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Arquivo para agosto, 2020

A pandemia e o Areté

17 ago

Areté era para os gregos um conjunto de virtudes que deviam ser exercitados para evitar uma crise ainda maior na democracia grega.

Embora esteja ligada a virtude moral, no sentido grego é claro, duas características da areté são necessárias neste momento da pandemia: a prudência e adaptação perfeita.

As condições da pandemia exigirá de todos uma adaptação, os números de infectados e mortos evoluem numa curva estável, porém em números absolutos significa um aumento diário na casa dos milhares de mortos, e milhões de infectados, os cuidados devem se tomados e significa uma adaptação a situação atual, um novo normal incerto virá , o que vivemos agora é uma adaptação a uma situação de exceção.

A prudência deve estar em nossa mente, é uma situação de limitações, porém se levada a sério torna o dia-a-dia menos tenso, também as autoridades de saúde e políticas devem tomar cuidados ao adotar as vacinas, além da saúde existem questões políticas e interesses econômicos envolvidos, e novamente a saúde deve ter prioridade, toda prudência na adoção da vacina será necessária.

A grande razão de termos dificuldades em cumprir regras, e também ter sensibilidade e respeito ao cumpri-las é que as virtudes não estão na moda, a moda é a plena liberdade, e não ela nunca é possível por razões de leis e regras sociais de boa convivência, em período de um estado completamente excepcional exige de todos atitudes ainda mais disciplinadas, de higiene, de distanciamento social e de delicadezas.

A solidariedade é outro valor que deve voltar a moda porque muitas pessoas precisaram de nossa compreensão para poderem ter sua sobrevivência garantida, não faltam campanhas e atitudes é verdade, porém será necessário um esforço ainda maior para que realmente todos tenham o mínimo de dignidade para viver.

Os gregos que construíram o primeiro modelo de polis, podem nos ajudar a corrigir valores que a cultura contemporânea corrompeu, por isto, durante toda a semana que passou tratamos deste tema, prudência e adaptação exigem esforço para que o drama da pandemia não seja um flagelo ainda pior.

 

A mãe do Senhor e a tragédia grega

14 ago

A tragédia grega Édipo Rei foi analisada pelo poeta Hölderlin, onde usa o termo aórgico para a busca que Édipo faz para saber que é, uma vez que fora doado a um pastor pelo pai Laio para cria-lo, para evitar a tragédia prevista pelo oráculo de Delfos, e para completar a tragédia Édipo acaba por desposar a própria mãe.

O termo aórgico aqui é usado para entender a corrupção da natureza humana, e pode ter um sentido novo a cada nova tragédia humana, é o sentido de Hölderlin ao dizer que “onde há medo há salvação”, devemos temer não só a pandemia que já é um desastre, mas o que pode vir de desumano e aórgico após esta tragédia.

Não faltam apocalípticos, no entanto o interessante seria pensar o além da tragédia e inverter o papel de Jocasta para uma mãe que defende e quer seus filhos são e salvos, e assim numa reinvenção humana olhássemos não para Eva da criação humana, mas para Maria que deu à luz ao divino filho.

Não é só o preconceito religioso que desvia deste sentido profundo da fecundidade e da maternidade humana, é a relevância do papel da mulher ao segundo plano, a a análise de Hölderlin envolve os paradoxos que comumente constituem o trágico, como o humano e o divino, e a tarefa poética da modernidade como uma tarefa possível para toda e qualquer poesia, assim seu plano cultural não pode eliminar o trágico, mas deve também incluir o divino.

É esta misoginia do humano ao divino que nega todo e qualquer papel da mulher, Maria deveria ser tema apenas religioso, mas também o divino ligado ao trágico, a Pietá ainda que lembrada e revisitada por tantos autores, esconde o papel da mãe desolada diante do filho desfalecido, também Salvador Dali em seu quadro Christus Hypercubus coloca uma figura feminina ao pés do quadridimensional Christus, inspirada em sua esposa.

Aos cristão ignora-se a passagem bíblica do evangelista Lucas (Lc 1,43): “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar “, e o Senhor neste caso não é apenas o filho divino-humano que nascerá de Maria, mas também o Deus Senhor de Maria e Isabel, que diz isto “cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), assim a relação é trinitária e aórgica, afinal o acontecimento natalino está envolto do mistério das leis do universo que sobre ela agiram.

Em meio a pandemia seria extraordinário se a mesma mãe da Pietá estive com a humanidade em seu colo (matris in gremio) e pudesse numa inspiração trágica e divina socorrer a humanidade que desfalece e vê um futuro cada vez mais sombrio a frente, os mistério de Medjugorje e Garabandal (aparições misteriosas) podem não ser apenas fantasias de crianças (hoje todos adultos), mas a própria revelação divina sobre o trágico humano, quem dera seja verdade, onde há medo, há salvação.

 

Pós-Deus ou reinvenção do humano

13 ago

A poucos dias li na Folha de São Paulo (em nota online) que o famoso físico-místico Fritjof Capra (Tao da Física) disse que a pandemia é uma “Pandemia é resposta biológica do planeta”, e também falou em sua conferência no debate temático Fronteiras do Pensamento sobre a “Reinvenção do humano”, no qual falaram também o economista Paul Collier e o escritor francês Alain Babanckou.

Em sua palestra supõe um despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas, o que ele e a futurista Hazel Henderson propuserem são perspectivas imagináveis, as quais olhando para o passado verificaram as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas, penso que sim pensando num cenário distante, pensei uma reflexão bem mais válida do que pensar no ano que vem.

No pensamento do físico-místico austríaco ele considera que uma consciência expandida ajudaria a superar as limitações cognitivas (e culturais acrescento), os pressupostos e ideologias equivocadas que ficaram para trás nas crises do século XX, a forma míope de avaliar tudo a partir dos preços e métricas de desenvolvimento e produtivistas, como o PIB, acabaram por permitir enormes perdas sociais e ambientes e a destruição das funções dos exossistemas planetário.

Pouco se fala sobre a persistência das religiões e as respostas que também elas podem dar e o papel que jogarão numa etapa pós-pandêmica, embora não explicitada pelo físico e nem pelos economistas que falam nesta conversa temática, a reinvenção do humano, mas suas raízes aórgicas, viemos do inorgânico, da terra seja por processões químicos, pelas mãos ou sopro divino, o certo é que fomos criados, assim uma escatologia completa não falará só do pós-humano, mas do pré-humano.

De onde viemos, do pó dos planetas, agora que podemos olhar aos milhares em todo cosmos como telescópios que são como a reinvenção da luneta de Galileu que sacudiu o século XVII, agora estamos olhando para um infinito cada vez mais enigmático, como partículas de Deus e como colapso de matéria em buracos negros, o que nos espera, não é apenas um pós-Deus, mas a reinvenção de uma cosmologia capaz também de dar ao homem a sua crise, cuja pandemia é só um sintoma.

Escreveu Peter Sloterdij em seu “Pós-Deus”, que a mitologia grega: “tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade de longe, quando se permitiu a alusão segundo a qual até mesmo os deuses imortais precisariam aprender a conviver com um destino de ordem superior” (Sloterijk, 2019, pag. 12) e os gregos chamavam isto de Moira, mas e este destino também preveja o Matris in Gremio escatológico, descrito pelo próprio Sloterdijk em “Esferas I: bolhas” (veja nosso post).

Aproveitando a alusão a rebeldia da natureza de Fritjof Capra, e se ela não se realizou ainda completamente, o pós-pandemia pode prever uma rebeldia aórgica de fora do planeta, e se Moira queira ainda ter uma última palavra, que era três e não apenas uma Cloto, Láquesis e as Átropos, que teciam os fios do destino (figura).

Enquanto Cloto significa fiar, Láquesis significa sortear, lembre-se o significado de Fortuna para os gregos, e, Átropos, significa afastar, num sentido escatológico, ou seja um fim, mas não um final, pode ser que depois de tudo se afaste o fim último e se tenha então uma nova esperança, quem sabe uma nova “iluminação”.

Sejam quais forem estes afastamentos da realidade, todos tornam-se importante num momento trágico, afinal a tragédia não é o que parece, e o romantismo e ilusionismo da modernidade é que mostrou sua verdadeira face de horror, envolto em belas palavras, promessas de felicidade e “bem-estar”.

Os cristãos, nos quais me incluo, sabedores desta “noite de Deus”, tem esperança em uma nova manifestação aórgica, afinal ela está no princípio da vida humana e deverá estar também nesta reinvenção do humano para um planeta que seja casa de todos.

Sloterdijk, Peter. Pós-Deus. Trad. Markus A. Hediger. RJ: Vozes, 2019.

 

A tragédia da cultura moderna

12 ago

Theodore Dalrymple, pseudônimo do médico e psiquiatra inglês Anthony Daniels, que propôs uma reflexão sobre o apodrecimento moral da cultura moderna, o efeito do perigoso politicamente correto na sociedade (como se ele fosse uma única posição política) e as consequências para a verdadeira cultura dos povos, o seu livro Qualquer coisa serve (2016) é uma análise “clínica” profunda de que tipo de crise cultural vivemos.

O autor colabora com vários periódicos The times, The Daily Telegraph, The Observer e The Spectator,  é um ponto de vista conservador que olha a história sem dúvida, mas nem por isso deixa de ser importante algumas observações que faz da vida contemporânea e vê como muitos outros o desgaste da cultura atual.

Ganhou o primeiro Liberdade em Flandres em 2011, região que fala o flamengo dois terços da Bélgica, depois de elogiá-la como culta vai criticar seu nacionalismo: “solicitei um quarto … a recepcionista me respondeu em inglês, mas não por conta do meu sotaque com minha esposa, que é parisiense, fez ela o mesmo. Fomos assim apresentados ao nacionalismo flamengo, que demonstra que país nenhum é excessivamente pequeno para o separatismo nacional” (pag. 30), a outra região é a Valônia que fala o francês, mas em Flandres só mesmo o flamengo, ainda que conheçam o francês.

Ele revela sua verdadeira identidade no livro ao dizer “como médico e psiquiatra, passei um terrível período de minha carreira tentando levar pessoas por um caminho que se me afigurava adequado e benéfico a eles” (pag. 81) e depois confessa seu fracasso, diz que seus pacientes eram “autodestrutivos que, se encarados de maneira imparcial e com mínimo de bom senso, não poderiam conduzir a nada além da angústia” (idem), mas não é seu ponto alto.

Noutra linha, mas também em defesa da cultura que se erigiu entre os povos do planeta, com raízes originárias claras e inconfundíveis, Byung-Chul Han, um filósofo coreano migrado para a Alemanha, também critica a cultura do liso, da ausência de imperfeições e ranhuras que se confunde na arte com o politicamente correto.

Escreveu Byung-Chul escreveu que a beleza hoje é lisa, não apresenta resistência, não quebra e exige likes, a distância convida somente ao toque, não há negatividade que é oposta, sem ela, desaparece a surpresa e o maravilhamento: “sem distância não é possível haver mística, a desmistificação torna tudo fruível e consumível.”, não há alteridade do Outro, há só espaço para uma diversidade estetizada e homogeneizada, e assim consumível e explorada.

Não se trata da defesa da tradição, bons críticos e bons reformadores sempre fazem um diálogo com o lado oposto, porém o que se trata é o esquecimento e até o desprezo pelas raízes originárias de cada cultura e uma massificação que quer tornar tudo uniforme e disforme.

É apenas um lado da cultura que atinge o pensamento que tornou-se vulgar e sofista, da religião que tornou-se ideológica ou fundamentalista, e da cultura da qual todos descendemos que é ignorada, as consequenciais sociais e morais são apenas a parte visível do que ocorre nos fundamentos da sociedade moderna.

DALRYMPLE, Thedore. Qualquer coisa serve. trad. Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2016.

 

O que há entre a tragédia e o idealismo

11 ago

O grande tema durante a pandemia, que atrai multidões é a felicidade, não por acaso, já que a felicidade estava em tudo o que está fechado agora: o shopping, o cinema, as casas de orgias e bebedeiras, o simples êxtase de estar em uma multidão frenética por algum motivo frívolo, afinal é a frivolidade que todos almejam que volte, não haverá nada de grandeza em penetrar na tragédia de uma pandemia, é preciso encontrar os culpados e puni-los por banirem a vida frívola e nos colocarem todos em tensão constante, em medo e longe do simples desfrute.

Nietzsche escreveu sobre O nascimento da tragédia, e culpava Empédocles por sua morte, porém foi Hölderling  que vai escrever sobre a Morte de Empédocles, foi ele antes de Nietzsche que rediscutiu a tragédia, e o trágico da tragédia, num diálogo com o idealismo alemão e foi quando cunhou a sua frase mais famosa: “onde há medo há  salvação”, quase na mesma linha que escreveu Cassius Clay que tornou-se Mohammed Ali: “é a ausência de fé que faz as pessoas temerem desafios”.

A pandemia não é outra coisa senão o fato de entender os limites do humano, a persistência da tragédia em nossas vidas e destinos, e a fatalidade da morte, aqueles que nunca pensaram nela são aquelas que mais a temem agora, nunca ela este tão próxima de todos, mas a tragédia é o mal, ou a falsa venda de felicidade fácil, é nela que se fiam os charlatães da filosofia, da fé e até mesmo da ciência sem “rótulo”.

A Morte de Empédocles, peça inacabada, onde Hölderlin trabalhava de 1797 até 1799, em seus textos poéticos deste período, onde pensava sobre a essência do trágico é marcado por um grande antagonismo, mas sobretudo a unificação do antagonismo com a contradição, onde deixa claro que o tema deveria ser “a verdadeira tragédia moderna”, talvez não durante as duas guerras também trágicas as enfrentamos, mas agora numa pandemia sem fim.

Em sua análise Empédocles odeia a civilização, é inimigo mortal da limitada existência humana, não suporta viver submetido ao tempo, sofre por não ser um deus, por não estar em intima união com o todo, e, por uma necessidade que decorre de seu ser mais profundo, decido morrer jogando-se no vulcão.

É menos mentiroso que os verdadeiros de formulas simplórias para a felicidade, porém trágico que queira ser ele próprio deus e que seria mais “nobre” que admitir um Deus, morto não pela tragédia, mas pelo idealismo alemão, afinal de Fichte a Schelling, a grande expressão que transgride o limite imposto por Kant ao conhecimento humano, ao considerar toda intuição, aquela que sensível aos objetos, torna-se intuição intelectual e intuição artística, sendo capaz de dar um conhecimento imediato ao absoluto, de possibilidade revelações que se dirigem ao todo.

Assim no ensaio “fundamento para Empédocles” diz que a tragédia é a expressão da “unidade íntima mais profunda” que se expõe por oposições reais, a ideia não só deve muito a análise de Schelling, que define a tragédia grega como apresentação conciliadora das contradições da razão, mas antecipa a visão hegeliana do poema trágico como apresentação da “tragédia que o absoluto encena eternamente consigo mesmo”, mas o absoluto aqui é vago, ideal.

No “fundamento para Empédocles”, Hölderling expõe como se dá a oposição harmoniosa entre arte e natureza, apresentando o processo pelo qual a natureza torna-se mais orgânica e o homem, mais aórgico, mais universal.

O conceito de aórgico aqui é fundamento, e a leitura aqui é de Françoise Dastur “Hölderlin, tragédia e modernidade” onde a define como “é a natureza desprovida de organicidade em sua unicidade infinita. O orgânico é a arte, que supõe, pelo contrário, organização e, portanto, oposição das partes”.

A na relação aórgica que pode-se encontrar a pandemia, o culpado é em última instância o vírus, o controle do vírus é questionável até que se tenha a vacina, fomos favoráveis ao isolamento social e em certos momentos do #LockDown, porém é na natureza desprovida de organicidade, um vírus que até então era estranho ao homem que alterou-o e se hominizou colocando o processo civilizatório em cheque, e a natureza parece revidar o que lhe propôs a humanidade.

Hölderlin, Friedrich; Curioni, Marise Moassab. A morte de Empédocles. SP: Iluminuras, 2000.

 

A espera de uma vacina

10 ago

Duas vacinas estão próximas de brasileiros pela participação de institutos de pesquisa locais, a vacina de Oxford, onde que tem o brasileiro Pedro M. Folegatti na equipe de desenvolvimento (autor do artigo na revista The Lancet), da qual participa também o laboratório Fio Cruz com incentivo do governo, e a vacina chinesa a qual na etapa de testagem participa o Instituto Butantã da USP, com acordo do governo de São Paulo para o desenvolvimento.

Pode gerar uma confusão de interpretação o fato que o laboratório AstraZeneca britânica, que está no desenvolvimento da vacina de Oxford, fechou acordo para produzir a vacina também na China através da empresa Shenzhen Kangtai Biological Products, anunciado na quinta feira passada, de 6 de agosto.

As vacinas tem também diferentes desenvolvimentos, enquanto a vacina chinesa segue o desenvolvimento tradicional de vacinas para gripes e algumas doenças comuns como sarampo, cachumba e outras, que é o desenvolvimento de uma dose mais fraca do próprio vírus produzindo assim uma imunidade no corpo, após alguns pequenos incômodos, no caso do corona vírus fica uma pergunta, será que não há a possibilidade de reinfecção, já há casos no mundo todo, que estão sendo estudados.

A vacina de Oxford, que tem a participação da FioCruz e incentivo do governo brasileiro, já foi explicado num post que é produzindo um vetor viral não replicante, ele é modificado e não infeccioso, uma proteína escondida no vetor leva uma proteína que produz anticorpos e imuniza o vacinado, o laboratório de Oxford afirma que com duas doses é 100% eficaz.

Há muitos outros projetos em desenvolvimento no mundo, as empresas chinesas participam além destes dois, em mais 8 dos 26 projetos que lideram o desenvolvimento da vacina por estarem já na etapa de teste das vacinas em humanos ao redor do globo.

A corrida pela vacina tem dois aspectos, o positivo há uma corrida que pode trazer a vacina mais cedo, a outra temerosa é que etapas de segurança sejam ultrapassadas, a Rússia diz já ter uma vacina para breve, mas há duvidas sobre o cumprimento dos protocolos antes da vacinação em massa, é necessário prudência.

https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931604-4

 

Se a Europa (e o mundo) despertarem

07 ago

Peter Sloterdijk se perguntava se uma Europa destruída por uma guerra em 1945 poderia ser vista como uma metáfora para um império moderno e esclarecido as vésperas de um novo século, era um ambiente mais otimista daquele tempo, porém o filósofo já havia previsto a guinada violenta da política norte-americana e uma possível crise mundial.

A pandemia parece ter unido a Europa, exceto o Reino que se diz unido, mas parece que não é, uma política de recuperação que sustente a economia “doméstica”, isto é, aquelas empresas e negócios que tradicionalmente sustentam das diversas nações européias podem ter uma nova injeção de animo (e de dinheiro) para se recuperar.

O livro de Sloterdijk Se a Europa Despertar, de 2002, tinha apesar de algum otimismo de uma “nova Europa”, a ideia que os europeus não se voltam a seus fundamentos histórico-filosóficos para buscar uma orientação baseada numa “mitomotricidade” que vai de encontro aos mitos fundadores que resultaram de esplendores culturais, filosóficos e políticos que a Europa se julga herdeira, mas podemos pensar nisto depois de uma trágica safra de totalitarismos e guerras mundiais? 

Edgar Morin prepara seu mundo sobre a pandemia e apesar de toda expectativa, ele sempre tão otimista parece agora não estar, em uma entrevista em novembro de  2019 ele afirmava que apesar de “caminharmos como sonâmbulos em direção a uma catástrofe”, ele não deixou uma ponta de esperança  “resistir ao ditame da urgência … a esperança está próxima.”

Porém o clima é sombrio, com as nuvens pairando nas relações China e EUA, e nas relações com a Turquia e parte do mundo árabe não tão amistoso com o ocidente, que resposta um mundo em ebulição poderá ter, é a pergunta que fica.

Os ânimos estão exaltados e a sociedade da velocidade e do cansaço parece não ter cedido muito espaço a uma pausa, mesmo a pandemia impondo isto a todos, passados 6 meses parece que não há mais política equilibrada que convença os cidadãos a civilidade, a compaixão e a solidariedade.

Em meio a um mar agitado, os discípulos quando viram Jesus andando sobre as ondas gritaram “é um fantasma”, porém logo Ele lhes disse “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,26-27), a crise é para os valentes e para os visionários, que lideranças e líderes realmente fraternos e solidários nos ajudem no pós-pandemia e num mundo com aspectos sombrios.

Aos que desejam um mundo mais fraterno, o respeito as diferenças e minorias, o apreço aos que sofrem, há algo a esperar no pós-pandemia.

 

Simplismo ou complexidade

06 ago

William Ockham proclamou que entre duas explicações sobre determinado fenômeno deve-se ficar com a mais simples, este princípio ficou conhecido como navalha de Ockham, mas o que fazer com problemas que são complexos, como é o caso da atual crise do corona vírus, as explicações mais simplistas são fake News, teorias da conspiração ou simples mentiras.

O problema da complexidade veio da Biologia, o problema ecológico e os ecossistemas mostraram que os fenômenos estão mais interligados do que pensou-se antes, há toda uma cadeia alimentícia indo dos organismos mais simples, celulares até os mais complexos e neste inclui-se o homem.

Porém a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, assinada pelo serigrafistas Lima de Freitas, pelo Barsarab Nicolescu, escrito em 15 artigos, destacava “ … a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrabida, Portugal, 1994).

Como método foi Edgar Morin que pensou a complexidade, escrito em seis volumes: Método 1 – A natureza da natureza (1977), o Método 2 – A vida da vida (1980), Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), Método 4 – “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), Método 5 – “A humanidade da humanidade: a identidade humana” (2001), e o Método 6 – “A ética” (2004), porém a questão epistemológica desenvolvida numa palestra de dezembro de 1983, em Lisboa, que tornou-se um livro, publicado em português em 1985.

Em essência o pensamento sobre complexidade é delineado em três conceitos novos: o operador dialógico (entendido como diferente do dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito que produz nova causa) e o operador hologramático (a parte está no todo e o todo está na parte, não se separa todo e parte).

Assim pode-se resumir da Transdisciplinaridade ao Complexo como um problema essencial do humanismo, somos 100% natureza, 100% cultura sem haver dualismo entre ambos, resolvendo a pergunta sobre o que somos como homem “natural”, assim tanto o problema ecológico quanto o humanismo estão interligados, o problema da natureza é um problema humano e o problema de fundo do homem é sua relação com a natureza incluindo o Outro como parte de sua natureza, independente de raça, cor e credo.

 

Divisão da cultura grega e a judaico-cristã

05 ago

Foi Karl Popper que chamou a atenção para a origem do iluminismo moderno, assim não é possível uma crítica ao idealismo e empirismo iluminismo contemporâneos sem uma releitura atenta da história do pensamento ocidental.

Primeiro porque é a história do pensamento, grande parte da noite civilizatória está na crise do pensamento, alerta Morin, e também Marx ao fazer a Crítica em Teses sobre Feuerbach (1845) apontou na verdade ao idealismo presente no cristianismo moderno, porém a raiz judaico-cristã é outra, a divisão se dá em dois pontos da história a libertação pelos Macabeus (167 a.C. – 37 a.C.) e as incursões do apóstolo Paulo.

Voltando ao iluminismo pré-socrático, raiz do pensamento ocidental, Popper fez uma incursão pelos três maiores filósofos deste período Xenófanes, Parmênides e Heráclito: “maior e mais inventivo período da filosofia grega”. O autor constata que a “aventura do racionalismo crítico grego”, e identifica um princípio de crise já em Aristóteles que após desenvolver sua episteme: “matou a ciência crítica, para a qual ele mesmo fez uma contribuição capital.”,

Conforme desenvolve Popper “foi essa concepção de conhecimento demonstrável, apresentada por Aristóteles, que eclipsou a atitude crítica desenvolvida pelos pré-socráticos, e assim toda a herança moderna desta “lógica” demonstrável, porém admitindo-se o desenvolvimento de Popper como este iluminismo tendo raízes ontológicas (e não lógicas), a famosa máxima de Parmênides: “o ser é e o não ser não é”, não havendo terceira hipótese além da lógica dual e um terceiro incluído, além do clássico terceiro excluído, não há terceira hipótese T (na figura).

Também no cristianismo há uma terceira pessoa, na relação entre Pai e Filho há o Espírito Santo, e não é só espírito.

Somente no século XX com a física quântica formulando a hipótese já comprovada de um terceiro estado da matéria chamando de “tunelamento”, e a proposta de Barsarab Nicolescu do terceiro incluído, é que pode-se pensar em um ser e não ser simultâneos.

Não se trata de afirmar o paradoxal da existência de algo e seu contrário, haveria uma anulação recíproca evidente, não haveria nenhuma possibilidade de previsões e a própria abordagem científica do mundo seria colapsada, o que a Física Quântica admite, e nisto se fundamenta Barsarab, é que existem inúmeras conexões imutáveis sobre as quais se pode realizar uma experiência ou interpretar os resultados, é ao mesmo tempo o “princípio da incerteza” de Heisenberg e o método da “falseabilidade” de Popper.

Ela não abole a lógica do Sim e Não de Parmênides e Aristóteles, apenas admite uma terceira hipótese, as consequências filosóficas, sociais e políticas são evidentes, a científica é o que foi formulado como transdisciplina-ridade, enquanto estamos confinando a uma teoria disciplinar especializada a terceira hipótese parece infundada ou inexistente, se olhar de um outro ângulo ela aparece, porém o idealismo reduziu este olhar e tornou-o especialista.

A cultura jadaico-cristã também se viu reduzida e confundida com este simplismo, e com isto tornou-se idealista também, apesar de uma origem diferente. 

O pensamento complexo de Edgar Morin vai na mesma direção, mas deixemos isto para o próximo post.

POPPER, K. O mundo de Parmênides: o iluminismo pré-socratico. Tradução: Roberto Leal Ferreira. SP: UNESP, 2014.

 

A noite escura da humanidade

04 ago

Assistir a debates políticos ou mesmo questões relevantes da vida pública, um breve olhar sobre a cultura e a religião, qualquer angulo que se olhe o momento agravado pela pandemia, é relevante que se aponte os traços confusos deste momento civilizatório.

É fato que já passamos por outra pandemia, em números assustadores a chamada “gripe espanhola” em meio a 1ª. guerra mundial, foi um grande e humanitário desastre que desafiou a humanidade, e mesmo assim depois veio a segunda guerra, os campos de concentração e a bomba de Hiroshima, porém os contornos deste momento parecem ainda mais graves, há uma crise do pensamento.

O que se observa são frases feitas de impacto duvidoso, apelos ao otimismo impossível diante do quadro pandêmico ou a esperança “depois que tudo isto passar”, porém na medida em que a vacina não chega a realidade vai impondo, até mesmo aos sábios de plantão um pouco de sobriedade, porém ainda sem a solidariedade e humanidade que seriam desejáveis.

A crise do pensamento já apontada por Edgar Morin, Nicolescu Barsarab e muitos outros, para além do debate científico e técnico, é a dificuldade de compor elementos que deveriam ultrapassar os limites das especialidades para resolver problemas além da doença, do social e do religioso, para atacar em conjunto o problema seria necessária uma visão de conjunto e não uma empobrecida visão disciplinar de especialistas.

Quando menos se enxerga por pura e simples análise, mais escura esta noite se torna, os fundamentos perdidos, ainda que possam e devam ser superados os alicerces civilizatórios: a cultura grega, a religiosidade judaico-cristã que tantos sábios teve, também a islâmica com Avicena, Averróis, Al-Khwarismi e mais recentemente Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de Física em 1979.

A ciência ainda segue fortemente ligada ao positivismo e logicismo de dois séculos atrás, enquanto Karl Popper, Tomas Kuhn ou Bachelard ainda são pouco conhecidos e confinados em rodas de “especialistas do método científico” que indica uma leitura rasa destes questionadores da ciência convencional.

O século passado nos deu Gustave Klimpt, Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali, a arquitetura arrojada de Antoni Gaudi, do brasileiro Oscar Niemeyer, mas as fachadas retas, o abuso dos vidros e cristais que aparecem pela primeira vez no Palácio de Cristal  (foto), estrutura arquitetônica inglês ado século XIX que invocava centro de recreações para “educação do povo”, citado por Sloterdijk e seu discípulo Byung Chul Han como representante da arquitetura atual, como centros de consumo e “uma forma arquitetônica foi proclamada como a chave para o capitalismo. condição do mundo” (SLOTERDIJK, 2005, P. 279).

A grandeza e a novidade cotidiana do Criador são um grande contraste com religiões repetitivas, ultrapassadas e que nada dizem ao mundo atual, sobre a pandemia oscilam entre a simples adesão ao discurso corrente a modelos de solidariedade e de defesa da vida muito frágeis para a tragédia pandêmica.

Há uma beleza e uma novidade que jorra da vida todo dia, mas o que persiste é uma mesmice incapaz de dar esperança a uma pós-pandemia melhor, a verdadeira ciência, a cultura e Deus nada terão a ver com esta miséria que virá, claro se tudo não mudar e houver um arroubo de luz e de sanidade.

SLOTERIJK, P. Crystal Palace,  Chapter 33 of in Globalen Inneren Raum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (In the Global Inner Space of Capital: For a Philosophical Theory of Globalization). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, pg. 265-276.