Arquivo para a ‘Noosfera’ Categoria
Em Balsamão, longe da agitação
Tirar um tempo para descansar, meditar e tentar mergulhar no profundo do Ser, fora das preocupações e da agitação da vida moderna, das crises políticas, sociais e econômicas, não é um ato de alienação é um ato de sanidade em busca de respostas mais profundas.
Pode-se e deve-se depois retornar a vida do dia-a-dia, mas com energia renovada, por sugestão de um amigo chegando a Portugal fomos estar alguns dias no mosteiro de Balsamão, onde a ordem padres Marianos da Imaculada Conceição.
Fica no alto do Monte Morais, que seria um dos cinco umbigos do mundo, e que segundo os religiosos de Balsamão, é onde se experimenta o colo de Deus, rezam em função desta mística o Salmo 124, que diz: “Como Jerusalém rodeada de montanhas,/ assim o Senhor protege o seu povo/ agora e para sempre”.
Subindo da esplanada ao miradouro, tendo a Serra de Bornes ao redor, os olivais de Chacim ao fundo, e as termas da Abilheira abaixo, os tons do pôr-do-sol são vistosos neste período de sol.
A história conta que o padre polaco Casimiro Wyszynski (1700-1755) descreveu o lugar assim: “Temos aqui, cercados pelos rios, campos, pomares, vinhedos, prados, oliveiras e frutas de várias espécies. E nesse monte há florestas, árvores, belos carvalhos.”
Ele decidiu formar o mosteiro ali, onde já viviam eremitas que aceitaram o frei Casimiro com o seu companheiro o frei João de Deus, que os aceitam e dispõem-se a integrar a nova ordem.
O desejo de se retirar e meditar para ouvir a voz profunda em nós, é também o que Jesus indicava para Marta preocupada com Maria que ficava ouvindo Jesus e não ajudando os serviços da casa, ao que Jesus repreende-a (Lc 10,42): “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. 42Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.”
O activismo e a condição humana
Parte do “cansaço” humano de nosso tempo é que resolvemos levar ao extremo aquilo que os filósofos e místicos chamam de “vida activa”, Hanah Arendt em “A condição humana” abordou o tema, mais recentemente Byung Chul-Han mais recentemente em “A sociedade do cansaço” também aborda a questão.
É colocado ao lado da “vida contemplativa”, as vezes como oposta e outras vezes como complementar, o Místico São Gregório Nazianzo meditou e escreveu sobre o tema, Chul-Han recuperou alguns destes conceitos.
Na sua obra A Condição Humana (2007), Arendt designa com a expressão vita activa, três atividades humanas essenciais : labor, work, action, citados em inglês porque no alemão assim como no inglês há diferenciação dos termos, “work” é o trabalho que corresponde ao artificialismo da existência humana, por exemplo, ao usar máquinas, enquanto Labor corresponde ao processo biológico do corpo humano como condição para produzir vida.
Mas e a ação, ela é para Arendt é a condição humana da pluralidade, é mediada pelas coisas para colocam os homens em contato uns com os outros, por isto a autora vê como uma pluralidade que está liada ao fato que são os homens, e não o homem a habitar a Terra.
A autora enfatiza que o mundo no qual transcorre a vida activa é constituído por coisas feitas pelas atividades humanas, entretanto, essas coisas só podem existir por causa dos homens, e por isto também as condicionam, os homens entram em contato, e com isto tornam-se de imediato, uma condição de sua existência, vivemos por que agimos.
Entretanto o mundo contemporâneo levou as pessoas ao stress, a depressão e agora a síndrome de Burnout, tema da sociedade do cansaço, de Byung Chul-Han.
Byung Chul-Han chama a atenção para a ausência de contemplação, vida contemplativa, como parte da necessidade humana para ter equilíbrio, energia e forças para a ação.
Diz a leitura bíblica “vinte a mim todos vós que estais cansados” (Mt 11,28) e diz o mesmo trecho “e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
Angústias do entre épocas
A passagem de um tempo histórico para outro é sempre trágica e sujeita a muitas angústias, reviravoltas e que causam em toda a sociedade uma grande angústia: o novo ainda não existe e o velho tarda a sair.
Entretanto é possível analisar na literatura e nas várias teorias sociais como se dá esta passagem, por vezes violenta e sanguinária como na revolução francesa e por vezes uma explosão de cultura e de saberes como o renascentismo.
Nicolau Sevcenko, que analisou também o período renascentista, analisa o momento atual como uma montanha russa, e a etapa que estamos agora seria o “loop” de uma montanha russa, descreve-a assim: “é o clímax da aceleração precipitada, sob cuja intensidade extrema relaxamos nossos impulso de reagir, entregando os pontos entorpecidos, aceitando resignadamente ser conduzidos até o fim pelo maquinismo titânico” (SEVCENKO, 2001, p. 16).
Este autor é particularmente importante porque tem um olhar nas crises de mudança de época anteriores, dizia sobre o renascentismo italiano:
“A história da cultura renascentista nos ilustra com clareza todo o processo de construção cultural do homem moderno e da sociedade contemporânea. Nele se manifestam, já muito dinâmicos e predominantes, os germes do individualismo, do racionalismo e da ambição ilimitada, típicos de comportamentos mais imperativos e representativos do nosso tempo”. (SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. São Paulo: Atual, 1987.)
Isto quer dizer que já há na cultura de nosso tempo, num paralelo com o renascentismo, elementos de uma cultura nova, destaco entre estes: a visão do planeta como um todo, as diversas culturas étnicas e religiosas, o fim do individualismo com respostas coletivas, mas há ainda coisas velhas.
A angústia social provocada por estas mudanças, quando tocam em particular pessoas muito sensíveis e com pouca imunidade aos diversos tipos de manifestação social que advém das crises provocadas, podem se tornar uma doença social, uma psicose política e sem uma ataraxia para responder aos impulsos provocados por grupos de pressão.
Os gregos chamavam de ataraxia um estado de “quietude da alma”, o filósofo pré-socrático Demócrito (460-370 a.C.) que introduziu este termo na filosofia, foi adotado por epicuristas e estóicos, mas tem também um estado doentio que seria a indiferença ou apatia.
É preciso sobretudo calma e diálogo, que deve ser feito também entre a tradição e as novas culturas que emergem.
SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Buracos negros e cosmovisão
Até recentemente o mundo material compreendia apenas a chamada matéria bariônica que é 4% do único, que é a matéria que a maioria das pessoas conhece, com a energia e massa escura apareceram os “buracos negros” que na verdade são corpos negros.
Os cientistas ainda acreditam pela teoria de Einstein que os buracos negros sugam objetos e tudo que está a sua volta, inclusive a própria luz, agora um fenômeno novo pode mudar isto.
Este processo de sugar é chamado acreção, assim existe um plasma quente que orbita em torno do buraco negro e que é sugado por acreção, mas isto também podem ocorrer em corpos, e agora foi avistado um corpo que resiste a esta acreção, por isto chamado de corpo de acreção, pela junção de material a sua volta no processo de formação de protoplanetas.
O objeto GRS1915+105 na verdade são dois astros um buraco negro (o corpo cuja gravidade impede que qualquer coisa escape, por isto está sendo chamado de faminto), e uma estrela bem modesta para a proporção do buraco negro, similar ao sol.
Se comparado aos 13 bilhões de anos-luz do universo observável, ela está próxima da Terra, pois está a 40 mil anos-luz de distância, o que intriga é que o astro negro (o nome parece melhor que buraco) é que o astro-estrela não é sugada, embora chamado de acreção.
Junto a um laboratório americana, o astro foi observado usando um telescópio do ESO (Observatório Europeu do Sul, na sigla em inglês), formando um trio da Alemanha e do Chile que capturou a luz da estrela companheira do buraco negro e determinada a “ficha técnica”:
Conforme artigo publicado na Nature, o astrofísico Charles Bailyn da Universidade Yale, EUA, afirmou que ainda os cálculos não são bem precisos quanto ao tamanho, massa e energia: “Ela é computada usando observações bem simples e cálculos baseados apenas nas leis de movimento orbital de Kepler, que já são conhecidas e têm se mostrado confiáveis há séculos”.
A massa é um dos pontos problemáticos, além do aspecto da acresção, conforme afirma Jochen Greiner, do Instituto Astrofísico de Potsdam, Alemanha, um dos autores do artigo: “ficaria muito surpreso se a massa estivesse tão errada que as teorias se aplicassem. Com isso quero dizer que estou convencido que as teorias erraram o alvo”.
De fato já se desconfia que o que pensamos sobre massa é algo bem diferente, pela teoria da relatividade atual, até a partícula de Highs e a existência dos buracos negros elas pareciam se confirmar, já que o universo copernicano e newtoniano estavam superadas.
Agora se a massa for a que é medida, e o buraco não a suga, significa que haverá uma nova cosmovisão, onde massa e matéria precisam ser reconceituadas.
Cosmovisão: alma, sentimentos e sabedoria
Pode-se pensar em alma como mente, como consciência (ela é apenas um reflexo), ou identidade, conforme post sobre Giddens isto leva a interioridade num sentido restrito.
Por isso chamamos de Noosfera, a esfera da mente ou do exterior, num sentido de visão, sentimentos e sabedoria, sendo esta limitada a uma visão de mundo, que está evoluindo.
Não é possível ter uma cosmovisão ampla, sem uma alma ampla, mais do que uma alma-mundo, uma alma universal no sentido não apenas antropológico, mas cosmológico.
Os sentimentos têm um grande apelo no mundo contemporâneo, como as lógicas funcionais se tornaram grande parte do engessamento do pensamento, é possível e fácil manipular as opiniões e pessoas através destes recursos, mas são perigosos sem alma e sabedoria.
A sabedoria é o mais crítico elemento da noosfera, há aqueles que acreditam que através do sentimento e da alma podem caminhar tranquilos, há terapias e até cursos online para produzir felicidade, bem estar e outras promessas sem nenhuma dose de sabedoria, o resultado em curto prazo é louvável, mas a longo prazo se mostrará ineficaz faltará a tal da sustentabilidade.
Sabedoria é crítico também porque muitas correntes do pensamento e diversas formas de cultura podem levar a um reducionismo, e isto trará no mundo contemporâneo uma falta de ver o Outro, as vezes existe até a intenção, só que o resultado é fruto do mundo-restrito.
Os mestres da Lei eram no tempo de Jesus, os Fariseus que conheciam a escritura, mas cuja prática era distorcida, um deles se dirige a Jesus para perguntar como ter a herança eterna.
O grande argumento espiritual de Amar a Deus, é um recurso de certo tipo de ignorância, porém basta uma boa leitura bíblica para perceber que ele é falso, está em Lc 10, 26:27, e Jesus lhe disse: “O que está escrito na Lei? Como lês?” Ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!”.
Jesus liga imediatamente o coração “sentimentos” a alma, porque conhece e respeita a interioridade, de onde a alma bebe, e termina pedindo amor ao próximo, ao Outro.
A cidadania-mundo e a auto-identidade
Em geral poucos autores estão fora da idolatria do Estado Moderno, mesmo que a maioria deles, em especial os hegelianos, o considerem abstrato, ou como Habermas fora do “mundo da vida”, mas este conceito é diferente do Lebenswelf de Husserl, que é fora do “estado”, pois é mundo-da-vida de modo mais amplo possível.
Um dos poucos autores que irá falar da “constituição da sociedade” é inviável no conceito de modernidade tardia, porém Giddens irá demonstrar em “Além da direita e da esquerda”, que o componente central das sociedades da chamada “modernidade tardia”, não é mais algum tipo de elemento interativo ou coletivo, ao processo é de formação da auto-identidade.
Citando Giddens em sua visão de auto-identidade: “o self é reflexivamente [entendido como auto-identidade] pela própria pessoa nos termos da sua biografia. A identidade, nesse caso, assume continuidade ao longo do tempo e do espaço: mas a auto-identidade é essa continuidade interpretada reflexivamente pelo agente.” (GIDDENS, 1991, p. 53).
Pode parecer um argumento excessivamente individualista, ou por causa do self pensar em algo apressado das novas mídias, Giddens não disse neste contexto, mas da expressão da cidadania de diversos grupos com identidades específicas, as minorias culturais, sociais ou religiosas.
Por desencaixe e sem superar a ideia abstrata de Estado, Giddens entende que o processo de elevação e deslocamento (lifting out) das relações sociais dos contextos locais, e assim a rearticulação em uma outra
Por desencaixe Giddens entende o processo de elevação e deslocamento (lifting out) das relações sociais dos contextos locais e sua rearticulação em uma outra dimensão espaço-temporal (Giddens, 1991, p. 18-21), note-se que o espaço-temporal não é tempo e espaço vistos em movimento absolutos.
Assim apesar do avanço de Giddens, ele não consegue demonstrar que self reflexivo pode gerar instituições internacionais mais democráticas e defender formas multiculturais de cidadania, ainda há um buraco nestes conceitos, que em absoluto se trata de anarquismo.
GIDDENS, A. Modernity and Self-identity : Self and Society in the Late Modern Age . Stanford, Stanford University Press, 1991.
Terra-planetarismo, uma cosmovisão planetária
Já mencionamos que a cosmovisão depende de uma visão do cosmos e da própria vida, falta ainda uma cosmovisão cidadã, o Edgar Morin chamou de terra-pátria e que chamo de terra- planetarismo.
Ver o planeta como Pátria, como “casa comum” na visão místico- religiosa, como Gaia em uma visão mitológica, incorporam esta visão, pois o próprio planeta, os seres viventes incluindo animais e plantas e as culturas que são a cidadania dos povos viventes no Planeta, ampliam uma visão cosmo-planetária da Terra que habitam.
No livro de Edgar Morin ele traça nos capítulos 2 e 3 o que seria esta identidade planetária, e ao mesmo tempo revela um esgotamentos e uma agonia planetária, há algo que envolve além das tradições e das questões culturais em jogo, esta cosmovisão depende de como o homem se vê como um todo, e isto implica numa cosmovisão avançada, que admite os novos telescópicos, que fizeram a revolução copernicana, que agora são presentes nas novas mídias e numa visão ampla do universo.
O terraplanismo é o lado mais extremo desta visão, mas o apego a uma visão anterior a física quântica, aos buracos negros, a visão de um multi-verso, implica que a cosmovisão planetária ainda é iluminista e idealista, presa a uma ideia de cidadania, de estado e de planeta que já está a muito superada, e agoniza em sucessivas crises.
No livro de Morin e Anne Brigite Kern, apontam que o fenômeno-chave para entender esta crise de proporções planetárias é “o subdesenvolvimento moral, psíquico e intelectual” (Morin e Kern, 2011, p. 115) inclusive do que é desenvolvimento, e a proliferação de ideais geras “ocas e de visões mutiladas, a perda do global, do fundamental e da responsabilidade” (idem).
Ampliar esta visão requer abandonar princípios pseudo-planetários que são eurocentristas, terceiro-mundistas, imperialistas e neocolonizadores presentes em “salvadores da pátria” sejam de esquerda ou direita, em geral pouco solidária e de cosmovisão limitada.
Uma nova visão planetária, que respeito a própria natureza, exige uma visão de um universo ainda mais amplo que foi visualizado por Copérnico, Galileu, Newton e os iluministas, o eterno dualismo materialismo x idealismo, a religiosidade imperial de algumas religiões.
Falta sabedoria aos humildes e humildade aos sábios, é tempo de repensar o pensamento, como queria Edgar Morin, tempo de transdisciplinaridade de multi-verso (vários universos).
MORIN, E., KERN, A.B. Terra pátria. Trad. Paulo Neves. 6ª. edição, Editora Sulina, 2011.
Esta apresentação no SESC em São Paulo Brasil, fala sobre este tema:
Alma, Mundo e unidade
Há alguma coisa em nossa consciência que não podemos definir exatamente o que é, um espírito, um mecanismo de decisão, uma “visão de mundo”, o certo é que o que chamamos de interioridade tem uma camada profunda que os filósofos da antiguidade clássica chamaram de “anima”, aquilo que dá vida, que anima e que é em ultima instância também uma visão de mundo.
Queiramos ou não, temos na interioridade, uma “anima”, já o filósofo pré socrático Pitágoras (580-496 aC) acreditava na metempsicose que era a transmigração da alma de um corpo para o outro após a morte, e assim na sua cosmovisão acreditava na imortalidade da alma.
Também Plutarco foi autor do “Consumo da Carne”, tema que não apenas fala da alma, mas inicia uma separação entre a corpo da carne e a alma imortal.
O tema é aprofundado por Platão em A república, a sua anima mundi (“alma do mundo, do latim antigo tinha outro sentido que era o “psyché tou pantós”), tem a cosmovisão de uma alma compartilhada ou força regente do universo pela qual o pensamento divino pode se manifestar em leis que afetam a matéria, assim há uma força imaterial, que é ao mesmo tempo inseparável da matéria, que provê forma e movimento.
A sua doutrina não foi endossada por Aristóteles, que em sua obra De anima, aproxima-se mais de conhecimento ou intelecto ativo, do qual partirão reflexões das escolas estóicas e neoplatônicas, assim a ligação indireta entre Plotino e Platão passa por Aristóteles.
Plotino (205-260) será um raro filósofo da antiguidade a tentar um conceito não dualista de alma, a alma una descrita em sua obra Enéadas, parte do conceito de hipóstase que procede do poder criador, que na verdade é uma terceira hipóstase, um “nous” que gera a alma do mundo.
Entre os pensadores medievais que mantiveram as ideias de anima mundi estão Ficino, Pico dela Mirandola e Giordano Bruno com ensinamentos herméticos, os plantonistas de Cambridge, os vitalistas alemães Angelus Silesius, Goethe e Schelling, que tiveram grande influência em Bergson e através dele Vladimir Vernadsky e Teilhard de Chardin.
Schelling escreveu Da Alma do Mundo (1798), apesar da influência idealista guardava uma cosmovisão tentando unir a natureza orgânica e inorgânica conectando-a num continuum.
A noosfera é aqui a ideia que uma “alma mundo” pode cooperar com o mundo contemporâneo não sendo possível uma visão totalizante, a visão de mundo do planeta como “casa comum” e que tem uma “alma mundo” presente e que pode sustentar uma cidadania planetária.
Roger Scruton (75 anos) é um autor contemporâneo que aborda de modo polêmico o tema.
Fraternidade, cosmovisão e religião
Não sei qual a religião da capitã do Sea Watch, porém a cosmovisão fraterna da capitã Carola Rackete, presa injustamente e levada aos tribunais e só solta estes dias, é sem dúvida a única e verdadeira manifestação de mundialidade no mundo contemporâneo recente.
A imprensa pouco noticiou, as autoridades italianas esbravejaram contra a “rebeldia” da capitã de socorrer náufragos e atracar em Lampedusa na Itália, contra a determinação da polícia marítima local, porém esta é a verdadeira fraternidade e religião de ver todos povos como merecedores da mesma fraternidade e respeito.
A capitã Rackete foi acusada dos crimes de resistência ou violência contra a embarcação de guerra italiana e de tentativa de naufrágio por ter se chocado contra uma patrulha da Guarda de Finanças (polícia marítima das fronteiras italianas), e os jornais europeus que sempre fazem alarde de qualquer atitude na américa latina ou na África pouco noticiaram a prisão de Rackete.
Ainda a velha visão colonialista de olhar com desdém para o resto do mundo, que não é só a americana, permanece e pouco olham para seus crimes e barbaridades, em especial contra os outros povos e nações que tem uma cosmovisão diferente da europeia.
Não reconhecem a penumbra e a cegueira que vivem, nem mesmo a própria cosmovisão é muito clara, além dos interesses políticos e econômicos, pouco ou nada sobra de um respeito por outros povos e culturas, e pouco reconhece a própria decadência e crise de pensamento.
A arrogância de uma cosmovisão limitada, apesar de sua origem do cristianismo, vale para boa parte do pensamento europeu, é fato que existem resistência e grupos que protestam, vale para a cosmovisão aparentemente fraterna da Europa aquele dito bíblico sobre o farisaísmo no tempo de Jesus, Lc 10: 12: “eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que esta cidade”, referindo a povos que rejeitavam a mensagem fraterna cristã.
É claro que só se pode falar de um cristianismo com uma cosmovisão de respeito e verdadeira fraternidade com todos os povos e culturas, pois o restante é farisaísmo e orgulho cultural.
O olhar com desdém aos povos sofridos, explorados e colonizados ainda é estigma de nosso tempo, ainda é fruto de uma cultura de dominação e exploração dos povos e da natureza.
No video abaixo a capitã do Sea-Watch, Rackete, fala após o lançamento da prisão domiciliar (pode-se ativar legendas):
Cosmologia, Cosmovisão e diálogo
A origem da palavra grega “kosmos” está ligada a ideia de ordem, universo (ou multi), beleza e harmonia, também o cosmo através da posição das estrelas ajudaram a organizar o calendário na origem da história humana, hoje pode estar ligado também as cosmogonias e visões do início e fim do uni-multiverso, da natureza e do homem.
A ausência de uma cosmovisão empobrece também a visão do Ser, Emanuel Lévinas examinando o tema fez em seu livro Ética e Infinito, uma crítica radical da categoria da totalidade, típica da filosofia ocidental que levou ao culto do Mesmo e do Neutro, do pensamento absoluto que levou a tiranias e ideologias totalizantes.
Na Física aristotélica, anterior a física moderna e impensável naquela momento uma astrofísica do multiverso, ele elaborou um modelo estático, de eterno fluxo do devir, submetido a uma ordem, a revolução copernicana colocou tudo em movimento, e a astrofísica moderna recuperou o modelo do “infinito”, onde a matéria e a energia escura dominam 96% do universo.
As cosmogonias são fundamentais para entender a formação de culturas e pensamentos religiosos de diversos povos, as lendas e mitos geralmente podem ser pensadas em torno de uma metafísica, e as crenças que as tornam possíveis como explicação do mundo.
A cosmovisão está presente em qualquer forma de pensamento, assim o materialismo, o idealismo e o espiritualismo são cosmovisões, como uma apreensão parcial da totalidade e a solução e encontro do Outro são feitos em função desta cosmovisão.
Assim num diálogo de culturas, imperativo para um mundo globalizante e a exigência de uma cidadania global ainda que não reconhecida, é necessário esclarecimentos desta cosmovisão, de modo não totalizante e ao mesmo tempo que admita o infinito como mistério e devir.
Encontramos no Dicionário básico de Filosofia (Jupiassu, Marcondes, 2008) que a cosmologia supõe a possibilidade de um conhecimento do mundo como sistema e como expressão de um discurso, o postulado de uma totalização do mundo, se feito pelo saber, torna indispensável a ideia de uma eventual cosmologia do próprio saber.
JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
O video below mostra a visão cósmica de David Southwood da ESA (European Space Agency):