Arquivo para janeiro, 2015
Oscar 2015 mantém favoritos
Na lista dos filmes indicados: “Birdman”, “Boyhood: Da infância à juventude”, “O grande hotel Budapeste”, “O jogo da imitação”, “Selma”, “A teoria de tudo”, ficaram apenas os menos esperados: “Sniper americano” e “Whiplash”.
Birdman e Boyhood conforme já dissemos anteriormente contém críticas aos super heróis holliwoodianos e a fama a qualquer preço, e poderiam ficar fora, mas talvez ficasse muito explícito o conservadorismo da Academia, aparecem também na lisa de Alejandro Gonzáles Iñárritu (“Birdman”), Richard Linklater (“Boyhood”) onde aparece como melhor diretor Bennett Miller (“Foxcatcher: Uma história que chocou o mundo”) e melhor ator Steve Carell, mas ficou fora de melhor filme.
Com “Sniper americano”, esta é a quinta vez que uma produção dele é indicada na categoria melhor filme, a Academia mostra sua veneração por Clint Eastwood.
“Whiplash” não é totalmente uma surpresa, já que havia ganho o prêmio Festival de Sundance em 2014 e é bem cotado pela crítica, conta a história da carreira de um jovem baterista que sonha em ser o melhor de sua geração e marcar seu nome na música americana como fez Buddy Rich, seu maior ídolo na bateria, mas isto torna-se uma obsessão.
O documentário “O sal da terra” do erudito Wim Wenders fazendo uma cinebiografia do fotografo brasileiro Sebastião Salgado, foi indicado, dirigido também pelo brasileiro Juliano Salgado, filho de Sebastião (veja foto acima).
O filme sobre Alain Turing
O filme “The Imitation Game”, anunciado, inclusive provavelmente concorrendo ao Oscar (a lista sai hoje), é sobre a vida de Alan Turing, considerado um “pai da computação” e que se suicidou aos 42 anos, após ser condenado a castração química, por ser homossexual.
Turing é representado pelo ator britânico Benedict Cumberbatch e a obra estão focada em seu trabalho, importante para a vitória dos Aliados no conflito, pois desvendou a máquina Enigma que era de codificação das mensagens alemãs assim como sua contribuição para a história da informática.
Mas o filme mostra também os problemas enfrentados pelo cientista por ser homossexual.
Sua condenação foi no ano 1952 e seu suicídio em 1954, sob a pena por “indecência” e os remédios o tornaram impotente e fez com que ele desenvolvesse seios, o que pode ter contribuído para sua morte.
Foi apenas em 2013 que ele recebeu um perdão póstumo da Rainha Elizabeth II, após longa campanha para limpar sua honra, pois em 2009 houve um abaixo assinado que fez com que o primeiro-ministro Gordon Brown publicasse um pedido público de desculpas pela perseguição terrível.
A obra foi adaptada da biografia do livro “Alan Turing: The Enigma” (Enigma era a máquina nazista que Turing decifrou), escrito por Andrew Hodges.
A estréia no Brasil está marcada para 5 de fevereiro e a lista dos 10 filmes indicados ao Oscar sai hoje
O globo de ouro mudaria o Oscar?
Pode ser que sim, o já premiado Birdman (levou os globos de Ouro de melhor ator de comédia e melhor roteiro), é uma crítica radical a busca de “fama” a qualquer preço, curiosamente estrelado por Birdman curiosamente estrelado pelo ator Michael Keaton, também ator de Batman (1989), Batman Returns (1992) e lembram-se?
Há 10 filmes indicados ao Oscar, muitas vezes o melhor drama no Globo de Ouro ganhou o Oscar de melhor filme, mas a Academia se dobraria a esta crítica direta e muito bem feita?
Há 10 filmes que estarão na disputa pelo Oscar de melhor filme, “O grande hotel Budapeste” do diretor Wes Anderson, que passou Birdman em melhor comédia no Globo de Ouro, seria um revide da Academia premiando Birdman ou “Selma” (Globo de Ouro de melhor canção original), um filme biográfico sobre Martin Luther King Jr. uma afirmação da Academia já que é de uma rara diretora negra Ava DuVarney, enquanto “Para sempre Alice” que conta sobre uma paciente em início precoce de Alzheimer (Julianne Moore ganhou o globo de melhor atriz em um drama) e a história do físico Stephen Hawking em “A teoria do tudo” (interpretado por Eddie Redmanyne, melhor ator em um drama), seriam uma reafirmação da Academia.
Já o outro premiado com uma crítica clara ao cinema americano é “Boyhood: Da Infância à juventude”. não se trata exatamente de um anti-herói, mas de recuperar a humildade numa sátira ao show business.
Com um pequeno orçamento, feito em 14 anos (com os mesmos atores), o produtor Jonathan Sehring referiu-se ao diretor Richard Linklater como: “Quando ele veio até nós com esse projeto há 14 anos, eu disse que sim, o homem tem tanta humanidade. Ele é tão humilde. Ele dedicou tanto de sua própria vida a esse filme”, os atores fizeram um filme durante longos 12 anos, na medida em que cresciam em sabedoria e humildade.
“O grande hotel Budapeste”, do diretor Wes Anderson, que foi um golpe para “Birdman” conta história de um porteiro de hotel envolvido em um mistério de assassinato e assalto ganhou apenas um prêmio no Globo seria o revide.
Correm por fora: “O desaparecimento de Eleanor Rigby”, “Interestelar”, “Mr. Tuner”, “Como treinar seu dragão 2”, “The Imitation Game” (sobre o precursor da computação Alan Turing), “Invencível” (dirigido por Angelina Jolie) e Big Eyes (biografia séria da pintora Margaret Keane, dirigido por Tim Burton, amanhã sai a lista dos 10 indicados.
Veja os ganhadores do Globo de Ouro
Os prêmios do Globo de Ouro 2015 foram entregues neste domingo 11 de janeiro, alguns já esperados como Birdman (veja nosso post), como melhor ator de comédia musical (Michael Keaton) e melhor roteiro, o melhor filme de Boyhood – Da Infância à Juventude, melhor diretor Richard Linklater e melhor atriz coadjuvante Patricia Arquette .
A premiação feita pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood contou com várias referências à Coreia do Norte e aos atentados na França, com alguns atores incluindo “Je Suis Charlie” em seus discursos, veja os outros prêmios, com os links do site Adoro Cinema:
Melhor Ator – Drama
Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
Melhor Atriz – Drama
Julianne Moore (Para Sempre Alice)
Melhor Filme – Comédia/Musical
O Grande Hotel Budapeste
Melhor Atriz – Comédia/Musical
Amy Adams (Grandes Olhos)
Melhor Ator Coadjuvante
J.K. Simmons (Whiplash – Em Busca da Perfeição)
Melhor Filme De Animação
Como Treinar o Seu Dragão 2
Melhor Filme Estrangeiro
Leviatã (Rússia)
Melhor Trilha Sonora
A Teoria de Tudo
Melhor Canção Original
Glory (Selma, John Legend e Common)
Melhor Série – Drama
The Affair
Melhor Ator – Série Drama
Kevin Spacey (House of Cards)
Melhor Atriz – Série Drama
Ruth Wilson (The Affair)
Melhor Série – Comédia/Musical
Transparent
Melhor Ator – Série Comédia/Musical
Jeffrey Tambor (Transparent)
Melhor Atriz – Série Comédia/Musical
Gina Rodriguez (Jane The Virgin)
Melhor Minissérie/Telefilme
Fargo
Melhor Ator – Minissérie/Telefilme
Billy Bob Thornton (Fargo)
Melhor Atriz – Minissérie/Telefilme
Maggie Gyllenhaal (The Honourable Woman)
Melhor Ator Coadjuvante – Série/Minissérie/Telefilme
Matt Bomer (The Normal Heart)
Melhor Atriz Coadjuvante – Série/Minissérie/Telefilme
Joanne Froggatt (Downton Abbey)
Prêmio Cecil B. DeMille
George Clooney
Jolie, o papa e o “Invencível”
Angelina Jolie encontrou-se com o papa, com quem assistiu uma première do seu novo filme, “Invencível” que conta a história de um atleta e herói da Segunda Guerra Mundial Louis Zamperini.
O encontro deu-se no último dia 7, ela estava acompanhada apenas de dois filhos e sem Brad Pitt, apesar do encontro com o papa, a qum manifestou admiração pela mensagem de paz que ele transmite aos fiéis, já havia informado ao Hollywood Reporter em 2012: “Não tenho uma grande relação com religião. Eu oscilo entre o agnosticismo e o ateísmo”, mas é bom lembra que ela é embaixadora da ONU para refugiados.
O filme conta a história real do atleta Zamperini, que tendo sofrido um acidente de avião na Segunda Guerra Mundial, luta no mar 47 dias para chegar em terra firme e quando chega é captura pelos japoneses.
Unbroken (seria inquebrável) é o segundo trabalho de Jolie como diretora, havia trabalhado anteriormente em é Na Terra de Amor e Ódio (2011).
O filme é uma adaptação do livro escrito por Laura Hillenbrand, chamado “Unbroken: A World War II Story of Survival, Resilience, and Redemption”, publicado em 2010.
O lançamento em cinemas mundiais é no próximo dia 15, no Brasil ainda não há data de lançamento.
Peter Sloterdijk e o imperativo absoluto
Quando alguns resmungam sobre o individualismo, o consumismo e outros ismos, na maioria das vezes desconheceram que é esta a filosofia ocidental, e nela também é baseada a nossa ética (leia o post sobre Martha Nussbaum) e há exemplos no dia a dia: dê o seu testemunho, faça a sua parte, são formas de individualismo muitas vezes disfarçadas em formas de grupos ou comunidades.
O que deveríamos fazer é buscar ações coletivas em conjunto com a humanidade, diria em rede.
Peter Sloterdijk chama a atenção para o imperativo categórico, criado pelo filósofo Emmanuel Kant no início da modernidade, esclarece Sloterdijk: “Kant queria reconciliar o egoísmo dos interesses privados e as exigências do bem comum, ao mesmo tempo possibilitando a coexistência de todas as criaturas racionais no contexto jurídico da sociedade burguesa” (pg. 53), no pequeno opúsculo “O mundo não tem mais tempo a perder” da editora Civilização Brasileira, em 2014.
Esse opúsculo, publicado na França em 2012 com o “Le monde n´s plus de temps à perdre” coordenado por Sacha Goldman, escrevem artigos Michel Rocard, Mireille Delmas-Marty, René Passet, Edgar Morin, Michael W. Doyle, Stéphane Hessel, Bernard Miyet além de Sloterdijk, que como diz o título, diz da urgência de uma governança mundial.
Sloterdijik conhecido pela polêmica com Heidegger em seu “Regras para o parque humano”, escreve sobre neste opúsculo, que o imperativo absoluto é de eliminar entre os homens “as situações nas quais ele fosse uma criatura pobre, miserável, desprezível, abandonada”.
Lembra o filósofo Hans Jonas, vendo a crise ecológica, que atualizou o imperativo categórico orientando-o para o futuro e a política de relação com a natureza, mas ele lembra dois fenômenos recentes: “um técnico e outro político, vieram transformar profundamente o seu alcance” (pag. 64), “o primeiro de natureza imaterial, “estamos saindo do neolítico”, e o, segundo de natureza política, “iniciado na década de 1980, não é outro senão a liberação dos movimentos de capitais no mundo, a qual, permitindo a concentração para além das fronteiras nacionais, leva à formação de um poder financeira planetário superior ao dos Estados” (pag. 66).
O que todos autores deste opúsculo pedem, é uma “governança mundial solidária e responsável”, vale a pena ler.
GOLDMAN, Sacha (coord). O Mundo não tem mais tempo a perder – Apelo por uma governança solidária e responsável, São Paulo: Civilização Brasileira, 2014.
Boris Broys e a arte pós-moderna
Parece que há pouco a dizer sobre a arte atual, ou que talvez esteja havendo uma confusão entre os limites do que é ar e o que não é, mas creio que Boris Groys e Jacques Rancière (o post anterior) podem sim dizer algo.
Boris Groys é um alemão de 68 anos de idade, estudo de 1965-1971 matemática na Universidade de Leningrado (hoje São Petersburgo), trabalhando numa série de pesquisas e participou do movimento Conceptualismo de Moscou e publicou em 1979 o ensaio “Conceptualismo Romântico de Moscou”, depois em 1981, foi fazer seu PhD em filosofia na Universidade de Munique.
Groys é um membro da Association Internationale des Critiques d’Art (AICAO), e tem servido como um companheiro de inúmeras instituições, incluindo Centro Internacional de Pesquisa de Estudos Culturais (IFK), em Viena, Áustria, Harvard University Art Museum, e da Universidade de Pittsburg.
Escreveu os polêmicos “The Communist Postscript” (2010) e “Introduction to Antiphilosophy“ (2012), mas é seu pequeno ensaio sobre a Arte na idade da digitalização, para mim um importante trabalho, onde analisa o famoso trabalho de Walter Benjamin “The Work of art in the Age of Mechanical Reproduction” onde assume a possibilidade de uma reprodução tecnicamente idêntica e perfeita de forma que não permita uma distinção entre o original e a cópia (Groys, 2010).
Leciona desde 1994, filosofia e teoria das mídias, na Academia de Design (Hochschule für Gertaltung), que é dirigida por Peter Sloterdijk, em Karlsruhe (Alemanha) nosso próximo post.
Em seus trabalhos de Boris Groys a arte e a filosofia não têm tratamentos distinto, para ele, tanto uma como outra tratam fundamentalmente de questões que não admitem uma solução definitiva e por isto são imortais, neste enfoque, objetividade e subjetividade se confundem, e nesta perspectiva concordamos.
Exigências culturais não são fictícias, dizem a um espectro de coisas, e quase sempre o objetivo de artistas e pensadores é superar aquilo que é considerado mais avançados, que tem algo de morto em determinado campo, e assim posicionar-se na cultura melhor ao ponto que torna mortais imortais por terem cumprido a exigência imaginária do seu tempo, e ainda que esta imortalidade seja artificial, tem efeito de uma política consciência
Assim o que Groys propõe é que o espaço simbólico da arte inclua necessariamente os mortos, representados por suas obras, imagens, teorias, atitudes, linguagens.
Assim, a verdadeira pressão cultural não vem das instâncias de poder, mas dos mortos e é então um caso muito mais sério que os vivos, pois continuam a perturbar o presente como criadores
É o que faz artistas mortos ainda estarem em competição; como eles, querem, por exemplo, chegar a ter edições integrais suas nas estantes das bibliotecas.
Ranciére: imagem e tecnologia
Jacques Rancière afirma que a imagem já encontrou seu destino (The Future of the Image , 2007) e não se trata de fetichismo, para ele o poder contínuo delas afetam diretamente o homem e ao mesmo tempo são registros e marcas na história para educar e transformar.
Mas é importante e possível coloca-las em uma relação ao ser, se lembramos da categoria da diferença e repetição (Heidegger, Deleuze e outros), as operações temporais da imagem e a imagem-tempo, prefiro a categoria imagem dinâmica, pode-se pensar que esta imagem pertence ao futuro que emana dela.
Não se trata mais do quadro do pintor ou da fotografia, embora elas persistam e continuem tendo uma importância ontológica do registro, mas agora pode-se falar em combinações e interrupções do visível e do dizível ad infinitum, como pensa Rancière.
O que no fundo Rancière afirma, claro é apenas um visão de um interprete, é que política não é apenas a luta pelo poder, mas deve ter sempre uma certa partilha do sensível, uma redefinição das formas de ver e organizar o real, e isto também são as redes e o virtual.
Esta certa forma de agenciamento do sensível que dá visibilidade às coisas de um modo que anteriormente elas não tinham, e abre na pessoa que se apropria das novas ferramentas em boas formas para trabalhar em as potência para falar e atuar em alianças sociais, não apenas partidárias ou em grupos setorizados.
Nas leitura de Ranciére observa-se a preocupação com a possibilidade dos atos estéticos propiciarem sempre novos modos de sentir comum às novas formas de subjetividade política (Rancière, 2000) e penso que as tecnologias possibilitam e empoderam esta possibilidade.
RANCIÈRE, Jacques (2000), Estética e Política. A Partilha do Sensível, com entrevista e glossário por G. Rockhill, trad. V. Brito. Porto: Dafne, 2010.
Martha Nussbaum e o bem frágil
No intervalo de tempo em que separa a publicação do livro sobre Platão em 1986 e a tradução para o português de “A república de Platão: a boa sociedade e a deformação do desejo” (Porto Alegre, Bestiário, 2004), aconteceu o reconhecimento público da filósofa contemporânea Martha Nussbaum, em especial, no mundo anglo-saxão.
Martha é uma estudiosa do pensamento da antiguidade clássica e disse em uma entrevista: “Todas as sociedades modernas […] estão alimentando as formas que impulsionam a violência e a desumanização em lugar de alimentas as forças que impulsionam a cultura da igualdade e o respeito“.
Em seu livro a fragilidade do bem (ou da bondade, traduzem alguns), dialoga com a “fortuna moral” (moral luck) introduzida no pensamento anglo-saxão por Bernard Williams e que tem como alvo principal as concepções éticas derivadas de Kant.
Como observa a própria Nussbaum, “a bondade” do título deve ser entendida como “o bem humano” a eudaimonía, e não como “bondade de caráter”, assim trauduzo como bem.
A crítica de Williams à autossuficiência da ética kantiana traz consigo a possibilidade de apontar para um certo dualismo presente nesta concepção onde o dever ser e ser, o ideal e real se traduzem em dois polos: um puramente subjetivo, a intenção do agente ea orientação normativa da vontade e outro, o elemento objetivo, a afetividade do ato e o seu descobrar na realidade.
Martha Nussbaum, ao tomar a categoria da “fortuna moral” altera o foco em relação a Williams, ao invés da consciência reflexiva do sujeito moral, voltando sua atenção, não exclusiva, aos impasses objetivos resultantes da tensão entre a busca da vida moral bem-sucedida e as contingências de sua realização, superando assim o dualismo.
As três questões apresentadas na abertura do livro são: o método aristotélico de abordagens das coisas humanas, criando uma certa fenomenologica ética ( ), como parte inseparável de uma boa vida: o amor, a amizade, a atividade política etc, assim as coisas tidas como valiosas são plurais, e, terceiro as emoções, os desejos, os sentimentos nos vinculam a objetos, por definição, particulares e contingents, expondo-nos à precariedade e à indeterminação constitutiva destes.
Embora filósofa, Martha é prática e quer penetrar na moral cotidiana, e escreve: “motivado por um senso agudo dos problemas causados na vida humana pela fortuna sem controle” (Nussbaum, 2010, p. 80).
Martha discute no capítulo 4 a noção de tuch em relação ao conceito de techn (perícia, arte, ciência) retomando as ideias concebidas nos séculos V e IV a.C. como uma forma de controle sobre a tuch, seria interessante mas não o faz, a relação com o techné , mas vejo alguns problemas na tradução brasileira.
Assim a autora ao propor uma releitura da ética aristotélica ligada ao mundo da tragédia por ser antropocentrica, é levada a assumir a fortuna como condição constitutia da vida, e para ela tem um impacto sobre a condição a compreensão do papel desta racionalidade prática.
Para ela os limites do discurso da filosofia moral são dados pelos limites humanos “sua matéria é o bem humano, ou a boa vida para ser humano”, esse bem exposto à fortuna e ao acaso, é frágil.
A ontologia trinitária de Piero Coda e o Mal
O Mal, escrevo em maiúscula porque é a categoria ontológica na qual o mal de nossos desafetos e deslizes cotidianos são apenas componentes, deve ser visto dentro da tradição cristã e de muitas outras tradições religiosas como aquilo que deve ser desprezado, combatido e em última instância eliminado, e isto é uma ausência da ontologia trinitária e aí o “Mal” permanece.
Mas se entendemos a figura da Trindade, na tradição cristã, a relação de três pessoas em um único Ser, isto nos remete imediatamente ao amor agápico, como fundamento da religião e é nele que podemos rever a concepção equivocada de Deus e de certa forma de religião, um Deus punitivo.
Seria possível entender isto de modo puramente filosófico, sim e não, sim porque podemos entender o Pai como alguma pessoa com certa autoridade, o filho como imanente ao Pai, e o Espírito Santo como um ser com uma força capaz de resolver as diferenças e esta relação de autoridade e imanência estabelecendo a comunicação e a plena comunhão dos três seres.
Não porque estaríamos reduzindo o amor agápico entre três seres, que de um modo muito profundo fazem que eles sejam um só Ser e isto não é compreensível sem a luz da Fé.
Piero Coda utiliza uma categoria da fundadora do Movimento dos Focolares, que é a figura de Jesus Abandonado para tornar esta epifania uma relação cotidiana com todos os seres e assim cria uma ontologia trinitária, que é capaz de estabelecer uma relação entre o Logos expresso em Jesus, e plenamente realizado na sua figura quando já desfalecido e entregue as dores e sofrimentos na cruz, não chama mais Deus de Pai, mas apenas de Deus: “Meu Deus, meu Deus porque me Abandonastes” diz o relato bíblico.
Qual a lição prática desta figura bíblica poder-se-ia dizer algo paradoxal: Deus não é mais Deus, mas homem, uma ponte entre o homem e o Eterno se realiza, e continua a realizar-se em toda dor, sofrimento e catástrofes humanitárias, então a ontologia trinitária penetra na vida diária.
Ao romper o “muro da inimizade” (Ef 2, 14) Jesus naquele momento cria um campo relacional novo, todos tem acesso ao Outro (Deus) em movimento dinâmico e recíproco, e este campo pode estender-se a toda humanidade, assim realiza já hoje diálogo entre religiões e culturas.
Afirma Coda: “in qualche modo ci é comunicata nella storia l´eterna circulazionde dámore dei Tre … il loro aprirsi ala storia degli uomoni” (Dio uno e trino, Edizione San Paolo, 1993, p. 141).