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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

A guerra escalou

28 out

No final de semana Israel revidou os ataques do dia 1º. de outubro quando o Irã lançou cerca de 200 mísseis contra Israel, pela morte do líder do grupo extremista Hezbollah Hassan Nasrallah, os alvos aparentemente foram todas bases militares e o Irã lamentou a morte de 4 militares.

Os alvos também não são claros, porém há relatos das cidades na Síria de Homs, Damasco (capital) e Daraa, no Irã as cidades de Karaj (arredores de Teerã), as cidades de Mashhad, Isfahã e Shiraz (gráfico), até a noite de ontem (27/10) poucos revides do Irã aconteceram.

Porém o envolvimento direto de Irã e Israel, o clima na região é explosivo e já escalou.

Também na Rússia, soldados norte-coreanos foram enviados para reforçar a guerra na Ucrânia, além de treinamento que será recebido, também muitos, segundo fontes da Ucrânia, serão enviados para a região invadida de Kursh, onde a Ucrânia mantém o domínio, este envolvimento também mexeu com a Coréia do Sul, com o qual tem os maiores litígios.

O envolvimento também se projetou na reunião do Brics feita em Kazan, a formação de um bloco econômico é uma das formas de enfrentar as diversas formas de bloqueios feitas aos países que estão em guerra ou sob ditaduras militares, não acaso, estão envolvidos em guerras.

Ainda há esperança de paz, sempre para aqueles que não desejam soluções autoritárias e bélicas, ainda que os problemas envolvidos sejam graves, porém as guerras não os resolvem e ainda na maioria das vezes pioram as possíveis saídas sustentáveis.

Apontamos no último post, fazendo uma releitura de Edgar Morin, salientamos o seu capítulo Conservar/Revolucionar do seu livro Terra-Pátria, onde salienta que não podemos mudar para um novo horizonte futuro abandonando as conquistas humanísticas já conquistadas, direitos humanos, liberdades democráticas e tolerância cultural-religiosas de todas etnias.

Sempre esperamos uma reviravolta, ainda neste quadro grave, é preciso uma resistência do espírito, ou seja, onde os valores humanos fundamentais estejam assegurados.

 

Conservar/revolucionar e resistir

25 out

O que fazer se a crise civilizatória chegar aos limites humanos e continuar a se humanizar ?.

A resposta de Edgar Morin está no capítulo 4 do livro Terra-Pátria ao estabelecer “Nossas finalidades terrestres”, onde estabelece: “A tomada de consciência de nossas raízes terrestres e de nosso destino planetário é uma condição necessária para realizar a humanidade e civilizar a Terra” (Morin, 2003, p. 99), e salienta que a primeira é conservadora e negligencia “deliberadamente aqui o adjetivo “revolucionária”, que se tornou reacionário e muito manchado de barbárie” (idem) e basta ver as atrocidades do escalonamento das guerras atuais.

Conservadora porque “trata-se de preservar, de salvaguardar não apenas as diversidades culturais e naturais degradadas por inexoráveis processos de uniformização e destruição, não apenas as conquistas civilizacionais ameaçadas pelos retornos e as manifestações de barbárie” (idem p. 99) não podemos regredir nos marcos civilizatórios que  já alcançamos, mais que isto, é preciso evoluir.

É um paradoxo, mas justificável: “A conservação tem necessidade da revolução que asseguraria a busca da hominização” (Morin, 2003, p. 100) onde o paradoxo “aparentemente contraditório, conservar/revolucionar: é o paradoxo progredir/resistir” (idem), onde o resistir é “estar na defensiva em todas as frentes contra os retornos e manifestações da grande barbárie, escrito antes do novo milênio, isto é muito atual em face a possibilidade de guerra.

Resistir, para o autor, é se antepor a duas barbáries crescentes: a “crueldade odiosa” que se exprime “no assassinato, na tortura, nos furores individuais e coletivos” e a “crueldade anônima vem da barbárie tecno-burocrática” de estados totalitários assumidos ou presumidos.

Assim, o autor que fala da “hiper-especialização”, “anonimização, da abstração, da mercadorização que conduzem juntas à perda não apenas do global” vê a necessidade imperiosa de resistir a esta mentalidade que conduz necessariamente a barbárie e ao processo de degradação.

Assim a busca “da hominização deve ser concebida como o desenvolvimento de nossas potencialidades psíquicas, espirituais, éticas, culturais e sociais” (p. 101) é parte deste paradoxo resistir/revolucionar, assim o desenvolvimento deve ser concebido de maneira antropológica, isto é, “romper com a concepção do progresso como certeza histórica para fazer dele uma possibilidade incerta …” (p. 102).

E acrescenta ele deve “compreender que nenhum desenvolvimento é adquirido para sempre: como todas as coisas vivas e humanas, ele sofre o ataque do princípio de degradação e precisa incessantemente ser regenerado” (p. 102) e aponta a ideia falsa de desenvolvimento, pois “: o subdesenvolvimento dos desenvolvidos aumenta precisamente com seu desenvolvimento tecno-econômico” (p. 104), a guerra e os conflitos partes justamente dos “desenvolvidos”.

Assim a noção de subdesenvolvimento: “por mais bárbara que seja, estabelece um vínculo antropológico entre os ditos desenvolvidos e os ditos subdesenvolvidos; ela incita a uma ajuda técnica e médica útil – abrir poços, desenvolver fontes de energia, lutar contra as endemias e as carências nutricionais -, embora se efetue em condições de exploração económica, de degradação natural e de urbanização miserável que ocasionam novos males” (p. 105).

Assim é preciso “suportar” as diferenças e até estabelecer vantagens sobre elas, não mais ignorar ou demonizar culturas diferentes, estabelecer ajuda e acordos para o desenvolvimento global e o processo de ampla humanização, que o autor chama de “hominização”.

MORIN, Edgar  & Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.

 

Dilemas sobre a paz na Europa e Oriente Médio

21 out

O primeiro grande dilema, embora bastante é obvio, não tem respaldo na grande imprensa internacional: falta forças que queiram a paz de modo equidistante dos países em conflito.

Outrora a ONU poderia representar este papel, mas com lutas internas entre as grandes potências este poder está limitado a discursos e tentativas de sensibilizar as partes em guerra.

O segundo grande dilema vem de um sério equívoco que é comum ver em forças belicistas: se deseja a paz prepare-se para a guerra, pois é justamente o contrário, se deseja a paz lute por ela.

Além dos países em conflito, todas as regiões fronteiriças se acham sensibilizadas para a guerra, no leste europeu por exemplo, foi notícia na imprensa alemã, que a Estônia que possui apenas 6.500 militares na ativa e uma população de 1,3 milhão de habitantes, fez a simulação de um plano de evacuação recente para retirada da população, embora 60% dos cidadãos se digam dispostos a defender o país, não teriam preparo militar para isto.

Uma curiosa estrutura de defesa foi implantada na fronteira de muitos países bálticos (foto do jornal alemão DW – Deutsche Welle) instala na fronteira, não se sabe a eficácia, mas é para a guerra, a proximidade da Ucrânia e da Rússia faz vários países bálticos se preparem para o pior.

Em meio a ataques israelenses e pouca ajuda pública, são forças ativistas que estão no Líbano que entram em ação, ainda que politizada e insuficiente para as pessoas necessitadas, é o que tem mantido a ajuda humanitária no país, há denuncias inclusive de ser um “negócio” para a Síria, segundo o mesmo jornal DW militares e forças de oposição na Síria cobram valores exorbitantes para o transporte de, refugiados fugindo da guerra.  

Isto induz a um terceiro e grave dilema, a cruz vermelha e o crescente vermelho (versão árabe da cruz vermelha) embora não aceitem a polêmica religiosa, é ela que divide forças de ajuda.

O quarto dilema é resolver a questão de fundo ideológica e cultural-religiosa de fundo nos conflitos, o sociólogo Raymond Aron proferia no período da guerra fria (EUA x União Soviética) uma frase mundialmente conhecida: “A guerra Fria foi um período em que a guerra era improvável, e a paz, impossível”, o dilema agora é inverso: “a paz é improvável, e a guerra possível”, as forças imperialistas em jogos não cederão com facilidade os interesses disputados.

Como pensar na paz, parece um caminho árido e pouco prático, mas grandes pensadores têm apelado para ele: “a resistência do espírito” e como consequência “a resistência da esperança”, Edgar Morin entre outros apontam este caminho, talvez o único mudar a mentalidade do poder, para pensar em solidarizar e servir toda a humanidade, não um grupo específico. 

 

A ausência de equilíbrio e do Ser

17 out

Uma análise da cultura ocidental não pode ficar sem a compreensão da Ira, diversos autores analisaram a questão, Byung-Chul Han lembra que uma das primeiras palavras na Ilíada de Homero que começa assim: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, mas não é só.

Aristóteles define raiva como: ““um desejo, acompanhado de dor, de vingança percebida, em razão de uma desconsideração percebida em relação a um indivíduo ou seu próximo, vinda de pessoas das quais não se espera uma desconsideração” (2.2.1378a31-33) escreveu sobre Retórica, porém Peter em seu ensaio Ira e Tempo ressignifica esta visão psicanalítica que reduz o sentimento a uma mera válvula de escape para desejos não realizados e a redescobre como um conceito político do século XXI (imagem parte da capa).

Diz o autor “Enquanto a ligação entre espírito e ressentimento era estável – a exigência por justiça para o mundo – seja para além da vida terrena, seja na história que acontece – pôde se refugiar em ficções que foram aqui minuciosamente tratadas: na teologia da ira de Deus e na economia timótica mundial do comunismo” (Sloterdijk, 2021), que toma um tema polêmico.

O certo é que há ira dos dois lados, e não nelas não reside o “já” mas “não ainda” que tratou-se no post anterior, porque ambos pensamentos se acham filiados ao idealismo moderno, e esta é a critica central a Kant e ao idealismo alemão de Hegel, não apontam para uma justiça.

Nela há uma ausência da dor, que antecede a com-paixão, mais que ato de misericórdia (miseri cordis, do coração), é um ato de adesão e justificação das periferias existenciais, onde a dor da justiça reside, mas como existencial também reside nos corações desiludidos e cansados.

A contemplação e o já e não ainda, que atinge tanto a esfera terrena como a divina, exige uma vita activa que é aquele do equilíbrio psicológico, familiar e social que não exclui o outro, não raramente aqueles que defendem a justiça apenas terrena ou apenas divina, não tem uma ação pró-ativa que leve ao encontro da dor, amplamente analisado na “Sociedade paliativa” de Byung-Chul Han, eliminados a dor pela transferência ao “paraíso” terreno ou divino, sem nossa com-paixão.

O equilíbrio do Ser, que se já se realiza, mas não ainda (completamente), tem algo a dizer do justo, do bem comum e da paz.

 

SLOTERDIJK, P. Ira e tempo. Trad. Marco Casanova. São Paulo: Estação Liberdade, 2021.

 

Ontologia, idealismo e a verdade

16 out

O pensamento de Heidegger deve partir da questão do Espírito em Hegel, lido por Byung-Chul em Introdução à Fenomenologia do Espírito “em termos do esquecimento do ser” (questão central de Heidegger), ele a vê como um “eu árido” que encontra “sua limitação ao ente que lhe sai ao encontro” (Han, pg. 334 citando Hegel).

Embora recupere Hegel, em parte, na epígrafe do último capítulo: “a verdade é o todo”, ele rediscute a dialética e sua metafísica no idealismo: “em relação ao “apenas ser” que o esvazia até um nome “que não nomeia mais nada”, a consciência natural … quando se dá conta do ser, assegura que ele é algo abstrato. ” (Han, pg 336).

A consciência natural (vista assim) “se demora em ´perversidades” … “ela tenta eliminar uma perversidade organizando outra, sem se lembrar da autêntica inversão” onde “a verdade da essência do ser se recolhe ao ente” (pg. 336 com citações de Heidegger), que vê nisto um passo atrás e o “já” esquecido, incompreendido (pg. 337), não aparece completamente negado, aparece na forma de “ainda não” que não é uma negação, nem uma barricada, posto “ao lado do já impede que ele se apresente” (pg. 337).

Há todo um desenvolvimento em contraste com a dialética de Hegel, mais que um tópico poderia muito bem ser um livro, porém o diálogo que trava com Derridá e Adorno no capítulo sobre o Luto e o trabalho do luto, encaminha para sua visão do todo fora da abstração dialética, diz a preocupação com a imortalidade, com matar a morte, não é secreta apenas no coração de Platão ou Hegel (pg. 384), seria a principal preocupação com o arquivo “cardiográfico” da história da filosofia, nela o filósofo “trabalha” para reverter o negativo do ser.

Este é o que vai dar base ao seu “trabalho do luto”: “ser capaz da morte como morte”, isto é, ser capaz do luto, esta “tragédia” “se distingue radicalmente do ruidoso trabalho do luto da dialética hegeliana” (Han, p. 385).

“As lágrimas liberam o sujeito de sua interioridade narcísica … elas que o “feitiço que o sujeito lança sobre a natureza” (Han, p. 394) agora citando Adorno, e o autor afirma que a “Teoria Estética é o livro das lágrimas (idem) e que ao contrário de Kant, e que “o espírito percebe, frente à natureza, menos sua própria superioridade do que sua própria naturalidade” (p. 395).

“A experiência estética abala o sujeito narcísico que se julga soberano e faz desmoronar o endurecido princípio do “eu” … a lágrima do sujeito abalado e comovido prova ser capaz de verdade” (pg. 395).

Capaz da verdade, do infinito e para os que creem de Deus, não um Deus dos bens passageiros e de falsa alegria, mas aquela do já, mas não ainda, aquela além da dor e da transitoriedade das coisas temporais.

HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Noética, Ontologia e a guerra

14 out

Para Platão noésis é superior à dianóia, que é discursiva e aparentemente lógica, enquanto a primeira é uma elevada atividade mental possível, habitando a esfera do Bem e da Harmonia.

É uma possibilidade de acesso ao mundo “divino” (o sumo bem de Platão que está no eidos), é transcendente, absoluto, além do raciocínio humano comum, os filósofos a perseguem sem ao menos tocar na questão da crença de um Deus superior onde a noésis “habita”, não é Ser, mas atitude mental.

Já a dianóia enquanto habita um raciocínio lógico, matemático e técnico fica preso ao que a mente consegue captar do mundo terreno, mesmo admitindo equívocos, verdades não absolutas e as vezes confusas, elas habitam o cotidiano do humano, também desligado do Ser.

Há uma linha fundacional que vai da fenomenologia à antropotécnica de Peter Sloterdijk e Byung-Chul Han, envolvendo essencialmente a questão do Ser, a ligação entre a noesis e o noema, fragilizada pelo bombardeio de narrativas que o universo digital proporcionou, mas o esquecimento do ser, a ausência de interioridade levaram àquilo que Chul-Han chama de “desauritização” e a “pura facticidade” dita assim:

“O desencantamento do mundo se expressa como desauritização. A aura é o brilho que eleva o mundo para além de sua pura facticidade, o véu misterioso que envolve as coisas” (Han, 2023, p. 80).

Não se trata de negar a facticidade, mas de não permitir sua noesis, isto é a compreensão inicial na mente em toda sua aura, ela faz uma “seleção narrativa”, no dizer de Byung-Chul (falando sobre a fotografia): “Ela estende ou encurta a distância temporal. Ela pula anos ou década. A narratividade se opõe à facticidade cronológica” (Han, 2023, p. 81).]

São estas as mentiras das guerras, são de todas as guerras porque escondem seus reais motivos, mas particularmente das guerras atuais porque usam narrativas para mudar o que é evidente se lido na facticidade cronológica, em exemplo bem atual, o bombardeio na semana passada de um hospital de idosos na Ucrânia (foto) e o bombardeio de bases da ONU no Líbano, isto tem correlação com a crueldade e a ausência de qualquer narração que as justifique.

A paz está nos corações e autoridades que mantem a aura da esperança, o espírito solidário.

HAN, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

 

Verdade, noética e o Mal

11 out

Nos prolegômenos do primeiro volume de Investigações lógicas, Husserl que havia recebido forte influência de Franz Brentano, pai da psicologia social, vê como problema o relativismo e suas bases na visão de mundo turbada, assim à relatividade da existência de um mundo não é objetiva nem subjetiva, mas “a unidade objetiva completa que corresponde ao sistema ideal de todas as verdades de fato, e dele é inseparável” (HUSSERL, 2005, p. 136).

Isto porque cada tipo de objeto tem desdobramentos próprios possíveis, por assim dizer, tem um método próprio prescritos a priori por leis de essência determinadas pelo eidos da objetividade em questão (Husserl, 2006, 309), isto quer dizer que é a essência da objetividade que pré-determina o tipo de desenvolvimento concordante que se tem da experiência dele.

Pode haver a vivência da evidência nesta experiência do objeto, e isto colabora com seu status de ente enquanto um “ser verdadeiro” (Husserl, 2006, p. 309), aquilo que Husserl chamava de “Lebenswelt”, uma lógica da vida, neste caso da vivência experimentada com o objeto.

Assim um objeto que é o “puro X” se mantém estável em meio à multiplicidade de caracteres noemáticos, que se perfilam no decorrer de uma experiência, o objeto visado no pensamento pela consciência humana, ele precede a primeira ideia intuitiva que é a noesis (pensar X).

Essa visão noética é uma síntese de identidade, conceito central para o estabelecimento do objeto “efetivo”, “verdadeiro”, a objetividade apreendida em doação evidente, numa síntese de identidade concordante, é efetivamente, escreveu Husserl:

A todo objeto “verdadeiramente existente” correspondente por princípio (no a priori da generalidade eidética incondicionada) a ideia de uma consciência possível, na qual o próprio objeto é apreensível originariamente e, além disso, em perfeita adequação. Inversamente, se essa possibilidade e garantida, objeto é o ipso verdadeiramente existente” (HUSSERL, 2006, p. 316).

As sínteses envolvidas no pensamento fenomenológica, para o estabelecimento do “ser” ou do “não-ser” dos objetos correlatos noemáticos são “intencionalidades de ordem superior”, é aquilo que Husserl retirou do pensamento neotomista de Franz Brentano, livra-se do psicologismo, do eidos que temos do bem e do mal ainda escolástica do pai da psicologia social.

A intencionalidade de doação evidente dos aspectos ainda não presentes do objeto formam um horizonte intencional, na visão de Husserl, traz por sua vez, suas potencialidades já pré-determinadas, assim são falsas as visões fáticas de guerra e paz, de demônio e do mal.

São as intencionalidades mal-formadas (no sentido que não tem uma verdade noética), a verdade enquanto “ser”, enquanto “o verdadeiro” nas leituras fáticas e idealistas, são para Husserl uma “efetividade” (Wirklichkeit) já que guarda coerência em seu núcleo.

Assim o pensamento tradicional pensa ser ortodoxo ao se referir ao outro como “mal” ou como “demônio”, quanto na verdade esconde a intencionalidade noética de seu interior.

Husserl, E. Investigações lógicas. Primeiro volume: Prolegômenos à lógica pura. Tradução de D. Ferrer. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2005.

Husserl, E Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Tradução de M. Suzuki. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006

 

As guerras e as narrativas

08 out

Ésquilo escritos da Grécia antiga é o autor da frase: “a verdade é a primeira vítima da guerra”, o general russo aposentado Andrey Gurulyov, falou no canal Russia-1 apontando quais seriam os alvos da Rússia, que se preparava para uma grande guerra, a Jihad islâmica é um grupo de forte influência no Irã e que prega o fim de Israel, seu discurso é teocêntrico e não geopolítico.

São apenas algumas meias-verdades sobre a guerra, claro não escapam Israel e a Ucrânia que são aliados do ocidente na luta geopolítica econômica de preservar direitos de empresas e grandes capitais, por isso os dois lados tem dificuldades de entender a paz “civilizatória”.

No diálogo de Platão Teeteto, apontado com um dos primeiros na história sobre o relativismo, aparecem conjugadas as ideias de aparência, verdade e alma; a primeira exigência de Sócrates para iniciar o diálogo é que Teeteto abandone suas ideias iniciais, e ao perguntar sobre o que é conhecimento e obtendo a resposta sobre a Geometria e demais artes, Sócrates responde com ironia: “És nobre e generoso, amigo, pois te pedem algo simples e tu ofereces múltiplas e diversas coisas”.

A segunda questão é como chegar ao conhecimento, e a resposta de Teeteto é a “sensação” (ou percepção) que Sócrates indica que devemos abandonar a “familiaridade” que temos das coisas, diz no diálogo: “Parece-me que aquele que conhece algo percebe aquilo que conhece, e para dizer a coisa tal como agora ela se manifesta, o conhecimento nada mais é do que sensação.”

Assim são dois passos primários e essenciais para a verdade, a segunda resposta é um avanço sobre a primeira, pois assim os gregos as considerava: “Sobre isto todos os sábios, um atrás do outro, exceto Parmênides, devem concordar: Protágoras, Heráclito, Empédocles e, dentre os poetas, os que estão no topo de cada uma das composições, Epicarmo, na comédia, e Homero, na tragédia…”, citando os gregos até aquele período, os chamados pré-socráticos.

Assim até então, a verdade estava circunscrita a sensação, ao iniciar o diálogo sobre Protágoras chega a ideia do primeiro equivoco da verdade relativa: “O homem medida de todas as coisas não seria, ao fim e ao cabo, um homem confinado ao círculo restrito de sua experiência mais imediata e do que apenas a ele parece verdadeiro” e isto remete a aparência.

Usando esta ideia de “familiaridade” com as coisas, Platão abre uma crise na ideia dos gregos sobre conhecimento, e assim abrir um caminho novo ontológico sobre a alma, partindo de Homero “coração da alma” (194c), dificilmente haveria ocasião para erro, pois esta (a alma) prontamente faria a identificação correta da impressão atual, rompendo preconceitos.

PLATÃO. Teeteto. Trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

 

Totalitarismo e vidas inocentes

04 out

Na guerra a primeira vítima é a verdade, frase atribuída a Ésquilo da antiga Grécia, porém o trágico é a proporção de vítimas inocentes, almas puras e elevadas que a guerra consome por causa do pavor que líderes totalitários tem da liberdade, de pessoas livres e de humanismo verdadeiro.

São inúmeros os casos, desde hospitais e escolas que são bombardeados até casos de tortura e requintes de crueldade com pessoas que trariam grandes frutos para uma humanidade elevada e é exatamente por isso que mentes doentias as combatem.

Descobri entre estes vários nomes, através de uma aluna, uma judia de nome Etty (Esther) Hillesum, uma holandesa filha de pai holandês Louis Hillesum e mãe russa Rebecca Bernstein (Riva), professor de línguas antigas, de quem provavelmente nasceu o interesse por línguas, mas vai estudar línguas eslavas talvez inspirada na mãe, e depois tira mestrado em Direito.

Seus diários e cartas são escritos durante a ocupação Nazista em Amsterdá, entre seus primeiros livros que tomei contato estão “Une vie bouleversée” (Uma vida virada no avesso) e 15 dias de orações com Etty Hillesum (esta publicação em português pelas Paulinas).

Uma de suas frases “dentro de mim há um poço profundo”, onde dentro dele existe areia e pedras que impedem a chegar a algo mais límpido revela um caminho místico e a busca que há dentro dela de atingir uma interioridade mais profunda, é um refúgio, diria uma resistência espiritual ao nazismo e ao clima que era gerado a sua volta.

A relação com psicoquirologista Julius Spier (que tinha influência da Karl Yung), inicialmente para tratamento e depois há um envolvimento pessoal, desperta sua intelectualidade já que em março de 1941 começa a escrever seu primeiro de 8 diários.

Em junho e julho de 1942 aprofunda seu diálogo místico, escrevendo: “Deus se tornou um interlocutor …” e é neste contexto que se pode falar de seus escritos sobre a oração.

Escrito em “15 dias de oração com Etty Hillesum”: “Ele me tomava pela mão, por assim me dizer, e me falava: “Pronto é assim que se deve viver” sobre o primeiro dia, dirá sobre o segundo: “uma hora de paz, é preciso aprender … vou voltar-me para meu interior .. uma meia hora de ginástica e uma meia oração de meditação”, terceiro dia: “Hineinhorchen: escutar interiormente”, escutar a si mesma, aos outros e a Deus.

Assim vou seguinte o itinerário de Etty: quarto dia: “perdoar meus pais e seus limites”, quinto-dia: “entregue a si mesma e á própria guarda”, enfim de uma alma pura e inocente que indica não apenas um caminho de orações repetitivas e sem sentido, mas um caminho interior.

Uma das milhões de alma inocentes morreram em campos de concentração, ela encontra ainda jovem com 29 anos sua morte no campo de Auschwitz, seus escritos são puros e profundos, lembra a pureza das crianças e das pessoas que vivem uma humanidade humana.

FERRIÈRE, P., MEEÛS-MICHIELS, I. 15 dias de oração com Etty Hillesum. São Paulo: Paulinas, 2016.

 

Acreditar na proteção divina e fazer o bem

02 out

Apesar do clima de guerra devemos desejar a paz, alertamos no post de ontem que uma escalada era eminente e aconteceu, o clima e discursos de ódio de ambos lados na atual polarização mundial avança e só estarão em paz aqueles que continuam a fazer o bem.

Parece heroico, inocente ou mesmo pueril continuar a desejar e fazer o bem, mas este é o único caminho para não cair na banalização do mal, na polarização e no discurso desumano.

Ontem na noite de segunda no Brasil e madrugada de terça em Israel, mais de 180 mísseis do Irã foram lançados sobre Israel, eram mísseis hipersónicos que viajaram em 12 minutos até atingirem o solo de judaico, o número de vitimas e alvos atingidos não foram divulgados.

O envolvimento do mundo árabe, a Turquia, Líbano e Síria já declararam apoio ao ataque, que teve comemorações palestinas em Gaza, leva o confronto a uma escala mundial, nos Estados Unidos, Biden pediu às forças na área a defesa de Israel, que promete retaliação ao Irã.

A possibilidade de fechamento do golfo de Omã afetará o preço do petróleo mundialmente e com isto o encarecimento de produtos que dependem do transporte e da logística mundial.

Somente aderindo ao bem, a paz e sua vida no dia-a-dia é que nós podemos nos manter num clima emocionalmente equilibrado e sereno, mesmo diante de circunstâncias adversas, onde todo cedem ao pânico, ao ódio e a banalização do mal.

Para a filósofa Hannah Arendt a banalidade do mal é o fenômeno que recusamos no nosso caráter à reflexão e a tendência de não assumir as consequências de iniciativas de atos que não assumem as consequências do mal, e com isto impedem a adesão ao bem.

Somente temos uma proteção em nosso espírito e alma quando resistimos a tentação ao mal, aquilo que também o filósofo e educador Edgar Morin chama de “resistência do espírito” em meio a polarização, ao ódio e a guerra, com o bem atraímos a paz a nossa volta e a proteção divina.