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A mansidão e o poder
A mansidão é uma virtude fundamental para resolver conflitos, estabelecer novos espaços de diálogos onde ele se encerrou e abrir novos horizontes onde eles parecem impossíveis.
João Calvino tem uma frase muito nobre: “Será inútil ensinar a mansidão, a menos que tenhamos iniciado com a humildade”, de fato a grande razão para parecer que alguns estão certos e que outros não tem razão nenhuma parte muitas vezes da soberba de um dos lados (o oposto a humildade) e nestes parâmetros nenhuma dialogia será possível, ou aquilo que preferimos nenhum “novo horizonte” será traçado que estabeleça um ponto futuro onde pontos conflitantes poderão entrar em um processo de convergência.
A polarização é inevitável pode ser os argumentos de alguns, sim se chegando a determinado ponto de conflito isto é válido, mas devemos saber que a saída de fato de um conflito terá que ter em algum momento a bandeira de paz e ela não pode ser a bandeira da submissão dos vencidos, a pax romana, depois que Roma conquista seus territórios, ela é a submissão a conceito autoritário e que em determinado ponto retornará a guerra.
É verdade que o poder é sempre assimétrico, mas ele exercido com mansidão leva ao diálogo.
A polarização é lógica pode ser o argumento para justificá-la, lembro, porém, que a lógica difusa, a lógica paraconsistente e outras lógicas não são binárias, sim ou não, e que nunca há somente dois lados, esta é uma posição idealista que induz a dualidade, pode haver múltiplos lados, por isto a lógica realmente justa admite uma terceira hipótese.
Estes nunca serão vencedores e estarão sempre a beira do caminho pode ser outro pensamento, por mais paradoxal que possa parecer o ensinamento divino, em muitas religiões, é que a mansidão e a humildade levam as pessoas para o alto, uma das bem-aventuranças bíblicas diz (Mt 5, 5): “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” e então onde está o poder deles, na conquista através de valores perenes só pode levar a plenitude e a própria perenidade, o problema é ceder a valores ardilosos e injustos.
A construção de uma realidade perene, um tempo de paz e justiça, no momento que começamos a sair de uma pandemia é fundamental, ainda que pareça distante.
Em queda, mas a pandemia não acabou
Citamos na semana passada a preocupação com casos em evolução em alguns países como a Rússia e Inglaterra, onde uma variante do vírus está sendo estudada com preocupação, também os países mais pobres tem recebido menos vacinas que as prometidas por doação, e já entendemos que a Pandemia é global, isto é, há uma influencia de regiões menos vacinadas em outras que mantém um alto nível de imunidade, politicas para o futuras pandemias já levam estes fatores em consideração.
Alguns países continuam com alto nível de mortes, apesar da vacinação, nos EUA em torno de 1700 mortes diárias na última semana, no resto mundo está em queda, porém com a presença de mortes, no gráfico acima com registro de mortes do dia 23/10 (sábado) em número absoluto de mortes, o Brasil, seguido da Índia, do México e depois a Rússia.
A grande preocupação da OMS é com relação as promessas de doações de vacinas aos países mais pobres que não estão sendo cumpridas. a notícia não é deste blog, mas da própria OMS, pois ela tem se posicionado contra a terceira dose, pois de acordo com a reportagem The People´s Vaccine feita na BBC, uma aliança de instituição de caridade divulgou que apenas uma de cada sete doses prometidas de vacinas por empresas e países ricos, chegou de fato às nações mais pobres.
Na reportagem, na entrevista de Bruce Aylward ele afirmou: “Nós realmente precisamos acelerar ou sabe o que vai acontecer? Esta pandemia vai durar mais um ano do que precisa” alertou, e isto se deve ao fato que mesmo com medidas de isolamento estamos sempre conectados, e qualquer comunicação (não só de pessoas, mas de produtos e de qualquer material biológico como frutas e víveres) pode ser transmissores em condições específicas
No Brasil o número de doses da vacina está chegando um reforço na campanha de vacinação contra a Covid 19, um lote de 1,7 milhões de vacinas Pfizer/BioNTech chegou na sexta (22/10) feita e outras iguais quantidades já haviam chegado totalizando um total de quase 5 milhões de vacinas.
Também os insumos para a AstraZeneca foram recebidos pela FioCruz que produz a vacina no país, o desembarque do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) chegou para a produção de 5,6 milhões de doses com desembarque previsto para as 5h50 da manhã de domingo.
A vacinação em primeira dose chega próximo a 153 milhões de doses, enquanto a segunda dose (ou dose única) chegou a pouco acima de 109 milhões de vacinados, a média móvel de mortes está pouco acima das 300 mortes diárias, com uma tendência de queda podemos supor que estaremos abaixo de 100 mortes diárias no início de dezembro.
A cultura de massa e sua crítica
No livro de Morin “A cultura de massa do século XX”, é colocado que há uma zona “onde a distinção entre a cultura e a cultura de massa se tornapuramente formal: A Condição Humana, a Náusea ou A peste entram na cultura de massa sem deixar, contudo, a cultura cultivada” (Morin, 1997, p. 53) e o livro de Camus é interessante pela coincidência com a questão da Pandemia atual, e interessante que não tenha entrado nas análises do aspecto cultural do momento.
Já postamos no blog em outro momento sobre o livro de Camus “O Mito de Sísifo” e outro sobre o romance de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira” (1995), embora muito lido em alguns países da Europa em meio a pandemia, sua análise não entrou nos círculos da “alta narrativa” cultural, ou a cultura cultivada, que tentamos explicar em algumas postagens nesta semana.
Escrito em 1947, pelo fraco-argelino Alberto Camus, importante sua origem, porque sua crônica parte de uma análise de uma epidemia que ocorreu na cidade argelina de Orã, em algum ano da década de 1940, período que Camus trabalhava clandestinamente no jornal clandestino “Combat!” onde escreveu textos engajados contra o nazismo, entre eles pode -se destacar “Cartas a um amigo alemão” (1945).
O livro trata do absurdo da existência, quando em meio a uma epidemia faltam o amor e a solidariedade humana, cujos sentimentos podem ser sintetizados onde escreveu: “Havia sentimentos comuns, como a separação ou o medo, mas continuavam a colocar me primeiro plano as preocupações pessoais. Ninguém aceitara ainda verdadeiramente a doença”.
Outro trecho que pode-se destacar: “Muitos continuavam a esperar que a epidemia cessasse e que eles fossem poupados, com as suas famílias. Por consequência, não se sentiam ainda obrigados a nada. A peste nada mais era para eles do que uma visita desagradável que havia de partir um dia. Assustados, mas não desesperados, não chegara ainda o momento em que a peste lhes surgiria como a própria forma da sua vida e em que esqueceriam a existência que até então tinham podido levar.”
Com a guerra recém terminada no período que escreve o livro, não deixa de lembrar: “Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.”
Faz uma análise sagaz dos flagelos na história: “Desde o início da história, os flagelos de Deus põem a seus pés os orgulhosos e os cegos. Meditai sobre isso e caí de joelhos.” e acrescenta: “Ah, se fosse um terremoto! Uma boa sacudidela, e não se falava mais nisso… contam-se os mortos, os vivos, e pronto. Mas esta porcaria de doença! Até os que não a apanham parecem trazê-la no coração.”, e sua conclusão traz uma reflexão: “Quanto mais a pandemia se estender, mais a moral se tornará elástica.”
Compreendi que a ausência da solidariedade e da compaixão, assim como a elasticidade da moral não eram fatos atípicos em epidemias, mas de certo modo esperados, porém acrescento que sempre há uma alternativa mais humana, mais solidária que nos devolva a esperança de um muito mais justo após um triste flagelo, aprender algo com ele.
A cultura de massa e a crise
Depois de analisar os aspectos de homogeneização e de colonização cultural, Morin vai analisar quem é o homem médio e que cultura consome, afirma:
“A linguagem adaptada a esse anthropos é a audiovisiaul, linguagem de quatro instrumentos: imagem, som musical, palavra, escrita. Linguagem tanto mais acessível na medida em que é o envolvimento politônico de todas as linguagens” (pag. 45) e, portanto, não é específica das novas mídias que apenas as potencializa, e ela envolve mais um imaginário do que “do jogo que sobre o tecida da vida prática” (idem).
Isto porque “as fronteiras que separam os reinos imaginários são sempre fluidas, diferentemente daquelas que separa os reinos da terra” (ibidem), assim um homem pode participar das lendas de outra civilização do que adaptar-se a vida desta civilização, e assim Morin prepara para falar da grande crise ou grande noite civilizatória, que Morin chama de “grande craking”.
Na medida em que melhora a qualidade técnica mediatiza a qualidade artística, diz Morin: “sobem na cultura industrializada (qualidade redacional dos artigos, qualidades das imagens cinematográficas, qualidade das emissões radiofónicas), mas os canais de irrigação seguem implacavelmente os grandes traçados do sistema (pag. 50).
Morin separa as correntes culturais vindas de Hollywood em três correntes principais: a que “mostra o happy end, a felicidade, o êxito; a contracorrente, aquela que vai da morte de um Caixeirio-Viajante a No down payment [Rock do AC/DC], mostra o fracasso, a loucura, a degradação” (pag. 51), mas há uma terceira corrente que chama de “negra”.
Esta é “a corrente em que fermentam as perguntas e as contestações fundamentais, que permanece fora da indústria cultura: esta pode usurpar em parte, adaptar a si, tornar consumíveis publicamente certos aspectos, digamos, de Marx, Nietzsche, Rimbaud, Freud, Breton, Péret, Artaud, mas a parte condenada, o antipróton da cultura, seu randium fica de fora” (idem).
Morin descreve este anti-climax no início do capítulo 5 “O grande ´cracking”: “os discos long playing e o rádio multiplicam Bach e Alban Berg. Os livros de bolso multiplicam Mlaraux, Camus, Sartes. As reproduções multiplicaram Piero dela Francesca, Masaccio, Césanne ou Picasso” (pg. 53), a cultura parecia se democratizar pelo livro barato, o disco, a reprodução, como preconizara Walter Benjamin, mas o resultado foi a vulgarização, pois a “cultura cultivada” não é na cultura de massa a corrente principal nem a específica.
O imaginário sai dos ritos, das festas e das danças e vai para o rádio, a televisão e o cinema, lá “esses espíritos fantamas, gênios que perseguiam permanentemente o homem arcaico e se reencarnavam em suas festas” (pag. 62), agora são “escorraçadas pela cultura impressa”, a cultura de massa quebra “a unidade da cultura arcaica a qual num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa, do ritmo, da cerimônia” (pag. 62), espectador e espetáculo estão fisicamente separados.
Essa transformação de uma “do homem da festa” sucede o que chamamos de público, audiência e espectadores: “o ele imediato e concreto se torna uma teleparticipação mental” (pag. 63(, este mass media (hoje confundido com as redes, que é outra coisa), ao mesmo tempo que “restabelecem a relação humana que destrói o impresso”, “é ao mesmo tempo, uma ausência humana, a presença física do espectador é, ao mesmo tempo, uma passividade física”. (pag. 63).
A cultura de massa mantém e amplifica um “voyeurismo”, de modo mais amplo: “um sistema de espelho e de vidros, telas de cinema, vídeos de televisão janelas envidraçadas dos apartamentos modernos, plexiglas dos carros Pullman, postigos de avião, sempre alguma coisa de translúcido, transparente ou refletidor nos separa da realidade física” (pag. 72-73) e tudo isto foi anterior às novas mídias, depositar a elas unicamente este grande “cracking”, é ignorar a construção (ou desconstrução histórica) do imaginário, do folclore e das festas, que se inicia antes mesmo do século passado com a cultura impressa, o iluminismo e o idealismo.
Tentativas de reativar a cultura “cultivada” não faltam, como já discorremos, através dos mesmos mass media que vulgarizam e destroem a substância da cultura humana, não faltam obras vividas de Van Gogh que Akira Kurosawa animou no cinema, de grandes eventos públicos com “vídeo-mapping” animado de Vang Gogh (feito no Atelie des Lumiéres, em Paris, foto), que apresentou em 2018 a obra de Gustav Klimt também animada.
A crise cultural não é apenas obra dela própria, sua raiz é o pensamento e o desenvolvimento de uma cultura de massas do idealismo, de um objetivismo que ignora o humano.
MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.
Covid cai e casos preocupantes
A Covid 19 já mostra sinais de queda no mundo todo, mas ainda há casos preocupantes como a Rússia, o primeiro país a lançar uma vacina e teve sábado (16/09) mais de mil óbitos de Covid 19, os motivos são vários, o principal é a baixa taxa de vacinação, a Rússia chegou a 218,362 mil mortes para uma população de 145 milhões de habitantes.
O mundo todo tem quase 48% pelo menos uma dose e pouco acima de 36% totalmente imunizados, é possível considerar que não estamos fora de perigo, algo em torno de 60% seria desejável, ao menos até o final do ano para as festas natalinas, no Brasil o número de vacinados é de 73,4% ao menos uma dose e perto dos 50% totalmente vacinados, mas a curva de infecção cai ainda muito lentamente.
Ainda não se sabe as consequências da Variante delta, num balanço feito da pandemia pelo neurocientista Miguel Nicolelis ele afirmou que no Brasil ainda não vimos a cara desta variante.
Está chegando o inverno no Hemisfério Norte e a OMS pretende considerar a possibilidade de uma nova pandemia, para que não tenhamos surpresa como foi esta que ainda não terminou, em novembro fará uma Assembleia Mundial da Saúde onde vai estudar a possibilidade de um “tratado para pandemia”, é preciso considerar maior solidariedade e um combate mais efetivo.
A diretora-adjunta da OMS Mariângela Simão foi enfática: “vai haver uma próxima pandemia”, e acrescentou: “Isso é uma coisa que a gente já sabe e que é inevitável, é uma questão de quando vai acontecer” disse segundo o Instituto Paulista de Medicina.
Alerta Simão que não há vacina aprovada ainda para criança então não pode haver política nacional usando vacinas que não foram aprovadas para idade abaixo de 12 anos, e salienta nós só temos uma vacina aprovada para uso de adolescentes a partir de 12 anos, que é a Pfizer.
Destacou a importância do consórcio Covax que ajudou a vacinação em países pobres, salientando a importância da doação de 500 milhões de doses da Pfizer, o que possibilitará a entrada de 200 milhões de doses da Pfizer ainda para este ano, também a França se disponibilizou a fazer doações e espera-se que mais países auxiliem porque, por enquanto, é a única vacina para adolescentes.
Ato, potência e ágape
Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.
A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.
Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.
A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.
Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.
Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.
Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.
Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.
Vontade de poder e infância civilizatória
Um conceito conhecido de Nietzsche é a vontade de poder, como uma força motriz “natural” do homem, já desenvolvemos que o natural é diferente do cultural, sendo esta uma das dicotomias infernais como dizia Bruno Latour, a outra é a objetividade x subjetividade vindo do racionalismo/idealismo da modernidade.
De fato isto levou os povos a se expandirem desde o mundo primitivo, diria na idade infantil civilizatória, as guerras e impérios de Alexandre o Grande, do qual Aristóteles foi tutor e depois o Império Romano, e os impérios da modernidade: o português, o francês, o russo e o americano e as duas guerras mundiais são de fato a grande crise da modernidade, não fomos capazes de superar a infância civilizatória.
Houve outros grandes impérios pouco citados na história: a grande dinastia manchu Qing, do norte da China invadiu e derrotou a dinastia Ming, era de uma etnia minoritária mas dominou toda a China e teve inclusive uma breve restauração em 1917 e o grande Império Mongol foi um dos maiores em extensão de área, chegando a Europa, nos séculos XIII e XIV.
Pode-se pensar potência como uma forma de crescimento para superar a infantilidade tanto individual como civilizatória, assim existe ato e potência, teorizou Tomás de Aquino, mas o próprio Nietzsche alerta para este outro sentido: “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um páthos”, então analisemos a tríade da antiguidade clássica: ethos, páthos e logos.
Pathos é no racionalismo moderno aquele também usado por Descartes, em sentido diferente de Nietzsche de ondem vem a ideia de patologia, o que se move na imperfeição, usando a própria idéia de Nietzsche não é ontológico, nega o ser pois não nem o ethos e nem o logos da tríade clássica.
Na retórica aristotélica, o Ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento, e este sim dá sentido ao ser, sendo ele o elo com o Logos que dá sentido ao Ser, dando credibilidade e estabelecendo uma verdade que não é realidade, porque é ela de onde o Logos tira a consistência do Ser para se contrapor ao Pathos-lógico.
O Pathos vive na pura emoção, na irracionalidade, na imaginação enganosa, ele é o responsável pelas desordens do Ser, sendo de certa forma sua negação.
A Patologia de duas guerras mundiais mostrou que a humanidade não saiu de sua infância civilizatória, ainda é vítima de si própria incapaz de conceito o Ser como Ethos.
Renunciar a regalias e dar condições aos pobres
Ao lado do problema da pobreza e da extrema pobreza, o mundo carece de solidariedade e compaixão com os pobres, segundo Amartya Sen, outro prêmio Nobel de Economia de 1998, “a pobreza é a privação de capacidades”, portanto não se trata de incapacitados ou de algum sistema de privilégios, mas o acesso á educação, a condição social e financeira, a saúde, etc.
A contribuição de Kremer, Barnerjee e Duflo (veja o post anterior) é revelante porque aborda o aspecto multidimensional, que vai além da falta de recursos da pobreza, e ainda mais aponta a ineficácia de pobreza governamentais, e entre estas medidas abordam que até mesmo o microcrédito tem limitações.
A pesquisa foi feita em 13 países no estudo The Economic Lives of the Poor (A vida economia dos pobres), os autores demonstram que as microfinanças não conseguem aumentar nem o investimento, nem o consumo, nem as condições de saúde e educação ou o empoderamento das mulheres, então qual é a solução apontada.
Eles apontam efeitos de fortalecer e melhorar aspectos específicos relacionados à pobreza, como a educação e a infraestrutura, e apontam um estudo feito no Quênia 2009 (Additional Resources versus Organizational Changes in Education: Experimental Evidence from Kenya – “Recursos adicionais versus mudanças organizacionais na educação: evidências experimentais do Quênia”), e outro feito na Índia em 2007 (Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India – “Remediando a educação: evidências de dois experimentos aleatórios na Índia”), de 2007.
Também países desenvolvidos se alinham com estas propostas como os planos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mas não faltarão argumentos polarizados que dirão que se trata de assistencialismo ou é uma proposta da esquerda radical, trata-se de superar a visão egoísta e certificar que a globalização não olhou para o problema social da humanidade.
Como é difícil superar esta visão, e isto vem de longe, superar a visão de conforme dos ricos e dos remediados e olhar aos pobres é também um ensinamento cristão, diz a passagem do evangelista Marcos (Mc,10:21-23) a um jovem rico que seguia todos os mandamentos e queria muito seguir Jesus, que olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me”, o jovem fica abatido e vai embora, porque era muito rico.
Superar o egoísmo e permitir aos pobres a estrutura e as condições de emergirem é no fundo ter que renunciar a privilégios que muitos não admitem ter não por mérito próprio, mas por ter estruturas que os garantiram.
Apagamento, invisibilidade e política
Não é ignorado na história o fato que o estado sendo um “possível” solucionador de conflitos, tenha tomado para si o direito da violência, que em última instância é o direito de matar.
O filósofo camaronês Achille Mbembe tomou este extremo do poder do estado para desenvolver sua tese sobre o direito de matar do estado, chamando-esta política de “Necropoder”.
O ensaio foi traduzido para o português em 2018, e no centro deste ensaio há uma pergunta sobre quem pode viver ou morrer no mundo contemporâneo? Mbembe denúncia que a função dos Estados, deveria ter a defesa da vida dos mais vulneráveis como um princípio, e não aquilo que é feito estruturalmente que é o apagamento da memória e das condições destas vidas.
Vemos que para além do apagamento há uma permanente invisibilidade destas pessoas, por uma camada que está ligada ao poder, chegando ao limite de não ter registro civil e direitos culturais.
Abordada no que diz respeito ao esquecimento (ou invisibilidade social) e silenciamento feito pelo Estado relativo ao passado histórico destes grupos vulneráveis, ela é além do campo acadêmico, a memória social, cognitiva e identitária daquilo que foi vivido no passado e que é vergonhoso não só pelo esquecimento e invisibilidade, mas feito a partir de uma narrativa oposta à sua memória.
Se olharmos a partir do pensamento complexo, que significa etimologicamente tecido junto (complexus), o termo biológico “necrose” remete a questões que envolve a morte biológica de tecidos corpóreos ou parte deles, assim, não se pode pensar na morte de uma parte sem que todo o corpo sofra, ainda que não procure ver o tecido que está em falência.
É importante abordar a complexidade deste conceito de necropolítica e invisibilidade, porque só ele pode abordar os problemas que envolvem o racismo, o sexismo e o apagamento de diversas culturas (como a indígena, mas há muitas outras no mundo contemporâneo), a já conhecida e não resolvida dimensão econômica, que é o acesso a bens e serviços sociais, une-se a dimensão política (os espaços de poder), a construção de narrativas e historicidade de subjugar culturas (a dimensão psicológica) e a abrangente dimensão cultural.
Partir da miséria e invisibilidade de povos, culturas e raças, não pode negar fatores estruturais que são fortes e impedem uma mudança mais sustentável de convivência pacífica e harmônica.
Em queda, mas é preciso cuidado
Após uma queda lenta no Brasil, sábado a curva ficou abaixo das 500 mortes nas últimas 24 horas, os óbitos chegando a quase 600 mil desde o início da pandemia, indicam que ainda há perigo e a flexibilização que já está acontecendo para eventos públicos massivos é preocupante.
É importante lembrar que em 13 de setembro a média móvel chegou a 465, e depois subiu.
Já explicamos a semana passada que é preciso um “rescaldo” e que a proximidade das festas e do final de ano pode nos preocupar, lembro o caso de Portugal no ano passado que relaxou nestas datas e teve um aumento no mês de janeiro, os países que estão em início de flexibilização tem taxas de infecção e mortalidade realmente baixas e as regiões de contágio são observadas.
A vacinação da primeira dose já dos 40% (93.271.450 imunizados e 147 milhões primeiras doses), a taxa de atraso vacinal no total do Brasil é de 11%, segundo o boletim VigiVac da Fundação Oswaldo Cruz.
O Boletim aponta os estados com maior atraso o do Ceará com 33% e o menor o Rio Grande do Norte com 5,4%, também observam a ausência para a segunda dose, em número absolutos, São Paulo 1,25 milhões, no Rio de Janeiro 956,9 mil pessoas não compareceram para segunda dose e na Bahia 907,5 mil pessoas, o Estado com maior vacinação é São Paulo com 79,20 % na primeira dose quando não é única e o menor é o Pará com 50,91% tomaram uma dose.
As vacinas também tiveram atrasos na entrega, a Coronavac 33%, a AstraZeneca 15% e a Pfizer com menor índice 1%, por isto tem sido a mais aplicada em muitos casos na terceira dose.
A Pfizer entrou mais de 1 milhão de doses neste sábado no aeroporto de Viracopos e promete entregar até 10 milhões em quatro voos fretados que chegarão nos próximos dias.
A flexibilização deveria avançar em números confiáveis, tomando medidas de controle sérias, por exemplo, o isolamento em eventos esportivos, nos shoppings e nos meios de transporte.