Arquivo para novembro, 2018
Olhar os sinais dos tempos com serenidade
Apesar de todo cansaço, de um estímulo cada vez maior a vida activa, a sobrecarga de trabalhos e até de emoções, é possível encontrar atalhos para vida simples e bem vivida, ainda que em tempos bicudos.
O primeiro passo essencial é ter o diagnóstico certo, tantos livros de autoajuda, de boa alimentação, receitas de felicidade que parecem não mover as pessoas das crises de ansiedade, de medo, de angústia e com síndromes cada vez mais graves como a de Burnout.
O diagnóstico é uma sociedade que nos empurrou para um sobre trabalho, não apenas funcional que é necessário, mas com cargas suplementares de ativismo politico, social, religioso e até mesmo familiar como sendo “necessários” para se viver bem e enfrentar as dificuldades.
Não há espaço para contemplação, para repouso mesmo, para atividades de lazer, pois nelas também colocamos mais ativismo, filas intermináveis de carros para praias, campos ou outros retiros que nada mais são do que levar a agitação na mala.
Não sabemos ler os sinais dos tempos, e com isto o ativismo apenas aumenta o vazio e o senso de preocupação, o diagnóstico já apontado por Nietzsche tem uma receita em Kierkegaard voltar a ser o que somos, e dali caminhar para mudanças e evoluções com serenidade.
Os apocalípticos dirão sinais dos tempos, os pragmáticos dirão a humanidade é assim, sempre foi e sempre será, incapacidade de leitura dos tempos, a leitura não fundamentalista sobre o final dos tempos “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós” (Lc 21, 35), pode servir para nossos tempos, bem antes do final do mundo que vai demorar.
Não importa se isto seria o fim dos tempos, o problema é nos tornarmos insensíveis, ou ainda embriagados ou demasiado preocupados com a vida, ela se torna obscurecida.
Serenidade, diagnóstico e educação
A aparente causa de nossos problemas cotidianos parecem ser os avanços mais recentes, as inovações, a vida social, as “midias” de redes sociais e o sobre trabalho humano em diversas áreas, embarcamos no discurso fácil da liquidez, da hipercomunicação e do excesso de informação, este diagnóstico está correto.
Com diagnóstico errado receitamos o remédio errado, colocamos em nossas vidas mais exercícios, uma “vida de exercícios” diria Sloterdijk, mais alimentação natural e mais vida activa para isto, culpa do erro de diagnóstico e de ausência de um futuro claro.
A clareira só pode vir do pensamento, o apelo a prática é o pior remédio deixamos de ter um fim de semana de descanso e de atividades recreativas pois há assuntos “urgentes”.
O diagóstico deste drama atual estava já em Nietzsche (1834-1900), escreveu em Humano demasiado Humano: ‘’Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo’’, uma mostra clara da datação do problema atual.
Pode ser até mesmo anterior, Kierkegaard (1813-1855) escreveu: “o remédio para a ansiedade é sermos como verdadeiramente somos”, apontando no início da modernidade o problema ontológico do qual padece grande parte da humanidade, querer ser o que não se é, ainda que seja bom a ousadia e a busca de novos horizontes, ela deve ser feita solidariamente com o Outro.
O diagnóstico, apontou o Padre Manuel Antunes, cujo nascimento comemorou 100 anos dia 3 de novembro, é contrapor o homo misericors ao homo mechanical, fruto da modernidade, que criou o que o sábio português chamou de “homem espuma”: ligeiro, sem consistência, sem fidelidades e sem convicções fortes.
A educação que deve decorrer daí precisa ser altamente dialógica, abrangente e transdisciplinar, defendeu isto o padre Manuel Antunes, defender Edgar Morin, Basarab Nicolescu e tantos outros, porém é necessário método para que não pare no discurso.
O método proposto por Gadamer, em sua leitura de Heidegger é o círculo hermenêutica, a possibilidade que a partir de pré-conceitos chegamos a uma fusão de horizontes e uma maior possibilidade de releitura da atualidade delineando caminhos para o futuro.
Phronesis e serenidade
Não por acaso Gadamer adota a Phronesis como um dos elementos chave em seu discurso sobre Verdade e Método, incompletamente traduzida como prudência, o termo na verdade dever-se-ia ser confundido com “sabedoria” prática da serenidade, tradução livre.
Isto porque a nosso ver, Gadamer é reabilitador da filosofia prática, os que clamam por pratica, objetividade (sic! bem idealista), são pouco práticos por ausência de sabedoria, são impulsivos e activos (no sentido de vita activa de Chul-Han), típicos da sociedade do cansaço.
No sentido grego, está agregada a ética, mas não é um saber privado no sentido da moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações da impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal.
Esta inclui a obra de arte porque foi a excessiva centralização no eu que reduziu a relação da ética com a estética, a amoralidade pública, o escrachado não é uma nova estética, nem mesmo a negatividade as vezes necessária a arte, é a sua ausência por falta de relação com a ética e o processo formativo.
Gadamer recupera a phronesis a partir da proposta de Aristóteles na Ética a Nicômaco, onde busca estabelecer a articulação entre o universal e o particular, mais ainda entre o indivíduo e a sociedade, dentro de formas históricas da vida, mas com um ethos comum.
Pode-se assim estabelecer uma relação com a educação, num momento que se fala em escola sem partido é preciso pensar que há um outro, sem desejar a neutralidade porque ela será uma ilusão, exploramos num post a seguir.
Falta estabelecer a relação da phonesis com a techné e a episteme, que é o saber teórico e o saber fazer da techné, que está ligada etimologicamente a arte (τέχνη) e ao artesanato.
A harmonia entre as três formas de sabedoria resulta numa sabedoria prática, a práxis.
Serenidade e uma sonata a Kreutzer
Serenidade foi o tema de um discurso feito por Heidegger por ocasião de 175 anos do nascimento do compositor Conradin Kreutzer, em Messkirch, em 30 de outubro de 1955, mas o mesmo Kreutzer foi digno de um romance intitulado Sonata a Kreutzer, de Leon Tolstoi, que narra o dialogo sobre o casamento em uma viagem de trem, numa posição que é quase antagónica pois há um clima de suspense entre ambos que causa intriga e pessimismo.
O pensamento de Heidegger será demarcado por dois de seus escritos: Serenidade, de 1955, e outro a partir de uma conversa sobre o pensamento que teve lugar num caminho de campo, de 1945, onde Heidegger narra um longo diálogo entre três personagens, o Pesquisador, o Erudito e o Professor, sobre a questão do pensar.
O ponto de início sobre o pensamento pode ser o Que é metafísica?, escrito em 1929, onde Heidegger afirma: “de modo nenhum é o pensamento exato o pensamento mais rigoroso”, justamente por se prender ao objetivo último do cálculo, o qual “reduz todo o numerável ao enumerado, para utilizá-lo na próxima enumeração. O cálculo não admite outra coisa que o enumerável”, isto vem de encontro ao neologicismo do Circulo de Viena, e dos algoritmos.
O que causa no pensamento esta lógica é a pretenção de tudo abarcar e submeter, o pensamento calculador “não é capaz d suspeitar que todo o calculável do cãlculo já e, antes de suas somas e produtos, num todo cuja unidade, sem dúvida, pertence ao incalculável que se subtrai a si e sua estranheza das garras do cálculo” (Heidegger, 1943, p. 248 ).
Existem, portanto, dois tipos de pensamento, sendo ambos à sua maneira, respectivamente, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão (das Nachdenken) que medita. […] um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem que saber aguardar que a semente desponte e amadureça.” (HEIDEGGER, 1955, p. 13-14)
O que Heidegger vai explicar nesta obra é que a relação entre pensamento e vontade, em conflito e de onde parte Nietzsche para suas reflexões, não é evocado segundo a tradição, o pensamento representacional que já tem, em si, uma das formas da vontade.
Segundo Heidegger, a forma de liberação do pensamento, que possibilita a forma (ela in-forma diríamos o pensamento) na aproximação das coisas, há uma aproximação não objetificadora, não apropriadora, marcada antes de tudo por um “estar desperto para a serenidade”.
Pode parecer, mas não é a passividade, pois o agir que se oculta no âmago da serenidade é de uma ordem mais elevada do que a das usuais maquinações humanas que envia a ação, ela não implica obrigatoriamente atividade, tal como esta é correntemente compreendida.
Para o pensador esta forma elevada, que embora não o dia está associada a meditação e a contemplação, erroneamente é associada a uma debilidade do querer, a serenidade pois seria fundamental este conter-se, como caminho do pensamento meditativo, é apresentada por Heidegger como a mais elevada forma do agir humano, tão necessárias nos dias de hoje.
Serenidade é antes um conter-se ao mero impulso, a ansiedade e ao agir compulsoriamente.
HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, 1955.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: Os Pensadores. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
Tempo de pausa: será que conseguimos
Ainda há um resto de novembro e dezembro já aparece no horizonte, em todo mundo é um tempo esperado para algo que deveríamos fazer sempre: pausa, espera e encontro com os amigos e familiares, a questão é: será que conseguimos?
Olhando o mundo os sinais sombrios continuam, maiores que os líquidos, pois se algo fosse realmente mudado de estado, do sólido para o líquido, até seria desejável porque algo estaria se movendo, mas parece a mesmice, tudo vai ficando com cara parecida.
Os protestos contra Macron e seus impostos, não é tão diferente de Portugal ou do Brasil, o Estado é enorme e pesa para a sociedade, quem pagará as contas, e os aposentados serão os que pagarão a conta ? incertezas e uma única coisa realmente clara: crise de época.
Há sinais de algum reflorescimento, palavra usada pela filósofa Martha Nussbaum, diria que sim, mas justamente onde as críticas mais pesadas caem: o mundo globalizado, a internet e o Estado “sólido” que vai tomando um feito mais sombrio, perigos à direita.
Participei de um evento de 100 anos do Padre Manuel Antunes, esse homem transdisciplinar, foi o tema de uma palestra escrita com um amigo, em sua obra Repensar Portugal, dizia que era preciso buscar em política, as “zonas temperadas” onde a natureza humana se sente mais confortável, porém a amostra de 2018 é de regiões mais radicalizadas, no sentido mal do termo.
É preciso pausa, ainda que forçada e no desconforto, olhar o futuro de modo que seja possível ter esperança, a paz e uma maior aproximação dos povos, o radicalismo nacional é perverso, a Europa costura um acordo possível para a saída da Inglaterra do bloco, o chamado Brexit.
Os EUA terminam o final do ano com o sonhado muro de Trump, e mexicanos pressionando do outro lado do muro, o que prova que não foi uma solução, mas o anúncio de uma crise.
Novos governos à direita no Brasil e na Colômbia, a esquerda no México vence depois de muitos anos de um partido monopolizar o poder, enquanto Nicarágua e Venezuela desfilam catastróficos governos de esquerda, Bolivia, Equador e Uruguai ficam em zonas temperadas.
Pensar um mundo mais integrado, a questão climática e a distribuição de renda se tornou mais difícil, o que se pode esperar é uma vigorosa reação do pensamento humano, o homem sempre foi capaz de enfrentar os desafios que apareceram, talvez o recuo seja uma retomada.
A verdade que realmente liberta
É comum se instrumentalizar a verdade para favorecer nossa opinião, nossa “doxa”, um certo exagero ou um pequeno detalhe mentiroso, ou mesmo uma distorção dos fatos, isto nada tem a ver com a episteme ou com a busca sincera da verdade.
A verdade que liberta, portanto, jamais é instrumentalizada, ela é uma abertura ao outro, um escutar atento além de nossos pré-conceitos, nunca é unilateral, é capaz de penetrar no círculo hermenêutico, nas razões além de nossos egos e vaidades.
Assim a pós-verdade e a ignorância da “opinião” ou a doxa que contribui com ela e cria verdadeiras torcidas, de certa forma todas religiões fundamentalistas de uma forma ou outra, só pode ser superada com o diálogo a luz dos fatos, a aceitação mutua de pré-conceitos e a abertura para novos aspectos que surgem a partir da fusão de horizontes, eis o círculo hermenêutico que Heidegger e Gadamer procuraram explicar como método de chegar a verdade.
Ela é, portanto, ontológica, isto é nada tem a ver com a lógica formal, seja ela positivistas, neo-positivista ou puramente idealista, é uma lógica do Ser que admite o Outro, e sua visão de mundo e seus valores.
Estudiosos, exegetas e fundamentalistas pouco ou quase nada dizem do fato que Jesus nasceu, por isto o Natal é uma comemoração especial, e veio ontologicamente com seu Ser dar testemunho da verdade, pouco ou nada tem a verdade com a verdade lógica ou legalista de nossos dias, em João 18,37 ele afirma: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”, e diz isto contrariando os fariseus e Pilatos, os fundamentalistas e a Lei no sentido stricto.
A verdade para além da prática e da ação
A verdade da assim chamada pós verdade, deve ser lida não a partir de fake news, de grupos editoriais que são quase sempre polarizados e cheios da “doxa” (opiniões particulares), mas vista de uma busca teleológica da verdade além das culturas, das intolerâncias e das ideologias.
A interpretação de como Gadamer vê esta questão relacionando violência/não violência vem das lições dadas por Heidegger nos anos 20 nas Interpretações fenomenológicas de Aristóteles (Heidegger, 1992), onde penetra na estrutura dialógica da Phronesis, que é a sabedoria direcionada a prática, que na filosofia grega distingue-se da episteme e techné.
Abro um parêntesis, porque isto é importante e qual a relação com uma política cada vez mais sujeita ao direcionamento “prático” da ação e de certo tipo de violência, porque nem mesmo a perspectiva de mudança consegue distanciar-se do que Jacques Ranciére chama de Engagment, diria sendo mais direto, que há falta de prudência e de tato com a prática.
Falta uma noção de mutualidade, uma noção fundamental no pensamento de Gadamer, ressalta o traço dialógico e prático presente no seu projeto da hermenêutica filosófica, que pode parecer um distanciamento da práxis no sentido puro de engagment, mas não o é, no dizer do próprio Gadamer é uma prática que se volta a ela própria sem perceber seus fundamentos e sem compreendê-la como fruto de reflexão e por isto de teoria.
Vamos a obra de arte ou ao campo da educação, ou ainda ao domínio das relações com as questões econômicas, o engagment pode roubar a essência do fazer artístico, pedagógico ou económico, e isto não quer dizer arte, educação ou economia desumanizada.
De acordo com as aulas de Heidegger e a filosofia Aristotélica da retórica, além da phronesis (prática), há outros dois recursos do “ethos”, os apelos a aretê (virtude) e a eunoia, ou seja, o bom pensamento ou a boa vontade que cultiva outros a recebe-la.
Assim a ação prática sem o necessário aceite dos demais, então entra o Outro, sem a virtude pode tornar-se hipocrisia ou inconfiável, sem a simpatia do ouvinte poderá se tornar um discurso repugnante e sem apelo, mesmo com palavras amáveis e doces.
HEIDEGGER, Martin.Phenomenological Interpretations with Respect to Aristotle: Indication of the Hermeneutical Situation. Trad. de Michael Baur. In Man and World, 25, p. 355-393, 1992.
Verdade, além de teoria e prática
O conceito de teoria entrou em pouco crédito se deslocado da prática, porque o idealismo não tem outra possibilidade a não ser a de considerar que era a prática que determinava a verdade, ou o empirismo, pois o ideal como conhecimento, saber supremo da ideia, teria que ter algum método para discernir quando uma “teoria” é valida ou não, e só a experiência poderia dizer.
Há um domínio e um esclarecimento sobre a multiplicidade das coisas e, por outro lado, há um conhecimento de uma situação concreta como se fosse uma orientação mais adequada.
O que Gadamer procurou demonstrar em seu Verdade e Método, entre muitas outras coisas com a questão da historicidade e do método, foi que quando se trata das nossas capacidades técnicas, e elas incluem nossos pré-conceitos e nossa interpretação da realidade, o modelo de verdade não é nem deve ser único, e isto não significativa relativismo, mas capacidade de ver o horizonte posterior ao processo interpretação da realidade, ou seja, depois da fusão de horizontes
No aspecto de nossas capacidades técnicas, ela desempenha bem sua função, que é a de trazer relativa segurança e conforte diante de algumas necessidades que existem e outras que foram criadas no processo de fusão de horizontes.
Quando o campo em questão de nossa história e linguagem estão em jogo, nossa relação com a arte e com a religião, nossa consciência da morte, nosso autoconhecimento, e nossas escolhas e ações responsáveis diante de nossa vivência política, dentro as diversas outras experiências que nos afetam como seres humanos finitos, o modelo de verdade fracassa.
O que os gregos determinam como surgimento espontâneo de uma “arte” [τέχνε] própria para definir o sentido das palavras portadoras de verdade [συνβολον], a arte de interpretar [ερμηνευτικές τέχνες] tem na origem o nome “hermenêutica” que representa não apenas a nossa visão particular de um objeto, mas ao contrário nossa dificuldade de determinar precisamente o sentido de uma mensagem, enquanto a questão da técnica extrapola o techné: arte, oficio e técnica, que para Heidegger, mantém um vínculo estreio com a “episteme” ou seja, o conhecimento todo.
Enquanto o Aufklärung da modernidade acreditava que até os conteúdos da história, os quais se haviam tornado estranhos para nós, também nos poderiam ser acessíveis por meio de nossas atividades racionais, isto é, de uma reflexão teórica, o idealismo a moda dos “velhos” hegelianos, os novos não deixaram de ter referencia a historicidade, e Gadamer vai refletir sobre Dilthey, que teve o mérito de abandonar o psicologismo, sem deixar o historicismo romântico de lado.
Assim falando especificamente da arte, defendeu que para compreender adequadamente suas próprias obras, mais importante que captar a unidade entre o conteúdo do texto e a tradição, é aceitar o esforço de compreensão que só surge onde há a possibilidade de rever algum mal- entendido, ou alguns pré-conceitos, em outras palavras, a interpretação é da natureza do compreender, pois dela faz parte a possibilidade quase sempre do mal-entendido.
Para da hermenêutica contemporânea, com alguns equívocos, Schleiermacher afirma que a tarefa de compreender um texto se deve converter também em um esforço para compreender outra individualidade, que depois vieram tantas questões sobre o Outro.
Capacidade de ir além dos pré-conceitos e reinterpretar a própria verdade é parte do esforço de superação de barreiras onde a irracionalidade e o ódio constroem muros intransponíveis, Gadamer dá este exemplo em Verdade e Método: “Quem abandona-se a particularidade torna-se ungebildet (estranho, “sem forma”), por exemplo, se alguém ceder a raiva cega, sem senso de medida”.
O que é difusão de inovação
Uma inovação para chegar ao mercado, se ela não entrar em desuso que é uma possibilidade, passa por um processo chamado “curva de adoção”.
Everett Rogers, é um reconhecido nesta área de estudos de comunicação, professor do departamento e jornalismo da Universidade do Novo México, seu livro Diffusion of Innovations, já 5ª. edição é um dos livros mais citados na área, a primeira é de 1962, e o autor faleceu em 2004.
Sua argumentação principal é que a inovação é comunicada ao longo do tempo entre os participantes de um sistema social, e a origem de sua teoria abrange diversas disciplinas e embora jamais tenha usado o termo, pode-se afirmar com segurança que é transdisciplinar.
Rogers propõe que quatro elementos principais influenciam a disseminação de uma nova ideia: a própria inovação, os canais de comunicação, o tempo e um sistema social. Este processo depende fortemente do capital humano. A inovação deve ser amplamente adotada para se sustentar. Dentro da taxa de adoção, há um ponto em que uma inovação atinge a massa crítica. Que também pode ser entendida como a curva da adoção
A teoria caracteriza 5 vantagens para adoção de uma tecnologia: 1) a vantagem da melhoria de uma inovação em relação a concorrente de uma geração anterior de um produto, 2) a partir de um ponto, uma equipe deve aprimorar a vantagem relativa ao seu concorrente em potencial para não haver um retorno ao produto anterior, 3) o novo produto deve ser compatível ao anterior, não apenas quando instalação e operação, mas principalmente em relação ao estilo de vida do potencial consumidor, 4) relevância no momento do lançamento que significa um profundo entendimento das condições que a inovação encontra no momento que é lançada, e, 5) qual é a complexidade ou simplicidade do uso da inovação no momento que é lançada, inovações complexas podem atingir um pequeno público apenas.
Na figura acima a perspectiva de uma inovação chegar ao mercado, se não cair em desuso, passa por sucessivos grupos de consumidores adotando a nova tecnologia (mostrada em azul), sua participação no mercado (amarelo) acabará atingindo um nível de saturação.
Incompletude da pós-verdade
Antes de saber o que é pós-verdade, é preciso saber se há alguma definição de verdade, e isto nos leva aos primórdios da civilização ocidental, onde sabia-se que a verdade estava oculta, ou seja, seja para Aristóteles ou Platão, o ápice da cultura grega da antiguidade, a verdade estava oculta, ou seja, era necessária uma aletheia, termo grego para não oculto, manifesto, ou ainda mais a (negação) lethõ (esquecer), portanto só há verdade sobre um fato ocorrido.
Para a filosofia grega era claro que a “doxa” ou a opinião era contrária a episteme, ou ao conhecimento sistematizado e organizado, mas toda episteme implica num método, ou seja, vem daí epistemologia, ou a forma de organizar e comprovar determinado conhecimento.
O assunto surgiu no contexto da política atual pelo fato de alguns políticos, evito os nomes para evitar a polarização doxológica (de opiniões) passaram a querer negar fatos, ou seja, o que estava registrado e comprovado, e mesmo assim negavam, mas isto não é novo.
Já no seu ensaio de 1967 “Verdade e Política”, Hannah Arendt estabeleceu que a verdade que é baseada em fatos podia ser comprovada e verificada, mas os políticos insistiam em revidar e fazerem discursos baseados em opiniões, portanto não é novo, e a ver com a midia é outra coisa, o monopólio de opinião e que quase sempre não está fundamentada em dados.
O fato de existirem midias de redes sociais não é novo, grupos de opinião sempre existiram só que eram hegemônios donos de jornais e revistas, e agora não são, passa a ter um confronto aberto de opiniões, que transformam-se em torcidas organizadas, com apelos emocionais e doxológicos.
Não é por acaso que políticos populistas, que todos beiravam ou eram declaradamente fascistas eram grandes oradores e capazes de provocar fascínios nas massas, o fascínio hoje é outro, a capacidade de articular fatos e usar imagens ou dados que simulam falsas epistemes.
O Brasil foram os casos do mensalão, do petrolão e outros mal esclarecidos que geraram um corpo de meias-verdades que inflamaram e atingiram grande parte da opinião pública, outra foi a pouca consideração com valores culturais e morais da sociedade, quer seja os religiosos, quer seja a cultura negra, indígena e as regionalidades brasileiras, houve muitas não-verdades.
É tão difícil compreender as vezes, que mesmo tentando esclarecer os fatos ficamos confusos, por exemplo, em Portugal ocorre agora um famoso caso de Tancos, um quartel de armas onde um caminhão de armas foi roubados e precisei de um amigo português para entender, há meias-verdades de todo lado e muita gente alta parece envolvida, e as armas foram devolvidas com até uma caixa a mais, parece piada mas não é, um brinde dos ladrões.
A parte da verdade dos fatos, existem as correntes de “opiniões” onde o termo talvez seja inadequado, seria melhor correntes de culturas divergentes ou até opostos, sem o diálogo amplo necessário a tendência são as torcidas (claques em Portugal) crescerem e aumentar o número de conflitos, onde a intolerância impera o risco de graves conflitos é eminente.
Separa-se aqui então “opinião” de divergência epistemológica, cultural ou metodológica, pois diferentes caminhos para se obter a verdade devem ser pensados a parte das paixões, senão a possibilidade de caminhos concretos para superar crises ficam bloqueados e a razão desaparece.