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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Mistério não é ignorância

25 ago

Histórias de culturas, de tradições culturais que envolvem o imaginário, e o próprio imaginário são envoltos em mistérios, mas não se deve confundi-los com ignorância ou superstições, é isto que pode-se ler no livro do quase centenário Edgar Morin “Conhecimento, Ignorância e Mistério”. le-se aí muito sobre o conhecimento, algo sobre a ignorância e o essencial sobre o mistério, a dosagem de Morin é perfeita e um bom remédio para o pandêmico.

Ele prepara um livro para a pandemia, mas como sempre se antecipa à história espero ler e acredito que ele é um dos poucos que pode falar sobre o novo nomrla ou o pós-pandêmico justamente porque enfatizou numa de suas conferências que a crise sanitária nos pegou de surpresa e nos colocou de joelhos.

Além de livros planetários como “Terra Pátria”, sobre epistemologia “O Método” em seis volumes, é um dos raros que se arriscou a trilhar novos caminhos em nossos dilemas globais através de “Para Sair do século 20” e “Diante do Abismo”, porém neste livro de 2018, o seu salto é sobre o mistério sem escorregar pelos caminhos fáceis da crendice e da ignorância, questiona tanto o fetiche da razão como o determinismo materialista, entre suas diversas obras estão os Estudos Transdisciplinares feito num no Centro destes estudos em Paris com o filósofo, importante para o mundo digital Michel Serres, recentemente falecido, e proclama que podemos com a disciplinaridade e com a excessiva especialização caminhar para um novo “obscurantismo”.

Separa claramente a ignorância do mistério, para ele ““Só podemos apreender o real por meio das representações e interpretações. A realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas nossas percepções, como também pela nossa linguagem, nossas teorias ou filosofias, nossas culturas e sociedades”, e o mistério é para ele equacionado pela transdisciplinaridade como “a contradição a que chega todo conhecimento aprofundado não é erro, mas última verdade concebível”.

Valoriza o mistério como caminho de descoberta e conhecimento: “O conhecimento complexo é o caminho necessário para chegar ao incognoscível. Caso contrário, continuamos ignorantes da nossa ignorância. O mistério em nada desvaloriza o conhecimento que a ele conduz.”

Chama o nosso meio atual como tendo uma “cultura do cancelamento”, uma meia-sola mais rancorosa nas velhas patrulhas ideológicas, e elas parecem agora recrudescer com o retorno da polarização ideológico, que no pós guerra criou uma tensão constante em toda humanidade.

 Que lembra quando as crianças tapam os ouvidos e emitem cantilenas miméticas (ele chama de guturais) para não ouvir interlocutores que as contradizem (se você nunca fica sabendo que pode estar errado, estará certo para sempre), assim a polarização e radicalização parece vir da educação berçária.

Não é só o meio natural que precisa de biodiversidade, o meio cultural e a democracia também precisa, como afirma Morin na verdade “dependem da biodiversidade”, estamos dispostos a conviver com o que é diferente ou desejamos eliminá-lo, a resposta dada em escala global é assustadora, está sim não é mistério para ignorância e desprezo pelo Outro.

MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. 1ª. edição. BR: Bertrand do Brasil, 2020.

 

Para vocês quem é A verdade ?

21 ago

O certo é que a verdade é quem e não o que porque o que será só um objeto e esta verdade só poderia ser estabelecida por uma relação dual: do sujeito com o objeto o qual ele interpreta, é por isto que caímos no relativismo ou na pura doxa, a opinião, a verdade só pode ser estabelecida na relação om o Outro, na filosofia socrática, a verdade não está com os homens, mas está entre eles, na sua relacionalidade.

Porém o estabelecimento desta verdade requer o desvelamento ontológico, não é simples porque embora seja intrínseco ao ser, o que ocorre a partir do idealismo é um grande velamento do ser, somente a partir de Heidegger vai se pensar este desvelamento, mas ainda permanecemos na noite do pensamento e da cultura.

O ser na relação com os objetos, que é também intrínseca do ser, ele é substância material, a hylé grega, da qual surgiu o hilemorfismo (teoria que agrega hylé e morphé) segundo a qual todos os seres corpóreos são compostos por matéria e forma, que a partir da escolástica é pensada como substância.

As consequencias desta verdade ontológica tem impacto na antropologia filosófica, a que estuda como o homem pode compreender-se, assim um sentido metafísico é recuperado e pode-se discutir o homem também num sentido escatológico, de onde vem e para onde irá, ou teleológico como prefere a literatura convencional.

Filósofos como Bernar Groethuysen afirmou que “a reflexão sobre nós próprios, reflexão sempre renovada que o homem faz para chegar a compreender-se”, já Landsberg dirá de outra forma: ”explicação conceitual da ideia do homem a partir da concepção que este tem de si mesmo em determinada fase de sua existência”, mas a pergunta cabe a todos e para você quem ou o que (para a pergunta não ser direcional) é a verdade ?.

Se a pergunta é hilemórfica, o homem veio do pó e ao pó retornará, mas há uma resposta aórgica, especial para nossos dias, a sua forma ou estrutura poderá mudar e assim haverá uma mudança, aquilo que Fritjof Capra chamou de reinvenção do homem, e que eu pensando como cristão, uma mudança em sua alma.

Após uma longa convivência com os discípulos é a pergunta que também Jesus vai fazer aos seus discípulos (Mt, 16:13-14): “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem “ Eles responderam: “alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias, outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”, porém quem é hoje para nós, não para os não crentes, mesmo para cristãos ainda parece ser um personagem enigmático, milagreiro, histórico, político ou era mesmo Deus ?.

A verdade pode parecer simples demais, não ter uma lógica profunda intrincada, não ser ligada a nenhuma forma de poder ou política temporal, mas e se for Ele a verdade ? quanta coisa mudaria na vida do planeta, como mudaria nossa visão da pandemia, da distribuição dos bens e da solidariedade ?

Aos que não creem e se for mesmo Verdade, poderia ser uma grande resposta em tempos de pandemia e de dificuldades sociais, mas a pergunta d´Ele próprio para nós está aí, teríamos coragem de responde-la a todos os homens ?.

 

A verdade é lógica, ontológica ou poder

20 ago

Os sofistas diziam que o homem é a medida das coisas (Protágoras), não para afirmar qualquer princípio ontológico, apenas para reafirmar o status quo vigente que em última instância é o poder, usavam para isto a arte da persuasão (Górgias) e por último afirmavam a conveniência do mais forte (Trasímaco), quase todos aparecem nos diálogos de Platão, através dos diálogos de Sócrates) e cuja preocupação era contestá-los para afirmar a democracia da polis.

Depois vivemos vários séculos organizando as leis até fazer a passagem da cidade-estado grega para os burgos pós-idade média, onde o liberalismo vai crescer até tornar-se o Estado moderno, criando o conceito de nação e o contrato social que rege determinado povo.

Para a visão epistemológica moderna, a verdade está ligada ao objeto (a coisa em si) e isto o torna relativa, pois está submetida ao espaço, ao tempo e às categorias, este conceito vem de Aristóteles, mas foi sobre ele que o pensamento da idade média se dividiu entre nominalistas e realistas, mas para ambos e também para Descartes que vai estabelecer a res-extensa (matéria), a res-cogitans (coisa pensante) e a res divina (coisa pensante perfeita, infinita).

É Kant que faz a ligação da coisa pensante sobre o objeto tornando-se relativa, pois tal verdade é ao sujeito cognoscente tendo então uma face subjetiva, própria do sujeito, para ele a “coisa em si” (o objeto) transforma-se em “a coisa em mim” (sujeita a subjetividade).

Isto significa que diante do objeto, a consciência desenvolve o trabalho na produção da verdade de acordo com o espaço em que esse objeto está ocupando, o tempo que ele está situado e em que categoria se encaixa, trata-se então de categorizar e organizar os objetos em torno de conceitos.

Não é difícil entender que isto cria uma estrutura lógica que vai num primeiro instante criar uma lógica positivista e mais tarde um empirismo lógico, ou um neologicismo, em ambas correntes qualquer aspecto metafísico é negado, assim a lógica não é mais função de uma construção argumentativa, mas de um cálculo de proposições que segue uma estrutura lógica, em última instância é também o que justifica o poder e suas maquinações.

Retornamos as narrativas sofistas, a ideia de que é o poder que diz o que é verdade, então trata-se de conquistá-lo muitas vezes numa lógica na qual os fins justificam os meios, assim justifica-se a corrupção, a ausência de virtudes morais e até mesmo a morte.

A verdade ontológica parecia ter sucumbido, mas foi a hermenêutica e a fenomenologia as raízes que recuperam a ontologia moderna, Franz Brentano vai usar uma subcategoria do conceito ontológico de consciência, ao elevar a intencionalidade a uma categoria superior e torná-la “fenômeno mental”.  

Husserl aluno de Brentano, vai recriar a intencionalidade e retirá-la do aspecto psicológico ainda com resquício empirista, e vai dizer que só tem sentido chamar de consciência, a “consciência de algo”, isto significa que não existe consciência da coisa-em-si, mas a intencionalidade na consciência de algo.

A intencionalidade distingue a propriedade do fenómeno mental: ser necessariamente dirigido para um objeto, seja real ou imaginário. É neste sentido, e na fenomenologia de Husserl, que este termo é usado na filosofia contemporânea, também por Heidegger, mas que vai recuperar e transformar a ideia do Ser.

Entretanto é necessário lembrar que Heidegger em O meu caminho na fenomenologia, deveu-se a leitura em 1907 da dissertação de Brentano escrita em 1862: “Da múltipla significação do ser em Aristóteles” (Brentano, 1862) e isto significou uma retomada do caminho de seu mestre Edmund Husserl.

Heidegger ao contrário de Brentano nega a caracterização fundamental do ser como substância, uma vez que, Brentano ainda estava ligado à tradição interpretativa medieval, desconsiderando a dimensão do papel na linguagem, por isto dirá com propriedade que é uma “questão nova” o seu Dasein.

O ser-verdadeiro (a verdade ontológica) como ser-descobridor [Wahrsein (Wahrheit) besagt entdeckend-sein] é o modo de aparição da aletheia, é o que Heidegger dá o nome de desvelar, pegando-o ao pé da letra (mas traduzido, o que já é uma interpretação):

“O enunciado é verdadeiro significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” (apophansis) o ente em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor.” (HEIDEGGER, 2009, p. 289)

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 4ª ed. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: São Paulo, 2009.

 

Depois da chuva e a pandemia

19 ago

O filme de um assistente de Akira Kurosawa, Tadashi Koizumi, tem este nome “Depois da chuva” (Ame Agaru, 1999) era um roteiro de Kurosawa que Tadashi herdou, o primeiro ponto que pode-se destacar neste filme é a relação homem/natureza que limita a ação humana e ficam presos no meio de um caminho esperando a chuva passar, como muitos outros tem também um samurai, mas ele vai ter ali que realizar uma tarefa que não é muito digna de um samurai, arrumar dinheiro para as pessoas que ficam ali poderem comer, esta é minha analogia com a pandemia, ali do tempo em que todos ficam presos na casa, analogia que faço com o isolamento social.

O protagonista do filme é um personagem do tipo “jidai-geki” (os filme que tem inspiração na história do Japão), poderia ser também um filme sobre o “outono de um samurai”, há outro filme de roteiro feito por herdeiros de Kurosawa chamado “Rapsódia em Agosto” (1991), neste o diretor foi Kiyoko Mura.

Esta cosmovisão de não conceber o homem separado da natureza, em tempos que a ecologia era ainda tema marginal, agora com a redescoberta da natureza temos uma interessante analogia a ser feita, a natureza nos limitou atrás de um vírus, e ontem assistimos picos de temperaturas baixas no sul do continente americano, as temperaturas tem ficado 20ºC abaixo de zero em Rio Grande (Terra do fogo), de acordo com os dados do Serviço Meteorológico Nacional (SMN) da Argentina.

Já nos EUA onde é verão, o recorde de temperatura alta foi no “vale da morte”, 54,4ºC um recorde muito próximo da maior temperatura já registrada na região que foi de 56,9ºC em 1913, segundo o Serviço Nacional de Meteorologia (NWS) americano, a natureza dá seus sinais de reação a ação ecológica pandêmica de séculos.

Voltando a chuva no meio de uma mata por onde passam pessoas pobres, num certo momento o samurai se vê na condição de ajudar aquelas pessoas devido o longo período que estão isolados, e ao sair depara-se com um assassino que o samurai vai impedir um duelo que poderia terminar em morte, e por isto o senhor feudal dono daquelas terras decide emprega-lo como mestre espadachim, resta um escrúpulo que é aceitar dinheiro, o que é desonroso para o samurai.

O Samurai decide fazê-lo por um fim nobre que é ter alimento para aqueles pessoas que estão retiradas ali quase todas pobres por estarem fazendo aquele caminho pelo meio da mata, quando foram impedidos de prosseguir pela chuva.

Se a mensagem naquele tempo foi pouca apreciada, hoje com a situação econômica que teremos depois da pandemia, a mensagem é nobre e social.

Abaixo um link para ver o filme:

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=1mR0KV-c9EY

 

A pandemia e a doxa

18 ago

A mera opinião sobre temas tão complexos quanto o tratamento da pandemia expôs o mundo da mera opinião ou da “doxa” como os gregos chamavam aquilo que era oposto a episteme, ou o conhecimento organizado e sistematizado.

O número de soluções curiosas no combate ao vírus é enorme: usar limão até ozônio, os remédios que são efetivos para outras doenças como o uso da cloroquina para malária, usos de chás e águas quentes, determinadas frutas e legumes, a FioCruz que acompanha o desenvolvimento da vacina de Oxford fez uma pesquisa, que dá como 73% falsas as notícias sobre curas do coronavírus no Whatsapp, em sua grande maioria são receitas caseiras sem efeito nenhum sobre a doença.

Toda a vida no tempo de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) acontecia em torno da polis, onde já haviam então o cidadão da polis, o político, porém ainda dominavam os sofistas, que buscavam apenas argumentos para favorecer o poder, sem se preocupar com a justiça e a verdade.

No livro República de Platão o termo episteme, que antes suportava a possibilidade de ter habilidade para algo, agora adquire o conteúdo de saber pleno de certeza, um saber evidente que é ligado a realidade do Eidos (a Ideia para os antigos), com isto episteme é conhecimento verdadeiro e totalmente oposto a doxa, reduzida a simples opinião.

É na relação entre epistemologia e ética, que é possível considerar a ação sob um ponto de vista da doxa, embora não signifique um fundamento deste tipo de saber ético em Platão, pois ele aparecerá com Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em especial no seu livro “Ética a Nicômaco”.

O problema da determinação destes conceitos ligando-os a questões éticas aparecem nos primeiros diálogos até a República, que se mantém depois no diálogos sobre as Leis, tornando possível abordar esta questão em diálogos posteriores.

Platão usa os conceitos de nous (República VI 511d4) e noesis (República VI 511e1), a doxa está no mundo da realidade sensível, enquanto a episteme está no conhecimento dianoético (dianoia, é a forma de pensar menos elevado que a noesis) que tem por objetos os noeta, mas são inferiores a dialética (República VII 533d).

Aristóteles vai negar a existência de eide (pensamento puro) em termos platônicos, assim sua episteme vai designar para ele o conhecimento das causas necessárias (está desenvolvido nos primeiros analíticos) e consiste de na demonstração (apodeixis) e na sensação (aisthesis) tornam-se necessárias para a episteme.

Para não complicar muito, os gregos foram, é na Metafísica (E 1, 1025b-1026a) que o termo episteme vai designar uma organização sistemática dos conhecimentos racionais, chegando assim a apontar para o conhecimento teorético, em sua oposição ao conhecimento prático e poiético (Ética a Nicômaco VI 3, 1139b14-36).

Seja qual for a forma de conhecimento sistemático, a ciência tem seus caminhos e negá-los é colocar toda a humanidade a prova, nem receitas caseiras, nem vacinas sem as condições de testes são aceitáveis, é preciso prudência já pagamos um preço demasiado pelas mortes na pandemia, que a cura seja para eliminar as possibilidades de reinfecção e efeitos colaterais, é a dose do veneno que faz o remédio, porém o inverso é verdadeiro também.

 

A mãe do Senhor e a tragédia grega

14 ago

A tragédia grega Édipo Rei foi analisada pelo poeta Hölderlin, onde usa o termo aórgico para a busca que Édipo faz para saber que é, uma vez que fora doado a um pastor pelo pai Laio para cria-lo, para evitar a tragédia prevista pelo oráculo de Delfos, e para completar a tragédia Édipo acaba por desposar a própria mãe.

O termo aórgico aqui é usado para entender a corrupção da natureza humana, e pode ter um sentido novo a cada nova tragédia humana, é o sentido de Hölderlin ao dizer que “onde há medo há salvação”, devemos temer não só a pandemia que já é um desastre, mas o que pode vir de desumano e aórgico após esta tragédia.

Não faltam apocalípticos, no entanto o interessante seria pensar o além da tragédia e inverter o papel de Jocasta para uma mãe que defende e quer seus filhos são e salvos, e assim numa reinvenção humana olhássemos não para Eva da criação humana, mas para Maria que deu à luz ao divino filho.

Não é só o preconceito religioso que desvia deste sentido profundo da fecundidade e da maternidade humana, é a relevância do papel da mulher ao segundo plano, a a análise de Hölderlin envolve os paradoxos que comumente constituem o trágico, como o humano e o divino, e a tarefa poética da modernidade como uma tarefa possível para toda e qualquer poesia, assim seu plano cultural não pode eliminar o trágico, mas deve também incluir o divino.

É esta misoginia do humano ao divino que nega todo e qualquer papel da mulher, Maria deveria ser tema apenas religioso, mas também o divino ligado ao trágico, a Pietá ainda que lembrada e revisitada por tantos autores, esconde o papel da mãe desolada diante do filho desfalecido, também Salvador Dali em seu quadro Christus Hypercubus coloca uma figura feminina ao pés do quadridimensional Christus, inspirada em sua esposa.

Aos cristão ignora-se a passagem bíblica do evangelista Lucas (Lc 1,43): “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar “, e o Senhor neste caso não é apenas o filho divino-humano que nascerá de Maria, mas também o Deus Senhor de Maria e Isabel, que diz isto “cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), assim a relação é trinitária e aórgica, afinal o acontecimento natalino está envolto do mistério das leis do universo que sobre ela agiram.

Em meio a pandemia seria extraordinário se a mesma mãe da Pietá estive com a humanidade em seu colo (matris in gremio) e pudesse numa inspiração trágica e divina socorrer a humanidade que desfalece e vê um futuro cada vez mais sombrio a frente, os mistério de Medjugorje e Garabandal (aparições misteriosas) podem não ser apenas fantasias de crianças (hoje todos adultos), mas a própria revelação divina sobre o trágico humano, quem dera seja verdade, onde há medo, há salvação.

 

Pós-Deus ou reinvenção do humano

13 ago

A poucos dias li na Folha de São Paulo (em nota online) que o famoso físico-místico Fritjof Capra (Tao da Física) disse que a pandemia é uma “Pandemia é resposta biológica do planeta”, e também falou em sua conferência no debate temático Fronteiras do Pensamento sobre a “Reinvenção do humano”, no qual falaram também o economista Paul Collier e o escritor francês Alain Babanckou.

Em sua palestra supõe um despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas, o que ele e a futurista Hazel Henderson propuserem são perspectivas imagináveis, as quais olhando para o passado verificaram as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas, penso que sim pensando num cenário distante, pensei uma reflexão bem mais válida do que pensar no ano que vem.

No pensamento do físico-místico austríaco ele considera que uma consciência expandida ajudaria a superar as limitações cognitivas (e culturais acrescento), os pressupostos e ideologias equivocadas que ficaram para trás nas crises do século XX, a forma míope de avaliar tudo a partir dos preços e métricas de desenvolvimento e produtivistas, como o PIB, acabaram por permitir enormes perdas sociais e ambientes e a destruição das funções dos exossistemas planetário.

Pouco se fala sobre a persistência das religiões e as respostas que também elas podem dar e o papel que jogarão numa etapa pós-pandêmica, embora não explicitada pelo físico e nem pelos economistas que falam nesta conversa temática, a reinvenção do humano, mas suas raízes aórgicas, viemos do inorgânico, da terra seja por processões químicos, pelas mãos ou sopro divino, o certo é que fomos criados, assim uma escatologia completa não falará só do pós-humano, mas do pré-humano.

De onde viemos, do pó dos planetas, agora que podemos olhar aos milhares em todo cosmos como telescópios que são como a reinvenção da luneta de Galileu que sacudiu o século XVII, agora estamos olhando para um infinito cada vez mais enigmático, como partículas de Deus e como colapso de matéria em buracos negros, o que nos espera, não é apenas um pós-Deus, mas a reinvenção de uma cosmologia capaz também de dar ao homem a sua crise, cuja pandemia é só um sintoma.

Escreveu Peter Sloterdij em seu “Pós-Deus”, que a mitologia grega: “tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade de longe, quando se permitiu a alusão segundo a qual até mesmo os deuses imortais precisariam aprender a conviver com um destino de ordem superior” (Sloterijk, 2019, pag. 12) e os gregos chamavam isto de Moira, mas e este destino também preveja o Matris in Gremio escatológico, descrito pelo próprio Sloterdijk em “Esferas I: bolhas” (veja nosso post).

Aproveitando a alusão a rebeldia da natureza de Fritjof Capra, e se ela não se realizou ainda completamente, o pós-pandemia pode prever uma rebeldia aórgica de fora do planeta, e se Moira queira ainda ter uma última palavra, que era três e não apenas uma Cloto, Láquesis e as Átropos, que teciam os fios do destino (figura).

Enquanto Cloto significa fiar, Láquesis significa sortear, lembre-se o significado de Fortuna para os gregos, e, Átropos, significa afastar, num sentido escatológico, ou seja um fim, mas não um final, pode ser que depois de tudo se afaste o fim último e se tenha então uma nova esperança, quem sabe uma nova “iluminação”.

Sejam quais forem estes afastamentos da realidade, todos tornam-se importante num momento trágico, afinal a tragédia não é o que parece, e o romantismo e ilusionismo da modernidade é que mostrou sua verdadeira face de horror, envolto em belas palavras, promessas de felicidade e “bem-estar”.

Os cristãos, nos quais me incluo, sabedores desta “noite de Deus”, tem esperança em uma nova manifestação aórgica, afinal ela está no princípio da vida humana e deverá estar também nesta reinvenção do humano para um planeta que seja casa de todos.

Sloterdijk, Peter. Pós-Deus. Trad. Markus A. Hediger. RJ: Vozes, 2019.

 

A tragédia da cultura moderna

12 ago

Theodore Dalrymple, pseudônimo do médico e psiquiatra inglês Anthony Daniels, que propôs uma reflexão sobre o apodrecimento moral da cultura moderna, o efeito do perigoso politicamente correto na sociedade (como se ele fosse uma única posição política) e as consequências para a verdadeira cultura dos povos, o seu livro Qualquer coisa serve (2016) é uma análise “clínica” profunda de que tipo de crise cultural vivemos.

O autor colabora com vários periódicos The times, The Daily Telegraph, The Observer e The Spectator,  é um ponto de vista conservador que olha a história sem dúvida, mas nem por isso deixa de ser importante algumas observações que faz da vida contemporânea e vê como muitos outros o desgaste da cultura atual.

Ganhou o primeiro Liberdade em Flandres em 2011, região que fala o flamengo dois terços da Bélgica, depois de elogiá-la como culta vai criticar seu nacionalismo: “solicitei um quarto … a recepcionista me respondeu em inglês, mas não por conta do meu sotaque com minha esposa, que é parisiense, fez ela o mesmo. Fomos assim apresentados ao nacionalismo flamengo, que demonstra que país nenhum é excessivamente pequeno para o separatismo nacional” (pag. 30), a outra região é a Valônia que fala o francês, mas em Flandres só mesmo o flamengo, ainda que conheçam o francês.

Ele revela sua verdadeira identidade no livro ao dizer “como médico e psiquiatra, passei um terrível período de minha carreira tentando levar pessoas por um caminho que se me afigurava adequado e benéfico a eles” (pag. 81) e depois confessa seu fracasso, diz que seus pacientes eram “autodestrutivos que, se encarados de maneira imparcial e com mínimo de bom senso, não poderiam conduzir a nada além da angústia” (idem), mas não é seu ponto alto.

Noutra linha, mas também em defesa da cultura que se erigiu entre os povos do planeta, com raízes originárias claras e inconfundíveis, Byung-Chul Han, um filósofo coreano migrado para a Alemanha, também critica a cultura do liso, da ausência de imperfeições e ranhuras que se confunde na arte com o politicamente correto.

Escreveu Byung-Chul escreveu que a beleza hoje é lisa, não apresenta resistência, não quebra e exige likes, a distância convida somente ao toque, não há negatividade que é oposta, sem ela, desaparece a surpresa e o maravilhamento: “sem distância não é possível haver mística, a desmistificação torna tudo fruível e consumível.”, não há alteridade do Outro, há só espaço para uma diversidade estetizada e homogeneizada, e assim consumível e explorada.

Não se trata da defesa da tradição, bons críticos e bons reformadores sempre fazem um diálogo com o lado oposto, porém o que se trata é o esquecimento e até o desprezo pelas raízes originárias de cada cultura e uma massificação que quer tornar tudo uniforme e disforme.

É apenas um lado da cultura que atinge o pensamento que tornou-se vulgar e sofista, da religião que tornou-se ideológica ou fundamentalista, e da cultura da qual todos descendemos que é ignorada, as consequenciais sociais e morais são apenas a parte visível do que ocorre nos fundamentos da sociedade moderna.

DALRYMPLE, Thedore. Qualquer coisa serve. trad. Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2016.

 

O que há entre a tragédia e o idealismo

11 ago

O grande tema durante a pandemia, que atrai multidões é a felicidade, não por acaso, já que a felicidade estava em tudo o que está fechado agora: o shopping, o cinema, as casas de orgias e bebedeiras, o simples êxtase de estar em uma multidão frenética por algum motivo frívolo, afinal é a frivolidade que todos almejam que volte, não haverá nada de grandeza em penetrar na tragédia de uma pandemia, é preciso encontrar os culpados e puni-los por banirem a vida frívola e nos colocarem todos em tensão constante, em medo e longe do simples desfrute.

Nietzsche escreveu sobre O nascimento da tragédia, e culpava Empédocles por sua morte, porém foi Hölderling  que vai escrever sobre a Morte de Empédocles, foi ele antes de Nietzsche que rediscutiu a tragédia, e o trágico da tragédia, num diálogo com o idealismo alemão e foi quando cunhou a sua frase mais famosa: “onde há medo há  salvação”, quase na mesma linha que escreveu Cassius Clay que tornou-se Mohammed Ali: “é a ausência de fé que faz as pessoas temerem desafios”.

A pandemia não é outra coisa senão o fato de entender os limites do humano, a persistência da tragédia em nossas vidas e destinos, e a fatalidade da morte, aqueles que nunca pensaram nela são aquelas que mais a temem agora, nunca ela este tão próxima de todos, mas a tragédia é o mal, ou a falsa venda de felicidade fácil, é nela que se fiam os charlatães da filosofia, da fé e até mesmo da ciência sem “rótulo”.

A Morte de Empédocles, peça inacabada, onde Hölderlin trabalhava de 1797 até 1799, em seus textos poéticos deste período, onde pensava sobre a essência do trágico é marcado por um grande antagonismo, mas sobretudo a unificação do antagonismo com a contradição, onde deixa claro que o tema deveria ser “a verdadeira tragédia moderna”, talvez não durante as duas guerras também trágicas as enfrentamos, mas agora numa pandemia sem fim.

Em sua análise Empédocles odeia a civilização, é inimigo mortal da limitada existência humana, não suporta viver submetido ao tempo, sofre por não ser um deus, por não estar em intima união com o todo, e, por uma necessidade que decorre de seu ser mais profundo, decido morrer jogando-se no vulcão.

É menos mentiroso que os verdadeiros de formulas simplórias para a felicidade, porém trágico que queira ser ele próprio deus e que seria mais “nobre” que admitir um Deus, morto não pela tragédia, mas pelo idealismo alemão, afinal de Fichte a Schelling, a grande expressão que transgride o limite imposto por Kant ao conhecimento humano, ao considerar toda intuição, aquela que sensível aos objetos, torna-se intuição intelectual e intuição artística, sendo capaz de dar um conhecimento imediato ao absoluto, de possibilidade revelações que se dirigem ao todo.

Assim no ensaio “fundamento para Empédocles” diz que a tragédia é a expressão da “unidade íntima mais profunda” que se expõe por oposições reais, a ideia não só deve muito a análise de Schelling, que define a tragédia grega como apresentação conciliadora das contradições da razão, mas antecipa a visão hegeliana do poema trágico como apresentação da “tragédia que o absoluto encena eternamente consigo mesmo”, mas o absoluto aqui é vago, ideal.

No “fundamento para Empédocles”, Hölderling expõe como se dá a oposição harmoniosa entre arte e natureza, apresentando o processo pelo qual a natureza torna-se mais orgânica e o homem, mais aórgico, mais universal.

O conceito de aórgico aqui é fundamento, e a leitura aqui é de Françoise Dastur “Hölderlin, tragédia e modernidade” onde a define como “é a natureza desprovida de organicidade em sua unicidade infinita. O orgânico é a arte, que supõe, pelo contrário, organização e, portanto, oposição das partes”.

A na relação aórgica que pode-se encontrar a pandemia, o culpado é em última instância o vírus, o controle do vírus é questionável até que se tenha a vacina, fomos favoráveis ao isolamento social e em certos momentos do #LockDown, porém é na natureza desprovida de organicidade, um vírus que até então era estranho ao homem que alterou-o e se hominizou colocando o processo civilizatório em cheque, e a natureza parece revidar o que lhe propôs a humanidade.

Hölderlin, Friedrich; Curioni, Marise Moassab. A morte de Empédocles. SP: Iluminuras, 2000.

 

Se a Europa (e o mundo) despertarem

07 ago

Peter Sloterdijk se perguntava se uma Europa destruída por uma guerra em 1945 poderia ser vista como uma metáfora para um império moderno e esclarecido as vésperas de um novo século, era um ambiente mais otimista daquele tempo, porém o filósofo já havia previsto a guinada violenta da política norte-americana e uma possível crise mundial.

A pandemia parece ter unido a Europa, exceto o Reino que se diz unido, mas parece que não é, uma política de recuperação que sustente a economia “doméstica”, isto é, aquelas empresas e negócios que tradicionalmente sustentam das diversas nações européias podem ter uma nova injeção de animo (e de dinheiro) para se recuperar.

O livro de Sloterdijk Se a Europa Despertar, de 2002, tinha apesar de algum otimismo de uma “nova Europa”, a ideia que os europeus não se voltam a seus fundamentos histórico-filosóficos para buscar uma orientação baseada numa “mitomotricidade” que vai de encontro aos mitos fundadores que resultaram de esplendores culturais, filosóficos e políticos que a Europa se julga herdeira, mas podemos pensar nisto depois de uma trágica safra de totalitarismos e guerras mundiais? 

Edgar Morin prepara seu mundo sobre a pandemia e apesar de toda expectativa, ele sempre tão otimista parece agora não estar, em uma entrevista em novembro de  2019 ele afirmava que apesar de “caminharmos como sonâmbulos em direção a uma catástrofe”, ele não deixou uma ponta de esperança  “resistir ao ditame da urgência … a esperança está próxima.”

Porém o clima é sombrio, com as nuvens pairando nas relações China e EUA, e nas relações com a Turquia e parte do mundo árabe não tão amistoso com o ocidente, que resposta um mundo em ebulição poderá ter, é a pergunta que fica.

Os ânimos estão exaltados e a sociedade da velocidade e do cansaço parece não ter cedido muito espaço a uma pausa, mesmo a pandemia impondo isto a todos, passados 6 meses parece que não há mais política equilibrada que convença os cidadãos a civilidade, a compaixão e a solidariedade.

Em meio a um mar agitado, os discípulos quando viram Jesus andando sobre as ondas gritaram “é um fantasma”, porém logo Ele lhes disse “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,26-27), a crise é para os valentes e para os visionários, que lideranças e líderes realmente fraternos e solidários nos ajudem no pós-pandemia e num mundo com aspectos sombrios.

Aos que desejam um mundo mais fraterno, o respeito as diferenças e minorias, o apreço aos que sofrem, há algo a esperar no pós-pandemia.