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Arquivo para a ‘SocioCibercultura’ Categoria

Entre a Aporia e a Aletheia

11 dez

A palavra grega Aporia (Ἀπορία) significava na Mitologia grega a impotência, a dificuldade e o desamparo, ou ainda a falta de meios, foi repensada pela escola aristotélica como impasse, paradoxo, dúvida, incerteza ou mesmo contradição, seus estudos são designados aporética.

Aristóteles a definiu como “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20).

Ela é importante porque rompia, ainda que participialmente, como a lógica de Ser ou Não ser, não podendo haver contradição, o que veio dar no idealismo contemporâneo.

É radicalmente diferente da Aletheia, porque está é encobrimento, não a contradição e assim era designada pelos antigos gregos como verdade e realidade, simultaneamente.

Heidegger a retoma na tentativa de “desvelar” a verdade, esta considerada um estado descritivo objetivo, e, portanto, carente de um movimento metafísico ou subjetivo.

Aporia foi também usada por autores contemporâneos, como Derridá e Paul de Man, portanto na teoria literária pós-estrututalismo, é assim a própria leitura desconstrutiva do texto, que já alertamos anteriormente que nada tem a ver com negação da verdade, mas indeterminação ou indecidibilidade.

O sentido de as colocarmos juntos aqui é justamente buscar uma relação que na teoria contemporânea está desconexa, sendo ela própria uma aporia, a viragem linguística parece não ter nada e nenhuma ligação com a ontológica, assim aporia e aletheia estão desconexos, os gregos pouco ajudam, pois, a leitura é no particípio passado e não particípio presente.

É curioso, mas foi Portugal que me alertou para o fato, aqui não se usa o gerúndio: alguém está falando, está a falar dizem, assim nada estará sendo, mas está a ser, esclareceu-me padre Manuel Antunes ao dar características do povo português: povo místico, mas não metafísico.

Enquanto aporia é particípio passado ela torna-se fatalista, indeterminada como busca da verdade, já a aletheia enquanto desvelamento é uma constante busca de horizontes, onde não há verdade definitiva, mas verdade em construção: sendo, revelando, acontecendo.

O determinismo filosófico, político e principalmente o religioso leva a diversos tipos de fundamentalismo, vai da pura aporia a pura “verdade”, não há dialógica nem desvelar.

O círculo hermenêutico de Heidegger não é apenas um método, é u desvelar, admitir a ideia que todos temos pré-conceito é um desvelar para a crise da modernidade, o legalismo e o positivismo idealista deu no que deu, uma realidade aporética, que parece sem saída, mas a própria humanidade aponta caminhos, um já é claro: admitir que há pré-conceitos é o único remédio e diagnóstico capaz de superá-los.

Culturas, religiões e conceitos políticos estão em choque isto é aporético, podem e devem entrar em dialógica humanista, isto é, desvelamento e busca de horizontes.

 

É possível repensar o Brasil ?

09 nov

O momento político diz que não, mas para quem pensa e consegue enxergar estas “zona temperadas”, como a chamava o Padre Antunes repensando Portugal, que é no plural porque há “além da democracia política, a democracia social”, e o pensador afirma que “foi um erro pensar as estruturas da liberdade geral, atomizada”, escreve Padre Antunes a repensar Portugal.
O Padre Antunes afirmou que “não viram os seus formuladores e apologistas – ou viram-no demasiado bem – que o “direito natural”, por eles preconizado, era, de facto, o direito do mais forte, que “a mão invisível” que dirigia os negócios ia só aumentar os lucros e proventos dos já possidentes, que a harmonia, que eles visionavam na
realização das “leis naturais” do mercado da oferta e da procura, constituiria na realidade uma terrível desarmonia se não fosse corrigida pelo imperativo do bem comum social, que a liberdade concedida a todos, num grande ímpeto de
generosidade, funcionava, na prática, apenas como o privilégio de alguns” (Antunes, 2011).
Por isso, esclarece o Padre Antunes: “durante mais de século e meio, para que ‘essa liberdade de coração se traduzisse na efectividade da aplicação, muitas lutas, ásperas lutas, foram travadas”, falando é claro das lutas em Portugal.
“Em nome da justiça e da equidade, em nome da história que caminhava – ou devia caminhar – no sentido da igualdade, em nome da fraternidade que a todos devia unir – sobretudo os mais fracos e oprimidos, aos deserdados e aos deixados por conta: homens, grupos, classes e nações”, dizia o padre Antunes sobre Portugal nos anos 70
“Até aos nossos dias. É hoje a conjugação da democracia política e da democracia social a grande preocupação do sector mais consciente e mais crítico, mais lúcido e mais generoso, de toda a Humanidade” (Antunes, 2011), mas no Brasil o projeto foi adiado, e o momento que ainda está em compasso de espera, e parece adiado.
Ao que se seguiu da Revolução dos Cravos em Portugal foi um momento de abertura e lucidez, mas com a entrada na Comunidade Europeia tudo isto veio a ser abalado, com denuncias de corrupção no governo José Sócrates (2005-2009), e com a crise financeira em 2010-2014, e uma intervenção da Comunidade Europeia que o povo português chamou de Troika, composta pela Comissão Europeia, BCE (Banco Central Europeu) e FMI, que administrou a crise financeira com muitos protestos dos portugueses.
O que o Brasil pode fazer com sua crise económica, política e moral? sem o diálogo e a abertura necessária, um intervencionismo financeiro será um desastre, no plano político se for repressor será odioso, e o social quase impensável.
É preciso atualizar discursos, interpretações e autores, quase todos datados de referencias do início do século, que ignoram as novas mídias e diversos pensadores novos e sair de uma discussão de torcidas de futebol.
Haverão canais de diálogo com a sociedade? a imprensa permanece livre? parece que Repensar o Brasil neste momento é quase impossível, mas não podemos antecipar os fatos mesmo que sejam facilmente presumíveis, é um erro político que pode piorar o frágil estágio da democracia brasileira, criaríamos uma pré-verdade ou um pré-factual.

 

Luta pela paz, com mansidão e justiça

02 nov

A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade, pode-se revolucionar esta história ?
É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.
Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.
Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?
Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.
Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.
Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.
Lembram as bem aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.
O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?
O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.
É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.
O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.
Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.
Mt 5,11 “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, é preciso conjugar Amor com paz e justiça.

 

Aplacar medos e ódios: a mansidão

31 out

Há pouca literatura filosófica sobre a mansidão, mas sobre medos e ódios são abundantes, exploramos isto nos posts da semana anterior, agora desejamos amadurecer e superar tanto os ódios, os medos e principalmente as mágoas que entravam as vidas é necessário algo relacionado a temperança, a mansidão e claro uma boa dose de sabedoria crítica.
Poder-se-ia conjugá-la com a paz, com a tolerância, mas são assuntos com relação direta ao social, ao justo e principalmente a alguma dose de poder no sentido positivo que dissemos em nosso post anterior, a paz interior ou a resiliência interior como forma de tolerância não são outra coisa que a negação do contexto social e humano externo.
A mansidão é aquela força capaz de mesmo diante do contraditório ser capaz de ouvir, argumentar e em muitos casos apenas calar até que a outra pessoa consiga ouvir.
Diferente da “paz interior” ou dos conceitos sociais de paz, ela é uma forma pacífica de olhar o mundo, o Outro para além de suas limitações, de seus rompantes momentâneos ou habituais, e é capaz de transmitir serenidade e calma em ambientes hostis.
Os medos nascem da imaturidade, da incompreensão ou da fragilidade diante de uma situação, o uso de armas não leva a uma maior mansidão, leva a tentativa de leva o medo ao outro, porém quase sempre isto constrói uma escalada de ódio.
Agora sim pode ser conjugada com a ideia de paz social, a pax romana previa a submissão dos povos, a Pax de Vestfália que não foi senão um tratado de tolerância religiosa que levasse a uma paz política, já a pax eterna o direito do estado de interferir num conflito, até mesmo com violência se for necessário, isto volta a discussão na realidade brasileira.
Kant afirmava que “pelo uso e predomínio da razão, pela constituição da esfera individual – a construção do indivíduo moderno, pelo estabelecimento do espaço público para o debate e resolução dos conflitos sociais”, tal era o modelo construtor da pax eterna da modernidade.
Sem mansidão, uma dose de compreensão de hermenêutica da interpretação.
Este discurso do relembra Heidegger que tem um ensaio sobre a Serenidade (1959), Byung-Chul Han lembra que “coragem serena para enfrentar um medo essencial “[Heidegger], e quando este medo falta, o idêntico permanece, então o pensamento põe-se à mercê da “voz silenciosa” que o “acorda com os horrores do abismo”.

 

A expulsão do Outro

23 out

O olhar de Byung-Chul Han sobre a contemporaneidade não poderia ser mais autentico para o autor da Sociedade do Cansaço, da Salvação do Belo e do Aroma do Tempo, entre outros livros é claro, mas tem logo em suas primeiras páginas, a relação com tudo isto e com o belo: “Se uma flor tivesse em si mesma a sua plenitude ôntica, não teria necessidade de que a contemplassem” (Han, 2016, p. 13), parece paradoxal esta frase mas não é, está no seu livro “A expulsão do Outro” (HAN, 2016).

O autor analisa questão [em Max Scheler] de Santos Agostinho atribuir “de uma forma estranha e perigosa° uma necessidade às plantas:

“de que os homens as contemplem, como se, graças a um conhecimento do seu ser guiado pelo amor, experimentassem alguma coisa de análogo à redenção” [Han apud Scheler, 2016, p. 13).

Han esclarece que o conhecimento visto desta forma é redenção, mas note-se que não há como nesta forma separar sujeito de objeto na ação de contemplação, o que é longamente analisado em outro livro seu A sociedade do cansaço, aqui a relação amorosa com o objeto enquanto outro.

Nisto o autor distingue a simples notícia ou informação, “à qual falta por completo a dimensão de alteridade” (idem, pag. 13), aquela que seria capaz de revelar um mundo novo, uma nova compreensão daquilo que realmente é, fazendo de súbito que o novo apareça (idem).

Retomando Heidegger, afirma que todo esta falsa objetividade não significa outra coisa que “Senão esta cegueira aos acontecimentos” (Han, 2016, p. 14).

Embora sua visão seja excessivamente pessimista da rede e do digital, tem razão ao dizer que “a proximidade traz inscrita em si a distância como seu contrário dialético. A eliminação da distância não gera mais proximidade, antes a destrói” (Han, 2016, p. 15) e sentencia de modo categórico, que na falta de distância nem o idêntico que ela cria contém vida.

Retoma o tema de outro livro “A agonia do eros”, dizendo que “na pornografia todos os corpos se assemelham” e o corpo fica reduzido ao sexual não conhece outra coisa.

Faz uma rápida análise do filme de animação Anomalisa (figura acima) feito por Charlie Kaufman em 2015, que revela o inferno do idêntico, coloca o quadro Golconda de René Magritte, o surrealista belga, estilizado em seu livro “Enxame”.

O livro analisa ainda o terror da autenticidade, o medo e a alienação antes de analisar a linguagem e o pensamento do Outro, o pensamento moderno não é outra coisa como consequência do “esquecimento do ser”, da separação de sujeito e objeto, a expulsão do Outro.

HAN, Byung Chul. A Expulsão do Outro, Lisboa: Relógio d´água, 2016.  

 

Heidegger e o Poder

18 out

Embora possa se fazer uma especulação sobre a questão do poder no conceito de pre-sença que é uma resposta de Heidegger ao racionalismo, o ser-para-o-fim “não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado da presença, que na disposição (do humor) se desvela dessa ou daquela maneira.” (Heidegger, 2015, p. 327).

É a ideia que este ser-lançado, a presença “existe para seu fim” (idem), o para está destacado por que está na relação com o conceito para-si de Hegel, e através disto seria possível fazer a especulação do que é de fato a relação que Heidegger vê com o poder, a partir da presença.

O caminho que faremos é mais direto, porque Heidegger analisou diretamente esta questão, estudando a vontade de Poder em Nietzsche, e o eterno retorno que de modo indireto, já fizemos (post) a análise no eterno do estado e queremos aprofundar o conceito.

A afirmação que em nossos instintos estão sempre presentes as ideias de vontade de poder, eterno retorno (em alemão Ewige Wiederkehr) e super-homem (em alemão übermensch), e os dois últimos são conduzido pela vontade de poder, portanto sua categoria principal.

O ente para Nietzsche não é pensado como ser, mas como querer inerente à vontade, assim o ente que quer sempre a si mesmo de modo instável e insaciável é o que o torna, um ente metafísico do querer e não necessariamente do Ser.

Em Nietzsche é um “torna quem tu és” que vale e não o princípio socrático “conhece-te a ti mesmo” que é mais próximo do ser ontológico, e Heidegger vai propor o “confronto” que é a revisão da fundamentação originária do pensamento ocidental, em torno da essência e em sua necessidade, descrita assim: “se uma consideração mais originária sobre o ser deve se tornar necessária a partir de uma urgência histórica do homem ocidental, então esse pensamento s+o pode acontecer na confrontação com o primeiro começo do pensamento ocidental.

Essa confrontação se dá plenamente, “ela mesma permanece fechada em sua essência e necessidade, enquanto a grandeza, quer dizer, a simplicidade e a pureza da tonalidade afetiva fundamental do pensamento e a força do dizer adequado se recusarem para nós.” (Heidegger, 2015, p. 479).

Não por acaso, o brasileiro nietzschiano Oswaldo Giacóia Jr escreveu “Heidegger urgente: introdução a um novo pensar” (Três estrelas, 2013) que é um guia para leitura de Heidegger muito precisa, esclarece que Heidegger pretende reatar um pensamento ainda mais “radical e originário do que aquele que foi vivenciado na Grécia … “ (Giacóia Jr, 2013, p. 46), para corresponde à verdade do Ser como desvelamento (alétheia) diria ainda mais um retorno a sua essência.

Neste contexto o Ser, numa nova poiésis (a maneira criativa e infinita de pensar o Ser), deve antes de tudo a vontade de poder que está presente no messianismo e na mitologia de todo pensamento contemporâneo, fonte das bases autoritárias de fazer política e de sociedade.

O eterno retorno é o conceito mais frágil, não há a questão da consciência histórica nem do tempo, o que diferencia profundamente do circulo hermenêutico de Heidegger.

GIACÓIA JÚNIOR. Oswaldo. Heidegger urgente – Introdução a um novo pensar. S.P. Três Estrelas, 2013.

HEIDEGGER, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

Visão científica e ontologia

16 out

A ciência contemporânea é fruto de uma construção de conceito “a priori”, que pode ser pensada como aquilo que é anterior a experiência ou à percepção, em termos de filosofia isto corresponde a duas formas de conhecimento ou argumento, quando dizemos na minha experiência eu sinto que … é o argumento da percepção, quando digo vejo isto da seguinte forma … significa que tenho uma visão de mundo e estou recorrendo a ela.

Na fenomenologia ontológica também é admitido um “a priori”, mas não significa uma “construção apriorística”, pois ela deve estar desvinculada da “empiria”, pois na verdade mesmo que não consigamos explicitar a nossa visão de mundo, ela foi social e culturalmente construída, o que no circulo hermenêutico são os pré-conceitos, no sentido que estão de alguma forma formulados.

Assim como tanto a pesquisa científica como a ontologia tem conceitos “a priori” elas podem convergir, mas na prática a ontologia requer uma purificação, ou seja, a explicitação de quais são os preconceitos, por exemplo, o idealismo ou a cultura.

Toda investigação Científica realiza uma a priori que é a “fixação dos setores dos objetos” e só é possível a partir de uma abertura originário ao ser do ente, ou seja, qual é a experiência ordinária que ela tem do mundo, por vezes difícil de explicitar e questionar.

Para que um verdadeiro questionamento científico seja feito é preciso determinar a região dos entes, muitas vezes chamada de contextualização mas esta no máximo só corresponde a uma visão romântica de história (ler Gadamer), a região significa ser levada ao horizonte da experiência original, o horizonte da relação fundamental do ente que questiona com o mundo questionado, em geral feito às avessas.

Na filosofia medieval, toda a discussão destes a priori levam querela dos universais de Boécio(470-525 d.C.), que traduziu a Isagoge do grego para o latim, logo percebeu o magnífico programa que as questões de Porfírio anunciavam.

No fundo a querela é se existem universais, quais seriam eles, que desencadeou uma luta entre nominalistas (tudo é nome) e realistas (eles existem independentes dos nomes).

A analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 2015, p. 89), embora já o dizemos no post anterior Paul Ricoeur afirma que há em Heidegger (diria em toda ontologia) um a priori que se fundamenta na antropologia, que chamamos de originária por razões culturais.

Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

O ser e o mundo

15 out

Heidegger criou uma escola filosófica ao criar uma visão de ser e de mundo, que retorna a uma questão básica essencial que a filosofia deixou escapar: existir e ser.

Mas a expressão ser no mundo, com grande influencia social e também psicológica, foi rapidamente consumida na banalização conceitual por ser aparentemente óbvia.

A expressão ser no mundo, que fez e faz escola no conhecimento psicológico e social, é daquelas que facilmente se prestam à banalização e a empobrecimentos, talvez mesmo pela sua abrangência e aparente obviedade.

O tema está no seu tratado Ser e Tempo (Sein und Zeit), de 1927, que tinha como tarefa recolocar a questão do “sentido do ser”, que foi esquecida pela metafísica tradicional ocidental a partir da modernidade, mas para ele também pelos antigos.

Isto aconteceu na modernidade por ter-se convertido o ser numa ontologia da substância, aquela que visualiza o ser em geral a partir da primazia da “coisa”, ou, dito de outro modo, que toma a “coisa”, como paradigma de representação para tudo o que “é”, pressuposto básico do que a filosofia objetivista traduziu como tudo que é objeto, reduzindo a metafísica e a visão da essência em “superstição”.

Assim para se alcançar a visão do ser é preciso em primeiro lugar, entender o que ée o ser do ente que recoloca a questão do ser (para Heidegger esquecida), ou seja o ser do homem, o dasein (deixo aqui propositalmente sem tradução).

Toda a primeira seção da obra é devotada a análise do dasein (daseinsanalyse), ou seja o desenvolvimento da estrutura do ser no mundo, com um horizonte fundamental para poder ser abordada a questão do ser em geral.

Estas estruturas ontológicas vistas na análise do dasein como: ocupação, disposição, compreensão, discurso, etc. não podem e não devem ser confundida com os seus correlatos ônticos ou empíricos (ah a prática!), elas são: afeto, desejo, conhecimento, linguagem, que na verdade são apenas fundamentação existencial.

A analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biológica” (Heidegger, 2015, p. 89), embora Paul Ricoeur observe que há uma antropologia filosófica “em função de sua abertura ontológica” (Tempo e Narrativa, 1994).

 

Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

Possibilidades do impossível

11 out

As dificuldades de ir além do futuro “possível”, dentro dos limites da visão de mundo e do imaginário popular coloca a história em limites quase intransponíveis, e um futuro logo ali na esquina que todos desejam: maior equilíbrio social, respeito a natureza, segurança, tolerância em diversos níveis, educação (em transformação é importante observar) parecem quase impossíveis, o resultado é um eterno retorno.

Voltam os velhos modelos de nacionalismo (o de nação e cultura nacional são importantes), de egoísmo económico e principalmente de divisão e violência política, ainda que apenas verbal.

A razão principal é a ignorância que os fatores comunicacionais, sociológicos e antropológicos mudaram, embora isto exploda nas ruas e manifestações o tempo todo, a saída de uma região de segurança (de conforto é relativo, pois o desconforto é geral) parece impossível.

Isto reflete no conjunto dos pensamentos, elaborações e discursos cotidianos, velhos chavões e retóricas estão de volta, mas será que nada mudou ? creio que já mudou, mas é preciso uma nova “visão de mundo”, um além do bem e do mal, não com Nietzsche preconizava um século e meio atrás, ele próprio disse a seu amigo Jacob Burkhardt: “Peço-lhe que leia este livro (se bem que ele diga as mesmas coisas que o meu Zaratustra, mas de uma forma diferente, muito diferente”, creio que diria hoje ainda mais.

Voltando agora 14 séculos, Santo Agostinho convertia-se deixando o maniqueísmo para aderir a um cristianismo hoje quase irreconhecível, ideológico de duas faces: instrumentalização de esquerda e fundamentalista de direita, creio que Jesus diria: “perdoai-os não sabem o que fazem”, contextualizado sim, pois os ataques são viscerais e literalmente violentos.

É possível uma síntese disto tudo, talvez já que recuamos de diversas formas ideologicamente a um marxismo que chega no máximo a escola de Frankfurt, de outro lado, ou um nacionalismo pré-cambriano, a síntese poderá vir depois desde se houver uma reflexão, agora não há.

Apagar incêndios, evitar um retorno a um autoritarismo sombrio, contornar falácias de fake news, tentar estabelecer um diálogo sobre propostas essenciais: segurança, educação e saúde.

Autocríticas, penso que são impossíveis para discursos messiânicos, é preciso olhar o planeta como um todo e refletir sobre este “eterno retorno”, ao meu ver não há modelos novos, não há pensamento “novo” (nenhuma alusão ao partido de news yuppies), não vejo pensamento novo, não vejo nenhuma nova “clareira”, apenas velhos discursos ideológicos e religiões que mataram Deus, que nada tem a ver com os que preconizam “armar-vos uns aos outros”.

Minha saída, retornar ao ser, em seu ente: o homem em sua persistente existência neste mundo, o ser-no-mundo com suas consequências e riscos.

 

O futuro e nossa vida em 2100

10 out

Já escrevemos alguns posts sobre Michio Kaku, sobre algumas de suas especulações em torno da física, agora queremos dar com um ele um salto no futuro, diferente daquilo que fazem os tecnoprofetas (nome dado por Jean Gabriel Ganascia aos criadores de mitos tecnológicos), Kaku especula usando a física e sendo otimista.

Escreve: “em 2100, nosso destino é de se tornar como os deuses que outrora adorávamos e temíamos. Mas nossas ferramentas não serão como varinhas mágicas e poções, mas a ciência dos computadores, a nanotecnologia, inteligência artificial, biotecnologia e acima de tudo, a teoria quântica, que é a base das tecnologias anteriores.” (KAKU, 2011),

Se posicionamento como um físico quântico, o termo é impróprio mas diria teórico, ele pergunta: “Mas onde está toda essa mudança tecnológica líder? Onde está o destino final desta longa viagem em ciência e tecnologia?”, sua resposta é surpreendente.

Responde de forma sociológica: “o ponto culminante de todos estes transtornos é a formação de uma civilização planetária, o que os físicos chamam de Tipo I civilização”, não surpreendente para quem faz a ligação de toda mecânica newtoniana com a lógica que dura até nossos dias para o direito, as ideias económicas e as teorias do estado.

E avança: “a menos que sucumbirmos às forças do caos e da loucura, a transição para uma civilização planetária é inevitável, o produto final da enorme, inexorável força da história e tecnologia para além de qualquer controle.”

Futuristas já previam o escritório sem papel, porém o caos burocrático faz o papel ainda ser gasto desmesuradamente, o trabalho em casa ainda não é realidade, mas poderá ser.

Também os cybershoppers de compras online, os cyberstudents tornando obsoletas as salas de aulas, e muitas universidades iriam fechar por falta de interesse dos jovens.

O que vemos é cyberclassrooms proliferando e as universidades ainda registram número recorde de alunos, professores que fazem sucesso dando palestras sobre filosofia, física e aparatos tecnológicos, quebra-cabeças gigantes de mídia tentam manipular a cabeça das pessoas, mas “as luzes da Broadway brilham ainda tão intensamente quanto antes”.

Mas a tecnologia continua sendo combatida como um dos “males de nosso tempo”, e segundo Kaku o ponto é: “sempre que houver conflito entre tecnologia moderna e os desejos dos nossos ancestrais primitivos, esses desejos primitivos ganham cada vez mais.” E conclui: “esse é o princípio homem das cavernas”.

Kaku conta uma história parecida aos dias de hoje, assistiu um filme que mudou sua vida era o “Planeta Proibido”, com base na peça de Shakespeare: “A tempestade”, no filme astronautas encontram uma civilização antiga, mas milhões de anos a nossa frente.

A descoberta da Caverna de Chauvet no sul da França, onde redescobrimos o homem primitivo capaz de uma arte e uma subjetividade comparável ao nosso tempo, não é senão a ideia deste Homem das Cavernas que subsiste em nós e insiste em não ir ao futuro.

O livro não termina ai, sua crença no futuro é forte e resiliente, mas uma frase de Schopenhauer traduz bem sua visão:  pessoalmente acrescentaria mas os limites são maiores que nossa visão.

 

KAKU, M. Física do Futuro: como a ciência irá transformar nossa vida diária, no ano de 2100. 2011.