos ficamos confusos, por exemplo, em Portugal ocorre agora um famoso caso de Tancos, um quartel de armas onde um caminhão de armas foi roubados e precisei de um amigo português para entender, há meias-verdades de todo lado e muita gente alta parece envolvida, e as armas foram devolvidas com até uma caixa a mais, parece piada mas não é, um brinde dos ladrões.
A parte da verdade dos fatos, existem as correntes de “opiniões” onde o termo talvez seja inadequado, seria melhor correntes de culturas divergentes ou até opostos, sem o diálogo amplo necessário a tendência são as torcidas (claques em Portugal) crescerem e aumentar o número de conflitos, onde a intolerância impera o risco de graves conflitos é eminente.
Separa-se aqui então “opinião” de divergência epistemológica, cultural ou metodológica, pois diferentes caminhos para se obter a verdade devem ser pensados a parte das paixões, senão a possibilidade de caminhos concretos para superar crises ficam bloqueados e a razão desaparece.
O Tesseracto ou Hipercubo, o holograma
Por que o espaço deveria ser limitado a três direções independentes?, com esta especulação Charle H. Hilton (1888) transgride a ideia de tempo absoluto.
Após uma discussão as ideias de Kant de tempo absoluto, ele penetra na discussão mais profunda do idealismo que é a separação entre objeto e sujeito.
O primeiro postulado deste livro que o meio não é mais o que separa, mas o que nos une ao objeto, constrói mais à frente uma consequência: “O próximo passo depois de ter formado esse poder de contração em um espaço mais amplo é investigar a natureza e ver que fenômenos devem ser explicados pela relação quadridimensional”, o que irá desenvolver em seu livro até chegar à antevisão do holograma: “E assim, com arranjos de espaço superior. Não podemos “colocá-las de fato”, mas podemos dizer como elas pareceriam e seriam ao toque de vários lados”, que pode ser vista como a antevisão de um grande holograma, mas com a possibilidade de serem tocados.
Assim como o Cubo possui na verdade 6 faces, uma quarta dimensão não seriam apenas 6 cubos, mas 7 cubos formando assim a quarta dimensão, é a partir dela que pode-se pensar o holograma que se espacial e com possibilidade de toque (háptica) torna-se um hipercubo de imagens volumétricas espaciais.
O Christus Hypercubus de Salvador Dali é esta visão em quarta dimensão, que colocá-la num holograma e mostrar sua reconstrução em cubos 3D constituiu uma etapa do corrente trabalho, ainda não tendo a ligação com o ambiente da Galeria de Arte Multimodal e as possibilidades de poder ser táctil (a háptica).
A pintura de Salvador Dali pode ser pensada como imagem na quarta dimensão, ou o holograma representando no Christus Hypercubus de Salvador Dali.
A física quântica está conectada a esta ideia, porque Heisenberg foi um dos primeiros a anunciar esta ruptura com a ideia de espaço absoluto, criando assim uma dimensão superior ao espaço tridimensional.
Hilton, C. H. (1888). A New Era of Thought, Londres: S. Sonnenschein & Co.
O espiritual na arte, quase esquecido
Além de Kandinsky, um contemporâneo reconhecido como tendo influência na arte espiritual, há outros três catalães quase esquecidos de forte influência espiritual: Raymond de Sebonde, autor da Teologie Natural; Gaudí, criador do gótico mediterrâneo, e Salvador Dali, incorretamente visto como surrealista paranóico-crítico, explicamos a seguir.
Disse Dali após uma longa fase que ele mesmo disse que tinha influência psicológica e indiretamente de Freud, integrasse numa nova fase, onde seu quadro Christus Hypercubus será um marco, e pode mesmo se relacionar a contemporaneidade com a Física Quântica, a quarta dimensão do universo (o Hipercubo), e de certa forma ao tesseracto de C. H. Hilton.
Diz em seu Manifesto Anti-matéria escreve com todas as letras: “no período surrealista, quis criar a iconografia do mundo interior e do mundo maravilhoso, do meu pai Freud … Hoje, o mundo exterior e o da física transcenderam o mundo da psicologia, ele declarou “meu pai hoje é o dr. Heisenberg”, assim é um Dali pós-surrealismo como ele próprio se proclama.
Já postamos anteriormente algo sobre isto, porém desenvolvemos aqui um pouco mais.
Proclamou Dali sobre sua obra: ”Eu Dalí, reatualizando o misticismo espanhol, vou provar com a minha obra a unidade do universo, ao mostrar a espiritualidade de todas a substâncias”, na qual o uso de substância não é por acaso, pois está falando mesmo do universo físico, mas pode ser também aquele que Teilhard Chardin chamou de “universo cristocêntrico”, ou seja, a sua Noosfera no sentido mais substancial da palavra, ou no sentido físico do universo.
Esta dimensão, além de ser estudada na Física das Partículas e na Astrofísica, apareceu em filmes como “Contato” (1997, direção de Robert Zemeckis) baseado na obra de mesmo nome de Carl Sagan, e recentemente o filme Interestelar (direção de Christopher Nolan, de 2014), ilustrado na imagem acima, e a possibilidade da quarta dimensão, do universo estar imerso num hipercubo é científica.
Einstein havia previsto um fenômeno relativístico Lense-Thirring ( homenagem a Josef Lense e Hans Thirring) que ficou por um bom tempo sem comprovação até que esse efeito começou a ser detectado em satélites artificiais e desde então passou a ser estudado como possibilidade real, é um efeito de um giroscópio devido ao campo magnético gravitacional.
Começa amanhã em Lisboa, no Palácio de Ceia, o evento Artefacto 2018, entre outras obras, apresentará uma Ode ao Christus Hypercubs feita pelo Dr. Jônatas Manzolli da Unicamp, que contará com a pianista Helena Marinho do Aveiro e a solista Beatriz Maia.