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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

O ser, a clareira e o humanismo

29 jun

No contexto em que Heidegger escreveu O ser e o tempo, é aquilo que permanece oculto dentro de um todo, onde deveria emergir o ser, isto é apropriado ao discurso da modernidade onde há uma redução a vida material humana, e uma divisão entre o que é subjetivo e objetivo no Ser.

Esta fragmentação emerge apenas em uma parte, na maioria das vezes é oposta ao ente ao qual o ser pertence, explicando de um modo diferente fazendo uma brincadeira: “o ser do ente”.

Ente e ser estão interligados, o ente é condicionado pelo ser, já que este possui um sentido mais amplo, esta definição mais ampla Heidegger definiu como Dasein, ou ser-aí para dizer este fato que há uma cosmovisão do ser em relação a um contexto mais amplo de sua vivência.

Porém longe de uma solução para o paradoxo da modernidade, aquilo que Heidegger chamou de manifestação do ser através da linguagem, incluindo a poética como uma das funções da linguagem,  fazendo ali uma morada do ser, que preservaria o ex-tático denominando na clareira.

A clareira seria nada mais que a verdade do ser, isto significa ela nos retiraria do abismo de nossa essência ex-sistente, e a clareira nos devolveria o “mundo” e a linguagem é o advento que revela e clareira o próprio ser, mas Sloterdijk respondendo a sua clareira no escrito de Heidegger Cartas para o Humanismo, faz uma resposta no livro Regras para o Parque Humano, dizendo do fracasso desta clareira e do humanismo.

Esta clareira não é nem o habitat nem o ambiente, e este se encontra em ruptura com a natureza, onde identifica o fracasso do ser humano como pastor do ser, cuja essência não seria cuidar do enfermo, mas sim guardar seu rebanho na clareira, a clareira é o mundo aberto e, neste caso a tarefa emprega-se no ser escolhido livremente e impregnando-se do próprio ser.

Antes de avançar na crítica, é preciso salientar o elogio de Sloterdijk a Heidegger, há um elogio a sua crítica ao Humanismo, reconceituando-o e buscando a essência do homem neste sistema.

O ponto de partida de Sloterdijk é a critica de Heidegger, onde busca um melhor entendimento sobre o que é o homem dentro deste humanismo, e uma maior compreensão da clareira.

A subjetividade deixa de ser um mero fundamental gramatical e se torna um fundamento enquanto representação humana, quer seja de seus sentimentos, quer seja de sua essência, e assim o fundamento passa a ser o eu, assim a modernidade abre uma relação objeto-sujeito.

Tudo então é para o homem, é antropocêntrico e o mundo se abre para a dominação, para a ciência e a técnica dominá-lo fundamentando todo o saber, mas qual é o saber sobre o Ser.

Ao trocar este vocabulário do humanismo para o seu próprio (subjetividade) Heidegger afirma segundo Sloterdijk, que a escola de domesticação do homem, que é mesmo uma escola, o projeto pedagógico iniciado pelos romanos, é uma escola fracassada, a domesticação não foi possível.

Dois acertos de Sloterdijk são um assombro para o futuro da civilização, primeiro uma necessidade positiva que é a coimunidade, a ideia de que só uma defesa conjunta do Ser supera o eu, a outra perigosa é que o projeto de domesticação fracassou e a clareira é um imperativo, não só uma narrativa humanista.

Diz textualmente Sloterdijk: “a história da clareira não pode ser desenvolvida apenas como narrativa da chegada dos seres humanos às casas das linguagens” e a partir daí que elabora sua antropotécnica, será o nosso próximo tópico.

SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano. Trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

 

Inverno pode ser terrível para a guerra

28 jun

Em videoconferência com o G7 nesta segunda-feira (27/06) o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky pediu que a guerra cesse até o inverno, sempre um período mais duro para tropas e para regiões em guerra, isto indica duas preocupações: uma intensificação das batalhas no outono (no hemisfério sul é a primavera, de setembro a novembro) e possíveis dificuldades de fornecimento de gás e dos alimentos no período.

Do lado russo o corte no fornecimento de gás, que tem um sacrifício financeiro evidente, pode significar um colapso nos sistemas de aquecimento, uso doméstico e industrial na região.

A reunião do G7 começou domingo (26/06) com os países: EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, Canadá, França e Japão, e a videoconferência foi realizada na 2ª. Feira (27/06), o presidente também denunciou o ataque russo a um shopping lotado na região de Cremenchuk, com mais de mil pessoas.

As batalhas seguem duras na região de Dombass embora haja avanço russo, o custo em tropas, armamentos e moral tem sido elevada para ambos lados, enfim é um ódio crescente e uma possibilidade de paz cada vez mais distante.

Num esforço político, o presidente da Rússia fará a primeira viagem ao exterior visitando dois ex-estados soviéticos: o Turcomenistão e o Tadjiquistão, e depois ainda se encontrará com o presidente indonésio Joko Widodo, não há declarações sobre o assunto das conversas, porém com certeza trata-se de assuntos geopolíticos (veja o mapa).

Porém por trás desta viagem há um objetivo mais preocupante, a preocupação de Putin com as fronteiras, neste caso com os países da Ásia, indica tanto o saudosismo da antiga União Soviética como uma preocupação bélica de longo prazo, isto tem um contorno sombrio para o futuro da humanidade.

É claro que não há um belicismo de um único lado, também a resposta da OTAN tem sido dura como a entrega oficial de pedido da Suécia e da Finlândia de entrada na OTAN, também a Moldávia prepara sua entrada, enquanto a Ucrânia vive a espera de uma entrada tardia.

O cenário é extremamente preocupante para o outono no leste europeu, que é a primavera no hemisfério sul, uma preocupação crescente com o abastecimento de alimentos e de petróleo agita todo o mundo, porém o pesadelo maior é a própria guerra e seus contornos.

Poucas e heroicas vozes (veja o post de 21/06) se unem pela paz, a preocupação com a polarização é agora mundial.

 

O ser entre da pausa e do caminho

24 jun

Duas frases de Heidegger refletem bem suas questões essenciais que fazem mais sentido em momentos de crise profunda: “Devemos levantar novamente a questão do sentido do ser” e “O ser humano é um ente ontologicamente privilegiado porque em seu existir está em jogo o seu próprio ser.” (em ‘Ser e tempo’), então o caminho deve-se partir de uma pausa contemplativa.

A pauta é momento também de abertura do ser e de um epoché sobre o significa de existir, com os outros homens, dentro de um contexto histórico e solidário com a natureza que é a “casa” onde habita, enquanto a linguagem é a morada do Ser.

Isto exige um deserto, uma mudança de mentalidade, sair da Sociedade do Cansaço, enfrentar a dor e os riscos de uma pandemia com outra visão (Byung Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa) e por último encontrar a paz dentro de um novo caminho, rompendo com as estruturas do mal.

Só quem passou pelo deserto, pelo “vale das sombras”, que agora não é exclusivo de um único Ser e sim são sombras sobre o processo civilizatório em todo o mundo, incluindo a possibilidade da guerra, da fome e uma pandemia interminável se não mudamos a postura.

A história bíblica conta João Batista que foi para o deserto e anunciava um novo tempo, que os cristãos comemoram estes dias seu nascimento, Jesus também foi para o deserto onde foi tentado e vivenciou a fome sendo alimentado por “anjos”, e a humanidade como atravessará seu deserto

Para seguir o caminho é necessário passar por estas questões, responder a estas perguntas, como diz a passagem bíblica em (Lc 9, 20), Jesus depois de ser rejeitado na Samaria e impedir que os apóstolos entrassem em conflito com aquele povo, diz ao ter um discípulo que queria enterrar o pai: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos, mas tu, vai anunciar o reino de Deus”.

Isto significa que não devemos olhar para o que está morrendo, mas para o que está nascendo em meio ao deserto, porque é daí que se inicia um novo caminho.

 

O Ser e o caminho

23 jun

Mesmo que tenha lido Heidegger, poucos leram pelo menos na integra O ser e o tempo, ou outra obra que julgo importante A origem da obra de arte, e a mais polêmica (pelo menos atualmente) que é Cartas sobre o humanismo, não apenas porque Sloterdijk a refugou, mas porque pensar o que é o humanismo hoje é a tarefa mais importante para tentar salvar a civilização.

Basta olhar ao redor, da pandemia a guerra, a extrema e as vezes irracional politização política, e não só tudo isto, mas principalmente o olhar e o pensar aguçado que via além das aparência.

Existem duas biografias boas de Heidegger, uma de Hugo Ott, que li pedaços e outra que li e passei para tantos amigos que é a de Rudiger Safranski, as duas merecem ser lidas e não são Heidegger.

No caminho da floresta, o tempo que Heidegger passou ao redor da fogueira, onde fumava cachimbo com os camponeses e lenhadores da Floresta Negra, se conta que em silêncio, talvez diga mais de Heidegger do que sua filosofia, diga algo da poesia que não escreveu, mas viveu.

Foi lá numa entrevista que Heidegger concedeu a Der Spiegel que ele disse (não num tom religioso e sim num tom de descrença) falou a frase: “Só um Deus poderá salvar-nos”, e tinha razão.

A cabana rústica e simples que Heidegger habitou durante o tempo que escreveu o Ser e o Tempo, também foi o seu refúgio no tempo do Caminho da Floresta, e de um curto escrito pouco conhecido que “Paisagem Criativa: por que perpassemos na província”, que não é um elogio a província, mas a necessidade de uma contemplação que a vida urbana tinha perdido, um caminho parecido com aquele que um filosofo mais jovem Byung-Chul Han escreveu em A sociedade do cansaço.

Está escrito em “Paisagem criativa”: “O habitante da cidade acha que “se mistura com o povo” assim que se digna a ter uma longa conversa com um camponês. À noite, num intervalo de trabalho, quando me sento junto à lareira com os camponeses, ou à mesa no Herrgott swinkel5 , então, na maioria das vezes, não falamos nada. Fumamos nossos cachimbos em silêncio”, a nota esclarece que Herrgottswinkel é um estabelecimento no campo.

Assim não se trata de isolamento ou provincianismo, mas uma pausa para retomar o caminho.  

 

HEIDEGGER, M. Paisagem Criativa: Por que permanecemos na província , in: Idéia. Campinas (SP)|n. 9, 2014.  

 

Caminho e método

22 jun

Todo percurso exige um caminho, um caminho traçado e dirigido a um objeto científico é um método, há definições mais complexas, mas em geral já estão vinculadas a uma metodologia.

Uma definição amplamente utilizada é “método científico refere-se a um aglomerado de regras básicas dos procedimentos que produzem o conhecimento científico, quer um novo conhecimento, quer uma correção ou um aumento na área determinada”

Este tipo de regra geral pode cair tanto no positivismo lógico, um determinismo sobre as ciências como num reducionismo empirista que vê o objeto sobre determinados parâmetros.

Tanto Karl Popper como Thomas Kuhn argumentariam contra esta visão de método, Popper a vê como um conhecimento provisório, com sucessivos falseamentos, já Thomas Kuhn elaborou a ideia de paradigmas em mudança que chama de revoluções científicas, seja por um por outro a ciência deve ter teorias que evoluam de acordo com o tempo.

Assim como o próprio percurso pode levar a falseamentos ou novas descobertas preferimos o termo caminho, mas para não cair em sofismas (teorias que negam uma episteme) é necessário tanto o foco no objeto investigado como a abertura para o novo, assim como na filosofia não deve começar por uma hipótese, mas por uma questão que se procura resolver.

Olhar para um objeto imaginando parecido a Outro ajuda, mas não resolve o problema, é preciso investigar suas variantes e suas armadilhas, enfim questionar sempre.

Tanto a ontologia como a fenomenologia, ambas estão interligadas filosoficamente, e ambas admitem a metafísica, tem esta referência em relação ao método e seu objeto, assim como rejeitam qualquer dogmatismo metodológico e teórico sobre o objeto investigado.

Também o caminho histórico não é determinista, a este respeito Hans Georg Gadamer escreveu questionando o historicismo romântico de Wilhem Dilthey e refazendo o círculo hermenêutico de Heidegger, mudaram assim a hermenêutica metodológica de Dilthey para o qual a hermenêutica leva a interpretação de mudanças culturais dentro de um contexto histórico,

Tanto Gadamer, como Antony Giddens e Boaventura de Souza Santos são teóricos preocupados são preocupados em desenvolver uma abordagem metodológica que verifiquem as condições fundamentais pelas quais ocorrem mudanças de paradigmas

Para isto deve-se observar o “caminho”, entender o percurso e estar aberto a um novo horizonte.

GADAMER, H-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

GIDDENS, Anthony. Structuration theory, empirical research and social critique. In: _____. The constitution of society. Cambridge: Polity Press, 1984.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

 

A paz também tem protagonistas

21 jun

Se a guerra faz seus “heróis”, a paz também faz os seus, três casos foram noticiados na semana passada: o jornalista russo e ganhador do prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov que está leiloando sua medalha em prol dos refugiados ucranianos, o ex-capitão da seleção russa de futebol  Igor Demisov, meio campista disse que envio um vídeo ao presidente Vladimir Putin em março pedindo que não continuasse com o conflito e o último e mais tocante foi a libertação da enfermeira Yuliia “Taira” Pavievska (foto1), conhecida como Taira, heroína da Ucrânia em Mariupol onde cuidou também de soldados russos.

Taira havia divulgado um vídeo com imagens dos “horrores” em Mariupol, e trabalhava em condições precárias de remédios e equipamentos, mesmo assim atendia também os russos.

Já o prêmio Nobel Dmitry Muratov, disse que há cada vez menos imprensa independente em seu país, mas que ele observa já um descrédito da população crescente em torno da guerra, Dimitry recebeu o Nobel da Paz junto com a jornalista filipino-americana Maria Ressa (foto 2).

Já o futebolista Igor Demisov (foto 3) disse que temia por sua vida após tornar público seu pedido de paz, declarou “Não sei. Pode ser que me prendam ou me matem por essas palavras, mas digo as coisas como são. Eu até disse a ele: estou disposto a me ajoelhar diante de você”, mesmo se dizendo orgulhoso.

A quarta foto é um quadro de Maria Prymachenko (foto 4), cerca de 25 obras podem estar destruídas no antigo e pequeno museu de Ivankiv, nos arredores de Kiev, ela fazia desenhos, pintava quadros (foto 4) e fazia bordados, Pablo Picasso a considerava “brilhante” depois de ver suas obras em Paris.

A lamentável declaração do ex-presidente da Rússia Dmitry Medvedev, que espera que os Estados Unidos implorem por uma discussão de armas nucleares, e não menos lamentável a declaração da OTAN Jens Stoltenberg, que a guerra será longa, nenhum alento para a paz, nenhuma palavra de esperança ou de diálogo.

Os pacíficos não se cansam de pedir a paz, o apelo a razão e ao diálogo, ainda que tardio.

 

O Ser e a contemplação

16 jun

O pensador Byung-Chul Han desenvolveu os temas de Hannah Arendt Vita Activa e Vita Contemplativa em seu livro “A sociedade do Cansaço”, onde revela que “a perda da capacidade contemplativa está em correspondência com a absolutização da vita activa – que leva em grande medida à histeria e ao nervosismo da sociedade moderna da acção” (Han, 2015), e esta leva ao cansaço, a depressão, a auto-exploração e ao esgotamento.

Segundo o pensador coreano-alemão, a vida atual levou ao “imperativo do trabalho, que degrada a pessoa em animal laborans”, que lhe faz perder o “mundo” e o “tempo”, para revitalizar uma nova contemplação é necessário que acolha de novo “a vita contemplativa em seu seio” e “volte a pôr-se ao seu serviço” (O Aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora, 2009).

Apesar desta perda há na civilização ocidental um renovado interesse pela espiritualidade, porém não considera mais importante as religiões tradicionais, que ocorre na esfera de um fenômeno chamado de “mindfulness”, ligado as neurociências e nos cuidados da saúde, educação e negócios.

Não há nesta relação um significado mais profundo que alcance o divino, o sobre-humano ou o além-do-humano, se volta para aquilo que Peter Sloterdijk chama de “a sociedade de exercícios”, sem a possibilidade de uma verdadeira espiritualidade, ou uma ascese desespiritualizada.

Hannah Arendt havia tocado levemente o problema, deve-se lembrar que sua tese foi sobre “O amor em Santo Agostinho”, já Byung-Chul Han, como seria próprio, vai por um caminho mais oriental, porém a elevação “da alma”, que sem a ajuda do divino o faz sem sucesso, fica oculta.

“Com o título Vita contemplativa não deveria ser reconjurado aquele mundo no qual esta estava alocada originariamente. Ela está ligada com aquela experiencia de ser, segundo a qual o belo e o perfeito e Imutavel e Imperecivel e se retrai a todo e qualquer lançar mão humano” (HAN, p. 35), embora para o autor a capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao Ser imperecível.” (HAN, pg. 36).

O conceito do que é alma foi tratado por São Justino, no século II da era cristã, antes de tornar-se cristão ele se aproximara dos estoicos, mas estes não consideravam importante conhecer a Deus, depois aproximou-se dos Pitagóricos e devia se dedicar aos números e a música, e finalmente foi aos discípulos de Platão que pensavam tanto nas coisas corpóreas como nas ideias, mas o problema chave que o distanciou foi a questão da “alma” e está no seu “Diálogo com Trifão”.

Para os cristãos mais antigos (católicos, ortodoxos e orientais) a Adoração Eucarística é a maior contemplação, porque Deus se faz um pedaço de pão, uma hóstia consagrada.

Han, Byung-Chul Sociedade do cansaço. tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

 

O ser e a ação

15 jun

Ser não é inatividade, porque é o ser que determina sua ação, porém o puro projeto sobre a ação esvazia o ser, é o ativismo ou a “vita activa”, aquele que Husserl, Heidegger, Hannah Arendt, e mais recentemente Byung Chul Han questionam sobre a ausência de vita contemplativa, o interior.

Não se trata de subjetividade, porque é justamente a separação entre o ser objetivo e subjetivo o primeiro grande impulso para o esvaziamento do ser, não se trata também do ser social, ele é o que está projetado na consciência do homem, na intenção que se dirige ao objeto, à vida exterior.

A vita activa foi assim expressa por Hanna Arendt: “A expressão vita activa, compreendendo todas as atividades humanas e definida do ponto de vista da absoluta quietude da contemplação, corresponde, portanto, mais à askholia grega (ocupação, desassossego) com a qual Aristóteles [define] toda atividade, que ao bio politikos dos gregos. A expressão vita activa é perpassada e sobrecarregada de tradição. É tão velha quanto nossa tradição de pensamento político, mas não mais velha que ela. A própria expressão que, na filosofia medieval, é a tradução consagrada do bios politikos de Aristóteles, já ocorre em Agostinho onde, como vita negotiosa ou actuosa, reflete ainda o seu significado original: uma vida dedicada aos assuntos públicos e políticos” (Arendt, 2007, p.23), nesta explicação de Arendt está também uma completa tradução do animal político.

O que é a ação para Arendt, não é aquela do ativismo ou voluntarismo, mas a que ocorre “entre” os homens, depende da intersubjetividade (a relação de interioridades), dita por ela assim: “or fim, o último dos elementos da vita activa abordado por Arendt é a ação. A ação é o elemento da interpessoalidade e o ambiente da intersubjetividade, ou seja, ocorre entre os homens. Logo, em razão de ser desenvolvida entre pessoas, a ação é observada de forma destacada do labor e do trabalho, tais elementos não influenciam na mesma.

Então o que considera a condição humana da ação é a pluralidade, diz textualmente: “Considerando que a ação é uma atividade dos homens livres na esfera pública, ela é uma expressão da pluralidade humana. A sua concretização depende da convivência entre indivíduos diferentes. Todavia, visto que a ação exige uma diversidade interativa, ela particulariza os homens. Ela promove a aparição de individualidades e possibilita a construção de identidades. Ora, o homem jamais poderá manifestar a sua singularidade no isolamento. Ninguém mostra o que é na esfera pessoal da intimidade. Somente quando está com os outros o homem pode revelar o que é” (ARENDT, 2007, p.189).

Mas Hannah Arendt considera a modernidade em crise somente a partir do início do totalitarismo e os eventos das duas guerras mundiais, e ao nosso ver o problema surge já no pensamento racionalista/idealista.

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

 

O Ser e a Verdade

10 jun

Em tempos de crises, fake News e pandemia, pouca verdade vem a tona, cada um e cada grupo quer interpretar a verdade segundo a sua narrativa, mas a verdade é o Ser, e sua morada está na linguagem, é preciso ter interioridade e Espírito de Verdade para habitá-la.

O jogo de palavras, a crueldade da guerra ou a manipulação política e até jurídica da verdade são instrumentos de esvaziar a verdade, também a pura subjetividade não é um exercício de fato espiritual, é como diz Sloterdijk parte de uma “sociedade de exercícios”, neste caso é desespiritualizado.

O círculo hermenêutico que propõe a fusão de horizontes e abertura de discursos e narrativas ortodoxas foi o caminho de Hans-Georg Gadamer para escrever sua obra magna “Verdade e Método”, nela o autor desenvolve a hermenêutica heideggeriana colocando-a diante do Ser.

A ausência de profundidade que desvele o Ser, a verdade mais alta e interior, faz derramar sobre as realidades as mentiras (fake-news é só um uso midiático delas), as narrativas que não dão conta da totalidade da verdade, os fanatismos, as guerras e as aberrações.

O homem fora de seu Ser é jogado no vazio sem sentido, não é o vazio da busca e da epoché, é o vazio da angustia e da ausência de caminhos sólidos, que nos conduzam a plena verdade.

Para os cristãos, a passagem bíblica João 16,12 é bastante forte: “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e até coisas futuras vos anunciará”.

Assim este espírito é capaz de desvelar até mesmo o futuro, agora tão incerto e temeroso, e só ele pode de fato nos libertar de um presente tão pesado e sombrio para o humanismo.

GADAMER, H. G. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999.

 

Clareira, morada e Ser

09 jun

Para Heidegger o Ser tem morada e presença, e isto é o que potencializa a clareira enquanto destino, este vazio da modernidade é justamente o esvaziamento do Ser como Morada e Pré-sencia, necessário para que o Ser preencha este vazio, nele que o Ser de re-vela ou desvela, o conceito é confuso no português porque re-velar, seria velar de novo e desvelar seria presença.

Diz o texto heideggeriano: “O destino se apropria como a clareira do ser, que é enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do “Dar lugar”, mora o homem como ex-sistente, sem que ele possa hoje experimentar e assumir esse Morar” (HEIDEGGER, 1987).

A morada pode-se dizer que a casa do ser como linguagem, nela se consuma a manifestação do ser, diria a filosofia antiga isto é uma volta ao nominalismo, mas a viragem linguística superou isto, pois dela se irradia e se transforma em ação, como algo a partir do pensar, pois só do ato de pensar podemos retirar o processo do fazer e operar, então por isto a linguagem é “habitação”.

Nesta habitação preserva-se o ex-tático, e nela se determina a clareira, ela nos retira do abismo de nossa essência ex-sistente, a clareira é o “mundo”, e a linguagem é o advento que clareira e revela o próprio ser, isto foi contestado por Peter Sloterdijk, em sua resposta no livro Regras para o Parque Humano, onde revela a falência do projeto do humanismo, sim, mas o Humanismo que Heidegger revela em “Cartas para o Humanismo”, que nada mais é que a da modernidade.

Isto é fácil de ser demonstrado uma vez que Sloterdijk considera o humanismo que critica (de Heidegger) como pastor do ser, que sua essência e sua tarefa se originam em saber guardar o ser e corresponde ao mesmo, assim guardar seu rebanho na clareira, que é o mundo aberto, mas qual

Toda a obra de Sloterdijk fica então no entorno deste dilema da modernidade, vez por outra evocando termos que vem da teologia, em suas obras posteriores Esferas I, II e III: “Matrix in grêmio” que lembra a figura religiosa de Maria, ou o In-sein In-Sein tem, segundo Sloterdijk, uma origem antropológica, que é a experiência do feto no útero da mãe, sem a perspectiva cristã.

Será um discípulo seu, Byung Chul Han que abordará mais amplamente a questão do Ser enquanto questionamento na modernidade, certamente por sua origem oriental, a leitura da clareira vai a fundo na modernidade: A sociedade do cansaço, O aroma do tempo e A agonia do Eros, desvelam o drama da modernidade, espero ansioso algo de Chul Han sobre o panorama da guerra.

Porém um quadro da pandemia Chul Han já traçou em seu A sociedade paliativa e a dor hoje, já fizemos um post, o quanto o Ser se afasta da dor ou daquilo que pode se aproximar dela, então criamos uma série de paliativos, que é o distanciamento da clareira (conclusão minha).

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

HEIDEGGER, M. HEIDEGGER, M. Carta sobre o humanismo. Tradução Revista de PINHARANDA GOMES, LISBOA: Guimarães Editores, 1987. (pdf).

SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano. Tradução: José de Alencar A. Marques. São Paulo: Estação liberdade, 1999.