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Arquivo para a ‘Filosofia da Informação’ Categoria

Morte aparente do pensamento

09 dez

Se há uma esfera além da pura antropologia e do cientificismo darwinista não está apenas no pensamento religioso, mas também no pensamento que vai além do humano, este pensamento embora em crise, está presente na filosofia contemporânea.

Peter Sloterdijk escreveu A morte aparente do pensar: sobre a filosofia e a ciência como uma vida de exercícios, seu tema geral sobre a sociedade contemporânea como “uma vida de exercícios”.

O livro é o resultado de várias palestras proferidas em 2009 chamada de Palestras “unseld”, no Fórum Scientiarum da Universidade de Tübingen cujo tema era “A antropologia nas discussões da ciência”, e o autor propõe duas formas de antropotécnica, a de curto alcance (Tens de mudar sua via) e uma de longo alcance chamada Selbstverbesserung (aprimoramento do sim).

Há uma releitura de Kant e Cassirer devido a um excesso ontológico, que compensa o “déficit biológico”, explico melhor, o ser que procura transcender a uma realidade biológica deficiente, de tal forma que o seu “exercício de vida” geral novos problemas, teorias filosóficas e científicas.

Vendo que a exposição e práticas na história usual das ideias tornaram possível a existência de uma improvável ciência e filosofia, ele elabora uma genealogia do “homo teórico”, o “puro observador”.

Analisa as condições que surge no Ocidente a atitude teórica em geral, e a ciência em particular, onde vê o que ele denominará “o assassinato de um morto aparente” (p. 14), ampliará a noção husserliana do epoché, colocar entre parêntesis toda exterioridade e juízo, e amplia este conceito.

O método genealógico proposto capaz de reelaborar a origem do produto das ciências, implica o que Nietzsche adotou como atitude de suspeita: “Será que o homo teórico realmente vem de um berço tão alto quanto ele garante-se desde os primeiros dias? Ou é melhor um bastardo que quer impressionar com títulos falsos? ” (p.57), a provocação tem um caminho anterior já trilhado.

Ira e Tempo (2006), refere-se ao produto do fracasso no espaço da polís), psicológico (para uma disposição psíquica de se distanciar do meio), sociológica (por uma pedagogia de formação do indivíduo) e meio-teórico (o resultado de uma cultura escrita que predispõe a distância de um texto, que por sua vez mantém a distância do tempo da vida.

Todo este arcabouço e para dizer que estamos diante de dilemas extremamente duros para o homem, para o pensamento e para o próprio processo civilizatória, é além e aquém da pandemia, a irrupção do real em Marx e nos neohegelianos, o perspectivismo nietzschiano, a consciência de classe em Lukács, a trajetória de Heidegger, a revolução ética nas ciências naturais depois de Hiroshima e Nagasaki, o compromisso existencialista, o conhecimento em Scheler, Kuhn e Foucault, a desmistificação do isolamento em pesquisa científica de Latour e CTS (Ciência, tecnologia e Sociedade) (pags. 121-129).  

SLOTERDIJK, P. Muerte aparente en el pensar. Sobre la filosofía y la ciencia como ejercicio. Siruela. Barcelona, 2013.

 

As meditações cartesianas e a fenomenologia

25 jun

Um pequeno livro de Edmund Husserl, que foi uma compilação de uma conferência em Paris, foi o opúsculo Meditações Cartesianas, onde faz cinco aportes e é a partir daí que dá origem a uma formulação consistente da fenomenologia.

O caminho de um Ego Transcendental, diferente da transcendência idealista em direção ao objeto, é uma direção ao Outro, ou outros eu´s, uma superação do estatuto do transcendente ligado ao objeto, assim descreve Husserl: “…. imediatamente se torna patente que o alcance de uma tal teoria é muito maior do que parece à primeira vista, dado que ela também conjuntamente funda uma teoria transcendental do mundo objetivo …” (HUSSERL, 2010, p. 134).

Ao admitir e se relacionar com a subjetividade alheia (um outro alter ego) tanto os objetos da cultura como o mundo compartilhado, cria uma intersubjetividade (HUSSERL, 2010, p. 134-35), agora do fenômeno transcendental “mundo” é retirada uma camada de sentido que possa ser remetida à constituição intersubjetiva.

A crítica da experiência feita por Husserl no início das Meditações, leva a primazia da experiência Imanente (apodítica do cogito, preso a lógica) enquanto a experiência transcendente (o mundo exterior e os outros incluídos) não se reduzindo a experiência transcendental em direção ao objeto.

Husserl usa também o conceito de solipsismo que é a ideia que que só existe o ato de pensar e o próprio eu, veja que neste raciocínio a própria existência do objeto é postar em dúvida o que é resolvido pela experiência, neste caso há um solipsismo gnosiológico onde os outros entes (seres humanos e objetos) só existem na mente e não na consciência.

A doutrina fenomenológica fundamenta-se que o mundo objetivo da ciência está voltado a experiência e no pensamento pré-reflexivo e pré-científico porque está ligado a subjetividade, para modificar esta relação de ser no mundo, incorporando o mundo da vida (Lebenswelt) de onde surge a necessidade de uma antropologia filosófica e uma epistemologia que responda estas a este desafio.

Como consequência deste pensamento surgiu a ontologia fenomenológica como uma possibilidade clara no próprio projeto de Husserl, embora não tenha aprovado num primeiro momento o trabalho de Heidegger.

Outra possibilidade de uma hermenêutica filosófica como foi elaborada por Hans-Georg Gadamer também estava ali desenhada e o círculo hermenêutico já estava em projeto no pensamento de Heidegger.

HUSSERL, E. Meditações cartesianas e conferências de Paris. Tradução de P. M. S. Alves. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010.

 

João Damasceno e a pericorese

05 jun

Mesmo aos que não creem o conceito de pericorese é importante porque torna a ideia de relação algo mais substancial, embora já se admita que o homem é um ser relacional, a relação está cheia de dualismos e interpretações não trinitárias (no caso dos cristãos) e pode levar a indiferença.

Depois de resolvido o dogma trinitário pelos padres capadócios, que explicaram que Deus é Uno e Trino, são pessoas (hipóstase) e mantem a unidade (ousia), Damasceno vai se debruçar sobre a relação entre as três pessoas e cria um termo usado também na filosofia: pericorese, a interpenetração nas relações, isto é a possibilidade de ouvir o Outro não apenas por respeito, que já seria um passo, mas tentando penetrar e entender as razões de seu pensamento.

Foi João Damasceno  (675-749) ou de Damasco foi um padre Sirio, que estudo direito e musica e na teologia estudou relação  de pericorese ou a relação trinitária, o termo emerge propondo a articulação entre a unidade e a comunhão na Trindade, parece simples dizer isto, mas difícil de entender e praticar, pois a maioria das relações excluem o Outro que é diferente, seja ele de cor, raça, credo ou cultura, muito a frente do seu tempo João Damasceno era amigo dos sarracenos, mas tarde a igreja católica o tornou santo.

No seu percurso teológico histórico procurou buscar algo que explicasse a relação, que estive de acordo com aquilo que as escrituras diziam de Deus e sua relevância na história: a articulação entre o conceito de Deus que é trino e uno, mas sendo cada um, uma pessoa singular (prosopon) e Deus, João estruturou a via intra-trinitária, a partir do conceito grego de pessoa: hipóstase.

Na palavra grega significa hypo, o que é sub, debaixo, e stasis, o que está sub-posto, como se fosse um suporte, porém como relação divina este conceito devia ser ampliado e explicado.

 O termo pericorese emerge nesta Teologia Patrística, como a articulação entre unidade e comunhão da Trindade, mas indo além, assim o Pai é uno no Filho e o Filho uno no Pai, e ambos unos no Espírito Santo, assim há uma interprenetração, é mais que pura relação, é Ser no Outro.

O problema de algumas interpretações religiosas é a relação estática dos três, que é a relação dualista que vem da filosofia idealista, onde sujeito e objeto estão separados e são relacionais por um tipo de transcendência, que na verdade nada tem a ver com o mistério Divino nem é religiosa.

O mistério divino tem a ver com o período Pascal, morte e ressurreição numa relação trinitária, na filosofia há algo semelhante que é a epoché, a suspensão de conceitos (ou juízos religiosos) porém colocados entre parênteses, gera assim uma abertura que permite a relação, e como resultado que cada pessoa é compreendida, ela não perde sua identidade e é capaz de entender o Outro.

Numa ascese espiritual mais profunda é o esforço de entender e amar o Outro que é diferente, que não é meu espelho, não tem os meus conceitos e juízos, não classifica o mundo como eu, a grande tragédia de nossos dias é a falta de pericorese, e assim de relações trinitárias.

Penso que a pandemia nos mostra isto, mesmo tendo uma grande dor que mata a todos e que sensibiliza muita gente, que abre o coração para olhar o sofrimento do outro, há aqueles que se fecham em grupos, ideias e esquemas para não olhar a dor, a fome e o desespero que a pandemia gerou, ou acordamos juntos ou perecemos juntos, ficar na nossa trincheira é não relacional.

 

A importância do legado de Droysen

17 fev

Afirmamos na semana anterior (ver o post) que tanto a perspectiva do helenismo de Droysen (ele cunhou o termo) quanto a perspectiva do verdadeiro significado da história sua eram mais amplas, muito antes das críticas de Gadamer ao historicismo “romântico”, este autor que foi aluno de Hegel, já o tinha feito e com muita propriedade pois além de aluno, penetrou neste conceito do qual Hegel é fundador na filosofia moderna.

Johann Gustav Droysen (1808-1884) questionava o princípio da historicidade, e, muito antes do seu tempo questionou os historiadores sobre os fundamentos “científicos” de um certo perspectivismo e relativismo, assim como também indiretamente questionava Dilthey na tentativa de usar a história para fundamentar as Ciências do Espírito.

Droysen em seu Compêndio sobre a História (Grundriss der Historik) que não era adequado à História, tendo esta a pretensão de ser ciência, tomar seu método emprestado de outra perspectiva do conhecimento, que é a ciência natural, mesmo que como “exemplo”.

A solução por ele apresentada, parecida a de Gadamer, sintetizável na noção metodológica de Compreensão Investigativa (forschendes Verstehen), visava dar a História a possibilidade de uma ciência autônoma, assim para ele existe algo que precede ao dualismo explicação x compreensão, que é a história, o que chamamos na semana passada de “forma” do pensar.

A sua obra Compêndio da Historia (Grundiss der Historik) de 1857/1858 está disponível em versão espanhola (1983) e versão italiana (1989), ainda ser versão em português.

É de interesse particular, pelo menos o foi para mim, o capítulo 3 que trata do problema hermenêutico da compreensão, que dá uma noção da aplicabilidade do seu método.

A ligação que podemos e devemos fazer com a questão moral, do tópico anterior, pode ser encontrada na página 386 de seu trabalho Teologia dela Storia (tradução italiana):

“… nós temos a necessidade de um Kant, que examinasse criticamente não a matéria histórica, mas o movimento teórico e prático diante e no interior da história, e que demonstrasse, a exemplo de qualquer coisa análoga a lei moral, um imperativo categoria da história, a fonte viva da qual jorra a vida histórica da humanidade. ” (DROYSEN, 1966, p. 386).

Droysen observa naquilo que chama de “Sistemática” três tipos de comunidades éticas: “as comunidades naturais”, “as comunidades ideais” e “as comunidades práticas” (figura acima), e a elas relaciona da história, dito assim: “a nossa sistemática resultou da noção de que o mundo história é o mundo ético, mas enquanto concebido sob um determinado ponto de vista; porque o mundo ético pode ser considerado sob outros pontos de visa …” (Droysen, 1994, p. 413).

O seu devir, portanto, está longe da dialética hegeliana, mas ao mesmo tempo dialoga com ela.

DROYSEN, J. G. Teologia dela Storia. Prefazione ala Storia dell´Ellenismo II – 1843. In: Istorica. Lezioni sula Encilopedia e Metodologia dela storia. Trad.: I. Milano – Napoli: Emery, 1966.

_______. Istorica. Lezioni di enciclopédia e metodologia dela storia. Trad. Silvia Caianiello. Napoli: Guida, 1994.

 

Tradição e inovação tem alguma relação ?

28 jan

No âmbito cultural imagina-se muitas vezes que não, ou estabelece inovação apenas no âmbito estrito da cultura, enquanto ela tem relação com as crenças, valores, e principalmente com as formas de relações sociais que envolvem a produção de riquezas, o uso de técnicas, por exemplo, a passagem da cultura oral para a escrita, significou uma mudança profunda.
Inovação está ligada a alguma mudança cultural significativa, em geral, com influência de novas técnicas e modos de produção para consumo, mas o termo é mais amplo.
A mudança hoje é das mídias para as transmídias, isto é, as mídias se complementam pode-se fazer um vídeo a partir de um texto ou de uma exposição oral de determinada cultura, assim pode-se falar de narrativa de transmidia, ou de “storytelling”, ou seja, contar estórias.
O termo foi utilizado pela primeira vez pelo professor Marsha Kinder, da Universidade de Sourthern California (EUA), em 1991, mas em 2003 o professor Henry Jenkins criou uma definição que ficou consagrada em seu livro “Cultura da Convergência”, onde definiu-a como: “[…] uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias”.
Ao remeter a estética o termo, este ultrapassa a pura produção de produtos de consumo para atingir a arte, a cultura e de certa forma o sistema de crenças como um todo, mesmo que a rejeição em diversos âmbitos seja comum, o processo de “inovação” avança.
Também há uma redefinição de storytelling, a tradição da cultura oral de contar estórias, onde a tradição se perpetua muda para uma nova forma, agora torna-se o uso de recursos audiovisuais para transmitir uma história, que pode ser contada de improviso (como na tradição oral), mas pode também ser trabalhada e enriquecida com recursos visuais.
JENKINS, Henry. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. NY: New York University Press, 2006.

 

Phronesis e serenidade

28 nov

Não por acaso Gadamer adota a Phronesis como um dos elementos chave em seu discurso sobre Verdade e Método, incompletamente traduzida como prudência, o termo na verdade dever-se-ia ser confundido com “sabedoria” prática da serenidade, tradução livre.

Isto porque a nosso ver, Gadamer é reabilitador da filosofia prática, os que clamam por pratica, objetividade (sic! bem idealista), são pouco práticos por ausência de sabedoria, são impulsivos e activos (no sentido de vita activa de Chul-Han), típicos da sociedade do cansaço.

No sentido grego, está agregada a ética, mas não é um saber privado no sentido da moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações da impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal.

Esta inclui a obra de arte porque foi a excessiva centralização no eu que reduziu a relação da ética com a estética, a amoralidade pública, o escrachado não é uma nova estética, nem mesmo a negatividade as vezes necessária a arte, é a sua ausência por falta de relação com a ética e o processo formativo.

Gadamer recupera a phronesis a partir da proposta de Aristóteles na Ética a Nicômaco, onde busca estabelecer a articulação entre o universal e o particular, mais ainda entre o indivíduo e a sociedade, dentro de formas históricas da vida, mas com um ethos comum.

Pode-se assim estabelecer uma relação com a educação, num momento que se fala em escola sem partido é preciso pensar que há um outro, sem desejar a neutralidade porque ela será uma ilusão, exploramos num post a seguir.

Falta estabelecer a relação da phonesis com a techné e a episteme, que é o saber teórico e o saber fazer da techné, que está ligada etimologicamente a arte (τέχνη) e ao artesanato.

A harmonia entre as três formas de sabedoria resulta numa sabedoria prática, a práxis.

 

O dasein e a razão

17 out

Antes de penetrar no conceito de ser-no-mundo, tradução provisória de dasein, é preciso compreender em que ponto a ontologia se distancia do racionalismo cartesiano, em que ponto se aproxima, para quem deseja um mergulho mais profundo “Meditações Cartesianas” é muito recomendável (post), já quem Husserl foi professor de Heidegger e este guardou alguns conceitos.

As duas categorias cartesianas bem conhecidas para “coisa” são a res extensa e a res cogitans, sobre as quais escreveu Heidegger: “Sem dúvida esse ente [com relação a Deus] necessita de produção e conservação, mas dentro dos entes criados [ou só considerando estes] … existe algo que não necessita de outro ente, no tocante a produção e conservação das criaturas, por exemplo do homem. Tais substâncias são duas: o res cogitans e o res extensa” (Heidegger, 2015, p. 144).

Assim o dualismo cartesiano não é só entre duas substâncias finitas, que são naturalmente distintas, mas entre as duas finitas e o infinito, e Heidegger esclarece logo a seguir retomando a ontologia medieval, as vezes chamada de fundamental ou ontoteologia por outros autores, a questão de como o ser é designado como “ente cada vez referido” (Heidegger, 2015,p. 145), ou seja, “nas afirmações Deus é ou o mundo é, predicamos o ser … a palavra ´é´ não pode indicar o ente cada vez referido no mesmo sentido (αυυωυúς, unívoce), já que entre ambos existe uma diferença infinita do ser, se a significação do ´é´ fosse unívoca, então o criado teria o mesmo sentido do não criado ou o não criado seria rebaixado a um criado” (idem).

Resolve a querela do universal, entre realistas e nominalistas, “Ser não desempenha a função de um simples nome [pensavam os nominalistas] pois em ambos casos compreende-se ´ser´ “ (ibidem), explicita e supera a escolástica que “apreende o sentido positivo de significação do ´ser´ como significação ”analógica” para distingui-la da significação unívoca ou meramente sinônima” (ibidem).

As aspas são do próprio Heidegger para indicar a analogia do ser enquanto substância, e estendendo para o contemporaneidade nem o analógico nem digital são ser, pertencem só ao ôntico, ou em nossa denominação aos artefactos. 

Finalmente rebaixa a ontologia cartesiana que “fica muito aquém da escolástica” que deixou sem discussão o sentido do ser e o caráter da ´universalidade´ desse significado contido na ideia da substancialidade” (ibidem), embora reconheça que mesmo a ontologia medieval questionou muito pouco este sentido.

Embora vá recuperar em alguns aspectos Descartes, constata para o seu tempo e vale ainda hoje, sequer nos libertamos da crise do pensamento europeu do século passado, “a ontologia cartesiana do mundo ainda é hoje vigente em seus princípios fundamentais”, a materialidade.

Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

Desaceleração e a técnica

18 jul

Depois de criticar de modo convincente Baudrillard e de afirmar de modo categórico que “a mera velocidade não supõe grande influência na produção do sentido histórico” (p. 36).

O que conta sobretudo é a instabilidade da trajetória, o desaparecimento da própria gravitação, as irritações (irritationen) ou oscilações temporais.” (pag. 36), Byung-Chul Han cede a tentação de Baudrillard de que é a moderna tecnologia responsável por isto, ora, mas qual a origem disto?

O livro Cultura e Simulacro de Baudrillard é da década de 70, a internet era nascente com usuários acadêmicos, o Mal-estar na civilização de Freud é da década de 30, isto sem falar de Nietzsche que faleceu no início do século passado, mais precisamente em 25 de agosto de 1900.

Portanto é preciso retornar aos primeiros argumentos de Han que são mais sólidos, “a aceleração não é a única explicação plausível do desaparecimento do sentido” (pag. 35), e a “expressão ´átomos de sentido´ também conduz a um erro,  porque o sentido não é nuclear” (idem), dá um pequeno passo na direção correta: “o repouso não é causado pela aceleração e pelo movimento de trocas, mas pelo já não-se-saber-para-onde” (pag. 38), uma falta de metas.

Vai criticar também Bauman, para quem o homem moderno é um peregrino no deserto, que pratica uma “vida a caminho” (pag. 43), e num relance retorna ao sentido afirmando “a secularização não comporta uma desnarrativização (Demarratovosoerimg)”, mas volta a trás e diz que a modernidade continua a ser uma narrativa, porém a cultura impressa e reprodução não tem o caráter mítico e escatológico da cultura oral, é outra narrativa, a romântica, já esclareceu Gadamer.

A crítica a técnica e ao progresso técnico é a tentação comum, apontá-la como religiosa é no mínimo contraditório já que ela é herdeira legítima das luzes e da razão, não é história como história da salvação, mas como determinismo histórico romântico a moda de Dilthey.

A imersão na cultura digital, ou na cibercultura, não desterritorializou (o rádio, a TV e o cinema o fizeram antes) nem secularizou, quem o fez foram as luzes e o capital financeiro que não reconhece pátria nem lugar, a narrativa que omite o processo de produção de vídeos, imagens, fotografias e também de código digital em todo planeta não é só uma inversão técnica ou tecnológica, é uma inversão cultural, graças a elas culturas e povos renasceram.

Não é preciso andar pelo mundo, porque o mundo anda por você, e isto é o que estimula jovens a conhecer outros países e lugares, o enraizamento pátrio que é anti-evolutivo e conservador, o homem andou pelo mundo antes de fixar fronteiras, quem fixou foram os impérios, que agora erguem muros e discursos pátrios radicais, o mundo já é uma aldeia global, o que há agora é um sentimento saudosista de um mundo que não volta mais.

 

O aroma e a significação

17 jul

Assim como a arte, o aroma requer apreciação e sensibilidade, mas isto mais tempo do que significação, isto nos diz Byung-Chul Han: “o mundo está carregado de sentido. Os deuses não são mais do que portadores de sentido”. (HAN, 2016, p. 25).

Penetra no significado verdadeiro da narrativa, do oral primitivo e contemporâneo: “a narrativa cria o mundo do nada” (p. 25), mas não a deixa de liga-la a imagem: “o mundo pode se ler como uma imagem” (idem).

Sem citá-las Han parece penetrar na arte rupestre, ao desvelar a relação: “aqui tudo que tem sentido é a eterna repetição do mesmo, a reprodução do já sido, da verdade imperecível. É assim que o homem pré-histórico vive num presente que perdura.” (HAN, 2016, p. 26)

A cosmogonia de Han penetra no escatológico: “distingue de qualquer forma do tempo histórico que promete progresso … o eskáton indica o fim dos tempos … o tempo escatológico não admite ação alguma, projeto algum.” (HAN, 2016, p. 27).

Desvela também o sentido mais profundo da pós-verdade, “o tempo será desfactizado (defaktiziert) e, ao mesmo tempo, desnaturalizado (entnaturalisier)” (pag. 28), ao apontá-la já nas Luzes (o iluminismo): “a revolução refere-se a um tempo desfactizado. Livre de todo ser/estar lançado, de qualquer força natural ou teológica, o mundo, como um colosso a vapor, solta-se em direção ao futuro, onde espera encontrar a salvação” (pag. 29).

Cita Robespierre falando na cerimônia constitucional de 1793: “Les progrès de la raíson humaine ont préparé cette grande révolution, et c´est à vous que´est spécialement imposé le devoir le l´accélérer” (citado na página 29), era o triunfo da razão, também comenta a mesma experiência em “A morte de Danton” escrito por Büchner, ao citar Camille: “As ideias fixas comuns que passam por ser o senso comum são insuportavelmente aborrecidas.” (cit. P. 29).

Byung-Chul separa o tempo oral do histórico ao compreender “o mítico que funciona como uma imagem”, e vê a história da galáxia de Gutenberg como aquela que “cede lugar às informações” (p. 30), para dar a estas uma definição inédita: “na realidade, a informação apresenta um outro paradigma. No seu interior, habita outra temporalidade muito diferente. É uma manifestação do tempo atomizado, de um tempo de pontos (Punkt-Zeit).” (pag. 31).

Volto a página anterior para entender seu conceito de aroma: “A história ilumina … impõe uma trajetória narrativa linear … não tem aroma” (HAN, 2016, p. 30).

Contra a tese de Baudrillard, “a informação não se relaciona com a história como a simulação sempre perfeita do original ou da origem” (pag. 31), dirá por isto é um novo paradigma.

 Dirá ao final deste capítulo que o tempo “precipita-se, apinha-se para equilibrar uma falta do Ser essencial”, fazendo que “a falta do Ser se torne ainda mais penetrante” (p. 32).

HAN, Byung-Chul. O Aroma do Tempo: um ensaio Filosófico sobre a Arte da Demora, Lisboa. Relógio d´Água, 2016.

 

Porque é preciso pensar?

09 jul

Sonhava em escrever um livro de filosofia, não o escreverei mais, talvez faça considerações, como as que farei aqui, mas ao encontrar inesperadamente o autor Thomas Nagel em: “Que quer dizer tudo isto? Uma introdução à filosofia” em sua 5ª. edição (Gradiva, 2018) penso que ele fez o trivial: apresentar questões fundamentais em palavras do cotidiano.

Assim, farei apenas comentários, não é um resumo, são apenas apontamentos, e talvez seja interessante dizer como o encontrei, foi até de outra obra: Como é ser um morcego? (The Philosophical Review LXXXIII, pp. 435-50, 1974), onde diz que esta pergunta pode fazer sentido, mas não faz sentido perguntar como é ser um tostadeira, atualizando para os dias de hoje como é ser a Robô Sophia, embora hajam pessoas fazendo esta pergunta.

Não é esta questão que responde diretamente, mas questões atuais que estão no pensamento cotidiano, ou seja: Como sabemos seja o que for, o que são as outras mentes, o significado das palavras, a liberdade (o livre arbítrio), a morte e o sentido da vida.

A filosofia parece não tratar disto, mas trata só que em diálogo com outros pensadores, esclarece o autor logo no início do livro: “a filosofia é diferente da ciência e da matemática … não se assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento.” (p. 8).

Todos nós pensamos, é equivocado pensar que só filósofos e cientistas pensam, a questão da filosofia é; “questionarmos e compreendermos ideias muito comuns que usamos todos os dias sem pensar nelas” (p. 8), e ao fazermos isto somos levados “na onda” para onde ela queira nos levar, em tempos de crise e profundas mudanças isto pode ser fatal.

Explica o autor, entre outras coisas duas perguntas que considero essenciais: “Um físico perguntará de que são constituídos os átomos ou o que explica a gravidade, mas um filósofo irá perguntar como podemos saber que existe qualquer coisa fora das nossas mentes” (p. 9),

Isto é essencial porque esta é a pergunta idealista contemporânea, e o idealismo é a grande filosofia de nosso tempo, ele é a base do que convencionou-se chamar de modernidade.

NAGEL, T. Que quer dizer tudo isto? Uma iniciação a filosofia. 5a. ed., Lisboa: Gradiva, 2018.