Arquivo para a ‘Noosfera’ Categoria
Feliz 2024 e este blog
Difícil fazer um balanço positivo de 2023, esperava-se alguma reação positiva da humanidade no pós-pandemia onde muitos faleceram em decorrência do agravamento de doenças colaterais do coronavirus, esperava-se mais solidariedade e respeito a vida humana.
A Ucrânia iniciará o ano com um dia de luto devido ao maciço ataque feito pela Rússia que matou 39 pessoas e feriu outras 159, a maioria civis, a ONU se pronunciou considerando o ataque como “inaceitável” e os Estados Unidos admitem uma intervenção direta na guerra através de suas tropas, isto representaria na prática o início de uma 3ª. Guerra Mundial.
Além desta crise, há o flagelo da guerra na faixa de Gaza e a tensão entre Venezuela e Guiana.
Ainda não finalizou o ano e este mês o blog bateu seu record de acessos com mais de 32 mil e a nova linha onde aprofundamos a questão da noosfera, a partir de Teilhard Chardin que cunhou o termo, também a crise do pensamento (vemos que a filosofia vive também uma crise) e que é a origem da atual crise civilizatória e a Cibercultura, com aspectos éticos e sociais que são aprofundados em leituras tanto do aparecimento de novas tecnologias (ChatGPT, Bard, Azure, etc.) que entram na Era da IA Generativa, no modelo LLM (Large Language Model).
O cenário complexo requer leitura de uns poucos autores que detectam o fio de ouro da crise atual, o modelo idealista que vem do dualismo da Grécia Antiga (o ser é e o não ser não é), o modelo de estado centralizador e monopolizador (mesmo o modelo liberal que cresce em alguns países não deixa de ditar teorias e modelos centralizados) e cuja crise atinge o corpo social, a cultura e até mesmo a religião onde não faltam falsos profetas, adivinhos e apocalípticos, este apelo cresce em função da gravidade do momento.
Deixamos um alento de esperança, de certeza que é possível sair de uma crise com equilíbrio, responsabilidade e um olhar desapaixonado sobre os problemas, paixão pela vida sim, mas não a de fanáticos e salvadores da pátria que pouco ou nada colaboram com saídas humanitárias e responsável sobre o futuro humano.
Visão universal de Chardin
Durante um certo tempo a visão de um universo formado a partir de uma intenção divina, a sua evolução dentro de uma geosfera, depois uma biosfera e finalmente a etapa atual que é uma noosfera (noon – espírito) de Chardin foi considerada herética, mas aos poucos foi se modificando, muitos filósofos e teólogos passaram a estuda-lo, suas obras foram sendo publicadas e aceitação da igreja foi sendo considerada, a ponto de pensarem até em sua beatificação.
Pode-se pensar nas polêmicas atuais, sem sentido sério doutrinal ao meu ver, que isto se deve a uma certa “modernização” herética da igreja, porém os mais diversos pensamentos teológicos dentro da igreja refletem sobre a validade desta visão que atualiza o pensamento cristão e dá uma grande abertura àquilo que o homem moderno descobriu e continua descobrindo sobre a vida humana na terra e o cosmos.
Numa homilia do papa Bento XVI, em 24 de julho de 2009, numa homilia em Aosta, Bento XVI cita Teilhard de Chardin, como uma iluminação positiva: «A função do sacerdócio é a de consagrar o mundo para que ele se torne hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não passe ao lado da realidade do mundo, mas que o mundo ele mesmo se torne hóstia viva, se torne liturgia. Esta é a grande visão que foi mais tarde também a de Teilhard de Chardin: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica em que o cosmos se torna hóstia viva.»
E isto não é doutrina nova, embora Chardin a tenha aproximado da Ciência, o Concílio do Vaticano II na Constituição Gaudium et Spes (nº 5), com efeito, declara: «Em suma, o género humano passa duma noção basicamente estática da ordem das coisas a uma concepção mais dinâmica e evolutiva: daí nasce uma problemática nova enorme que obriga a novas análises e a novas sínteses.» E no Catecismo da Igreja Católica (n. 310), lemos: «Deus quis livremente criar um mundo “em estado de caminhada” em direção à sua perfeição última e Jesus virá em sua glória, após guerras, pestes e outras dificuldades civilizatórias, para salvá-lo, diz a escatologia.
Assim não apenas o pecado original, a expulsão do paraíso e o futuro humano se abre a uma perspectiva nova e coerente com a doutrina, como esclarece pontos polêmicos historicamente, diríamos em função da revolução copernicana, o homem e o mundo nem é geocêntrico, nem heliocêntrico, no centro da galáxia está um buraco negro, então poderíamos dizer que ele é noocêntrico (foto do centro da galáxia).
GRONCHI, Pe. Maurizio. No pensamento de Pierre Teilhard de Chardin. « J’étudie la matière et je trouve l’esprit. », L’Osservatore Romano, 29 dezembro 2013.
A problema original de Chardin
Não foi o fato que Chardin concilia a visão criacionista da origem do universo com a visão evolucionista do Big Bang, embora também polêmica, foi o pecado original que deu origem a uma visão de desconfiança sobre a visão da noosfera em Teilhard Chardin.
Em um artigo publicado em 05/06/2018 por Edward W. Schmidt, S.J., na revista America, ele escreveu: “A descoberta e publicação da obra de Teilhard preencheram uma lacuna com uma valiosa documentação na história do acadêmico”, e falava da questão do pecado original.
Seu trabalho chamou a atenção da Cúria dos jesuítas e do Santo Oficio (antecessor da atual Congregação parra a doutrina da fé) e ali devia assinar seis declarações sobre pontos de seu pensamento que o Santo Ofício entendia como conflitante com o ensino tradicional da Igreja, desde o Concílio de Trento até o Concilio Vaticano I, a declaração que Chardin assinou dizia que “toda a raça humana tem sua origem a partir de um protoparente, Adão”, com dificuldade ele assinou, porém com o adendo “com fé somente”.
As Seis Proposições estava perdidas até 2007, quando foram descobertas por jesuítas em Roma que tiveram acesso com autorização do papa Bento XVI, também encontraram uma carta de Teilhard para o Superior Geral da época, Wlodimir Ledochowski, na qual o jesuíta francês explicava o que defendia sobre o pecado original, em português: “Nota sobre alguns possíveis conceitos históricos de pecado original”.
Quando foi revogada em 2017 o “monitum” (uma espécie de correção), o historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha escreveu: “Hoje o Pontifício Conselho para a Cultura pede que se revogue o monitum sobre Chardin: pedido justo e fácil. Ao contrário, foi menos fácil revogar uma mentalidade que se iludia de exorcizar com as condenações o risco de ligar e desligar fé e culturas, oferecendo o dom da esperança.”
Sem entrar no mérito das proposições de Chardin, há uma referência do Papa Bento XVI, por ocasião da festa da Santíssima Trindade, a conceitos de Chardin: “Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido, o “nome” da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas partículas, é ser em relação e deste modo transluz-se, em última instância, o Amor Criador” e mais a frente diz que “o ser humano tem no próprio ‘genoma’; um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor”
O meio divino e a missa sobre o mundo
Completaram 100 anos da Missa sobre o Mundo de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), era filósofo, paleontólogo, padre jesuíta e místico francês, entre suas obras de destaque estão “O lugar do homem na natureza”, “O meio divino” e dias comemorou-se 100 anos da Missa do Mundo.
No mundo científico depois de formar-se em Paleontologia, no Museu de História Natural de Paris, deu-se pela tese de doutorado: “Os mamíferos do eoceno inferior francês e seus sítios”, foi professor de geologia no Instituto Católico de Paris em 1920 no período do doutorado feito na Sorbonne.
Para Chardin depois de surgir a vida no período da cosmogenesis e geogenesis (formação do universo), forma-se a biosfera curso período avançado aparece o homem dando origem a homogenesis e nela o desenvolvimento do pensamento humano em meio ao divino: a noosfera (gráfico).
Numa ocasião que estava no deserto de Ordos, na Mongólia, e não tinha nem pão nem vinho, disse que sem poder celebrar a missa, em vez disso compôs a Missa Sobre o Mundo, um relato místico em certos trechos, mas não distante da doutrina cristão, onde remete ao “Ponto Òmega” e ao “Cristo Cósmico”, aspectos essenciais de seu pensamento.
Há trechos da Laudato Si que lembra esta “missa”: “No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico’ (Laudato Si’, 236)
A verdadeira alegria
A palavra utilizada para “alegria”, no original grego, é χαρά (chara), que está relacionada com as palavras χάρις (charis), que é normalmente traduzida por “graça”, e χάρισμα (charisma), que significa tanto um presente de graça, sem custo, quanto proveniente da graça.
Assim há algo da “graça” na alegria que a diferencia da felicidade, devido a distância na compreensão deste termo com um aspecto pouco natural e objetivo, há os que preferem a felicidade como algo mais “sólido” em tempos de reducionismo líquido consagrado por um certo tipo de pensamento e que entrou até em ambientes religiosos e assim procurá-la e o que é objetivo, sólido e que é proveniente do idealismo e do pensamento eurocêntrico.
A alegria, a paz e verdadeira ascese só se encontra nos corações que encontraram a verdadeira e divina sabedoria.
O apelo aos bens terrenos, as conquistas humanas e a todo tipo de felicidade passageira, cada vez mais frequente na narrativa idealista nada tem a ver com alegria, e se há felicidade ela é passageira e terá um custo.
O Natal e as festas de final de ano podem fazer parte desta felicidade passageira ou dar espaço nos corações e almas que já encontraram a alegria perene e eterna: o divino em meio ao humano.
Aplainar os caminhos
Toda a realidade parece uma enorme confusão, e de fato o é sem um olhar de meditação (a vita contemplativa que postamos na semana passada) e sem uma visão profética que vai além da realidade factual que quase sempre é dualista porque enxerga só por um víeis pessoal.
Acontecerão guerras, revoluções, povos contra povos, tudo o que assoberba os falsos profetas, adivinhos de plantão e maus leitores bíblicos, anunciadores de si próprios e não da realidade divina.
Sim a leitura bíblica é esta Mt 24,7-8: “Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores” sim, mas isto “não será o fim” e a leitura não para aí: “levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos”.
Embora vivamos uma grande crise civilizatória, a bíblia fala na “grande tribulação”, tudo isto é na realidade um “aplainar dos caminhos”, como fazia João Batista no período da vinda de jesus.
Perguntavam a ele se o messias ou Elias (Jo 1,22-24): “Perguntaram então: ´Quem és afinal afinal? Temos uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?’ Então João declarou: “Eu Sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” conforme disse o profeta Isaías”, que profetizou que Deus enviaria luz e alegria por meio de uma criança, e que quebraria o “jugo da sua carga” (Isaías 9:4) e seria chamado de “Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz” (versículo 6).
É de fato uma crise civilizatória, modelos de sociedade em choque, perigos de guerras em limites e proporções jamais imaginados, porém tudo isto é também “aplainar os caminhos do Senhor”, a vinda de uma Nova Civilização, não aquela das falsas profecias, mas o reino da paz.
Cuidado com falsos profetas, com promessas de paraísos que não se realizam, eles também se alimentam das crises, das crueldades e das guerras, mas não constroem a paz e a justiça.
O último profeta e sua cultura
João Batista era filho de Isabel, casada com Zacarias e prima de Maria, que ao receber o sinal de um anjo que conceberia vai visita-la, apressadamente diz a narrativa bíblica, mas também porque o anjo diz a ela que está cheia de dúvidas: “sua prima que era estéril concebeu na velhice” (Lc 1:36-40), passagem cheia de interpretações, mas isto fica para depois.
Quem era João Batista foi melhor esclarecido nos manuscritos do mar morto (ver referencia) encontrado no mar morto, muito recentemente, mas que leitores bíblicos e exegetas ignoram completamente.
O manuscrito do Qumran muitas polêmicas surgiram, até mesmo de que Jesus era na verdade um essênio, outra que alguns fugiram para a Índia e lá teriam fundado comunidades com seus princípios, alguns destes manuscritos estavam dentro de jarros de barro e falavam da vida de Jesus Cristo e diziam sobre a importância de curas com medicinas alternativas e a importância da cultura vegetariana.
Os essênios também defendiam a unidade e a paz, pois era um período de divisão entre os judeus, vários tiveram contato com Jesus e estão presentes em passagens bíblicas, e assim já tinham uma cultua diferente dos saduceus e fariseus.
Os saduceus eram pessoas da alta sociedade, membros de famílias sacerdotais, cultos, ricos e aristocratas; os fariseus não acreditavam na vida após a morte e por isso não diziam nada sobre sua visão escatológica (do princípio e fim) ficando mais preocupados com as regras e as “leis” judaicas.
Os zelotas, outros que se agregaram a Jesus, rejeitavam o pagamento de tributos ao império romano, sob a alegação de que tal ato era uma traição contra Deus, entre os apóstolos de Jesus, Simão era um zelotes e Judas, o traidor também, e também o apóstolo tardio Paulo de Tarso, refere a si mesmo como um zelote religioso (At 22:3; Gl 1:14).
isto dá um contexto mais cultural e político sobre Jesus e seus apóstolos, não tira em nada sua divindade, mas explica as polêmicas e contradições com a cultura judaica mais ortodoxa da época.
Sobre esta polêmica, o acadêmico judeu Dr. Israel Knohl, presidente do departamento Bíblico da Universidade Hebraica de Jerusalém, e convidado das universidades de Berkeley e Stanford, apresenta em seu livro: “The Messiah Before Jesus”, escreve baseado nestes pergaminhos, a tese de que por volta do ano do nascimento de Jesus falecera um suposto messias Menahem, o essênio, em circunstâncias semelhantes às de Jesus e isto era de conhecimento de Jesus.
Polêmicas a parte, não enfraquece as narrativas bíblicas de Jesus e João Batista, mas esclarece melhor aspectos culturais e históricos.
«The Weirdo Cult That Saved the Bible» (em inglês). Slate. 17 de janeiro de 2008. Consultado em julho de 2015.
As narrativas do nascimento de Jesus
Muitas foram as profecias sobre a vinda do Messias, embora a de Isaias seja a mais citada (Isaías 7,14): “portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel”.
Que significa Deus conosco, assim é o primeiro argumento que Jesus era Deus”, porém as oito visões de Zacarias são interessantes por dois motivos: o que mais falou de profecias messiânicas e o seu nome ser o do pai, do último e maior dos profetas João Batista, Zacarias significa “lembrado por Deus”.
Assim o profeta Zacarias, que não é o marido de Izabel, entre suas várias profecias, previu a vinda do Messias a Jerusalém e a rejeição pelo Seu povo (Zacarias 9,11).
Belém era uma pequena vila, a terra natal do rei Davi, e o profeta Miquéias (5:2) que previu a cidade Natal de Jesus foi dito de Belém, de Judá (uma das doze tribos de Israel) : “Mas tu, Belém-Efrata, embora pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos”.
Sim porque uma profecia no primeiro livro bíblico, que afirma que do povo judeu (hebreu na época de Abraão), nascerá um povo nove, está no Gênesis (12:2-3):
“Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma benção. Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”, veja que a profecia vai além dos povos abraamicos, embora haja judeus e cristãos que o façam.
E por último a profeta feita a David no Salmo 89:3-4: “Fiz aliança com o meu escolhido, jurei ao meu servo David: “estabelecerei a tua linhagem para sempre e firmarei o teu trono por todas as gerações”.
José marido de Maria foi a Belém (profetizada por Miquéias) porque era da linhagem de David e seu filho deveria ser recenseado lá, então é também fato histórico, pois houve um senso quando Jesus nasceu.
Alguém que conhece a Bíblia poderá pergunta e João Batista, sim ele batizou Jesus e não profetizou e sim anunciou (ou se preferir a última e a maior das profecias), depois de mim virá aquele “que não sou digno nem de desatar as sandálias” (João 1:27), oras quem desatava as sandálias para lavar os pés eram os escravos e João Batista nem mesmo disto se julgava digno.
São tantas profecias, e o encaixe é tão divino e lógico (o senso que contou Jesus, por exemplo), que o sinal de seu nascimento é divina e humanamente claro.
O beato Duns Scotus
A sabedoria e profundidade dos ensinamentos deste frade franciscano do século XIII, no entanto, levou 9 séculos para ser reconhecido e venerado pela Igreja Católica, somente no Pontificado de João Paulo II é que ele foi beatificado e reconhecido como santo.
O Papa Francisco em recente homilia exaltou as qualidades de Scotus afirmando: “Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura (…), mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo (…). O essencial permaneceu escondido! (…)”.
Dotado de uma inteligência brilhante e levado a especulação, essa inteligência pela qual mereceu o título de Doctor subtilis “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido a fazer estudos de filosofia e teologia nas célebres universidades de Oxford e Paris e sua obra
Dotado de uma inteligência brilhante e levada à especulação – essa inteligência pela qual mereceu da tradição o título de Doctor subtilis, “Doutor sutil”, Duns Scotus foi dirigido aos estudos de filosofia e de teologia nas célebres universidades de Oxford, Cambridge e de Paris, e assim suas obras receberam os títulos de Opus Oxoniense (Oxford), Reportatio Cambrigensis (Cambridge), Reportata Parisiensia (Paris).
Entre suas obras místicas se encontram fez estudos sobre a encarnação, na Reportata Parisiense escreveu: “Pensar que Deus teria renunciado a esta obra se Adão não tivesse pecado seria totalmente irracional. Digo, portanto, que a queda não foi a causa da predestinação de Cristo, e que, ainda que ninguém tivesse caído, nem o anjo, nem o homem, nesta hipótese Cristo teria estado ainda predestinado da mesma forma” (in III Sent, d. 7,4).
Duns Scotus, ainda consciente de que, na realidade, por causa do pecado original, Cristo nos redimiu com sua Paixão, Morte e Ressurreição, reafirma que a Encarnação é a maior e mais bela obra de toda a história da salvação e que esta não está condicionada por nenhum fato contingente, mas é a ideia original de Deus de unir finalmente todo o criado consigo mesmo na pessoa e na carne do Filho.
Também o papa Paulo VI declarou esta visão da encarnação afirmada em Scotus: “fortemente “cristocêntrica”, abre-nos à contemplação, ao estupor e à gratidão: Cristo é o centro da história e do cosmos, é Aquele que dá sentido, dignidade e valor à nossa vida.” (homilia de 19 de novembro de 1970).
Não somente o papel de Cristo na história da salvação, mas também o de Maria é objeto da reflexão do Doctor subtilis. Na época de Duns Scotus, a maior parte dos teólogos opunha uma objeção, que parecia insuperável, à doutrina segundo a qual Maria Santíssima esteve isenta do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção: o dogma da Imaculada concepção de Maria, defendido por Scotus séculos antes da igreja católica declará-lo.
Tamanha a convicção de Scotus deste dogma, que foi enterrado em igreja da Imaculada Conceição da Virgem Maria (foto), em Colônia, na Alemanha, onde morreu em 8 de novembro de 1308.
Duns Scotus e o realismo moderado
Duns Scotus é o mais típico pensamento do realismo moderado, já que unia a questão da linguagem como parte da essência do ser (como é apresentada a questão hoje) para a existência dos universais, porém sabia que também admitia o nominalismo em parte.
Foi um filósofo e teólogo do século XIII, sua principal tese teológica é que Deus existe através da questão: “se há entre os entes um ente infinito atualmente existente” (Ordinatio I, parte 1, qq. 1-2) e para ele universais como “verdade” e “bondade” existem realmente.
Duns Scotus sustentava um fundamento universal nas coisas (alguns filósofos irão chamar de quididade) que era mais forte que aqueles sustentados por Tomás de Aquino, e a entidade própria da natureza comum que serve de base para a individuação (assim existem cavalos e existe o “cavalo” particular de uma raça, cor, etc.) como para a universalidade que ela se acrescenta, deixando-a como que intocada (o cavalo específico continua “cavalo” universal).
O argumento que separa o “contemplativo” do “activo” é nesta origem do pensamento, a ideia que o Universal está fora do intelecto com o mesmo modo de ser que está no intelecto e era aquilo que os escolásticos chamavam de “realistas ingênuos”, retornando a Platão, há dois mundos a saber: o mundo sensível e o mundo das ideias (eidos).
Ainda que eidos possam ser diferente do idealismo pós-kantiano, permanece no interior deste pensamento uma concepção do mundo “das ideias” diferente do mundo real, ou seja, um nominalismo radical cujas categorias de Aristóteles foram transformadas em “conceitos”.
A ideia fundamental de Platão, e não se assustem está na base do pensamento da modernidade, é que a verdade está lá fora e não no interior do homem, onde a vê por um processo de meditação ou contemplação, conforme já argumentamos Arendt (e outros interpretes da filosofia) veem o mito da caverna de modo diferente, argumentou Byung-Chul.
Não é este tipo de “parreheia” (abertura da Verdade) que Duns Scotto fala, e já falava também Agostinho de Hipona, mas sim aquela verdade que habita no interior de todo homem.
É no quinto argumento que Scotus usa Agostinho: “Se ambos vemos que é verdade o que tu dizes, e se ambos vemos que é verdade o que eu digo, onde, pergunto eu, o vemos nós? Nem eu, sem dúvida, o vejo em ti, nem tu em mim, mas vemo-lo ambos na imutável Verdade que está acima de nossas inteligências”.
Algo parecido é dito por Sócrates: “a verdade não está com os homens, mas entre os homens”.
SCOTUS, John Duns. Seleção de Textos. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.