Arquivo para setembro, 2023
Civilização, crises e raiva
O processo civilizatório que andou de guerras e guerras, foi também marcado por outras grandes crises, coincidência ou não, simples fato natural ou intervenção divina, a peste negra 1347 a 1353 que matou 50 milhões de pessoas, um número alto para a população da época, antecipa um momento de crise do final da idade média e inicio do renascimento.
Não há hoje uma correte que possa ser chamada de “cínica” pela conotação atual da palavra, porém a Crítica a Razão Cínica de Sloterdijk se aplica bem aos céticos: não creem em nenhuma moral, não creem na civilidade e a todo social levam a ira e o desprezo.
O evento político é a queda de Constantinopla, em 29 de maio de 1453, que dá início ao Império Otomano, que depois se expandirá para toda Europa, pondo fim ao Império Bizantino, claro junto com um movimento cultural que retomava o ensinamento grego clássico.
Também no início da primeira guerra mundial temos a gripe espanhola, claro uma correlação entre epidemias, crises e guerras não é tão simples e fácil de ser compreendida, porém o fato que períodos de crises civilizatórias levaram a guerras e nascimento de novos impérios é um fato, afinal depois da queda de Constantinopla nasce o Império turco-otomano que foi até a primeira guerra mundial.
A existência do ódio, da intolerância é praticamente inerente as guerras, justificativas de certo tipo de “justiça” não faltam, há diversos argumentos para o ódio, para a paz um único: amor a vida e apreço ao processo civilizatório, talvez seja hora de inverter a lógica a guerra: conquista.
Somente entraremos num processo civilizatório digno da humanidade, se abandonarmos os primitivos métodos de correção de erros e injustiças, quase sempre sujeitos a narrativas, um verdadeiro processo de desenvolvimento humano digno do nome não pode ser feito com a prática de guerras e genocídios com tentativas de eufemismos que suavizem a crueldade.
Diz o livro do Eclesiástico (Eclo 17,33): “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las”, e o erro deve sempre dar espaço ao perdão e a reconciliação, quantas vezes? Diz a leitura bíblica: “setenta vezes sete” (Mt 18,21).
O processo em desenvolvimento aponta para a eclosão e uma guerra cujas consequências são muito preocupantes pela potência dos armamentos, as tecnologias e o envolvimento mundial.
Sempre há uma atitude possível contrária, sempre é possível um círculo virtuoso, ele virá?
Estoicos, epicuristas e Cínicos
Sêneca foi advogado e grande escritor, porém foi muito questionado e é ainda hoje, por ter sido preceptor de Nero, é bom lembra que lenda ou fato Nero o condenou ao suicídio por traição, e o filósofo foi coerente com sua teoria contra a ira e o fez pacientemente.
Também é famosa sua frase “Se eu decidisse percorrer uma por uma das repúblicas atuais, não encontraria nenhuma apta para tolerar o sábio ou uma que o sábio poderia tolerar”, era assim consciente de seu tempo e talvez esta seja a razão de estar voltando “a moda”.
Era diferente dos epicuristas porque defendia o envolvimento público dos filósofos, afinal este foi o primeiro argumento no tempo de Platão para fundar sua academia, porém Sêneca chegou a afirmar em “A retirada”, que em certas circunstâncias seria melhor retirar-se da vida pública, porém isto jamais significava uma omissão, e explica-a em “A retirada” desta forma:
“Flutuamos, sendo atirados de um lado para outro; coisas almejadas, abandonamos; o que foi posto de lado, retomamos. Assim, ficamos alternando em fluxo permanente de volúpia e de arrependimento. Estamos condicionados, inteiramente, ao parecer alheio”.
Em tempos de polarização, nem sempre racional, também é motivo para ele voltar à baila.
Além dos “puristas” epicuristas e os “retirados” estóicos como Sêneca, há os cínicos, enquanto os primeiros valorizavam os aspectos “naturais”, o comportamento dos filósofos cínicos apontava para uma distinção filosófica entre os aspectos naturais (physis) e os costumes humanos (nomos), um problema que permeou todo o pensamento filosófico da Grécia Antiga, chegando, de certa forma, também aos nominalistas e realistas da idade média.
Lembro a crítica da razão cínica, obra de Peter Sloterdijk, para dizer que o problema é atual e não por acaso estas correntes ressurgem, ainda que atualizadas por problemas sociais e políticos, apontam uma crise civilizatória.
A sociedade que tenta eliminar a dor, o sofrimento, que cultua a “natureza” lembra também os estóicos, os que tentam destruir a cultura e os costumes humanos, lembra os cínicos, é preciso dizer aqui que não significa o senso comum de dizer o que não é verdade.
Antístenes, de Atenas, e Diógenes, de Sinope, foram os primeiros cínicos, viviam desprezando os costumes e os “sábios” de seu tempo, Sloterdijk diz que hoje “não é um tempo próprio para o pensamento” e de certa forma tem razão, cinismo vem da palavra grega kynikos, que quer dizer cães pela forma que viviam abandonados nas ruas e muitas vezes pedindo esmolas.
Neste pensadores há um fundo de razão pelo qual devem ser estudados, sabiam a crise que a civilização de seu tempo vivia, procuravam dentro de uma sociedade conturbada um vida feliz e longe dos falsos problemas de seus contemporâneos, mas Sêneca e outros não se omitiram na vida pública, razão pela qual ensinavam a valorizar o sofrimento e entender seu porque.
A ira e a tranquilidade da alma
O estóico Sêneca não escreveu apenas da Ira
também da Tranquilidade da alma, pode-se encontrar uma edição atual com seu outro livro “a tranquilidade da alma”, não significa ausência de inquietude, de dor ou de erros.
Escreve no seu livro I, ainda sobre a Ira: “Assim, alguns sábios disseram que a ira é uma breve insânia. Ela é igualmente desenfreada, alheia ao decoro, esquecida de laços afetivos, persistente e aferrada ao que começou, fechada à razão e aos conselhos, incitada por motivos vãos, inábil em discernir o justo e o verdadeiro, muito similar a algo que desaba e se espedaça por cima daquilo que esmagou.” (Sêneca, 2014, p 91).
Embora possamos esconder sentimentos a Ira nos desnuda, mostra-se mesmo na aparência a ferocidade animal, uma vez que seu “controle” argumentado por alguns autores é incerto: “Mas para comprovares a insanidade dos que estão em poder da ira, observa a própria aparência deles, pois assim como são sintomas claros dos loucos o aspecto audaz e ameaçador, o semblante sinistro, a face enviesada, o passo apressado, as mãos inquietas, a cor mudada, os suspiros sucessivos…” (Seneca, 2014, p. 91).
Não ignora que outras paixões também possam nos desnudar: “Não ignoro que também as demais paixões são dificilmente ocultadas; que a luxúria, o medo e a audácia dão sinais de si e podem ser pressentidos.” (p. 92), mas também estas se afloram em meio a ira generalizada.
Não ignora a visão de Aristóteles, como supõe alguns autores apressados: “Para sermos nocivos, todos somos poderosos. A definição de Aristóteles não se afasta muito da nossa. Pois ele afirma que a ira é o desejo de devolver uma dor. Encontrar a diferença entre essa definição e a nossa exigiria longa explanação” (p. 94), portanto também sabe que há diferenças.
Sem sair por um altruísmo exagerado, sabe que somos irascíveis, passíveis de alguma ira, porém explica-a assim: “Explicou-se suficientemente o que é a ira. Em que ela difere da irascibilidade fica evidente: como o ébrio difere de quem está embriagado, e o medroso, de quem está com medo” (p. 95), assim há o iracundo, que pode por vezes não estar irado.
Examina se a ira é nossa natureza, e assim de certa forma necessária, por exemplo para a correção, diferencia-a: “Mas este sem a ira, com base na razão, pois ele não é nocivo, mas medica sob a aparência de ser nocivo” (p. 97), é assim médico que cura, não como vingar-se.
Mas será que algumas vezes ela foi útil? Lembra que “O início de certas coisas está em nosso poder, seus estágios ulteriores nos arrebatam com sua força e não permitem regresso” (p. 98) e este também é causa de injustiças que desperta novas iras e novas fúrias, então não cura.
O sol de Brian Wildsmith é poderoso, mas benevolente (o desenho acima).
Sêneca. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma diálogo, transl. José Eduardo S. Lohner, 1a ed. São Paulo, Brazil: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2014 (pdf).
Desoneração da violência e ira
Não foram as religiões abramicas (islamismo, judaísmo e cristianismo) que desoneram a violência, assim pensou Peter Sloterdijk em Ira e Tempo (Sloterdijk, 2012), na verdade foi a ideia do Iluminismo que fez da violência e domínio, desde o princípio da expansão do mercantilismo e que depois tornou-se colonial-imperialismo, que era anticlerical e pouco religioso, e depois foi sacralizado no “absoluto” de Hegel, cuja imagem do poder e do Estado se justapõe ao poder e dominação e nada tem ligado a Deus.
Assim esse poder é a desoneração da violência e sua captura e tutela pelo estado, assim pode-se desenvolver o plano colonial e imperialista, fundo da crise civilizatória de hoje, é um estado prepotente militar e autocrático, de liberal só o nome, não pode dar em outra coisa: a ira.
A constatação de Sloterdijk sobre a leveza e alívio, é particularmente clara supondo que o progresso iria numa jornada progressiva, nós pensaríamos numa resposta mais trivial que ele estaria levando as pessoas em condições melhores que as anteriores, e isto não é verdade.
O autor também fala da dor, lembra que até 1940 a ideia da dor era normal nos tratamentos centros cirúrgicos, não cita mas lembro que cicatrizes nos rostos masculinos indicavam virilidade e algumas era feitas de propósito, antecessores das atuais tatuagens, o autor lembra que os analgésicos aparecem na década de 40 e depois aos poucos os antidepressivos e estimulantes e finalmente as cirurgias plásticas que corrigiam o que deve ser corrigido em nós.
Diz o autor que o pensamento a direita é a disciplina e a esquerda é a salvação dos pobres, a disciplina cai em sonhos e leva ao mundo da lua, enquanto a pobreza na sua condição de caído, de perseguido por um sistema injusto se vê sempre vitimizado o que nem sempre é real, assim ambas narrativas escapam de um conceito de justiça, de paz e de equilíbrio e nos vemos em narrativas que justificam a ira e o desprezo pelo Outro, vão em direção a ira.
Se o ser deve ser leve é ser alguém que não é sério, assim a leveza do ser é insustentável, ele deve ser em ambas narrativas “pesado”, transformando-se em balões de gás que estão em voos a esmo, o próprio voo não é razoável, embora o desejo final seja tudo pode, mas nada é.
Diz o cancioneiro popular brasileiro diria: “não há pecado do lado debaixo do equador”, mas já era o que havia na Europa pós-renascentista, na “divina comédia” de Dante que se transforma na comédia humana de Balzac, foi ali que se fez a circum-navegação (na foto a armada de Jacob Hashimoto), sim a terra é redonda, então os povos deviam ser dominados e colonizados, novamente a esferologia de Sloterdijk faz sentido.
O acontecimento fundamental de nosso tempo é sair deste fardo pesado do dogmatismo, do stress perfeccionista da sociedade do cansaço, sair das batalhas físicas, discursivas, políticas, projetistas e espaciais, a tecnologia para o homem e não do homem, robôs são máquinas.
É a agonia do pesado que tinha e que não tem mais uma narrativa coerente. a esferologia, parte do princípio de que uma espécie de “hermenêutica da existência” deve formar arte de figuras, sentidos e vocabulários de uma existência leve, digamos, descarregada do ódio pelo Outro que não é nosso espelho, claro o caminho reverso está aí, ele leva a ira e a violência.
SLOTERDIJK, P. Ira e tempo: ensaio político-psicológico. Estação Liberdade, 2012.
A guerra fria vai esquentando
Parece um paradoxo, mas não é, pois fato é que a Europa e todo hemisférico norte caminha para o Outono e depois inverno e em pleno frio os limites da polarização ideológica parecem extrapolar, novas armas, narrativas de vitórias em campos de batalha, etc.
Nem a tragédia do Marrocos (foto), apesar das condolências, parecem despertar um sentimento maior de solidariedade entre os povos, a própria África subsaariana ao lado esquenta com golpes e novas ditaduras militares.
A ampliação do bloco econômico dos Brics também fortalece esta polarização, apesar da reunião do G20, um bloco mais diversificado, a possível criação de uma nova moeda e a nova geopolítica apontam para um conflito que já se instalou em golpes e regimes autoritários, não significa que esta diversificação de moedas e novas forças económicas e políticas não devam existir, mas elas deveriam favorecer o campo diplomático e ao estabelecimento da paz.
No front da batalha mais declarada, a Rússia anuncia uma imponente arma, não por acaso chamada de Satã II, capaz de transportar vários misseis ao mesmo sem se incomodar com nomes demoníacos, no front da guerra foi enviado um general chamado de Armageddon, Sergey Surovikin, que atuou na Síria e contra manifestações na Rússia, está agora no front.
Do lado da Ucrânia, cuja contraofensiva é mais lenta do que o esperado, novas armas com uranio enfraquecido foram recebidas dos EUA, enquanto treina pilotos dos novos caças de seus aliados, uma mudança de tática mais agressiva deve acontecer antes do inverno.
Há um front da paz enfraquecido, o presidente da Turquia tentou um novo acordo para liberar os grãos que saem da ucrânia pelo mar negro, mas aparentemente sem sucesso e um grande produtor de grãos da Ucrânia faleceu com sua família, quando um míssil atingiu sua casa em Odessa, Olesky Vadatursky.
Também crescem na Web propagandas de feitos na guerra, a paz parece distante e os espíritos e vozes do equilíbrio e do bom senso parecem sufocadas, sempre há esperança e pacíficos.
Urgente: terremoto no Marrocos
As noticias começaram a surgir na madrugada do Brasil, um terremoto de 6.8 na escala Richter atingiu o centro do Marrocos aproximadamente ao meio do caminho entre as cidades históricas de Agadir e Marrakech, a região chama-se Adassil, segundo o ministério do interior do país já se contou 820 mortos (o número subiu acima de 2 mil na madrugada de domingo), 672 pessoas feridas e 205 em estado grave, são as últimas informações.
As pessoas correram para as ruas e o terremoto foi sentido em Portugal, Espanha e na Argélia, um tremor secundário de magnitude 4,9 foi sentido 19 minutos depois.
Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o epicentro foi nas montanhas conhecidas com Alto Atlas, a 71 km de Marrakech, a uma profundidade de 18,5 km, a cidade foi fortemente atingida e tem um centro histórico declarado como patrimônio mundial, ocorreu no meio da noite, mas os jornais on-line não informam a hora precisa.
Diversos governos declararam solidariedade e prometeram ajuda, a dor é dura, mas desperta solidariedade, até mesmo Zelesnky da Ucrânia e Putin da Rússia declaram pesar.
Toda solidariedade ao povo marroquino, a seleção sub-20 do Brasil está lá e não houve feridos.
Erro, correção e paz
A primeira coisa que morre numa guerra é a verdade, e isto é bilateral, porque o oprimido em revide vai fazer coisas que condena no agressor.
A correção coletiva é possível se houverem órgãos reguladores capazes de serem imparciais, quando também eles não conseguem sair do erro bilateral a paz fica cada vez mais distante, quando toma medidas de punição unilateral são também agentes de agressão, não significa que não devem impor sanções e até mesmo tribunais onde crimes de guerra são julgados.
Por isto tratamos nesta semana sobre a verdade filosófica, jurídica e moral, o maio e mais grave erro se comete quando tribunais e órgãos de moralidade pública se corrompem, é um prenuncio de um caos estabelecido e pode levar a uma escalada da guerra.
No âmbito da moral não se pode esquecer e deixar de expressar os erros pessoais, mas a punição deve passar por etapas ou rodadas de negociação e contornar os problemas mais grandes de uma contenda, é difícil, mas somente órgãos e pessoais imparciais podem obter este resultado.
Assim conforme discorremos no post anterior a verdade é ontológica, se realiza com a existência do Ser, mas ela também é Ser, e não se trata da argumento ontológico de Anselmo da Cantuária: “a verdade é a retidão do objeto percebida pela mente. E o que é a retidão? É algo ser o que é”, claro e este Ser que é sendo necessário “prova” a existência de Deus.
Anselmo na verdade era de Aosta, Itália, ficou chamado da Cantuária, porque sendo monge beneditino foi chamado a ser arcebispo da Cantuária, na Inglaterra onde falece, o que é pouco conhecido e deveria ser melhor entendido dentro da história da ciência é a influência de Boécio, famoso pela “querela dos universais” e uma verdadeira gênese dos conceitos da ciência.
Toda estas verdades temporárias são importantes, o argumento da falseabilidade da ciência de Karl Popper, assim como a estrutura das revoluções científicas de Thomas Kuhn apenas ajudam a tender que há verdades ex-sistentes e aquelas que são eternas, que Boécio vai propor como “universais”, porém não se trata de uma relação entre sujeito e objeto, mas é puro Ser, o próprio universo se não houve Big Bang, as descobertas do James Webb parecem ir nesta direção, não invalidade o Ser que é, aquele que sempre foi e sempre será, mas ajuda-a.
O profeta Miquéias que anunciou a vinda daquele que é, e disse que nasceria na pequenina Belém, afirmou assim (Mq 5,1): “Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel; sua origem vem de tempos remotos, desde os dias da eternidade”, Miquéias viveu aproximadamente entre 750 a 690 a.C.
Sobre a correção pessoal, a proposta bíblica vale para todos (Mt 18,15-16): “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão. Se ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas”.
Miquéias lembra no texto ainda que “Ele mesmo será a paz” (Mq 5,4) ela também é ontológica, sem o reconhecimento do Ser, da dignidade de cada pessoa (Boécio foi o primeiro a levantar esta questão) não há paz, não há verdade e não justiça, embora usem-na contra a paz, nada mais injusto e equivocado.
Linguagem, verdade e erro
O mais comum é entender-se verdade como a tautologia lógica que deriva da concepção do empirismo científico e do silogismo matemático,
A filosofia moderna desenvolveu diversas concepções de verdade, atualmente busca-se a adequação da verdade aos sistemas ideológicos que vieram do Hegelianismo e de uma concepção da História, sobre estes equívocos está a elaboração de Hans-Georg Gadamer, que por sua vez vem da concepção de verdade enquanto Ser de Heidegger.
Do silogismo e do logicismo vem os conceitos idealistas de julgamento e o direito positivista.
A verdade é para Descartes: “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método), é assim oposta ao falso, muito próxima da verdade formal.
O pragmatismo utilitário de Stuart Mill é o extremo oposto disto (é ilógico), e está próximo a concepção de Hegel e Nietzsche, é a verdade relativista que dominam muitos discursos atuais.
Nietzsche também refaz o conceito hegeliano de verdade histórica para o conceito de existência, embora o conceito positivo pareça simples de ser refutado, a dificuldade é estabelecer o que é o verdade e real, que na realidade seriam a mesma coisa, mas o que é real? Muitas vezes esta adequação é feita de modo ideológico, assim surgem as narrativas.
É por causa desta dificuldade que surge o verdadeiro conjugado ao moral, ele tem sentido no contexto do realismo moral. Por exemplo, “A opressão e a exploração são malévolos” é uma verdade moral dentro de uma moralidade humanista, e “A impiedade é pecaminosa” é uma verdade moral numa moralidade religiosa e esta conjugação é resolvida em relação ao Ser e a linguagem, e pode-se retirar o véu, a ocultação através da a-lethéia, o desvelar.
A concepção ocidental de verdade, é assim difícil de ter uma única definição pode estar conjugada no caso ocidental de três raízes, a grega “aletheia” (a- não lethe oculto), que vem do que vem da definição do que é o ser: “a linguagem é a casa do Ser” (Heidegger), Veritas, o conceito latino conjugado entre lógica/linguagem (verdadeiro e falso) e Emunah (o conceito ético-moral) verdade/fidelidade e sua negação infidelidade, Agostinho de Hipona: “no interior de todo ser habita a verdade”.
Missa sobre o mundo
O escrito de Teilhard Chardin completou 100 anos no dia 03 de setembro de 2023, finalizou no deserto de Ordos na Mongólia, iniciado o escrito em 1919 quando trabalhava de maqueiro na primeira guerra mundial, foi lembrado pelo papa que estava na Mongólia nesta data.
Durante anos os escritos de Teilhard Chardin estiveram proibidos, mas aos poucos foram removidos e foram sendo publicados revelando uma espiritualidade e uma visão de mundo atualizada e real, foi Chardin que popularizou a palavra Noosfera de Volodymyr Vernasky.
Lê-se nesta missa: “Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.
Chardin havia completado sua tese sobre paleontologia e estava na Mongólia para coletar fósseis quando finalizou a obra, já que estava ali sem condições de realizar uma missa convencional (na foto com Émile Licent, no deserto de Ordos, Mongólia).
Sua obra mais conhecida é “O fenômeno humano” polêmica porque desenvolve sua teologia dentro de uma concepção evolucionista o que enfureceu os teólogos da época e que ainda hoje é combatida em setores cristãos mais fundamentalistas, é bom lembrar que Jesus usou de parábolas para explicar coisas complexas e que as provas da existência do homem em períodos primitivos já é um fato e muitas alegorias bíblicas são claras, como as usadas no Apocalipse.
Na missa escrita por Chardin está o desejo de uma humanidade una, presa ao amor da encarnação e revisitada na Hóstia santa de cada missa: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora. Este pão do nosso esforço não é, por si próprio, bem o sei, mais do que uma imensa desagregação. Este vinho da nossa dor não é ainda, por desgraça, mais do que uma bebida dissolvente. Mas, no fundo desta massa informe, Vós pusestes — tenho a certeza, porque o sinto — um desejo irresistível e santificador que nos faz gritar a todos, do ímpio ao fiel: «Senhor, fazei-nos um!» “.
O desejo de ver toda criação uma e ligada a vida e ao Amor é o desejo mais profundo do Criador.
CHARDIN, P.T. La Messe sur le Monde. (em português), 1923.
Uma outra crítica a Hegel
Já delineamos aqui diversas críticas ao hegelianismo, com seus vícios do idealismo alemão, que ao nosso ver atinge também o chamados jovens hegelianos como Marx, porém há uma outra releitura possível que é a de Sören Kieerkegaard (1813-1855) que é mais contemporâneo de Marx e talvez por isto pouco lido, já que os grandes embates filosóficos se davam no idealismo alemão deste período.
Porém é possível uma leitura hegeliana de Kierkegaard e quem me chamou a atenção para isto, é uma doutora “millenium” brasileira, Natália Mendes que além de fazer uma premiada tese de doutorado do autor, fala cm desenvoltura e propriedade do filósofo.
Primeiro é importante que ele escreve e estuda sobre a metafísica grega, e a autora chama a atenção para a questão de ser “pai do existencialismo”, rotulações que atrapalham o estudo e a percepção de grandes problemáticas que os filósofos trouxeram.
A autora vê a profundidade de Kierkegaard em três eixos fundamentais: o ontológico, o epistêmico e o psicológico sem negar e perceber a origem teológica de algumas de suas inquietações, esclarece o tema da angústia, que deve ser entendida como “angústia filosófica” que é ter as questões certas e para elas respostas certas.
Aqui exploro um ângulo pouco explorado e não secundário que é um pós-positivismo, e pós logicismo filosófico, talvez uma das grandes angústias de Kierkegaard sobre a teologia.
Antes de prosseguir, destaco uma frase do filosofo sobre a oração: “A função da oração não é influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora”, me parece profunda.
Voltando a lógica de Kierkegaard que acredito que seja própria para nosso milênio, além de não se considerar filósofo, que significaria passar por uma crítica severa autores que criticava, ele constrói sua própria perspectiva e nela não abandona a literatura, a psicologia e a teologia.
Para não fazer um tratado sobre sua verdade, faço duas citações suas: “Não há verdade verdadeira que não seja subjetiva, isto é apropriada” e outra: “Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é recusar a acreditar no que é verdade”.
Kierkegaard, S. Textos selecionados. Seleção e tradução por Ernani Reichmann. Curitiba: Editora Universidade Federal do Pará, 1886.