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Arquivo para a ‘Etica da Informação’ Categoria

Miséria do pensamento

04 out

A incapacidade de uma leitura mais profunda da realidade, que sustente e avance para propostas, a penumbra que passa não só pensamento, mas junto com ele toda a sociedade, não tem resposta possível e o resultado é um “eterno retorno” mais trágico e cômico.
Ah como era bom aquele tempo que … a maioria da população silenciosa sofria sem reclamar, as redes que deram vozes (nem sempre positivas é verdade) ao conjunto da sociedade agora já não quer ouvir mais críticas vazias à pós-modernidade, ao líquido que nunca foi sólido, ou a crítica um triunfalismo tecnicista à la Frederic Jamenson, que é marxista é bom que se diga.
A crítica estéril ao consumismo e ao individualismo não foi capaz de penetrar na essência dos grandes problemas sociais, morais e espirituais de nosso tempo, como diria Heidegger o esvaziamento do ser, não é senão o vazio niilista que já apontava Nietzsche no século XIX.
No caso brasileiro é ainda mais pobre, ficamos entre discursos inflamados sobre questões de ordem sexual, acusações e fake news baratos, promovidos pela mídia sem pensamento algum, e também pela falta de um debate mais profundo de problemas sociais, urbanos e globais.
O resultado será desastroso seja ele qual for, e a principal função da democracia que é a educação para a cidadania se perdeu entre facadas e rajadas de autoritarismos, rompantes de discursos inflamados sobre acusações sobre quem roubou mais, não podemos cozinhar pedra e esperar uma sopa, alusão a uma famosa sopa de pedra que existe em Portugal.
Não consegui convencer amigos conscientes e nem mesmo gente religiosa que a escala de violência levaria a um desastre inevitável, a escolha de candidatos que são especialistas nesta linha, e espero estar errado, mas as consequências serão terríveis para o país.
Embora haja uma emergência de governo autoritários no planeta, no caso brasileiro o debate não foi para a linha de propostas e ações de governo concretas, e não se pode esperar que em 2 dias isto se reverta, sonhamos agora com um segundo turno, é como torcer para um empate quando o time podia ganhar de goleada.
Qual foi o erro estratégico, desde o princípio, cair na provocação violenta dos violentos, pobre democracia e pobre país que não olha para a gente pobre a não ser nas eleições.

 

Luta pela paz, com mansidão e justiça

02 out

A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade.

É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.

Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.

Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?

Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.

Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.

Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.

Lembram as bem-aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.

O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?

O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.

É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.

O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.

Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.

Mt 5,11 “Bem aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, o resto maldade.

 

O estado em eterno retorno

02 out

Já apontamos em diversos posts as premissas e seus equívocos da visão idealista de Estado, agora em cheque devido a emergência de governos autoritários, corrupção e crises em ciclo quase intermitentes em muitos países.

Comecemos por Hobbes para o qual a filosofia tinha um fundamento prático (é o que dizem alguns hoje, pasmem), ou seja tem que ser útil e assim descarta toda e qualquer visão que possa ter aspectos de metafísica, e junto com ela espirituais ou teológicos.

A visão Hobbesiana não é diferente de Maquiavel (também invocado atualmente), no sentido de favorecer a ideia de soberano, ainda que o estado centralizador deste período tivesse a tutela dos monarcas, essencialmente não difere de certos “imperadores” de hoje, desde a maneira de se vestir (o imperador está nú) até a postura, de um Putin, por exemplo.

A ideia da contenção coercitiva do estado para a “paz eterna” visão pacificadora da modernidade não é senão aquela que Mostesquieu chamou de “Espírito das Leias”, ou seja, a paz será eterna com um estado forte e coercitivo, não é o que bradam nas ruas atualmente (alguns).

A passagem do “paleolítico” desta paz que levou a duas guerras para o “neolítico” do estado social, ou Welfare State não deveria ser novidade, mas é, porque ele não completou seu ciclo, a triste realidade é que nem pode completar porque a concentração de renda só aumenta.

O triste é que a solução está logo ali na esquina, uma boa vontade política e uma ideia mais clara de que não é necessária uma revolução sangrenta, mas isolar do estado aqueles elementos nocivos que não deixam a sociedade respirar, não falo só dos aspectos econômicos (que incluem a corrupção), mas principalmente do conceito de estado “coercitivo” em moda.

Voltamos ao ciclo anterior, até mesmo da “Riqueza das Nações” que Adam Smith falava e que Marx leu (que na época fazia sentido), mas isto economicamente é inviável num mundo com economia globalizada.

Voltemos a coerção, que inspira tantas vozes autoritárias (até de esquerda), sem a solução conjunta do problema econômica ela sofre uma escala crescente de violência sem volta, e a pior, arma mais e mais forças escravizadoras da “mão de obra” disponível na informalidade.

O que faz uma parcela consciente da sociedade, entra na onda de violência não apenas verbal, mas física e moral que interessa aos grupos autoritários que almejam o poder, para voltar ao velho estado moderno da “coerção” e “paz eterna”.

No caso brasileiro é crítico, entrou-se por este caminho e já parece sem volta, espero que não.

 

O estado está nu ou de roupa nova

01 out

O conto de Hans Christian Andersen A roupa nova do imperador, parece estar na origem da frase o “rei está nú”, que conta a história de um rei que passou a vida preocupado com suas roupas e um dia encontrou dois charlatães que diziam ter um pano mágico que rapidamente se transformava em uma roupa pronta.

Fantasiado o rei deu-lhes uma boa quantia em dinheiro e os dois puseram-se a trabalhar com um fictício fio, chegando o dia do rei estrear sua roupa vai busca-la e embora não veja nada, veste a roupa imaginária e vai para uma grande procissão sem roupa alguma, mas os seus súditos também fingem que o rei está vestido, até passarem por uma criança que inocente que é disse que o rei não vestia nada, o pai pede para ela se calar, pois não se põe o Rei em questão.

Assim é hoje a situação do estado, corrupções e desmandos estão em toda parte, em alguns lugares há punições, mas a maioria das pessoas prefere acreditar que o estado moderno tem sua razão de existir, afinal os governantes são necessários e foram eleitos democraticamente.

Acontece que governantes que são verdadeiras caricaturas de ditadores, até mesmo o tempo deles passou, como o Welfare State (a ampliação do conceito de cidadania com o fim dos governos totalitários no pós-guerra) já passou estamos agora no rescaldo e o estado está nú.

O rei representa a crença em normas e convenções, que no caso do estado é sua constituição e suas interpretações, no caso humano é a impossibilidade de ver algo além de seus interesses imediatos, como o rei era a sua roupa bela e que o faz apostar numa roupa mágica.

As roupagens são novas, mas os impérios que assombram a todos já são conhecidos.

Não há magia, uma economia em ruínas, uma educação decadente e uma violência que cresce.

ANDERSEN, H. C. A roupa nova do imperador. São Paulo: Brinque-Book, 1997. 

 

Entre a lógica da proibição e da permissividade

28 set

O fato que o estado moderno vive uma crise é fácil de observar pelo número de governos autoritários que cresce em todo o planeta, de modo especial no Ocidente e nas Américas, não era de imaginar até anos atrás, um discurso nacionalista nos Estados Unidos da América e ainda a volta de alguns governos autoritários na América Latina.
A educação para a democracia e para o humanismo fracassou na modernidade, é o que constatava Peter Sloterdijk em Regras para o parque Humano, que não é senão uma resposta (dialogal é bom que se frise) as Cartas sobre o Humanismo de Heidegger, onde pergunta: “o que domestica o homem se em todas as experiências prévias com a educação do gênero humano permaneceu obscuro quem ou o quê educa os educadores e para quê? Ou será que a pergunta pelo cuidado e formação do ser humano não se deixa mais formular de modo pertinente no campo das meras teorias da domesticação e educação?” (Sloterdijk 2000).
A educação moderna é para com os direitos e deveres do estado, ainda que o nome tenha sido apagado, a famosa “educação moral e cívica”, onde civismo e moral remetem-se ao estado.
Na lógica bíblica, onde é fundamental o amor agápico e que nem sempre é facilmente compreensível pela cultura teológica, ainda mais quando há polarização social e política, é fundamental que se estabeleçam relações e que elas tenham respeito à opinião e à ação alheia, e isto se dá diante da máxima: “não faça ao outro o que não quer que seja feito a você”, a chamada regra de ouro.
É comum o uso do discurso do outro, pela escassez de pensamento, não se trata de plágio, apenas o uso de máximas ao invés de algo elaborado, assim que algo entra em evidencia. logo já há aqueles que adotam os slogans, sem nem sempre adotarem as ações, mas Jesus diz aos discípulos aos que usavam seu nome Mc 9,39-40: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor”.
Esta devia ser a lógica paraconsistente do diálogo, nunca a lógica exclusivista: “quem não está conosco é contra nós”, mas esta lógica penetrou na política e no seio da sociedade, assim os discursos vão se tornando mais autoritários e mais excludentes aos que não estão de acordo com determinada bandeira.
O que é ilógico, em qualquer sistema lógico, é considerar que seja inclusiva a lógica do ódio, o humanismo não acabou, acabou um humanismo que prega a lógica da força do estado.

Sloterdijk, Peter. Regras para o parque humano – uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. Trad. José Oscar de A. Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

 

A lógica paraconsistente

25 set

O paradoxo de Kurt Gödel, que um sistema completo é inconsistente foi fundamental para uma nova fase nos princípios lógico formais, e cooperou com o surgimento do computador.

Foi o filósofo peruano Francisco Miró Quesada, desconhecido de muitos estudiosos da América Latina, que cunhou a palavra paraconsistente em 1976.

O brasileiro Newton da Costa que desenvolveu esta teoria que tornou-se muito importante para diversas áreas, entre elas a filosofia e a Inteligência Artificial.

Na figura ao lado o eixo que vai de u 0 a u 1 é chamado de grau de crença, mas a verdade tem os pontos A para consistente e C para inconsistente, tendo muita aplicação ao cotidiano.

O estudo aplicado a semântica, explora principalmente os paradoxos, por exemplo, pode-se afirmar que um homem cego, enxerga sobre certas circunstâncias, também o estudo de diversas formas de percepção e habilidades poderá ajudar os parâmetros da deep mind.

Já afirmamos, que justamente o neologicismo poderá ajudar a IA nesta fase de deep intelligence, por exemplo, no estudo das linguagens naturais, a linguagem do dia-a-dia.

A ideia que possa existir A e não-A era inconcebível na filosofia ocidental, é o princípio do terceiro excluído, que vem de Parménides e foi consolidado em Aristóteles.  

As lógicas paraconsistentes são propositalmente mais “fracas”, termos para se referir a esta ruptura com a lógica clássica, pois elas resolvem poucas inferências proposicionais válidas no sentido clássico da lógica

A lógica das linguagens paraconsistentes no entanto são mais conservadoras que as de contrapartidas clássicas, e isto muda hierarquia da metalinguagem feita por Alfred Tarski.

A influencia na linguagem natural foi antecipada em 1984 por Solomon Feferman que afirmou “…a linguagem natural abunda em expressões direta ou indiretamente autorreferenciais, embora aparentemente inofensivas, todas as quais são excluídas do arcabouço tarskiano”, isto porque no cotidiano, em verdade somos paraconsistentes.

 

E vós quem dizeis que eu sou

21 set

As verdades dos fatos só revelam na verdade dos atos, é assim para a vida cotidiana, é assim para a política e para os discursos, se vivemos na pós-verdade, ela tem o limite dos atos.

Gostamos no dia a dia de criar narrativas mais favoráveis a nossa conveniência e ao nosso ideário, mas quase sempre o desvelar existe além da linguagem e do discurso.

A criação de uma inteligência lógica, em camadas mais profundas chamadas agora de Deep Mind ou Deep Learning, não é senão a resposta artificial ao mundo virtual, parte do real junto ao atual, a uma lógica consistente com a ação, enquanto na humana sempre haverá alguma dislexia.

A plena consciência está ligada a plena dialogia, onde os discursos podem interpenetrar no circulo hermenêutico, a diferença com a inteligência artificial é que a máquina aprende com humanos, mas lhe será difícil de escapar da lógica formal, enquanto a humana é ontológica.

Isto significa que estamos na era do Ser, manifestação mais profunda do que somos, e ao contrário do que supõe o discurso anti-tecnologia, é justamente ela que pode ajudar o discurso humano nos aspectos essenciais da lógica, que as vezes falseamos para ter razão.

Historicamente a tecnologia não está deslocada das necessidades humanas, é muitas vezes a má adaptação ou uso da relação humana com a tecnologia que causa alguns transtornos e má compreensão do seu verdadeiro papel, que é o de auxiliar o ofício, a arte e a técnica, diz a origem grega da palavra techné.

Na passagem bíblica que Jesus testa seus apóstolos ele pergunta: “e vós quem dizeis que eu sou” (Mt, 16,15) , para uns foi um grande profeta, para outros um retorno de Elias ou até de Moisés, e só para alguns era o Messias, ou seja, a sabedoria Divina entre nós.

O uso condenável da mensagem evangélica em política, não é pelo fato que devam ser fora dos interesses do bem comum e da sociedade em geral, mas é a possibilidade de instrumentalizar e usar a favor de determinado discurso, nem sempre coerente ao evangelho.

 

 

A verdade e os atos

14 set

Pode parecer estranho para o discurso moderno que a verdade esteja além dos fatos, é porque considera-se o que é factual aquilo que estaria além do agir e do pensar, mas não o é, diria o escritor brasileiro Rubem Alves: “A beleza está além das palavras”.
Por isso Heidegger, Gadamer e Byung-Chul Han e outros é claro, não puderam falar da verdade sem deixar de ter presente a obra de arte, não pela concepção idealista do “belo”, mas por aquilo que está entre a ação e a contemplação.
Uma das artes mais belas que é o teatro, não por acaso tem peças divididas em “atos”, porém que não deveria ser chamada de re-presentação, somente de presentação, vê-la ao vivo é quase uma imposição, vê-la filmada torna-se outra coisa ou cinema ou televisão, agora os vídeos da Web, que fazem sucesso, mas este sim são re-presentações, com muitos fakes.
E o que deve dirigir nossos atos, está no post anterior a citação de Gadamer: ““o que o homem precisa não é apenas o posicionamento persistente de questões fundamentais, mas o sentido do que é viável, o que é possível, o que é correto, aqui e agora” (Gadamer, 1987) e não uma nova mitologia moderna.
A verdade dos atos sempre foi difícil de ser aceita e até compreendida pelos homens, aquilo que sempre esteve “além das palavras” nos atos, diz o evangelista Marcos (8,27-29) sobre os atos de Jesus e que seu discípulos assistiram: “Quem dizem os homens que eu sou?” Eles responderam: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas”. Então ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”, ainda que duvidassem Pedro disse que era o Messias, mas diziam “ele faz bem todas as coisas”.
O pós-factual ou a pós-verdade só é impactante atualmente pelo número de narrativas e a quantidade de pessoas capazes de seguir as pseudo-mitologias modernas, querem só os fatos que convém, mas a coerência dos atos continua tão rara quanto o foi em toda a história.
O educador brasileiro Paulo Freire dá a sentença: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática.“

 

Sobre a verdade, mas qual é o método ?

12 set

A verdade positiva, estabelecida pela ciência e pelo iluminismo tiveram dois alicerces: a ideia (idealismo) ligada a experiência (empirismo), cuja tentativa inglória foi criar uma enciclopédia universal do conhecimento, o “sapere audi” (ousar saber) de Kant, com grandes feitos da modernidade foram insuficientes para abolir a guerra, criou uma crise de valores, uma concentração de riquezas e uma visão de mundo com sinais de fragilidade.
O que a transdisciplinaridade e os educadores sóbrios estão exigindo, uma volta as ciências que deem sentido a vida, ao humanísticos perenes, a Carta sobre o Humanismo de Heidegger, em que bradava: “mas nisto não se deve esquecer que “sujeito e objeto” são expressões inadequadas da Metafísica que se apoderou, muito cedo, da interpretação da linguagem, na forma da “Lógica” e “Gramática” ocidentais.” (Heidegger, 2005, p. 8).
O que chamamos de interpretação, afirma Heidegger no parágrafo 32 de “Ser e Tempo” (é mencionado em “Verdade e Método”), é na verdade desenvolver “as possibilidades projetadas da compreensão”, significa um processo dialógico onde seja possível reaver os pré-conceitos e uma nova “fusão de horizontes”, neste sentido o hermético é contraposto ao hermenêutico.
O pré-conceito, visto como antecipação da experiência humana, atesta o nosso vínculo a tradição na qual estamos mergulhados, mas é preciso o que Gadamer chama de “consciência-da- história dos efeitos” (tradução possível de “Wirkungsgeschichtliches Bewusstsein”), conforme explicação em seu texto “determinada por um devir histórico real, de tal forma que ela não possui a liberdade de situar-se em face ao passado”, dai sua critica a Dilthey.
O nosso distanciamento da verdade, Gadamer começa pela estética, uma cultura das aparências- pela qual começa seu livro, recapitula nos idealistas as ideias de gosto e de vivência (“Erlebnis”), esta última posta sempre com mais enfase, ainda que de modos distintos em Dilthey e Husserl , se desenvolverá de modo a falsear as “ciências do espírito” (ver em sua obra “A Extensão da Questão da Verdade à Compreensão nas Ciências do Espírito”), num esforço analítico de concretizar a chamada consciência histórica, nisto fundamenta-se toda sua crítica à hermenêutica romântica de Schleiermacher, à “Aufklärung” (Ilustração) e ao historicismo de Droysen, Ranke, Dilthey e Hegel.
Sua crítica vai ao fundo da noção de estética de uma obra de arte, quando um pintor, com certa técnica ou estilo, vai a pintura com uma certa técnica, o que se lê no quadro não é a alma do pintor, mas uma técnica própria da época, claro salvo raras exceções, em geral, é isto.
Sua análise é também a partir da analítica hermenêutica, ao criticar Schleiermacher dá-lhe também razão ao dizer que na obra de um artista, de um poeta, um escritor seria fundação perceber a intenção autoral, assim o exegeta a conheceria mais de perto do que o seu próprio autor e não apenas sua letra ou pintura, conhecer o Evangelho de São João seria, antes de nada, conhecer São João, nisto Gadamer rejeita o postulado da escola romântica.
Mas aceitará a escola romântica no “Vamos aos fatos” da “Aufklärung”: “este lê o texto joanino como protestante, aquele como católico, um terceiro como historiador da Palestina. Se varrêssemos todas essas pressuposições, talvez nas linhas escritas pudesse assomar um sentido prístino”, ora o Aufklärung” desejava o encontro de uma interpretação não preconceituosa, que afastasse tanto a tradição da autoridade, como a autoridade da tradição (isto é idealismo!), nisto os românticos estavam certos.
Restam dois senões, a resposta de Sloterdijk a Heidegger (Regras para o Parque Humano) e a pergunta de Ricoeur (O conflito das interpretações): seria então Verdade ou Método (ou, e não e), isto é, verdadeiramente ontológica?

Heidegger, M. Carta sobre o humanismo 2 ed. rev. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro , 2005

 

Breve história da mentira

11 set

Desde sempre as pessoas contam estórias de maneira que sua história parece um pouco melhor do que é, entenda história com h não são aquelas dos livros, mas dos fatos para os quais há artefactos, o que em direito chama-se prova instrumental.

Poder-se-ia ir na antiguidade clássica, onde encontraríamos Diógenes a procurar um homem honesto com uma lanterna, diria hoje um homem verdadeiro. 

Em tempos de partidarismo, que mais parecem torcidas fanáticas de futebol ou algum tipo de crença fundamentalista, a verdade se distorce para todo lado, o fato recente no Brasil da facada do Bolsonaro haviam desde teorias conspiratórias de um crime mal-executado, até quem defendesse que era tudo uma encenação, isto dito por intelectuais … pasmem.

Na história recente encontro o pensador e poeta do Modernismo espanhol António Machado y Ruiz, que escreveu La verdade también se inventa, portanto fake news são mais antigos, o que mudou agora é que intelectuais de pouca notoriedade e gente ignorante mesmo também o pode fazê-lo e com isto ganhar notoriedade mentirosa, mas é de fato notoriedade.

Encontro de Antonio Machado y Ruiz três frases muito interessantes: “Nunca percas o contato com o chão porque só assim terás dimensão uma ideia aproximada de sua estatura”, e “se é bom viver, ainda melhor é sonhar, e o melhor é despertar”, mas devemos despertar sempre e as vezes isto exigem podas, cortes diria, que quanto mais maduro mais profundos.

Lembro-me da frase de Cecília Meirelles: “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira“, lembro também do Poema de Mário de Andrade, O valioso tempo dos Maduros.

No romance O Caminho Menos percorrido, Scott Peck faz uma afirmação para pensar: “Pode parecer menos censurável enganar os ricos do que os pobres, mas não deixa de ser um engano.  Perante a lei, existem diferenças entre cometer uma fraude num negócio, entregar a declaração de rendimentos falsa, usa cábulas num exame ou dizer em casa que se ficou a trabalhar até tarde quando se é infiel. É certo que uns enganos são piores que outros, mas na realidade não passam todos de mentiras e traições”, diria em politica, aos “crentes”.

Lembro mais uma vez Antonio Machado y Ruiz: “É próprio de homens de cabeças medianas investir contra tudo aquilo que não lhes cabe na cabeça”, os que mais se investem contra os outros tem verdade dogmáticas, sabedoria mediana (se as tem) e arrogância aos quilos.

Poderia fazer um longo tratado sobre o círculo hermenêutico e Verdade e Método (vols I e II) de Hans-Georg Gadamer, mas não.

Continuo a investir na educação que não seja a dogmática, nem a pragmática, mas a hermenêutica daqueles que sempre duvidam e sempre estão abertos ao pensamento do Outro.