
Arquivo para fevereiro, 2025
A amizade e o Outro
Em um mundo individualista, onde as pessoas buscam bolhas onde todos “tem o mesmo pensamento”, a amizade parece ser o caminho do mesmo e não do Outro, pior quando isto é visto como religião, afaste as más amizade, quando na verdade o Outro será sempre diferente, não há “alma gêmea”, “metade da laranja” ou qualquer outro conceito idealista, o próximo no sentido religioso será sempre Outro diferente do meu espelho.
Aristóteles vai de encontro ao sentido bíblico do próximo para definir amizade: “a amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons (ver post anterior) e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos” (EN VIII, 1155/2021, p. 167).
Assim evitar “falsas” amizades é evitar um mundo sem virtudes e sem nenhum desejo de entendimento, assim oposto as definições idealistas de amizades, onde é há “afeto” entre narcisistas e egocêntricos.
Sobre amizades falsas Aristóteles alerta que não se revelam, nós é que tínhamos um conceito falso por interesse ou pouco conhecido, ele divide assim as amizades em três tipos: virtuoso (a principal de cima), a útil onde há interesses em comum e a agradável onde há um amo mútuo relacional, que torna capaz de suportar diferenças, mas quase sempre há conflitos.
Sobre a útil escreveu Paul Ricoeur em “Le socius et le prochain” (O sócio e o próximo), onde o próximo é um mundo onde o centro de relações pode ser de longa duração, mas mediado por circuitos coletivos complexos e anônimos, onde há interesses em comum, quando eles acabam a “sociedade” se desfaz.
A sabedoria bíblica sobre amizade pode ser encontrada no Eclesiástico 6,5-7: “Uma palavra amena multiplica os amigos e acalma os inimigos; uma língua afável multiplica as saudações. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil. Se queres adquirir um amigo, adquire-o na provação; e não te apresses em confiar nele”.
Assim ressalta o conceito de empatia através de palavras amenas e reforça aquele conceito de Aristóteles que não “perdemos” amizade, não tínhamos um conceito correto sobre ele, no sentido bíblico “não te apresses em confiar nele”, e teus conselheiros “um entre mil” vemos a influência perversa de narrativas modernas de “coaching”, “influencers” e “ídolos”.
Encontrar a amizade exige sabedoria, num mundo de uma cultura rasa e de elaborações pouco profundas não é raro buscar segurança em “bolhas” artificiais e grupos que não entendem nem mesmo quais são os próprios fundamentos.
Um verdadeiro humanismo, uma verdadeira espiritualidade ou apenas “um caminho” precisa de um método, uma elaboração profunda e um exame detalhado das consequências.
ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2012
O mal e seu sentido ontológico
Toda análise que se faz no mundo contemporâneo é permeada (quando não é o próprio) por um sentido maniqueísta: a luta do bem contra o mal, e isto depende da narrativa particular.
O maniqueísmo apresenta que o bem e o mal como uma questão básica para compreensão do universo, assim são forças contrárias como ação e reação, ou atração e repulsão, dá para enumerar um grande número de livros contemporâneos que descrevem a realidade assim.
Aqui nos interessa dois pontos essenciais: o sentido religioso e o sentido político, no mundo religioso cresce o discurso de que “somos do bem contra o mal”, porém uma boa leitura da patrística (os religiosos do início da era cristã) ajuda a compreender que não é bem assim.
Agostinho de Hipona (354-430), que por nove anos foi maniqueísta, via no maniqueísmo a luta entre a alma e o corpo e assim justificava a luta entre o bem e o mal, mas revê esta posição sob uma forte influência de Ambrósio de Milão (340-397) que vai exercer forte influência em Agostinho, uma de suas frases era: “As lágrimas não pedem perdão, mas o alcançam” e alcança o Bom.
Assim Agostinho começa a dar ao mal um sentido ontológico, entendendo que corpo e alma se relacionam, digo assim: “Não tinha, no entanto, ideia clara e nítida da causa do mal. No entanto, qualquer que ela fosse, o procurá-la não poderia obrigar-me a ter por mutável um Deus imutável, se não quisesse tornar-me eu mesmo aquilo que eu procurava. Por isso, na minha busca tranquila, eu estava certo quanto à falsidade da doutrina daqueles de quem me havia afastado por convicção. Via, realmente, que estudavam o problema da origem do mal, estando eles próprios imersos na malícia, a ponto de preferirem imaginar tua substância sujeita ao mal, a se reconhecerem capazes de cometê-lo” (Agostinho, 2014, p. 172) em resumo, mal é ausência do Bem e do Bom.
Também é necessário, para uma análise aprofundada ler: “A natureza do bem”, “O Livre-arbítrio” para entender o problema da liberdade humana que pode negar-se a fazer o bem e o livre-arbítrio que é esta liberdade de escolha, porém Confissões é sua principal obra.
Agostinho desejava romper o dualismo e vai desenvolver em Confissões (pags. 174-175) a ideia que o mal não é uma substância, porque, se fosse uma substância, seria um bem. E, na verdade seria uma substância incorruptível e, por isso, sem dúvida um grande bem, e assim o que era corruptível estando sujeito a deterioração não tem existência eterna, assim que troca o seu maniqueísmo pelo cristianismo.
Visto sob a ótica das narrativas modernas que procuram negar a existência do incorruptível e assim, admitir a existência de Deus ou ao menos algo incorruptível que dá substância ao cosmos, dito por Byung-Chul Han assim para a narrativa moderna: “Vivemos hoje num tempo pós-narrativo. Não a narração [Erzählung], mas a contagem [Zählung] determina a nossa vida. A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo” (Sociedade Paliativa: a dor hoje, 2021, Vozes).
Para justificar todo desamor precisamos de uma narrativa, se escapamos dela fazemos o bem.
Agostinho. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2014.
O mal-estar civilizatório
A Sociedade do Cansaço é também uma sociedade que levou adultos, jovens e adolescentes aos psiquiatras ou a métodos alternativos, àqueles que tem pouco recursos levou a grupos fechados e de consciência social as vezes duvidosa.
O numero de doenças mentais em crianças e adolescentes devia atentar para esta situação.
Não por acaso Freud escreveu no início do século passado sobre este “Mal estar da civilização” (Freud, 1930) o autor não vai discutir a questão psíquica em si, mas a distante entre os impulsos pulsionais e a civilização, ou seja a cultura contemporânea que leva o homem ao seu oposto tanto quanto a natureza quanto ao seu bem estar.
A intolerância aos erros, equivoco até mesmo científico, a exigência de eficácia em todos os campos, a falta de empatia e amor na vida cotidiana e em especial, de valores que são naturais e levam a uma verdadeira ascese humana, leva aos conflitos emocionais e sociais a limites perigosos.
Ao detectar este mal, o próprio Freud fundador da psiquiatria não levou a humanidade ao divã, e sinto apontou que há males culturais e estes sim devem ser sanados primeiro, não é o que foi feito, neste sentido Sloterdijk tem razão foi possível a “domesticação” humana (Regras para o parque humano), que causou grande discussão na Alemanha nos meses de setembro e outubro de 1999.
Ainda que as próprias religiões vivam sobre este mal civilizatório, a verdadeira ascese que é subir a montanha da sabedoria tendo sobre os pés valores que sustentam esta ascese é necessário para alcançar um verdadeiro estágio civilizatório, é preciso “amar na ausência” é preciso pretender os verdadeiros valores que levam a plenitude e ao verdadeiro e único conforto, empatia e amor.
Quando retiramos isto da sociedade, ela começa a caminhar para o isolamento, o ódio e os conflitos e o “mal-estar” são apenas as consequências da ausência deste estado “natural”, porém uma planta só evolui se cuidada em suas condições naturais: adubo, água e sol adequados.
A sabedoria, a serenidade e o equilíbrio são remédios possíveis para o espírito bélico atual.
FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930 [1929]). In: ______. O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Direção geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 73-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21)
A demora e o sentido da vida
Assim como qualquer apreciação de arte, qual narração que não seja uma narrativa fragmentada, exige um sentido de apreciação, sensibilidade e empatia e isto significa uma demora no tempo de vista, Byung-Chul Han escreveu: “o mundo está carregado de sentido. Os deuses não são mais do que portadores de sentido” (Han, 2016, p. 25), não estou aqui olhando a vida como um panteísta, mas dialogando com qualquer possibilidade de contemplação.
Os mestres da contemplativa foram mestres na demora e na “apreciação” da vida (leia Vita Contemplativa de Byung-Chul Han), para esta apreciação devemos ir na contracorrente do mundo atual onde “a narrativa ria o mundo do nada” (p. 25).
Han desvela a relação que temos com os sentidos na atualidade: “aqui [e agora] tudo tem sentido é a eterna repetição do mesmo, a reprodução do já sido, da verdade impercível. É assim que o homem pré-histórico vive com um presente que perdura” (Han, 2016, p. 26), um presente que não é uma atualização e sim uma repetição, e por isto há a confusão com o virtual, que no sentido etimológico da palavra é aquilo que já é em potencial, e não o mesmo.
O seu sentido mais profundo desvela também a pós-verdade “o tempo será desfactizado (defaktiziert*) e, ao mesmo tempo, desnaturalizado (entnaturalisier) (Han, 2016, p. 28) e a revolução hoje refere-se a um tempo desfactizado, ou seja, a volta a modelos anteriores que não correspondem aos problemas e realidades atuais, por isso é preciso falsifica-la.
Byung-Chul separa o tempo da oralidade do histórico ao compreender “o mítico que funciona como uma imagem”, e vê a história da galáxia de Gutenberg como aquela que “cede lugar ás informações” (Han, 2016, p. 30), para dar a estas uma definição inédita: “na realidade, a informação apresenta um outro paradigma. No seu interior, habita outra temporalidade muito diferente. É uma manifestação do tempo atomizado, de um tempo de pontos (Punkt-zeit)” (Han, 2016, p. 31), sem que ele tenha lido o “paradoxo da informação” de Stephen Hawking como uma previsão de “energias” que escapam do buraco negro.
É preciso separar esta realidade cosmológica desta informação, o megatelescópio James Webb detectou estas “energias” da realidade da informação atomizada e fragmentada, não há contextualização do pensamento, de sua etimologia e de seu significado contextual, um mundo de “informações” desnaturalizadas como aponta Han.
Tudo isto não é filosofia, é o consumo de informação diária de haters, avesso da cultura dos povos e das nações, por sua fragmentação e de uma narração com sentido, a falta de sentido.
Por isto a ansiedade, o consumo de informação de baixo nível, não é só desinformação, porque os que as proclamam não buscam as raízes etimológicas, sociais dos pensamentos que construíram e que podem dar sentido a elas.
*defatikiziert: poderia ser traduzido por de-fato, porém o tradutor teve o cuidado de mudar.
HAN, Byung-Chul. O Aroma do Tempo: um ensaio Filosófico sobre a Arte da Demora, Lisboa: Relógio d´Água, 2016.
A pax romana e seus perigos
Alertamos que a pax romana, aquela que Roma decretou após o fim de conflitos em seus territórios conquistados, esconde o ódio e a indignação que não elimina as guerras, nenhum povo dominado vai ficar confortável em ver seus bens, culturas e valores sendo negados.
É esta pax proposta por Trump tanto na Ucrânia como na faixa de Gaza, talvez provoque um desarme momentâneo, mas esconde futuros confrontes que libertariam povos do jugo, e mais crítico é que este clima hoje está disseminado por outros povos e nações.
O grupo palestino Hamas entregou a Israel seis reféns na manhã de sábado (22/2), os primeiros da lista foram Tal Shoham, 40 anos e Aversa Mengisto, 39, entregues no sul de Gaza, em Rafah à Cruz Vermelha e depois levados a Israel, e depois mais 3, até a tarde deviam ser entregues mais um que era muçulmano e não foi entregue a Cruz Vermelha.
No acordo Israel deve libertar 602 prisioneiros, assim completa a primeira fase do acordo, mas a ideia de manter Gaza sob controle proposta por Trump e aceita por Israel será um empecilho para a prorrogação do acordo de cessar fogo.
Na Ucrânia, a proposta de Trump é que entregue os territórios conquistados na guerra, e Trump chegou a chamar Zelensky de ditador, que a União Europeia negou dizendo que ele foi eleito numa eleição legítima, enquanto Putin frauda as eleições e não dá liberdade á oposição.
A Alemanha realizou eleições parlamentares, que de acordo com o número de cadeiras nomeará o novo chanceler, a centro esquerda SPD (Social Democrata) de Olaf Scholz perdeu para a CDU (União Democrata Cristã) de Fredrich Merz, que deverá ser o novo chanceler, mas depende de um acordo que terá que ser negociado com a extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha) que cresceu ao ponto de ser segundo colocada (quadro acima, antes do final da apuração no domingo).
O que chama a atenção na Alemanha, e isto acontece em muitos pontos da Europa e das Americas é o crescimento do discurso nacionalista de rejeição aos imigrantes e á perde de valores cujo discurso, inclusive na Alemanha, cresce entre os jovens, os Grüne são os verdes.
Sem enfrentar com clareza as ideias e pensamentos que se encontram por trás de atitudes aparentemente elogiáveis, não conseguiremos separar o joio do trigo e dizer de que lado está a capacidade civilizatória de fazer uma humanidade menos conflituosa e com respeito a todos.
Entre as vozes que defendem uma paz sem fronteiras, sem ódios e polarizações está o papa, agora fortemente debilitado de sua saúde e em um estado considerado critico, com 88 anos, ele colocou a igreja e as preocupações com a humanidade acima de sua saúde.
É preciso mais do que nunca homens públicos de paz, acima dos ódios e polarizações, que falem e pratiquem os valores que dizem defender.
A dor hoje
Este é o subtítulo do livro: “A Sociedade Paliativa: a dor hoje” de Byung-Chul Han, ele traça o novo controle que impera sobre as mentes: “Seja feliz é a nova formula de dominação” (pg. 26).
Não são apenas governantes ou poderes locais que proclamam isto, as igrejas e os “coaching” também prometem isto, são os novos vendedores de ilusão, os pais querem impedir os filhos de frustração e dificuldades: “meu filho não vai passar pelo que passei”, “quero dar a eles toda assistência e conforto”, mas a vida é composta de frustrações, obstáculos e revezes.
A psicologia positiva quer evitar qualquer mudança: “não revolucionários, mas treinadores de motivação tomam o palco, e cuidam para que não surja nenhum descontentamento [Unmut], sim nenhuma raiva [Mut]” e Byung-Chul Han lembra um fato histórico relevante: “Na véspera da crise econômica mundial na década de 1920, com as suas extremas oposições sociais, houve muitos representantes de trabalhadores e ativistas radicais que denunciaram o excesso dos ricos e a miséria dos pobres” (pg. 28), lembro que a palavra “mut” em alemão é também coragem, para não se confundir esta tradução de raiva como um ódio.
Lembra que também “as mídias sociais e jogos de computador atuam como anestésicos” (pg. 29), perguntando a um jovem porque tanto computador ele respondeu “relaxo”, mas isto é o contraponto de uma sociedade de ansiosos, imediatistas, depressivos e egocêntricos.
A essência deste tipo de “felicidade” é a coisificação: comprar um móvel novo, um carro novo, trocar de casa, ter um celular avançado e para os mais pobres um tênis de marca ou uma camisa de grife, na impossibilidade, vai escolher ídolos que personifiquem a “coisificação”.
Enquanto “a verdadeira felicidade só é possível rompida [gebrochen]. É justamente a dor que protege a felicidade da coisificação. A dor carrega a felicidade. A felicidade dolorosa não é um oximoro. Toda intensidade é dolorosa. A paixão liga a dor a felicidade” (Han, 2021, p. 31).
E não há maior dor do que dar-se aos outros, George Bernanos escreveu: “Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade, escritor e jornalista francês do início do século XX, foi soldado da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial e escreveu “A França contra robôs” e “Diálogos das carmelitas” que é uma espécie de “mística inversa”.
Para os gregos, a boa vida não era um estado, mas uma busca contínua, que eles a definiam como felicidade, mas não abandonavam a contemplação, a sabedoria e a razão para viver bem.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute [Genuss] é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesma” (pg. 34), assim o que ela conduz de fato é uma vida dolorosa de busca pela sobrevivência, ao menos para a pessoa comum, claro que há exploradores, milionários e poderosos que também ansiosamente buscam o lucro e a sobrevivência mais “feliz”, mas precisam de complementos de psicólogos, narcóticos ou remédios.
HAN, B.-C. A Sociedade Paliativa: a dor hoje. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2021.
O ser, a linguagem e a palavra
O verdadeiro significado da palavra, e por consequência da linguagem, é tema do pensamento humano desde sempre, Heidegger a considera como elemento característico de nossa humanidade, a partir dela é que se desvela (tira o véu) a verdade do ser.
Na alta idade média, nominalistas e realistas se dividiam sobre sua importância, os nominalistas viam que nenhuma substância metafísica se esconde por trás das palavras, as pretensas essenciais não são algo além das palavras ou signos que representam coisas sempre singulares.
Já o realismo é um termo que pode se referir a diferentes conceitos, dependendo do conceito, assim esta corrente na filosofia defende a existência de uma realidade objetiva, que não depende da mente humana, esta objetividade construiu o pensamento moderno.
Embora fosse uma reação ao romantismo, em especial na literatura e na arte na Europa, em especial na França do final do século XIX, no século XX, há um certo retorno ao nominalismo, pela chamada viragem linguística, a sua característica principal é a relação entre linguagem e o pensamento como objeto de investigação filosófica.
Assim a palavra e a linguagem são parte da essência humana, e o dualismo objetividade x subjetividade é colocado em xeque, ainda que boa parte do pensamento esteja atrelado a este conceito do início da modernidade, onde a objetividade predomina.
É a linguagem e a palavra que são usadas antes de armas e de ódios crescentes serem usados, é dela que saem a nossa relação com o Outro, com os objetos e com a vida cotidiana, que palavra seguimos, as variações linguísticas são resultados de fatores sociais, geográficas, profissionais e situacionais, assim a narrativa atual que corresponde a um empobrecimento da linguagem é fruto do empobrecimento humano e da deterioração das relações sociais.
O número exponencial de doenças psíquicas que já afetam não só adultos, mas crianças em fase de escolaridade, afetam a dificuldade de comunicação verbal, assim é preciso cuidar a linguagem, as vezes agressiva e até mesmo litigiosa.
A sabedoria bíblica lembra (Mt 15:17-18): “Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e, depois é lançado em lugar escuso? Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem”.
Prestemos mais atenção como o que falamos, como nos dirigimos ao Outro, nossa capacidade de escuta e de diálogo, buscar aquelas palavras que trazem crescimento e sabedoria e buscar sempre uma relação empática para comunicação de algo importante.
Dar atenção a palavra, em especial aquela que traz sabedoria, bom senso e empatia.
O terceiro incluído e a física quântica
Não são mais os modelos copernicanos e newtonianos que explicam o universo, o centro da galáxia tem um buraco negro, cujas leis de funcionamento ainda desafiam a astrofísica e até mesmo a física quântica, o funcionamento simples pelas leis mecânicas descritas no início da ciência moderna já caíram por terra, embora o raciocínio mecanicista tenha sobrevida social.
A filosofia já retornou a questão do Ser e da essência, embora a maioria dos diálogos e artigos ainda discorram sobre a ciência empirista e o idealismo de Parmênides (460 a.C – 530 a.C.), sendo Popper ele e Xenófanes fizeram um pré-projeto do iluminismo moderno (O mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socrático, Karl Popper), o renascimento tentou retomar a originalidade grega.
Para Popper tanto a Ciência Crítica que Aristóteles havia construído, como a filosofia da natureza quanto a teoria da natureza, as grandes tentativas originais em cosmologia sucumbiram depois de Aristóteles, a idade moderna a partir de Newton formula uma física que modifica parte da visão cosmológica, mas a física Quântica e a Teoria da Relatividade destroem este modelo e ultrapassam o modelo idealista/iluminista da lógica da não contradição (o Ser é e o não Ser não é), criando um terceiro incluído (a lógica de Stéphane Lupasco e a física de Barsarab Nicolescu).
Elas criam novos paradigmas ao mudar o modelo de tempo e espaço absoluto (que agora é relativo) e entender os estados quânticos das partículas, descobrindo o tunelamento (um terceiro estado entre das partículas quânticas) e os buracos de minhocas (espaços não absolutos que podem se abrir no movimento de corpos celestes), veja-se o filme Contacto do romance de Carl Sagan do mesmo nome.
A lógica Aristotélica que justificava um terceiro termo sucumbiu e com ela as lógicas maniqueístas, cientificistas e fundamentalista, uma clareira se abre, maior que Heidegger teria imaginado em seus “Caminhos da Floresta”.
O sentido da clareira no Dasein (ser-aí) de Heidegger é uma metáfora de uma abertura na floresta que simboliza a experiência humana, um campo estático (figura acima) onde nos movimentos e tentamos enxergar com clareza esta experiência (imagem ‘Plan Générique’ de Fotis Ifantidis).
A grande clareira promete se abrir em um mundo de conflitos de toda natureza, que em certo momento terá uma luz “ampla”, a própria ciência verá as divergências epistemológicas sérias, desde um cientificismo arcaico a uma pura especulação filosófica, que se esconde sob a ideia de ciência, que ignora a verdadeira transcendência (não a científica) da humanidade.
A raiz da crise social se revela dentro de marcos antigos do fundamentalismo científico, religioso e político, precisará criar uma crise ainda maior que faça a humanidade acordar do sono idealista/iluminista e se voltar para o bem (veja post anterior) e fugir das narrativas.
O que é o Bem
Esta é a questão que Aristóteles começa a desenvolver sua ética (A ética a Nicômaco): “Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem” Aristóteles (1991, p. 2).
A ideia de Sumo Bem de Platão, que se aproxima mais de uma ideia de divindade do “Mundo das Ideias” (ele dividia o mundo em mundo sensível e mundo das ideias) e a ideia de Bem em Aristóteles, como a ideia de uma escolha tanto na arte como na investigação, supõe que era esta a escolha para a vida social e política da polis grega, que levaria ao equilíbrio da política.
Assim se contrapunha ao mundo dos sofistas, onde toda lógica e escolha era pelo poder e pela posse dos bens terrenos, assim Aristóteles indica que ao falar de ética, fala da ética humana.
Lembra bem o autor que tanto ele como Platão se estabeleciam sobre princípios e não sujeitos a mera retórica e as justificativas de poder: “Platão havia levantado esta questão, perguntando, como costumava fazer: “Nosso caminho parte dos primeiros princípios ou se dirige para eles?” (Aristóteles, 1991, p. 5).
É esta perda de princípios, e o relativismo consequente dela, que faz o pensamento contemporâneo perder-se sobre o que é o Bem e até mesmo o que é a felicidade, tanto Platão como Aristóteles, não a perdem de vista, mas sabem que a felicidade depende da vida da polis.
Tomás de Aquino na baixa idade média não define o bem, mas sabia que ele também partia de princípios ou aquilo que chamava de “noção primária”, afirma: “como o bem move o desejo, nós o descrevemos dessa maneia como tudo o que deseja” e como tal pode se aproximar do bem ou distanciar-se dele.
Quando vemos o bem dessa maneira, podemos usar uma categoria aristotélica e tomista, de ver o bem como uma causa final, como uma perfeição a ser atingida.
O amor aos irmãos, a fraternidade universal não é uma “teoria”, mas um fim a ser atingido.
O equívoco de nosso tempo é pensar que podemos chegar ao bem com pequenos e grandes atalhos de nossas transgressões e maldades.
*Em Aristóteles as causas são: material, o que compõe o objeto ou o ser, a formal: a forma física e conceitual do objeto ou ser, a causa eficiente: o que faz o objeto ou ser, e, a causa final: para que serve objeto ou o ser.
Aristóteles. Ética a Nicômaco. tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim, Brasil: NOVA CULTURAL 1991 (Coleção os Pensadores).
Oriente Médio e Leste Europeu sob tensão
Após ameaça de suspensão da trégua que se iniciou em 19 de janeiro, o Hamas acusa Israel de violar o acordo, neste final de semana mais três reféns do grupo extremista foram devolvidos em troca de centena de prisioneiros, os reféns foram exibidos num palco na cidade de Khan Yunis, no sul de Gaza (foto).
Os três reféns: o israelense-americano Sagui Dekel-Chen, o israelense-russo Sasha Trupanov e o israelense-argentino Yair Horn, estavam com o Hamas desde 07 de outubro do ano passado, o fatídico ataque terrorista.
A situação é tensa porque o governo americano não aceita a governança do grupo Hamas na região e faz todo tipo de pressão para que a região fica neutra.
No leste europeu a política americana é de considerar que a Ucrânia não vai conseguir recuperar os territórios perdidos na guerra e força um acordo de paz com novas fronteiras, ameaçando retirar qualquer apoio, mas não deixa de ver o avanço russo na Europa, no Polo Ártico a presença russa é notável, e forças do Canadá, EUA, Dinamarca e Noruega já se deslocam para lá.
A Europa não abandona totalmente a Ucrânia, porque sabe que a Rússia poderá não parar lá, já fez ameaças aos países bálticos, à Moldávia e a Polônia.
Na semana passada, drones atingiram Chernobyl, ao que tudo indica eles foram enviados pela Rússia, atingindo o escudo central de proteção.
Neste domingo (16/02) a França declarou que sediaria uma cúpula de líderes europeus nesta segunda-feira (17) para discutir a guerra do leste e a segurança da Europa e procura responder a abordagem unilateral do presidente Trump, que usa a política do que não é bom para os EUA não lhe diz respeito.
Em todo este espectro de tensões e ameaças, há sempre um fundo de esperança de paz de retorno ao bom senso e de deixar que os povos vivam em paz, podendo cultivar suas raízes e sua cultura, sem xenofobia e guerras.