RSS
 

Arquivo para maio, 2018

Esclarecer a clareira

03 mai

O homem sempre quis a luz, sempre andou em busca da “clareira”, o Mito da Caverna de Platão não é senão isto, a luz nas capelas e artes medievais, o esclarecimento (Aufklärung) que Kant apontava como a saída do homem de sua menoridade e as atuais “clareiras” de Heidegger e o “esclarecer as clareiras” de Sloterdijk, o plural é por minha conta.
Na arte medieval a “luz” deve estar associada à arte, ainda que os textos de Boécio, Tomás de Aquino, Averrois e muitos outros são dignos de leitura e análise, foi nas artes que a ideia de luminosidade mais foi presente, um exemplo, é a igreja Saint-Chapelle (foto) consagrada em 1248, com exemplo da desmaterialização das paredes e substituição por vitrais.
Aquilo que devia ser o exercício de plena liberdade, a grande aposta da modernidade, na verdade confinou o humanismo num beco sem saída, basto fazer a pergunta se vivemos numa época esclarecida, opiniões de todos os matizes filosóficos responderão: não é uma época esclarecida, então a pretensão do esclarecimento deu em cegueira e crise civilizatória.
As respostas de Heidegger sobre a “clareira” em meio a esta floresta de questões (alguns acham que é só de informação) foi a retomada do ser, sem dúvida importante, porém a resposta de Sloterdijk às cartas sobre o humanismo a coloca-a em questão: que é “clareira”.
Não tenho uma resposta definitiva, como a de Sloterdijk também não é, ainda que aponte “as esferas” como os círculos de aprisionamento do ser, do pensamento e diria aqui, até a religião.
Minha resposta contempla o livro de Byung-Chul Han “A expulsão do outro”, a opção por uma sociedade massificada, uniformizada e por isto sem valores destruiria a riqueza humana da diversidade, mas é justamente esta diversidade que parece se rebelar, e poderá dar frutos.
Esclarecer a clareira, em face de crise civilizatória de nosso tempo, não poderá encontrar mais resposta, como no passado, na ideia do pensamento único, a diversidade é hoje necessária.

 

A utopia e o confusional

02 mai

Antes de prosseguir em mostrar a relação entre ser e técnica, deve-se fazer uma digressão para as técnico-profecias catastróficas e os confusionismos, isto é, chama-se de rede nem tudo que é rede, empresta-se a inteligência artificial a humana enquanto é o contrário, e, por último cria-se máquinas pós-humanas sem que se dê uma resposta existencial ao homem.
Brade Runner 2049 não podia fazer sucesso, quem dera, muito melhor que o primeiro ele dá um mergulho no problema existencial humano, enquanto “Andróides sonham com ovelhas elétricas ?” pergunta em seu livro Philip K. Dick, que inspirou os filmes da série, é de 1968 (sic), inclusive foi feita uma edição de capa dura para comemorar os 50 anos recentemente.
Confusional é um termo cunhado por Lucien Sfez, que além de comunicação participou dos projetos Genoma, Biosfera II e Vida Artificial, portanto não é alguém que fala sem compreender direito as possibilidades, os devaneios e os desafios da tecnologia.
Ao mesmo tempo reconhece, entre os devaneios é claro, “A utopia de um registro total; o fazer um ser à nossa imagem, como homem é à de deus, graças à ciência, indiscutível, transparente, luminosa como um gládio sagrado; a crença na onipotência de uma ciência eletrônica; a ilusão da liberdade; e a criação de uma máquina perfeita” (SFEZ, 1996).
Não usaria a palavra utopia, considero-a ela própria um confusional, já que o que Thomas Morus escreveu seria uma sociedade comunitária sem apegos e com uma “saúde social” maior que aquela que sonhou o iluminismo, e que é a própria ciência criadora deste confusional e não Thomas Morus (1478-1535), não era um sonhador foi homem de estado, ocupou vários cargos públicos, inclusive chanceler de Henrique VIII, que justamente foi seu algoz por questão religiosa.
Os limites da técnica estão dentro das possibilidades e desafios, entre estes hoje estão aqueles que possibilitem viagens espaciais não mais em grandes naves, mas em micro-naves que viajariam em worm-holes (foto) quântica e computadores que se utilizem de técnicas de maior volume de processamento, com maior volume de dados comunicados e processados.
No campo das possibilidades vale a pena ler “A física do impossível” de Michio Kaku, entre o campo dos desafios vale a pena ler “O mito da singularidade” de Jean-Gabriel Ganascia, que sintoniza os desafios da Inteligência Artificial e pontua os pontos de pura fantasia.
Não vou recorrer a mais argumentos, é impossível convencer quem no campo das hipóteses não abandona a hipótese do trans-humano ou da máquina mais inteligente que o homem, basta ver os delírios sobre as mídias sociais de hoje; faço uso do argumento de um místico conhecido, talvez poucos conheçam esta frase de São Francisco:
“Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível”, é certo que fala isto no campo da sua mística, mas quem disse que ela está separada do mundo físico ou ao menos do mundo meta-físico.
SFEZ, Lucien. A saúde perfeita – crítica de uma nova utopia. São Paulo: Loyola, 1996.

 

A clareira do ser

01 mai

O entendimento da posição de Heidegger sobre o que considera a “clareira” depende da compreensão adequada dos conceitos de transcendência, mundo e formação de mundo, que pode ser simplificado como visão de mundo (Weltanschauung), porém é explicitado  em suas obras o Ser e tempo (1927) e Conceitos fundamentais da metafísica (1929/30).

Assim é a descrição feita por Sloterdijk em suas Regras para o parque humano (2000), pois tende a justamente a simplificar este horizonte de questões que Heidegger transita ao enunciar uma diferença radical entre o animal e o homem, numa tentativa de superar a dicotomia infernal entre cultura e natureza, que vem na modernidade sobre o homem “lobo do homem” ou “bom selvagem”, entre outras possibilidades.

O posicionamento de Heidegger acerca da diferença entre animais e homens está ligado a sua interpretação sobre o existir humano, sua transcendência (Transzendenz) na qual o homem, e somente o homem é formador de mundo.

Numa conferência de inverno, em 1929/30, elaborou o que mais tarde seria “Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo – finitude – solidão”, ele trata diretamente da questão da diferença entre o animal e o homem.

Avesso à tese tradicional, que seria a racionalidade diferença especial do homem, Heidegger não aceita também que questionamento esteja numa teoria da evolução das espécies, justamente por haver diagnosticado que toda teoria deste gênero já pressupõe determinações prévias tanto do que seja o homem como também do que seja o animal.

Não é nem criacionista nem evolucionista o que ele quer saber é quais caracteres ontológicos dependem do enunciado que perfaz a vitalidade do vivente ante o sem-vida: a pedra e os materiais minerais em geração, a poeira cósmica num sentido mais cosmológico.

Com isso vai formular três teses para criar uma caracterização da essência da vida: 1) a pedra é sem mundo; 2) o animal é pobre de mundo, e, 3) o homem é formador de mundo.

Heidegger tem claro em sua reflexão filosófica, que a relação entre metafísica e ciência positiva ainda precisaria ser pensada em sua ambiguidade característica a de sempre diferenciar sujeito de objeto, assim sua transcendência não é idealista, no método fenomenológico-hermenêutico, as diferenças modais que se explicitam nos distintos modos de ser nelas considerados, o ser-pedra, o ser-animal e o ser-homem, tendo claro, cada um é ser.

Resolvem ainda duas outras premissas da modernidade, uma religiosa que é a crise entre criacionismo x evolucionismo, há uma evolução porque o homem é formador do mundo e há uma criação porque se distingue do animal que não é formador do mundo.

Não se trata de fortalecer a tese do antropocentrismo, então a crítica de Sloterdijk é válida, uma vez que para ele é preciso “esclarecer a clareira”, mas tanto para ele como para Heidegger o humanismo tornou-se anti-humanismo, e chega a afirmar como “a mais miserável’ da “história da Europa” (Sloterdijk, 2000, p. 20) e basta lembrar o horror das duas guerras mundiais.