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A diversidade cultural e as esperanças
Em seu livro “no mesmo barco: ensaios sobre hiperpolítica” Peter Sloterdijk destaca que: “a aparência histórica ensina a todo observador que grupos humanos nas regiões pioneiras, durante os últimos três ou quatro mil anos, devem ter conseguido navegar sobre suas velhas jangadas de tal forma que agrupamentos de jangadas puderam surgir em grande estilo” (Sloterdijk, 1999, p. 73), o que quer dizer que velhos hábitos culturais resistem ao tempo, mesmo que considere “mentalmente pobre e mesmo assim significativo o termo ´cultura’”. (idem).
Enfatiza que a decadência das superestruturas “revelam que quase nada têm a dar aos indivíduos, nos seus esforços de continuar a vida” (Sloterdijk, 1999, p. 74), e mais que isso pode-se reconhecer que “tão logo decai o opus commune, as pessoas podem regenerar-se somente como unidades menores” (idem).
Assim é nestas unidades menores que pode-se regenerar e elaborar uma nova opus commune, retoma o Decamerão de Giovanni Boccaccio onde há a sobrevivência da pequena comunidade frente ao “desastre da grande”, lembrando o período da peste que pode ser um paralelo com a atual pandemia, lá os fiorentinos “já não sabem se devem temer mais a contaminação ou os saques ou a fome, eles caem numa desorientação equivalente a uma paralisia” (Sloterdijk, 1999, p. 75), a primeira versão de “no mesmo barco” é de 1993.
Num período que sucedeu aos impérios babilônicos, egípcios, sírios e persa, foi nas pequenas comunidades gregas que nasceu a ideia da polis das cidades-estados e que chegou até a república moderna, foi da renascença fiorentina que nasceu uma revolução artístico-cultural que levou o espírito humano as primeiras grandes navegações e as expansão do mercantilismo, e foi do racionalismo franco-alemão que nasceu a revolução liberal burguesa e hoje onde estarão estes pequenos grupos capazes de resgatar a civilização?
Há novas cosmovisões que renascem (elas buscam suas formas culturais primeiras) na África tal como o filósofo Achiles Mbembé e sua necropolítica, uma reação ao poder de ditar quem pode viver e quem pode morrer, na américa latina o sociólogo peruano Anibal Quijano, o filósofo, psiquiatra e ensaísta Frantz Fanon, natural das Antilhas Francesas.
O problema central destes pensamentos é a decolonialidade, ou seja, a ideia que a modernidade e seu projeto político se valeram da colonização e não haverá mudanças significativas nas superestruturas de poder se esta forma de pensamento não for submetida a crítica e ao desmascaramento de seus objetivos.
É daí que podem nascer esperanças, uma reconfiguração do globo onde os povos tenham direito a sua liberdade, a sua expressão cultural e social, com uma vida digna.
O vazio e a hiperpolítica
O assunto que deveria interessar a teólogos interessa primeiro a filósofos e escritores como Julian Barnes ( The Sense of an Ending”, que ganhou o premio Man Booker) escreveu: “Eu não acredito em Deus, mas sinto falta dele”, enquanto o cético Peter Sloterdijk escreveu: “Numa cultura monoteisticamente condicionada, declarar que Deus está morto implica um abalo em todas as referências e o anúncio de uma nova forma de mundo” (Slotertijk, 1999, p. 59) e implica abandonar o projeto de unidade planetária.
Em uma linha oposta o professor de literatura inglesa e escritor Terry Eagleton escreveu “Cultura e morte de Deus”, identifica os substitutos iluministas desta morte além da razão e de sua obra mais acabada: o Estado Moderno, algumas formas de racionalização desta “morte” além do próprio Estado: a ciência, a humanidade, o Ser, a Sociedade, o Outro, desejo, força de vida e relações pessoais, chamando-as de “formas de divindade deslocada”.
Como substitutos não é diferente o que elabora Sloterdijk em “no mesmo barco: ensaios sobre hiperpolítica” (1999): “começa uma onda literária que não fala de outra coisa senão de Estado, vida em sociedade, formação humana” (Sloterdijk, 1999, p. 58), diz Sloterdijk refletindo Nietzsche que Código Teológico a parte: “aquilo que inspira nosso tempo com esperança e horror; alguma coisa está morta e só pode desmoronar mais rápida ou lentamente, mas de alguma forma avançam a vida e a civilização e se cristalizam em novidades não compreendidas” (Sloterdijk, 1999, p. 60) e não se trata apenas da nova cepa do coronavírus que assusta, mas de novidades que avançam em discursos polarizados e radicais.
Lembra que não são apenas os discursos de algum aventureiro político de países com convulsões políticas, mas: “Vê-se o elenco político desfilar com algazarra pela mídia e somos lembrados na inapetência premeditada dos torneios municipais” (Sloterdijk, 1999, p. 64), sabe que existem aqui e ali: “megalopatas convincentes da velha guarda” (idem), mas uma “desproporção global entre as forças necessitadas e as fraquezas existentes” (ibidem), ou dito de outra forma estadistas capazes de lidar com as crises contemporâneas.
Chama alguns destes personagens que aparecem aqui ou ali de “atletismo de Estado da globalidade”, mas ressalta que ainda não foi escrito ressaltando as “exigidas consciências” que não deveria ter para uma “profissão: político”, uma residência com opacidade, um programa com o qual é difícil pertencer-se, no aspecto Moral pequenos trabalhos, nenhuma paixão: uma ausência de relação, evolução para o autorrecrutamento a partir de conhecimento e deveriam ser atletas de um “mundo sincrônico” (pg. 65).
A sentença da hiperpolítica de Sloterdijk é drástica: “o tema da ´revolução conservadora´, experimentado há duas ou três gerações” (pg. 67) em que previa certo tipo de nova onda fundamentalista, previa alguns políticos contemporâneos como Donald Trump e Boris Johnson mostram não só que não foram acasos, mas que continuam a espreita de uma nova de política que surge no rescaldo da “síndrome de Krause” (político alemão envolvido escândalos de corrupção), mostrando que não é obra do acaso, não é apenas a ausência do Geist (espírito) ou da falta de subjetividade e aceitação da diversidade cultural planetária, a “política aparece como o equivalente de um quase-acidente coletivo-crônico numa rodovia coberta pela névoa” (Sloterdijk, 1999, p. 69). O livro foi escrito bem antes da ascensão da onda conservadora.
Na sua sentença final Sloterdijk pede que “a hiperpolítica se torne a continuação da paleopolítica por outros meios” (pag. 92).
Sloterdijk, P. no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
A crise civilizatória
Não é apenas uma ideia dos apocalípticos, dos pessimistas e dos gostam de tragédias, espíritos sombrios que não refletem realmente sobre a realidade, são aqueles que pensam o humanismo, que olham para uma vida polarizada, fragilizada e impotente diante de uma pandemia (veja a Europa no post anterior) é a crise da fragilidade que não se vê frágil.
Arrogantes, pseudossábios, e pseudoprofetas estão de plantão, porém mesmo um otimista como Edgar Morin se dobra ao perceber um sistema que não consegue lidar com seus problemas fundamentais, ele se desintegra, assim começou sua recente palestra sobre a metamorfose da humanidade, disse no evento: “ele se torna ainda mais bárbaro”, mas lembra que esta não é a primeira e provavelmente não é a última metamorfose da humanidade, fomos na origem (ele disse por mais de 100 mil anos) caçadores e coletores.
Não tinha exército, nem estado e nem classes, mas aos poucos alguns grupos queriam dominar os outros, isto aconteceu na Índia, na China e no Oriente Médio, nos Andes onde se organizou um Império Inca e no México (onde fez a palestra).
Estas sociedades se metamorfosearam para melhor ou pior, ele não fez uma afirmação sobre isto, porém pensa que uma metamorfose sobre os nossos Estados-nações é possível.
Afirma que é preciso ter esperança, mas esperança não é certeza, a esperança que no passado era uma crença agora, porém se a esperança existe ela é o fermento necessário para grandes transformações, e fica subentendido que é neste momento que estamos vivendo esta realidade, num mundo pós-moderno ou pós-pós-moderno, há uma transformação.
Resta-nos saber qual nos leva a destruição, e qual é verdadeiramente portadora da esperança, não dá grandes dicas, mas façamos um exercício.
A primeira grande destruição é a guerra, com o arsenal de armas ultra potentes, até mesmo interplanetárias, há vários objetos em torno do planeta, é preciso defender a paz com a mesma força que defendemos a justiça, uma guerra agora seria uma catástrofe.
A segunda grande destruição é o desiquilíbrio social, a insegurança e a falta de um plano sustentável para o uso dos recursos naturais, os grandes encontros discutem apenas a questão da poluição e o desmatamento em algumas regiões do planeta, quando deveriam discutir o planeta como um todo, a natureza dá sinais de esgotamento e é previsível um maior desiquilíbrio nas forças naturais, de proporções planetárias.
Como afirma Edgar Morin é preciso ter esperança, já passamos outras etapas do processo civilizatório por situações parecidas, claro que a proporção agora é planetária.
Edgar Morin – Do esgotamento à metamorfose dos sistemas – YouTube
Alerta covid e festas natalinas
A Europa volta a se preocupar com os índices de infecções da Covid, quando tudo parecia caminhar para um desfecho feliz de final de ano, a chegada do inverno, a pouca vacinação e as dúvidas sobre as vacinas até mesmo por parte dos profissionais da saúde, fizeram os índices voltarem a crescer.
A Alemanha registrou na quinta feira passada um recorde diário de 50 mil novas infecções em 24 horas, na Rússia 40 mil casos, nações do Leste europeu: Eslovênia, Croácio, Geórgia, Eslováquia e Lituânia tem os maiores índices de novos casos da doença, também na França e Reino Unido o número de casos é crescente (figura ao lado).
Portugal que tem o mais alto índice de vacinação, perto de 90%, vai voltar a tomar medidas preventivas como o uso de máscaras, na Áustria e Holanda há medidas de lockdown, os protestos contra esta nova medida de restrição provocaram enfrentamento com a polícia no final de semana.
Em entrevista dada a BBC, Hans Kluge, diretor regional da OMS afirmou que podem ter 500 mil novas mortes na Europa até março caso as medidas não forem tomadas.
Estamos num clima quente, a média móvel de casos e mortes no Brasil é decrescente, porém as festas e um certo relaxamento nas medidas preventivas é preocupante, não há medidas em nenhuma parte do país preocupadas com uma possível nova onde, ela parece distante, mas lembremos do carnaval de 2019 quando havia alguns sinais e não nos preocupamos, as consequências vieram em março daquele ano.
As medidas em shopping, supermercados, shows e praças esportivas estão totalmente relaxadas e só saberemos os reflexos no início do ano de 2022, mesmo que seja apenas preventiva, estas medidas podem ajudar a evitar um novo surto que deixaria o país ainda mais em desespero, o que observamos é uma preocupação apenas em liberar, o ano das eleições se aproxima e ninguém quer tomar medidas impopulares, mas a saúde deveria estar em primeiro lugar, até mesmo em relação a economia já em crise.
Se vamos pagar para ver, o custo poderá ser alto.
A pandemia ainda não acabou
É triste e angustiante a constatação, mas a pandemia ainda não acabou, a Europa vive grande preocupação com a covid-19 e no Brasil onde os números ainda não baixaram da casa de 260 óbitos diários, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) registrou um aumento em crianças nos casos do vírus sincicial respiratório (VRS) com registros superiores a Covid 19.
Embora o aumento de casos em países como a Alemanha, Rússia, Hungria, Eslováquia e República Checa, a Rússia bateu novo recorde de infecção e mortes na semana passada (Ela tem apenas 34% da população vacinada), a preocupação é crescente com a chegada do inverno, e na Áustria o governo decretou lockdown para pessoas não vacinadas.
Na Rússia a medida tomada foi um recesso nacional de 30 de outubro a 7 de novembro, na Alemanha o diretor da virologia do hospital Charite, de Berlim enfatizou: “Temos uma emergência real agora”, pois o país registrou quase 40 mil casos da covid, o maior desde o início da pandemia, e fez uma previsão alarmante, 100 mil pessoas podem morrer.
No Brasil, embora ande em ritmo menos acelerado do que no período anterior de vacinação da vacina, o número aumenta e em muitos lugares há uma procura pelas pessoas que não vieram para a segunda dose. perto de 59% da população brasileira está totalmente imunizada e quase 80% já receberam a primeira dose, os dados são do consórcio de veículos de imprensa e foram divulgados as 20h deste domingo (14/11).
Sete estados brasileiros estão em alta após uma forte queda no mês anterior: Santa Catarina, Pará, Roraima, Rondônia, Bahia, Ceará e Piauí, um caso que chamou a atenção foi o de Serrana onde o governo paulista fez uma vacinação em massa tentando tornar a cidade modelo de vacinação, houve 563 casos no último mês e o número tão alto (a cidade tem 45.644 habitantes) não teve uma explicação clara (veja a foto, dados oficiais da secretaria do município).
As festas de fim de ano se aproximam e a preocupação é com a vigilância que inexiste em espaços públicos (shows, shoppings, supermercados, etc.) e um repique da doença traria não só um agravamento sanitário, mas alargaria a crise social que já atinge níveis insuportáveis, não há medidas em torno deste agravamento, a alta de preços está aí.
Outro fator preocupante é agora a saúde psicológica da população submetida a um stress alto e a uma constante pressão de preocupação com a doença sem políticas claras, já é possível observar muitas pessoas com alterações: angústia, tensão, depressão e atitudes antissociais, a superação da crise exigirá muitos esforços públicos.
É fácil observar nos mercados e no consumo diário um aumento do alcoolismo e uso de medicamentos, as festas de fim de ano poderiam melhorar este aspecto, mas a crise social não ajuda, as festas deverão ser modestas ou em festas não natalinas onde o exagero e as bebidas permitem que se estravassem as energias contidas na pandemia.
Porque a Covid 19 não acabou
Na quinta feira passada Hans Kluge, diretor da OMS para a Europa afirmou que 53 países da região estão enfrentando “uma ameaça real do ressurgimento da COVID-19” e encorajou os governos da região tomarem medidas urgentes, na China o governo aconselhou inclusive a população a estocar comida, a nova onda é devido a variante delta.
Na Alemanha, 66,5% da população está totalmente vacinada, mas de acordo com o RKI (Instituto Robert Rock, responsável pelo controle de doenças infeciosas), há mais de 3 milhões de pessoas com mais de 60 anos que não se vacinaram e o risco é alto, e na última sexta-feira registrou pouco 37.000 infecções, um número recorde, já a Rússia registrou 40.735 novos casos e 1192 mortes relacionados ao vírus na última sexta-feira, segundo dados do próprio governo.
França, Holanda, Itália e Inglaterra registram altas de infecções, Portugal tem uma alta apesar de ter a mais alta taxa de vacinação do mundo (quase 90%) e somente a Espanha não teve alta de infecções, o problema deve-se além da variante delta, a baixa taxa de imunização.
Na China o surto que ainda é em número pequeno atingiu diversas regiões do país, e o governo chegou a aconselhar a população a fazer estoque de alimentos.
O Brasil tem 58,2% da população totalmente vacinada, enquanto 76,3% já tomaram ao menos uma dose, a margem de segurança ainda é pequena para uma liberação geral que já aconteceu, não há mais controle de temperatura e aglomerações o que é preocupante, o país ainda está na faixa das 300 mortes diárias, e acima de 11 mil infecções.
A vacinação continua, o país recebeu neste domingo 1,1 milhão de doses de vacina contra a Covid 19 no aeroporto de Viracopos, apesar de algumas correntes criticarem a qualidade da vacina, não há critérios científicos para esta crítica.
O ministério informou que o número até o final de semana era de 122,3 milhões de pessoas imunizadas, e a população alvo é de 177 milhões de pessoas.
A dose adicional para grupos de idosos, a chamada “terceira dose” atingiu 8,9 milhões de doses adicionais, segundo o Ministério da Saúde.
Olhando o cenário da Europa é bom não relaxar e devemos continuar o esquema da vacinação completa, somente uma dose não garante a imunidade, mesmo no caso da Janssen está sendo aplicada uma dose de reforço.
A paz e alguns conceitos
A Paz é desejada, mas raramente cultivada, sempre que se quer prevalecer uma determinada visão de mundo, ou uma cosmovisão no sentido filosófico mais profundo, na verdade está se preparando um conflito onde pontos divergentes não podem encontrar um horizonte comum.
A pax eterna romana, foi a submissão dos territórios ao império romano, a paz da Vestfália (1648) foi um acordo político para que as cosmovisões cristãs em conflito (romana e luterana) não provocassem guerras entre os reinos monárquicos na época, mas foi o tratado dos Pirineus (1659) que decretou paz entre França e Espanha, a etapa final do conflito e por isto é também parte da paz da Vestfália (na foto a divisão Europa deste período).
Este tratado foi uma noção embrionária para o conceito de paz eterna, vindo do idealismo, que vai se aprofundar no Congresso de Viena (1815) e o tratado de Versailhes (1919).
O conceito de Paz Eterna foi elaborado por Immanuel Kant, como um dos ideais da Revolução Francesa, o estado de paz mundial criava na verdade o conceito de uma “república” única, capaz de representar as aspirações naturalmente pacíficas de povos e indivíduos, este conceito além de neocolonizado (e assim incorpora conceitos da pax romana) está fundamentado numa cosmovisão ocidental e não engloba os conceitos do mundo árabe e oriental, além de desconhecer os conceitos dos povos originários.
A paz numa cosmovisão mais ampla implica aceitar as diferentes visões de relação com a natureza e com os outros povos, diz Caio Fernando de Abreu em Pequenas epifanias: “exigimos o eterno do perecível, loucos”, porque só num modelo de cosmovisão ampla que englobe a paz poderíamos caminhar para uma nova realidade humana e natural.
Numa correspondência trocada entre Freud e Einstein, intitulada “Porque a Guerra?” de 1933 e que foi proibida pelo Terceiro Reich, no texto Freud a questão da interioridade, isto porque muitos que falam de paz querem e provocam a guerra, insistem em suas cosmovisões e querem submeter as outras, assim não colocam a questão da anterioridade, a qual se constitui em entender, considerar a guerra como um conceito quase universal e trans-histórico, mas que se origina na interioridade humana: ambição e poder.
A leitura freudiana, também Lacan fará isto mais tarde , é inscrever a paz de uma maneira inversa da perspectiva kantiana, abordando a questão do infinito, e também escapa de qualquer forma de consideração moral, a reflexão psicanalítica é a possibilidade do poder continuar a se confrontar, para desenvolver uma abordagem nova da coisa “política”.
Há trata-se do bem comum, também mas não só, uma segunda leitura das cartas de Freud e Einstein, acrescenta-se “porque a escolha da guerra”, assim a prévia da existência da guerra em si, fenômeno, processo ou fato que não é possível erradicar ou substituir, pode tornar-se uma busca olhando a ambição humana menos ou mais claramente anunciada, descobrindo a natureza, a essência e a razão de ser, é assim portanto uma questão ontológica de “escolha” da guerra e não da paz, muitas vezes difícil de ser encontrada, mas que deveria ser um desejo primário.
FREUD, S. (1995) “Pourquoi la guerre? Lettre d’Einstein à Freud”, in OCP, v.XIX. Paris: PUF.
Injustiça e poder
Aqueles que praticam injustiças precisam desviar a vida de seu curso natural, precisam mudar o humanismo para transformá-lo em algo perverso, é preciso influenciar a cultura, retirar dela o que tem de belo e aprazível, desrespeitar os pobres e desamparados e confundir a alma com desejos de poder e avareza.
Poucos homens procuram desviar-se destas ciladas, com isto a ideia que uma pessoa “bem-sucedida” significa que teve sorte, foi abençoada ou lutou bastante domina o senso comum, porém ignoram pessoas e estruturas perversas que os favorecem, e talvez a maioria delas seja a estrutura de poder, por isto ele é fonte de polarização.
Ao longo da história somente os vencedores contaram suas glórias, “ao Vencedor as batatas” diz o personagem Quincas Borba (figura) no romance de Machado de Assis com o mesmo nome, onde ele desenvolve a ideia do humanitas, que enxerga a guerra como uma forma de seleção dos mais aptos, assim justifica a opressão e o empobrecimento dos injustiçados.
O personagem Quincas Borba é uma espécie de filósofo ateu, que tornou-se rico ao herdar os bens de um velho tio, morador de Barbacena, Estado de Minas Gerais, onde permanece um tempo nesta cidade antes de morrer.
Quem irá desfrutar da fortuna deixada por Quincas Borba será Rubião, um modesto habitante do interior de Minas Gerais, que recebe sua fortuna e decide ir viver no Rio de Janeiro, assim fala da migração do interior para as grandes cidades, não na perspectiva dos pobres que vão a busca de trabalho, mas dos ricos que vão em busca de boa vida.
Rubião vai para a cidade e tentará aplicar a filosofia do Humanitas desenvolvida por Quincas Borba e esta é na verdade o tema do livro.
Além do aspecto literário e histórico do romance, característico da época (o romance Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891), Rubião ao mesmo tempo que desfruta de uma fortuna fácil, é vítima de sua credulidade provinciana da qual seus amigos que o acolhem na “cidade grande” vão desfrutar.
O tema é universal, mesmo que pintado com cores históricas brasileiras, além das injustiças com pobre e desamparados, as artimanhas e maquinações que tiram também as posses de pessoas que por terem conquistado dinheiro fácil, não sabem como utilizá-lo bem e se perdem nas armadilhas preparadas por falsos amigos avarentos.
Entre as bem-aventuranças cristãs está aquela dedicada aos que tem fome e sede de justiça, “porque serão saciados” (Mt 5,6).
Em queda, mas a pandemia não acabou
Citamos na semana passada a preocupação com casos em evolução em alguns países como a Rússia e Inglaterra, onde uma variante do vírus está sendo estudada com preocupação, também os países mais pobres tem recebido menos vacinas que as prometidas por doação, e já entendemos que a Pandemia é global, isto é, há uma influencia de regiões menos vacinadas em outras que mantém um alto nível de imunidade, politicas para o futuras pandemias já levam estes fatores em consideração.
Alguns países continuam com alto nível de mortes, apesar da vacinação, nos EUA em torno de 1700 mortes diárias na última semana, no resto mundo está em queda, porém com a presença de mortes, no gráfico acima com registro de mortes do dia 23/10 (sábado) em número absoluto de mortes, o Brasil, seguido da Índia, do México e depois a Rússia.
A grande preocupação da OMS é com relação as promessas de doações de vacinas aos países mais pobres que não estão sendo cumpridas. a notícia não é deste blog, mas da própria OMS, pois ela tem se posicionado contra a terceira dose, pois de acordo com a reportagem The People´s Vaccine feita na BBC, uma aliança de instituição de caridade divulgou que apenas uma de cada sete doses prometidas de vacinas por empresas e países ricos, chegou de fato às nações mais pobres.
Na reportagem, na entrevista de Bruce Aylward ele afirmou: “Nós realmente precisamos acelerar ou sabe o que vai acontecer? Esta pandemia vai durar mais um ano do que precisa” alertou, e isto se deve ao fato que mesmo com medidas de isolamento estamos sempre conectados, e qualquer comunicação (não só de pessoas, mas de produtos e de qualquer material biológico como frutas e víveres) pode ser transmissores em condições específicas
No Brasil o número de doses da vacina está chegando um reforço na campanha de vacinação contra a Covid 19, um lote de 1,7 milhões de vacinas Pfizer/BioNTech chegou na sexta (22/10) feita e outras iguais quantidades já haviam chegado totalizando um total de quase 5 milhões de vacinas.
Também os insumos para a AstraZeneca foram recebidos pela FioCruz que produz a vacina no país, o desembarque do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) chegou para a produção de 5,6 milhões de doses com desembarque previsto para as 5h50 da manhã de domingo.
A vacinação em primeira dose chega próximo a 153 milhões de doses, enquanto a segunda dose (ou dose única) chegou a pouco acima de 109 milhões de vacinados, a média móvel de mortes está pouco acima das 300 mortes diárias, com uma tendência de queda podemos supor que estaremos abaixo de 100 mortes diárias no início de dezembro.
A cultura de massa e a crise
Depois de analisar os aspectos de homogeneização e de colonização cultural, Morin vai analisar quem é o homem médio e que cultura consome, afirma:
“A linguagem adaptada a esse anthropos é a audiovisiaul, linguagem de quatro instrumentos: imagem, som musical, palavra, escrita. Linguagem tanto mais acessível na medida em que é o envolvimento politônico de todas as linguagens” (pag. 45) e, portanto, não é específica das novas mídias que apenas as potencializa, e ela envolve mais um imaginário do que “do jogo que sobre o tecida da vida prática” (idem).
Isto porque “as fronteiras que separam os reinos imaginários são sempre fluidas, diferentemente daquelas que separa os reinos da terra” (ibidem), assim um homem pode participar das lendas de outra civilização do que adaptar-se a vida desta civilização, e assim Morin prepara para falar da grande crise ou grande noite civilizatória, que Morin chama de “grande craking”.
Na medida em que melhora a qualidade técnica mediatiza a qualidade artística, diz Morin: “sobem na cultura industrializada (qualidade redacional dos artigos, qualidades das imagens cinematográficas, qualidade das emissões radiofónicas), mas os canais de irrigação seguem implacavelmente os grandes traçados do sistema (pag. 50).
Morin separa as correntes culturais vindas de Hollywood em três correntes principais: a que “mostra o happy end, a felicidade, o êxito; a contracorrente, aquela que vai da morte de um Caixeirio-Viajante a No down payment [Rock do AC/DC], mostra o fracasso, a loucura, a degradação” (pag. 51), mas há uma terceira corrente que chama de “negra”.
Esta é “a corrente em que fermentam as perguntas e as contestações fundamentais, que permanece fora da indústria cultura: esta pode usurpar em parte, adaptar a si, tornar consumíveis publicamente certos aspectos, digamos, de Marx, Nietzsche, Rimbaud, Freud, Breton, Péret, Artaud, mas a parte condenada, o antipróton da cultura, seu randium fica de fora” (idem).
Morin descreve este anti-climax no início do capítulo 5 “O grande ´cracking”: “os discos long playing e o rádio multiplicam Bach e Alban Berg. Os livros de bolso multiplicam Mlaraux, Camus, Sartes. As reproduções multiplicaram Piero dela Francesca, Masaccio, Césanne ou Picasso” (pg. 53), a cultura parecia se democratizar pelo livro barato, o disco, a reprodução, como preconizara Walter Benjamin, mas o resultado foi a vulgarização, pois a “cultura cultivada” não é na cultura de massa a corrente principal nem a específica.
O imaginário sai dos ritos, das festas e das danças e vai para o rádio, a televisão e o cinema, lá “esses espíritos fantamas, gênios que perseguiam permanentemente o homem arcaico e se reencarnavam em suas festas” (pag. 62), agora são “escorraçadas pela cultura impressa”, a cultura de massa quebra “a unidade da cultura arcaica a qual num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa, do ritmo, da cerimônia” (pag. 62), espectador e espetáculo estão fisicamente separados.
Essa transformação de uma “do homem da festa” sucede o que chamamos de público, audiência e espectadores: “o ele imediato e concreto se torna uma teleparticipação mental” (pag. 63(, este mass media (hoje confundido com as redes, que é outra coisa), ao mesmo tempo que “restabelecem a relação humana que destrói o impresso”, “é ao mesmo tempo, uma ausência humana, a presença física do espectador é, ao mesmo tempo, uma passividade física”. (pag. 63).
A cultura de massa mantém e amplifica um “voyeurismo”, de modo mais amplo: “um sistema de espelho e de vidros, telas de cinema, vídeos de televisão janelas envidraçadas dos apartamentos modernos, plexiglas dos carros Pullman, postigos de avião, sempre alguma coisa de translúcido, transparente ou refletidor nos separa da realidade física” (pag. 72-73) e tudo isto foi anterior às novas mídias, depositar a elas unicamente este grande “cracking”, é ignorar a construção (ou desconstrução histórica) do imaginário, do folclore e das festas, que se inicia antes mesmo do século passado com a cultura impressa, o iluminismo e o idealismo.
Tentativas de reativar a cultura “cultivada” não faltam, como já discorremos, através dos mesmos mass media que vulgarizam e destroem a substância da cultura humana, não faltam obras vividas de Van Gogh que Akira Kurosawa animou no cinema, de grandes eventos públicos com “vídeo-mapping” animado de Vang Gogh (feito no Atelie des Lumiéres, em Paris, foto), que apresentou em 2018 a obra de Gustav Klimt também animada.
A crise cultural não é apenas obra dela própria, sua raiz é o pensamento e o desenvolvimento de uma cultura de massas do idealismo, de um objetivismo que ignora o humano.
MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.