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O futuro de máquinas pensantes
Fizemos questão de fazer as classificações entre cyborgues, androides e humanoides (post), mostrando que os híbridos ainda são uma ficção para alguns e um delírio para outros, como a nosso ver é o ponto de singularidade de Raymond Kurzweil.
Pontos de singularidade m(é bom dizer tecnológico, pois existem outros) seria aquele ponto onde haveria uma superação do humano biológico para um pós-humano tecnológico, de silício ou ainda algo mais futurista, fotônico ou neo-biológico (chips biológicos, por exemplo).
As definições de Raymond Kurzweil são mais claras e precisas sobre tal singularidade, escreveu em 1987 A idade das máquinas inteligentes (The Age of Intelligent Machines ) e depois num delírio ainda maior uma atualização para The Age of Spiritual Machines, onde ele procura encontrar onde estaria o chamado Transcedent Man (documentário de 2009), e ai podemos delinear suas ideias.
Pode-se delinear suas ideias em 4 pontos: a evolução tecnológica até a sua definição de singularidade é um dos objetivos tangíveis da humanidade (será?) pela progressão exponencial, a funcionalidade do cérebro humano é quantificável em termos de tecnologia e poderá ser construída num futuro próximo (mas é só funcional); os avanços médicos podem manter uma quantidade significativa de sua geração viva o suficiente para que o aumento da tecnologia passe o processamento do cérebro humano (uma coisa não implica na outra, poderia ser feito com gerações futuras), e um ponto que é socialmente interessante que a teoria das evoluções aceleradas.
Esta teoria diz que a teoria das mudanças aceleradas diz respeito ao aumento na taxa de inovação tecnológica (e às vezes pode ser acompanhada de evolução social e cultural) e sempre este presente na história, o que pode sugerir a mudança mais rápida e mais profunda no futuro, embora isto seja verdade o quão acelerado depende da perspectiva histórica.
Definimos esta evolução como noosfera, uma esfera da mente ou do espírito, fundamentada na ideia de John Searle, que o mental “real e ontologicamente irredutível” ao físico, e que as tecnologias evoluem e aceleram o crescimento humano mas estão separadas por aquilo que Juergen Schmidhuber chama de “singularidade do ômega”, algo ao mesmo tempo parecido e diferente do ômega de Gregory Chaitin, pois não é um número ou um metanúmero, mas aquilo que Teilhard Chadin (1916) define em sua noosfera como o princípio e fim do humano, mas envolto numa conexão de mentes e espíritos como se fossem vasos comunicantes.
Para Juergen Schmidhuber, o próximo Omega – 2040 (não havia o filme Blade Runner 2049) a partir de sua série Omega – 2^n vidas humanas (n < 10; uma vida – 80 anos) cerca de etapas mais importantes de acontecimentos aconteceriam na história humana.
Ele questionou a validade de tais mudanças, sugerindo que apenas refletem uma regra geral para “tanto a memória individual do ser humano único e da memória coletiva de sociedades inteiras e seus livros de história: quantidades constantes de espaço de memória alocado para obter exponencialmente maior, adjacente intervalos de tempo cada vez mais para o passado”, e trata-se de memória e não a lei de Moore que fala do crescimento de memórias digitais.
Sua sugestão é que a “razão porque nunca houve uma escassez de profetas prevendo que o fim está próximo – os eventos importantes de acordo com sua própria visão do passado sempre parece se acelerarem de forma exponencial”, então tanto profecias antigas quanto modernas não são mais que oráculos que estabelecem esta religação atualizada entre o “ômega” do princípio e fim, anunciando grandes mudanças e ao mesmo tempo conectando-as.
Há um exemplo muito claro da aceleração de Jürgen Schmidhuber, dado no livro de Wurman, “A ansiedade da informação” (1991), onde diz que uma pessoa que leu o New York Times durante um ano, leu mais que o melhor o mais letrado dos homens do século XVIII e anteriores, então é claro que há mais leitura hoje que nos séculos anteriores, mas o pensar …
Referências:
Kurzweil, Ray The Age of Intelligent Machines, 1987.
Kurzweil, Ray Ensaio: A teoria das mudanças aceleradas, 2001.
Markoff, J. When A.I. Matures, It May Call Jürgen Schmidhuber ‘Dad’ New York Times, nov 2017, Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/11/27/technology/artificial-intelligence-pioneer-jurgen-schmidhuber-overlooked.html , Acesso em: janeiro de 2017.
Wurman, Richard Saul. Ansiedade de Informação. São Paulo: Editora Cultura, 1991.
Robôs autônomos ?
Robôs autônomos é a denominação para aqueles que dentro de limites ambientais, podem realizar os objetivos desejados (por humanos ou por tarefas organizadas em um algoritmo) nestes ambientes desestruturados sem a ajuda humana, por isto o são em certos níveis.
Por exemplo, dentro de uma fábrica onde tarefas mecânicas são realizadas, para evitar acidentes o seu espaço geográfico é limitado e deve detectar algum defeito que possa cumprir determinada tarefa fora do previsto, já um robô espacial deve ter menos limites e ser o mais autonomo possível, por estar sem a possibilidade de uma ação humana direta e ter dificiuldades de comunicação devido a distância.
O projeto chamado SWARM, financiado pela União Européia e que já fizemos um post, agora tem o primeiro sistema multi-robôs de autono montagem que tem coordenação sensório-motor observando robôs parecidos ao seu redor, eles vão variar de forma e tamanho conforme sua tarefa e/ou ambiente de trabalho.
Um ssitema “cerebral” central coordena todos eles, através de um sistema chamado MNS (Sistema Nervoso Combinal, em português), e assim são reconfigurados absorvendo diferentes capacidades mas combinadas por um único controlador central.
Eles também podem se dividir e realizar tarefas de auto reparo, eliminando partes do corpo com defeito, incluindo uma unidade cerebral com algum defeito, claro que pode-se definir que estes defeitos e auto reparos possuem limitações conforme a complexidade.
Em robos autônomos, o aprendizado refere-se a aprender e ganhar novas capacidades sem assistência externa e ajustar estratégias de acordo com o ambiente, o que pode fazer com que sua autonomia aumente, mas pelo que se pode ler do artigo ainda não é o caso.
O modelo atual tem 10 unidades, e os autores apontam no paper publicado na Nature Communications, afirmam que o projeto é escalável, tanto em termos de recursos computacionais para controle robótico quanto tempo de reação para estímulo, dentro do sistema.
Olhando para o futuro, a equipe sugere que os robôs provavelmente serão projetados para adaptação aos requisitos de tarefa em mudança e não mais somente para tarefas específicas.
A filosofia e ascese contemporâneas
A crise civilizatória que levou a duas guerras foram consequências diretas de pensamentos, filosofia e estruturas sociais que mesmo partindo de princípios aparentemente razoáveis, como os conceitos de nação, estado e moral, levaram a barbaridades e atrocidades que é fruto de uma consciência ingênua do papel da filosofia, do pensamento e do conhecimento.
Nietszche caracterizava isto, em especial referindo a cultura alemã como cultura “do rebanho”, Peter Sloterdijk mais atual fala da imunologia, o fato que queremos eliminar todos os vírus e doenças, mas que também leva a uma ideia que partindo da crise civilizatória verdadeira, devemos nos defender do Outro, de outras culturas e visões de mundo.
Nietszche afirma que isto tem origem na cultura grega, que jamais teria abandonado a ideia: “em seu instinto de direito popular, os gregos denunciaram, e mesmo no apogeu de sua civilização e de sua humanidade, jamais deixaram de pronunciar palavras como: Ó vencido pertence ao vencedor, com mulher e filho, com bens e sangue. É a violência que dá o primeiro direito, e não há nenhum direito que não seja em seu fundamento arrogância, usurpação, ato de violência”, em “O estado grego” (edição brasileira de 1996).
O que o homem depois da modernidade quer, esta é a tese de Sloterdijk não é mais uma ascese espiritual, mas física a partir de exercícios e da imunologia (alimentação perfeita, rigor atlético, etc.), aquilo que Nietzsche no final da Genealogia escreveu sobre valores que seriam capazes de orientar a vida dos homens no crepúsculo dos deuses: “a vitalidade, entendida somaticamente e espiritualmente, é o meio que contém um desnível entre o mais e o menos. Ela tem dentro de si o movimento vertical que orienta as subidas, ela não precisa adicionalmente atratores externos e metafísicos. Que Deus deva estar morto, neste contexto, não importa. Com ou sem Deus cada um chega somente tão longe quanto sua forma (física) permite”, que está em escrito em Você tem que mudar sua vida, (Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik. Frankfurt, Suhrkamp, 2009, ainda sem tradução para o português).
O fato de chamarmos técnicos de futebol, treinadores de mestres não é mero acaso, em breve também personal training, nutricionistas e diversos outros tipos de imunologistas serão também mestres de nossas vidas, eles direcionam nosso ser.
O renascimento do ser, a noosfera do espírito e da mente, são formas de retorno a verdadeira vida, ao Lebenswelt e a Lebensphilosophie, lógica e filosofia da VIDA.
Vita activa
Ainda Chyul-Han, o coreano-alemão de “A sociedade do cansaço”, parte da análise de Vita Activa de Hanna Arendt (traduzimos Vita do latim, para vida até aqui), explicando que ela parte da prevalência na vida cristã da vida contemplativa, esclarece em nota que ela busca “uma mediação entre vita activa e vida contemplativa… assim descrita por São Gregório: ´temos de saber: quando exigimos um bom programa de vida, que passe da vita activa para a vita contemplativa, então, muitas vezes, é útil se a alma retorna da vida contemplativa para a ativa, de tal modo que se chama da contemplação que se acendeu no coração transmita toda sua perfeição à atividade.” (HAN, 2015, p. 39)
Esclarece o autor, que ela [Arendt]: “uma nova ligação de sua nova definição da vita activa com o primado da ação” (pag. 40), ela vai para um ativismo heroico, mas que ao contrário de seu mestre Heidegger que “pautou um agir decisivo no tema da morte” (idem), ela se orienta na possibilidade do próprio “nascimento do homem e no novo começo, em virtude de seu caráter nascivo, os homens deveriam realizar esse novo começo pela ação.”
Explica o autor que esta ação como nascimento, contém uma dimensão quase religiosa: “o milagre consiste no fato de os seres humanos pura e simplesmente nascerem, e juntos com esses, dá-se o novo começo que eles podem realizar pela ação em virtude de seu ser-nascido… “ (pags. 40 e 41), citando Hanna Arendt.
Mas concerta uma possível interpretação moderna, pois Arendt que via na ação heroica inaudita de todas as capacidades humanas um “findar numa passividade mortal” (pag. 41).
Assim esclarece que as descrições de Arendt do animal laborans moderno não são aqueles da sociedade do desempenho, o animal “pós-moderno é provido do ego ao ponto de quase dilacerar-se. Ele pode ser tudo, menos passivo.” (pag. 41)
Acrescenta que a “perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas á própria realidade, torna-se vida humana radicalmente transitória” (pag. 42).
Reivindica o homo sacer de Agamben, “são como mortos-vivos. Aqui, a apalavra sacer não significa ´amaldiçoado´, mas “sagrado”. Ora, a própria vida desnuda, que acabou se tornando radicalmente transitória, despida é sagrada, de modo que deve ser conservada a qualquer preço.” (HAN, 2017, p. 46).
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017
Sociedade do Cansaço
O livro do coreano-alemão Byung-Chul Han “A Sociedade do Cansaço” analisa de modo mais profundo e menos individualista a questão mais profunda do ponto de vista ontológico do homem do final da modernidade: “Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI” (HAN, 2017, p. 7).
A questão individual, do herói romântico de Dom Quixote que luta contra moinhos de vento, ou do determinismo histórico da questão da consciência em Dilthey, na verdade são traços do idealismo romântico, contornam o problema e tentam resolve-lo do ponto de vista apenas psicológico, sem considerar o social que é mais amplo.
A análise de Chul-Han vai neste sentido, dizer que “o objeto de defesa imunológica é a estranheza como tal” (pag. 8), usando um conceito de Sloterdijk esclarece que o século passado foi uma época na qual se estabeleceu uma “divisão nítida entre o dentro e fora … a Guerra Fria seguia o esquema imunológico”.
Assim “mesmo que o estranho não tenha nenhuma intenção hostil, mesmo que ele não represente nenhum perigo, é eliminado em virtude de sua alteridade.” (pags. 8 e 9)
Explicará na página 10 que a “alteridade é a categoria fundamental da imunologia”, entra em cena a diferença que “não provoca nenhuma reação imunológica”, “o estranho cede lugar ao exótico”, o “tourist viaja para visitá-lo”.
O conceito é devido ao século XX onde a ideia de combater bactérias levou algumas pessoas ao extremo de considerar até mesmo os microrganismos necessários a vida, como aqueles que também devem ser combatidos e não raramente encontrarmos alguém com este Toque.
Recupera o conceito de Immunitas de Roberto Esposito, considerando-a uma falsa hipótese, considerando o excesso de informação, esclarecendo aquilo que é comum ao combate de uma nova epidemia (pela imunologia): “a resistência contra o pedido de extradição de um chefe de Estado estrangeiro, acusado de violação dos direitos humanos, o reforço contra a imigração ilegal e as estratégias para neutralizar o ataque dos vírus de computador mais recentes?” (pagina 11), o autor dirá que nada as separa.
Dirá que “o paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização … também a hibridização, que domina que domina não apenas o discurso teorético-cultural mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida, é diametralmente contrária precisamente à imunização.” (idem).
“A dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade.” (idem) e quantos discursos este traço nos lembra, aparentemente dentro de um “engagment” é na verdade vazio, pois é ausente de verdadeiras alternativas, é puramente imunológico por acusa o Outro.
Cita na página 15 Baudrillard que fala da “obesidade de todos sistemas atuais”, em época de superabundâncias, “o problema volta-se mais para a rejeição e expulsão” (idem).
Dá um diagnóstico certeiro, vale tanto para “sistemas disciplinares” (os pseudo-éticos) como para a lógica da produção: “o que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão de desempenho.” (pag. 27)
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço, trad. Enio Paulo Giachini, 2ª. ed. Ampliada, RJ: Petrópolis, Vozes, 2917.
Aspectos da fenomenologia
Tanto as ciências chamadas “puras” como outras ciências experimentais, partem dos dados empíricos ou hipóteses “práticas” para daí desenvolver seus postulados, Husserl advertia que a instabilidade dos dados empíricos assim como boa parte dos postulados teóricos não fornecem o rigor necessário no que concerne à investigação filosófica.
Nos aspectos essenciais a ciência positivista ou estringe seu campo de análise ao experimental, ou considera como “fenômeno” regiões que estão veladas por algum rigor metodológico limitando uma análise geral mais compreensiva e não explicativa de determinados fenômenos.
O que Husserl entendia por “análise compreensiva” é aquela que se referência a consciência e esta por sua vez está fundada em vivências (Erlebnis) do mundo se dão na e pela consciência, de onde vez seu postulado “toda consciência é consciência de algo”.
É nesta perspectiva que Husserl toma de seu mestre Franz Brentano sua categoria mais essencial a intencionalidade, assim a intenção é uma característica geral desta consciência.
Eis o primeiro ponto na análise do fenômeno, então diferente do cogito cartesiano que ganha um significado novo a partir da intencionalidade (a consciência de algo) que ao contrário de ser “clara e distinta” como queria Descartes, é dirigida (tem intenção) de algo.
Além da intencionalidade Husserl considera a intuição e a evidência apodítica, sendo a intenção de um objeto (o exemplo é um livro sobre a mesa), havendo o “conteúdo significativo” (Bedeutungsintention) de algo, então “significamos intencionalmente” (meinen) algum objeto, sem considerar ainda a sua presença,
A intuição é então o preenchimento duma intenção, então pode considerar a “evidência” é a consciência da intenção, portanto é intuitiva, mas na medida que existe uma “consciência do fenômeno”, e neste sentido é apodítica, ou seja, é evidente por si, não há necessidade de provas.
Um último aspecto é o hylé, a “matéria subjetiva” que compõe uma percepção qualquer, embora hajam os “dados hiléticos” que seriam “dados constituídos pelos conteúdos sensíveis, que compreendem, além das sensações denominadas externas, também os sentimentos, impulsos, etc.” (dicionário ABBAGNANO, 2000, p. 499) . não são apenas a “matéria” sobre a qual a consciência se dá, e não são empíricos.
Aparece então o epoché husserliano, que é o colocar em parêntesis, exploraremos depois.
Identidade, diálogo e transparência
Três elementos que parecem distintos estão em profunda conexão num tempo mundializado, o que se reflete na incompreensão da emergência de certa forma de nacionalismo, vejam as eleições dos EUA e França, o Brexit na Inglaterra, mas que no aspecto positivo do diálogo é exatamente a compreensão de que culturas têm raízes em sociedades originárias.
A confusão que podemos ver no Brexit agora que os primeiros acordos começam a ser negociados, é que do ponto de vista econômico é um elemento complicador enquanto no aspecto da imigração e relacionamento entre nações é um fato de tensão muito elevado.
Identidade significa ter consciência de identidade, e já fizemos em vários posts a análise que é preciso para esta consciência o diálogo com o diferente, já que diálogo com iguais é monólogo, pode-se dizer que quanto mais profundo é o diálogo com o Outro, mais se tem consciência da própria identidade.
A transparência é o elemento complicador, por isso dissemos acima que há “certo tipo de nacionalismo” que vê apenas os pares e nunca o diferente, é um tipo de fechamento que não conduz a maior identidade porque não é transparente e autentico consigo e com o Outro.
É necessário distorcer fatos, trabalhar com o relativismo da verdade e principalmente quase sempre recorrer ao preconceito, e tudo isto leva a uma ausência de transparência tanto no campo individual quanto no social, o que se deseja é moldar a sociedade a um espelho nacional, inconcebível numa era já mundializada, com pessoas andando por todo globo.
O que assistimos coma falta de transparência é uma inevitável polarização em preconceitos e ideologias, o que é concebível numa fase inicial do diálogo, mas impossível de construir relações num tempo que exige relações cada vez mais alargadas e abertas.
Pode-se fazer o discurso que o conflito é necessário, mas aonde ele deverá caminhar, para o fechamento em grupos e bolhas, pois a fragilidade deste discurso é evidente, claro que é possível que num ponto do diálogo os ânimos fiquem acalorados, sem a fusão de horizontes e um caminhar para frente um epoché (colocar entre parênteses), abrir os ouvidos para a escuta do Outro.
Epistemologia e crise do pensamento
O filósofo britânico David Hume, no século XVIII, escreve no Tratado da natureza humana, um questionamento da indução como mecanismo válido para a descoberta científica, foi a parte desta questão que Karl R. Popper, em A lógica da pesquisa científica, de Karl R. Popper (1902-1994), trouxe a “novidade” no debate da filosofia da ciência repetindo a ideia humeana.
O problema formulado por Popper tinha em sua base a separação, já feita também em todo idealismo, entre a metafísica (pseudociência) e a verdadeira ciência, a “ciência empírica”, mas Thomas Khun (1922-1996) em A estrutura das revoluções científicas vai questionar isto.
A história da ciência já demonstraria isto, ou seja, que periodicamente, um paradigma era substituído por outro, entretanto isto não se dá por uma simples observação incompatível com a teoria, conforme atestava o princípio da falseabilidade popperiano, o que ocorre é uma mudança de pensamento, ele cita Copérnico, mas Heisenberg com o princípio quântico e Albert Einstein com a Teoria da Relatividade são mais gerais.
O matemático e filósofo húngaro Imre Lakatos (1922-1974) seguiu as ideias de Popper, e o princípio da falseabilidade, amenizando-o: a história da ciência demonstraria que as teorias nunca eram completamente abandonadas, mesmo quando refutadas.
Paul Feyerabend (1924-1994) desenvolveu uma argumentação radicalmente inovadora em sua obra sugestivamente intitulada Contra o método, afirmando que nunca houve a possibilidade de estabelecer critérios objetivos para a avaliação das teorias científicas. Negando todo o método do positivismo lógico, que defendeu um padrão metodológico único.
Entretanto esta crise já se aprofundou, já citamos Edmund Husserl, que perscrutava a crise das ciências europeias no desenvolvimento de sua fenomenologia, entre várias afirmações encontramos: “Com o despertar da reflexão da relação entre o conhecimento e o objeto, abrem-se obstáculos abissais. O conhecimento, a coisa mais óbvia no pensamento natural, aparece de repente como um mistério”, e terá entre notáveis influencias posteriores como Heidegger e Gadamer, que retomam a questão ontológica, onde a consciência é essencial.
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos, em seu escrito Um discurso sobre as ciências, revaloriza a polêmica introduzindo que a atenuação da distinção entre orgânico e inorgânico, humano e não-humano seria inútil, mas a questão da consciência não é tocada.
Edgar Morin, H.G. Gadamer, Lévinas e Ricoeur, além de outros pensadores contemporâneos concordam que é preciso uma virada no pensamento, envolto em complexidade e vivências
Hermenêutica e fanatismo
Desde a filosofia platônica, que foi uma superação do discurso dos sofistas que serviam unicamente a retórica de poder, o dualismo do conhecimento entre a Doxa que é a opinião e a Episteme que seria o conhecimento verdadeiro, mas alguns autores veem a Doxa como primeiro conhecimento.
Todo o discurso e a lógica Socrática, que Platão a usa abundantemente, não é senão o diálogo entre o conhecimento como se apresenta e a sua elaboração através de perguntas.
O fato que caímos num labirinto de dúvidas e crises na modernidade, mesmo com o conhecimento sistematizado não é senão o retorno ao que de fato é a episteme, como a vida muda, a lógica da vida também seria de se esperar, deve mudar e assim muda o método de investiga-la.
Chamo a esta exigência de nosso tempo de “abertura epistemológica”, permitir que novos sistemas e novas formas de pensar sejam possíveis e passíveis de análise, assim a doxa ou a simples opinião pode não ser apenas uma forma moderna de sofisma, mas um “desvelar”.
O fanatismo é de modo geral a recusa a uma “abertura epistemológica”, é o fechamento em um esquema “que deu certo” por um período, mas pode não mais servir a lógica da vida hoje.
Claro que há diversos níveis de fanatismo, mas em essência é um fechamento ao discurso do Outro, ao circulo hermenêutico onde é possível alguma forma de fusão de horizontes, como o chama o filósofo Gadamer.
Por assim dizer é a comunicação de que outro discurso diferente ao do meu circulo epistêmico não é aceito, não é tolerável e deve ser banido, daí a chegar-se a formas violentas de comunicação não é um passo, mas é um caminho quase inevitável.
Não é um fechamento epistêmico, uma ajuda é o livro de Marshall Rosenberg “Comunicação não-violenta” vai desde a autoajuda para libertar-se de condicionamentos e experiências negativas, até os esquemas filosóficos e problemas de posicionamentos políticos tão comuns em todas esferas de nossa vida hoje.
A simbólica do Mal
Treze séculos após a “conversão” de Agostinho de Hipona que trocou o maniqueísmo pelo cristianismo, a chave de leitura sobre o “mal” volta a tona com um dos maiores hermenêuticas do século XX: Paul Ricoeur (1913-2005).
Sua extensa obra filosófica com cerca de 30 livros, além de conferências e entrevistas, ele retoma a questão do mal, que para Agostinho de Hipona é a “ausência do bem” e vai discutir a presença do mal através da “simbólica” do mal.
A hermenêutica de Ricoeur guarda a tradição fenomenologia, mas busca em caminhos originais e distante de preconceitos alcançando fontes inéditas e leituras inusitadas.
Para Ricoeur só pode-se ter acesso ao ser humano de forma mediada, por meio de seus símbolos e mitos, coisa ignorada pela “secura” espiritual do pensamento moderno.
Para ele enquanto o Idealismo Hegeliano (que pretendeu ser uma “Fenomenologia do Espírito”) que reduziu o homem ao espírito e o Positivismo ao estado de objeto, da “coisa” e por isto casou-se bem com o materialismo.
Já tarefa da fenomenologia hermenêutica tem a tarefa de recuperar aquilo que caiu no esquecimento, isto é, “voltar às coisas mesmas” como afirmou Husserl, e fundar uma “filosofia verdadeira”, mas Ricoeur descobrirá também a insuficiência da fenomenologia.
O que há acesso no acesso ao em si, é um mundo que carece de interpretação, pois é simbólico, no sentido que é uma consciência voltada para algo, porém que também deve se voltar ao que é o sentido, um o mundo dos significados, que deve antes de voltar a compreensão de si.
O desenvolvimento desta simbólica, é o que Ricoeur vai chamar de “via longa”, não em oposição a via curta dos místicos, que é o Amor agápico, mas em oposição a hermenêutica que Gadamer chama de romântica de Dilthey, e que no caso de Ricoeur é
busca uma “via longa”, tem a ontologia como um horizonte, para chegar a compreensão do ser é preciso passar pela análise das linguagens, compreensão dos signos, símbolos e sua reflexão. O motivo pelo qual Ricoeur não aceita esta inversão proposta por Heidegger, embora ele uma discordância de Heidegger, já que sua hermenêutica simbólica tem também a ontologia como um horizonte, mas que a faz pela mediação do conflito e pelas de interpretações distintas das coisas “em si”.
Para Ricoeur, símbolo e interpretação tornam-se conceitos correlatos: “há interpretação onde existe sentido múltiplo, e é na interpretação que a pluralidade dos sentidos é manifesta” (RICOEUR, 2013).
Mas para ele o símbolo é mais que um signo “porque está no lugar de” de forma diferente, expresso por ele da seguinte forma:
“Chamo símbolo a toda estrutura de significação em que um sentido direto, primário, literal, designa por acréscimo um outro sentido indireto, secundário, figurado que apenas pode ser apreendido através do primeiro. ” (RICOEUR, 2013).
Aos poucos, vamos penetrar nesta “simbólica do mal” auxiliado por Ricoeur, para entender como este ainda atrapalha não o caminhar que é ontológico da humanidade, mas a interpretação dos caminhos e a compreensão das veredas da consciência.
RICOEUR, P. A simbólica do mal. Lisboa: Edições 70, 2013.