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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

A sabedoria de pensamentos puros

01 out

O simplismo é o pensamento ingênuo, enquanto a simplicidade é o pensamento puro, a noesis pura.

Não está na capacidade de elaboração teórica, na cultura livresca que resiste a sabedoria, ela une simplicidade (que não é simplista) e complexidade no sentido de colocar tudo sob o manto da natureza e do universo, e entender que há saberes originários que não são simplistas, mas foram elaborados num contato real com a natureza, por isto rejeito a ideia de naturalização.

A culturalização é aquela que se apoderou do natural e o perverteu, disse o filósofo, escritor e líder indigenista Ailton Krenak sobre a atual crise pandêmica: “A Terra está falando para a humanidade: ‘silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento”.

Grande parte da cultura ocidental está em crise, porque apoderou-se da natureza de maneira brutal e não quer entendê-la e tem dificuldade de ler nos sinais visíveis e claros, esta crise vem de antes da atual revolução tecnológica, muitos filósofos no início do século XX apontaram para ela, e o silêncio pedido por Krenak pode ser também aquilo que Theodor Adorno identifica como verdadeira contemplação: “A bem-aventurança da contemplação consiste no encanto desencantado.” Theodor Adorno, lembro que este filósofo não é místico, nem religioso.

Ailton Krenak escreveu “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia. da Letras, s/a), dentro de uma cosmovisão indígena, mas com consciência de que se trata de um problema planetário, disse numa entrevista ao Jornal Estado de Minas (03/04/2020): “Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, denunciando que o modo que vivemos é artificial e não condiz com a natureza humana”.

Interpretando o livro de Davi Kapenawa, outro líder indígena, Viveiro de Castro e Danowski veem também que o nosso pensamento “culto” e ocidental está concentrado no mundo da mercadoria, e diz Kapenawa: “os brancos sonham muito, mas só sonham consigo mesmo”, ou seja, com sua própria cultura sem conseguir contemplar um mundo mais amplo, onde todos estão presentes.

Estas cosmovisões podem parecer ingênuas, mas significam que devemos sempre pensar além de nossa cultura, também a cosmovisão cristã pede este esforço, e depois dos ensinamentos aos seus apóstolos daquilo que o próprio mestre deveria passar, e eles ainda não entendem, Jesus vai fazer uso de uma nova metáfora para que eles pensem de modo mais puro e menos culturalizado (e não naturalizado).

No capítulo 10 do evangelho de Marcos, vendo que queriam afastar as crianças dele, Ele diz (Mc 10,14-15): “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.

O mundo que há de vir, em diferentes cosmovisões, ainda que pareçam infantis, mostra a crise e o esgotamento do pensamento cultural de nosso tempo, e o esgotamento dos meios naturais.

 

O pensamento entre o simplismo e a simplicidade

30 set

O pensamento ingênuo ignora a complexidade, o relevo e a profundidade das coisas as veem na superficialidade de sua aparência, enquanto a simplicidade inicia um processo fenomenológico que começa na aparição de quem vê e depois desenvolve uma percepção maior, no dizer da filosofia o noema, que complementa a fase inicial da habilidade de sentir, a noesis.

Ao definir o pensamento complexo como tendo três princípios: o recursivo, o dialógico e o hologramático, Edgar Morin assim explica este terceiro que é indissociável dos outros dois:

“o holograma é uma imagem física, concebida por Gabor que, diferentemente das imagens fotográficas e fílmicas comuns, é projetado ao espaço em três dimensões, produzindo uma assombrosa sensação de relevo e cor. O objeto holografado encontra-se restituído, em sua imagem, com uma fidelidade notável. Esse holograma é constituído a partir de uma luz coerente (laser) e de um dispositivo que faz com que cada ponto que constitui essa imagem contenha uma mostra do sistema de linhas de interferência emitido pelos pontos do objeto holografado” (MORIN, 2003, p. 34).

Para explicar e dar clareza a determinados fenômenos é preciso usar recursos didáticos que os simplifica, no entanto, esta tarefa pedagógica não pode mutilar a explicação nem absolutizá-la.

Nada mais complexo do que reduzi-lo ao simples, como afirmava Bachelard não existe o simples, só há o simplificado, o que na maioria das vezes mutila e deforma o fenômeno, induzindo o pensamento a uma liquidez obscura.

Fenômenos da natureza não são facilmente simplificados, muitas vezes a pretensão de dominá-la mesmo nos casos científicos revelou uma face perversa, isto aconteceu desde a física atômica até as modernas tecnologias de comunicação atuais, é preciso prever e investigar os efeitos adversos.

Porém a simplicidade de ver os fenômenos não depende apenas da cultura, que é diversa sempre, e sim da capacidade de fazer uma redução da ideia (a redução eidética proposta por Husserl), onde vamos da simples aparência até a experiência de consciência sobre aquilo que é informado pelos sentidos e como a mente os recebe, interpretando aquilo que é informado.

Simplificar exige sempre uma analogia ou uma metáfora, já abordamos aqui, e isto sim é preciso ser simples para receber uma informação “nova” com a disposição de uma criança, com uma epoché diria a filosofia, com uma suspensão de juízos diria o pensamento cartesiano.

 

MORIN, Edgar et al. Educar para a era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

 

Ciência com consciência

29 set

Um minúsculo vírus nos desafiou e nos colocou diante de uma grave Pandemia, um vulcão que entra em erupção e cujo fim mesmo vulcanólogos e geólogos ainda veem como imprevisível.

A grande marca da ciência contemporânea é o fim das certezas, o princípio da incerteza anunciado primeiro por Heisenberg e depois certificado pelas pesquisas da física das partículas e pela astrofísica, Karl Popper desenvolveu o princípio da falseabilidade para a ciência e o Paradoxo de Gödel diz que nenhum sistema axiológico pode ser completo e consistente ao mesmo tempo.

Isto deveria nos devolver a humildade, o iluminismo não significa que a ciência triunfou e sim que ela descobriu seus limites e que deve dar espaço a ética e a um humanismo que complete o homem para além de sua racionalidade.

Edgar Morin escreveu “Ciência com consciência”, apresenta um duplo desafio: aponta os problemas ético e morais que a ciência contemporânea tem, cujos múltiplos e prodigiosos poderes de manipulação impõe aos cientistas e aos cidadãos, e de certa forma a humanidade inteira o problema do controle político e privado das descobertas.

Segundo Morin, os conceitos de progresso e conhecimento que se apresentam relacionados, devem ser reordenados, assim o progresso não se reduz à organização do desenvolvimento da economia, e o conhecimento não se restringe ao fornecimento de informações, mas também a superação de estruturas sociais teóricas que condicionam sua configuração a uma forma de pensamento.

Esclarece nas páginas 9 e 10 que “o dogma clássico de separação entre ciência e filosofias, as ciências a destes séculos todas encontram questões filosóficas fundamentais: “que é o mundo? a natureza? a vida? o homem? a realidade?) e que os maiores cientistas desde Einstein, Bohr e Heisenberg se transformaram em filósofos selvagens”. (MORIN, 2005).

Lembra no prefácio também o preceito de Rebelais: “Ciência sem consciência é apenas ruína da alma.” (p. 9).

MORIN, E. Ciência sem consciência. Edição revisada e modificada pelo autor. (Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória). 9ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2005.

 

A necessidade do rescaldo na Pandemia

27 set

Rescaldo refere-se aquela atividade que autoridades responsáveis pelo combate a incêndios e tragédias executam após o pico da tragédia ter se afastado, mas ainda restam perigos, encontramos nos dicionários uma definição para períodos que seguem a tragédia ou acontecimento marcante, quando ainda se sentem os efeitos ou consequências dela.

No Brasil os dados são preocupantes, porque bastou um anúncio de flexibilização das medidas da pandemia para os números de mortes se estabilizarem em torno das 500 mortes diárias e em algumas regiões já crescem, incluindo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro que são populosos.

Um exemplo de rescaldo, além das medidas de prevenção até o final da pandemia, é a pesquisa financiada pela FAPESP e feita pelos pesquisadores do laboratório de Ficologia da Universidade Federal de São Carlos, que identificou uma nova espécie de microalga verde do gênero Nyphrocytium que afetou o pulmão de pacientes que morreram de Covid 19.

Estamos extenuados de um período de limitações tão longo, mas é importante que sejamos cuidadosos até a etapa final, que ainda está longe, e pode chegar até o final do ano.

Como já postamos a Europa está ingressando no outono e o inverno promete ser rigoroso, assim como o nosso verão no hemisfério sul, o perigo de novos vírus e de mutações do atual devem ser observados, vemos que em alguns países, como é o caso de países do Oriente, alguns casos já criam um alerta e tomam medidas duras, mas necessárias, nosso liberalismo pode custar caro.

Na abertura da Assembleia Geral da ONU, o secretário geral António Guterres, falando da situação mais geral além da pandemia, mas que a inclui, disse que estamos na direção errada, nunca se viu o planeta “tão ameaçado, nem tão dividido”, e salientou: “estamos na beira de um abismo e nos movendo na direção equivocada”, é um alerta difícil, mas necessário neste momento. 7

As tentativas de cooperação são fundamentais para um momento de crises globais, e não há uma cogestão dos problemas que são globais, e que podem se expandir para outras áreas, uma já fácil de ser observada que é a social, que não foi devidamente enfrentada, e agora é urgente.

Se fugimos de um problema central, complexo e que envolve todo o globo não o estamos resolvendo, e pior estamos agravando, o combate ineficaz a pandemia e suas consequências não podem produzir bons resultados, e aqueles que esperam dividendos políticos são corresponsáveis.

É preciso enfrentar o rescaldo da Pandemia ou não conseguiremos evitar novo incêndio.

 

Reificação, objetos e sujeitos

22 set

Se por um lado é verdadeiro que há na mentalidade idealista/iluminista dominante uma completa reificação da vida (a vida que se projeta sobre a coisa, res-coisa), por outro lado a separação sujeito e objetos, cria um dualismo no qual a natureza e os objetos que fazem parte da vida são ignorados.

O assim chamado dualismo sujeito objeto é explicitado por Edgar Morin da seguinte forma: “o conceito de sistema só pode ser construído na e pala transacção objeto/sujeito, e não na eliminação de um pelo outro.” (MORIN, 1977, p. 136).

Morin vai explicar que tanto o “realismo ingênuo” como o “nominalismo ingênuo” (correntes antagônicas desde o período medieval) eliminam o sujeito, no nominalismo o sistema ideal é aquele que não tem o sujeito, e no realismo o objeto ideal é o sistema.

Mas o objeto “quer seja ´real´ ou ideal, é também um objeto que depende dum sujeito” (Morin, idem), e pela via sistêmica “o observador, excluído da ciência clássica, o sujeito, despido e lançado para as latas do lixo da metafísica, regressam ao fulcro da physis” (MORIN, ibidem).

Morin observa que observador e a physis (a Natureza, com N) ficam confinados em termos de um sistema, e propõe uma nova totalidade sistêmica “se constitui associando o sistema-observador e i observador-sistema pode, a partir daí, tornar-se um metassistema em relação a um e outro, se for possível encontrar o metaponto de vista, que permita observar o conjunto constituído pelo observador e sua observação” (MORIN, 1977, p. 137).

Explica que pode-se numa visão simplificadora máxima, reduzir tanto a importância do observador como a da physis, “criando um suprassistema, cuja teoria revela os sistemas fenomênicos autônomos”, é bom esclarecere aqui que não se trata da fenomenologia e sim de um “suprassistema” que tem característica de um fenômeno autônomo, não é a redução eidética.

O segundo sentido do metaponto de vista, “acentua-se o caráter ideológico, cultural e social do sistema teórico (a teoria dos sistemas) onde se inscrever a concepção dum sistema físico” (idem).

Não podemos fugir nesta elaboração do problema epistemológico-chave: “a articulação sistêmica que se estabelece entre o universo antropossocial e o universo físico, via conceito de sistema, sugere-nos que um carácter organizacional é fundamentalmente comum a todos sistemas” (MORIN, 1977, p. 137).

Embora se fale da vida vinculada aos objetos, em filosofia da reificação (ou coisificação) da vida, a mentalidade dualista de separação entre sujeitos e objetos cristaliza e vivificada isto no dia-a-dia.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977

 

A complexidade e sua gênese

21 set

Ao penetrarmos na relação cada vez mais estudada homem-máquina, é preciso entender o que se teorizou até hoje sobre a natureza, o que significa formar um modelo para a natureza, e por sua vez, tornar coletivas e indivíduos humanos e não-humanos, compostos em uma cultura, ou em uma tradição, ou num âmbito mais geral o que está articulado e o que está só configurado.

Ou seja, o modelo pode estar sujeito ao erro ou fracasso conforme as áreas implantadas e podem ser determinados por eles, mas ao rearticulá-lo dentro de sua própria história de criação, não se fazendo a naturalização e sim a culturalização dos conceitos entendemos o modelo que temos a priri, e que nem sempre é a própria natureza.

Quem penetrou mais fundo nesta ideia, foi Edgar Morin e a partir daí concebeu o seu método e desenvolveu a complexidade, conceber a natureza se requer preservar, em última análise, a rede da qual ele emergiu conceitualmente e corrigir onde os conceitos estiveram separados, identificando uma rede.

Então trata-se de identificar a cultura que se desenvolveu em torno da natureza, Morin a coloca em minúscula para diferenciá-la da própria Natureza em maiúscula que é tudo aqui que foi dito e assim desenvolve-se o complexo, que significa aquilo que foi “tecido junto”.

O que então dizemos sobre a natureza é a cultura que foi se desenvolvendo em torno da ideia que poderíamos dominá-la, mas uma das máximas de Francis Bacon é que “não podemos dominá-la se não entendemos”, a moderna física quântica, a astrofísica moderna, mostraram o quão ingênuos eram os modelos de Newton, Galileu e Copérnico, mas eles foram tecidos juntos para chegar aos novos modelos hoje propostos.

Edgar Morin explica a “desordem da ordem” iniciando com duas citações para dizer que a ordem: “leis simplificadas inventadas pelos sábios” (Brillouin, 1959, p. 190), abstrações tomadas pelo concreto (Whitehead, 1926)” (MORIN, 1977, p. 76).

Ela agora segundo Morin está comprimida “entre o caos microfísico e a diáspora”, e importa saber como ela nasceu: “Como se desenvolveu a partir do zero? Como concebê-la apesar da, com a e na desordem? Como pode parecer-nos como única soberana do universo se agora é tão dificil de justificar a sua existência ? (idem).

Qual a gênese? “o conceito de ordem, na física clássica, era ptolemaico. Tal como no sistema de Ptolomeu, onde sóis e planetas giravam em torno da Terra, tudo girava em torno de uma ordem”. (MORIN, 1977, p. 82).

A revolução copernicana no entanto não foi a palavra final: “Hubble retirou-lhe todo o centro astral ou galáctico. E aqui está a grande revolução meta-copernicana e metanewtoniana, que caminhava subterraneamente de Carnot e Boltzmann a Planck, Bohr, Einstein e Hubble. Já não existe um centro do mundo, quer seja a Terra, o sol, a galáxia ou um grupo de galáxias” (idem)

E continua: .”Já não existe mais um eixo não equívoco do tempo, mas um duplo processo antagónico saído do mesmo e único processo. O universo é, portanto, simultaneamente policêntrico, acentrado, descentrado, disseminado, diasporizantes …” (ibidem).

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

Para evitar uma quarta onda

20 set

O mapa ao lado, oficial da OMS indica claramente as três ondas da Covid, as novas variantes e uma resistente Pandemia exigem um esforço final para que seja possível pensar um 2022 sem as restrições que são incomodas, é óbvio, mas ainda necessárias.

A pequena cidade de Florai no noroeste do Estado Paraná ilustra bem a necessidade deste cuidado, a pequena cidade de pouco mais de 5 mil habitantes recebeu uma etapa de um campeonato de handebol e antes com apenas dois casos viu subir para 68 em uma semana.

Olhando o gráfico da OMS e os dados do Brasil, estamos com uma média móvel de mortes acima dos 500 em uma queda ainda muito lenta, o que mais se fala é na possibilidade de flexibilização das medidas, que em muitos casos já vem acontecendo, porém os cuidados ainda continuam.

O Brasil chegou a 65% de vacinação da primeira dose e pouco mais de 37% para a segunda dose, se observarmos os dados de julho quando já havíamos chegado a casa dos 30% de vacinados, pode-se notar que há uma lentidão especialmente na segunda dose sem qualquer explicação.

A Europa entra no seu outono, enquanto o hemisfério sul na sua primavera, é de esperar que no calor a proliferação do vírus diminua, porém se os cuidados se mantiveram e a vacinação evoluir.

O grande perigo na Europa, e que não vejo nenhum comentário ou preocupação, são as doenças oportunistas, ou seja, clinicamente são aquelas infecções causadas por micro-organismos que mesmo em pessoas com imunidade normal, devido a outras doenças podem causar infecções ou mesmo quadros imunodepressivos em pacientes convalescentes ou que passaram pelo contágio, afinal são mais de 200 milhões de pessoas que já tiveram o contágio do vírus, em todo planeta.

No começo da Pandemia a OMS havia alertado para o problema de tratar do pós-covid em muitos pacientes, porém o tema foi esquecido e como não são casos isolados, um tratamento em massa seria necessário, o que podem vir pela frente é difícil de saber sem uma pesquisa médica, mas não difícil de imaginar, seria como se fosse uma nova epidemia pós-Pandemia, deixo para os médicos.

Precisamos sair fortalecidos ao menos em termos de saúde, em termos de solidariedade muitos dos analistas mundiais já jogaram a toalha, não fomos capazes de tratar um problema comum como tal, parece que é um problema do outro, daqueles que tiveram a doença, claro não para todo mundo, há uma reserva moral na sociedade que garante ainda uma esperança futura.

 

O lugar do homem na natureza

16 set

A terceira citação importante na Introdução do livro A natureza da NATUREZA é a citação de São João da Cruz, feita por Edgar Morin: “Para alcançares o que não conheces, deves seguir o caminho que não conheces”, por isto é preciso um epoché, uma total suspensão de juízos e conceitos.

Edgar Morin explica que a primeira “cristalização” do seu trabalho foi feita no livro Le Paradigme perdu (O paradigma perdido, de 1973), diz ser uma gestação prematura do seu método, ali “esforça-se por reformular o conceito de homem, isto é, de ciência do homem ou antropologia” (MORIN, 1977, p. 14).

Depois de contestar a tríade ciência Ʌ política, Ʌ ideologia, onde um dos três termos é absorvido pelo outro, vai criar outra tríade do indivíduo, partindo de Edward Sapir (Antropologie) que afirma que é absurdo separar o homem no individual e no social, ele acrescentará o biológico, para penetrar na natureza, e sua tríade é então o homem como um conceito trinitário [indivíduo Ʌ sociedade Ʌ espécie], “no qual nenhum termo pode reduzir ou subordinar o outro” (Morin, 1977, p. 14) e a partir daí vai elaborar seu conceito de complexidade.

Retomando sua questão: “Que significa o radical auto de auto-organização?” (idem) responderá que “ela reinstaura a problemática da organização viva”, a segunda “Que é organização?”, responderá introduzindo o conceito de antropossocial que complementa o conceito do físico, que não pode se limitar a química nem sequer a termodinâmica (a entropia é um conceito na desorganização) e por fim sua grande questão “O que é complexidade?” e isto significa que há uma ordem/desordem no desenvolvimento da natureza viva em um aspecto antropossocial.

Isto é importante porque coloca ele destacado no livro: “A realidade antropossocial projecta-se e inscreve-se precisamente no cerne da ciência física” (p. 15), o tema é longo, mas sendo sucinto: “O grande corte entre as ciências da natureza do homem oculta, simultaneamente, a realidade física das segundas e a realidade social das primeiras” (idem).

Assim toda realidade social depende de um modo da ciência física, e esta depende de certo modo da realidade antropossocial, o autor pergunta qual e procura responder em todo livro.

Também o teólogo e paleontólogo Teilhard Chardin procurou desenvolver no seu livro “O lugar do homem na natureza” esta crescente complexificação que vai das primeiras células até o homem, e para ele, seria este o resultado da complexificação geral das leis físicas e química da natureza.

Morin lembra o drama de nosso tempo, depois de discorrer sobre os ganhos científicos pelos métodos cartesiano/enciclopedistas partindo da célula e da molécula até os quasares, os pulsars, chegando ao DNA, porém “o homem fragmenta-se: aqui fica uma mão-no-instrumento, ali uma língua-que-fala, algures um sexo salpicando um pouco de cérebro” (p. 17).

Faz uma citação de Rebelais: “Ciência sem consciência não passa de ruína da alma” (idem).

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa> PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

Em queda lenta e protocolos

13 set

Embora a OMS alerte para a possibilidade de nova onda devido a desigualdade no combate a pandemia, que em função do número de vacinas também não vê prioridade na terceira dose, até alguns Institutos contestam (da AstraZeneca, por exemplo), a queda no Brasil é lenta, e aqui a polêmica é por conta dos protocolos mal aplicados e pontualmente rigorosos.

No país o total de doses é 210 milhões, porém o total de pessoas vacinadas está em 72,6 milhões que dá 34,4% e faz sentido portanto dizer que a terceira dose ainda é para se pensar, uma vez que o número de vacinas é limitado e ainda tanto a queda de mortes com a vacinação seguem lentas (média móvel em torno de 450).

Também há polêmica em torno das vacinas, o Chile está aplicando a terceira dose com a Pfizer e a AstraZeneca sob o argumento de que a “combinação” é boa, porém olhando as vacinas que são aceitas em protocolos europeus, lá só a AstraZeneca, a Pfizer, a Moderna e a Jenssen são consensos, e a AstraZeneca com dúvidas em alguns países internamente (por causa de efeitos colaterais).

Para entender a polêmica criada pela interrupção do jogo Brasil x Argentina após a exigência da Anvisa que 3 jogadores fossem retirados do jogo (apenas 1 estava no banco), é preciso entender a Portaria Interministerial 655/2021 que estabelecia o prazo de 14 dias de quarentena definida para pessoas que chegam ao país passando pela África do Sul, Índia e Reino Unidos, incluindo a Irlanda do Norte, e que os aeroportos internacionais têm conhecimento, mas apenas assinam um papel.

Não há no aeroporto uma agência local da Anvisa que verifique se de fato a informação prestada é verídica, e somente horas após isto é feito em casos pontuais que tem repercussão na imprensa.

Assim os protocolos existem, uso de máscaras, procedimentos em bares, restaurantes e supermercados, mas qualquer pessoa que circule observa famílias inteiras nestes lugares, mal uso da máscara e as vezes até mesmo não uso e por isto causa revolta, a aplicação da lei é só pontual.

Isto sem falar de liberação e flexibilização que ocorre em muitas situações que há aglomeração, as escolas, no Rio de Janeiro um time poderá ter torcida em jogo da próxima quarta-feira, as próprias manifestações de 7 de setembro e dia 12, etc. enfim os protocolos devem ser cumpridos, mas sempre para que a lei tenha eficácia e respeito dos cidadãos.

Ainda não há uma compreensão ampla que o combate para ser eficaz tem que ser global, tem que haver um conjunto básico de protocolos que todos os países assinassem para evitar a desmoralização deles, e estes são necessários.

Quanto a terceira dose, apenas se há ineficácia assumida de alguma vacina justifica a terceira dose, pois elas serão necessárias para pessoas ainda não vacinadas e para a 2ª. dose.

 

Entre o Natural e o Sobrenatural

10 set

A alma (anima em sua versão greco-latina original) foi estudada por quase todos filósofos da antiguidade, pode ser resumida do latim “anima mundi” (alma do mundo) como um conceito cosmológico de uma força regente do universo pelo qual o divino se manifesta em leis que afetam a matéria, ou na hipótese de uma força imaterial, como algo inseparável da matéria, está em Platão nos livros A República e Timeu.

Marsílio Vicino, humanista renascentista, que escreveu uma Theologia Platônica, definia como “A alma pode ser chamado o centro da natureza, a intermediária de todas as coisas, a corrente do mundo, a essência de tudo, o nó e a união do mundo”, seja qual for o conceito ela é uma parte do natural que pode ter manifestações desconhecidas pela ciência atual, e por isto é sobre-natural.

Porém o natural que o homem pareceu dominar a partir do iluminismo, se revelou aos poucos mais misterioso que se imaginava, já no início do século o princípio da incerteza deu origem a física quântica e um minúsculo vírus nos desafia, e não o superamos, o relaxamento pode provocar nova crise, como um doente mal curado que deseja fazer atividades que a doença não permitia.

Em seu livro a Natureza da Natureza, não por acaso o seu primeiro livro sobre seu método da complexidade, Edgar Morin vai descrever o Dasein da natureza (da physis) como: “Todos os sistemas, mesmo aqueles que nós isolamos abstracta e arbitrariamente dos conjuntos de que fazem parte (como o átomo, que é ademais um objecto parcialmente ideal, ou como a molécula), estão necessariamente enraizados na physis” (Morin, 1977, p. 133), e citando Lupasco (criador da ideia do terceiro incluído, estado entre o ser e não ser da matéria): “Um sistema só pode ser energético” (idem).

A energia, a complexidade e o mistério é, portanto, uma característica da natureza, e descobrimos no último século que a incerteza não só deve ser parte de um método realmente científica, como a ausência dela pode levar a dogmas e obscurantismo.

Como o sobrenatural se manifesta então dependo da cosmovisão de cada cultura, sem se confundir com ela, pois tem um significado ímpar dentro da escatologia que o vê, o princípio e fim de tudo, do universo e de seus enigmas.

Na cultura cristã, o sobrenatural está presente na revelação humana de um Deus que se faz pequeno, e se reduz a condição humana para levá-lo ao devir da eternidade, Jesus proibia os apóstolos de falarem abertamente sobre a sua divindade, mas interrogava-os (Mc 8,27-29):

“Quem dizem os homens que eu sou?”. Eles responderam: “alguns dizem que tu és João Batista, outros que és Elias, outros, ainda, que és um dos profetas”. Então ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Messias”.

Ele conversava a parte com os discípulos e ia explicar o tipo de morte que ia morrer.

 

MORIN, E. O MÉTODO 1. A NATUREZA DA NATUREZA. Portugal: Edições Europa-America, 1977.